Por mentiras e decepções

Capítulo Nove – Por Mentiras e Decepções

“Mamilus saw the slaughter,

And tossed his golden crest,

And towards the Master of the Knights

Through the thick battle pressed.”

***

Giovanni Paolo decidira ficar em vigília na casa dos Potter durante a noite, mesmo crendo que a cura de Hermione estivesse fora de suas mãos. Dumbledore ainda aguardava a vinda do Professor Snape e surpreendeu-se ao receber um sinal de Fawkes indicando um imprevisto que poderia atrasar esse acontecimento.

A labareda de fogo, seguida por uma pena, que surgiu próxima a ele indicava que um incidente envolvendo o Ministério da Magia ocorria no Salão Principal de Hogwarts. Receando por um instante, o Diretor decidiu partir, pedindo que o informassem sobre qualquer mudança no estado de Hermione.

Com o auxílio de Fawkes, viajara até o salão oval que era seu escritório, sendo recebido pelos ex-diretores, ruidosamente acomodados em suas molduras à parede. Sem tempo para ouvi-los reclamar sobre a interferência ministerial na escola, desceu rapidamente em direção à gárgula de pedra que guardava a porta da sala e, atravessando algumas passagens muito bem escondidas, chegou ao Salão Principal no mesmo segundo.

Os estudantes estavam silenciosos, chocados com a intenção do Ministério de prender aquele professor de Hogwarts conhecido por sua paciência com os alunos e pela superproteção dada à filha de Harry Potter. Enquanto cruzava os corredores, descobrira sobre a decisão do Ministério de anunciar as suspeitas diante de toda a escola e não pudera evitar o pensamento de censura que cruzara sua imaginação, pois julgava essa atitude do Ministro algo um tanto quanto impetuoso. Talvez quisessem evitar uma fuga; mesmo nesse caso, a intenção era um tanto questionável.

– Permitam que eu indague – Dumbledore, à entrada do Salão, atraíra a atenção de todos ao dirigir-se aos Aurores –, qual é a acusação que sustentam contra meu professor de Transfiguração?

– Dumbledore, ele invadiu um prédio do Ministério e feriu bruxos inocentes! As testemunhas depuseram contra ele – explicou um bruxo, cruzando parte do Salão Principal com a varinha na mão, balançando-a imprudentemente.

– Até onde fui informado – o Diretor continuou amistosamente –, as acusações foram feitas contra três bruxos mascarados, incluindo, entre eles, Æthelind Witt, e em momento algum o nome de Alexander Rhaity foi citado.

– Você! – o bruxo apontou Dumbledore. – Você, mais do que ninguém, não deveria acobertar o assassino de sua filha!

– Ninguém tem permissão para insultar o Diretor de Hogwarts dentro dessa escola – interveio Snape. – Tenha a bondade de se retirar por livre e espontânea vontade, Senhor Marigny, ou seremos forçados a tomar atitudes mais drásticas.

A expressão de Alexander Rhaity permanecia impassível, contrastando com a face lívida de Marigny e com as demonstrações de surpresa dos estudantes. O olhar de Malfoy, usualmente frio, agora queimava de um ódio direcionado ao professor de Transfiguração. Dumbledore permaneceu analisando as reações de Rhaity e não se pronunciou quanto ao pedido do Mestre de Poções.

– Agora, Sr. Marigny! – o tom de Snape foi claramente incontestável.

***

A noite começou e terminou com a tensão pairando sobre a casa dos Potter. Hermione parecia dormir tranqüilamente ao longo da madrugada, embora Harry – que, até então, não saíra de seu lado por um só segundo – soubesse que ela não despertaria tão cedo. No ar, permanecia o mistério sobre o motivo que a adoecia tanto, mesmo que as suspeitas de todos naquela casa estivessem direcionadas a Leahnny – de quem não tinham notícias desde a manhã. Sem tentar explicar por quê, por instinto ou o que fosse, Harry ainda mantinha nela alguma confiança, e não aceitava completamente que Leahnny pudesse ser a causadora da enfermidade da própria mãe.

Ele desistira – temporariamente – de buscar culpados. Estava preocupado demais com o estado em que estava Hermione e, enquanto não pudesse sair do lado dela, seus poderes investigativos estariam limitados.

No final da tarde seguinte, Remo Lupin fez uma nova visita à Itália. Era um pouco complicado para alguém como ele fazer viagens internacionais via flu, mas aquilo nunca o perturbara – as credenciais do Ministério eram mais do que suficientes para resolver qualquer inconveniente alfandegário.

Ao ouvir o barulho vindo da lareira, Harry foi até o corredor, hesitante em abandonar a esposa, mas sabendo que estavam seguros ali – e que não seria um estranho. Recebeu então o velho amigo com um nervoso cumprimento, que Lupin retribuiu com um abraço conchegativo o suficiente para fazer Harry respirar fundo e desejar se acalmar.

Acompanhando Harry, Lupin foi até o quarto e, após ambos certificarem-se de que Hermione continuava dormindo, insistiu para que Harry comesse alguma coisa, alegando que ele próprio estava com muita fome. Não demorou mais do que uns poucos minutos para que o anfitrião preparasse alguma coisa na cozinha e os dois pudessem sentar na sala para comer.

– Eu denunciei Æthelind, Harry. O Ministério tentou prender Alexander em Hogwarts – comentou Lupin, atraindo para si a atenção do outro, que antes estava voltada à contemplação do próprio prato cheio de comida prestes a esfriar.

– Eles tinham outras testemunhas ou só você?

– Só eu. E Dumbledore depôs a favor de Alexander, alegando que o mandado que os aurores possuíam era para Æthelind…

– Sinto muito – comentou Harry, novamente encarando o prato e mexendo a comida de um lado para o outro, sem interesse.

– Sente? – perguntou Lupin retoricamente, só para ver se conseguia alguma reação.

– Eu entendo sua posição, Remo, mas você já esteve enganado antes… Disse que minha filha estava envolvida, mas Leahnny chegou a Hogwarts com os outros estudantes, ela estava no Expresso… mesmo que Dumbledore tenha recebido aquele aviso...

– Harry... – Lupin apoiou os talheres na borda do prato e continuou: – eu sei que você confia em Dumbledore, eu também confio, mas não posso ignorar o que vi. Se era realmente Leahnny ou alguém se passando pela minha afilhada, não sei dizer. Só sei que uma estranha qualquer não me defenderia, contrariando seu mestre.

– É difícil acreditar, Lupin. – Ele olhou para a janela por um momento. – Ela está na Sonserina, mas é nossa filha. Por Merlin, você quer me dizer que uma garota de onze anos tem poder para lançar uma Imperdoável?

– Com um ano, você venceu a pior Imperdoável que existe – respondeu Lupin.

Harry sentiu o sangue fugir de sua face. Pálido, mirou Lupin com incredulidade, sem entender por que ele o atacara verbalmente.

“Perdoe-me, não sei por que eu disse isso. Acho que esqueci que não sou um advogado quando estou com você,” desculpou-se ele.

– Pode apostar que não é – Harry respondeu com raiva por ter ouvido semelhante acusação.

– Eu sei melhor do que ninguém que nada daquilo foi culpa sua... só queria que você não fechasse os olhos diante da possibilidade da Leah...

– Minha filha não teve nada com isso – Harry respondeu peremptoriamente e levantou-se, indo para o quarto e deixando a conversa inacabada.

***

A quebra de sigilo por Marigny na investigação do professor Rhaity trouxera um resultado muito ruim para os que planejavam manter sub rosa a existência de Æthelind. Em questão de horas, o Ministério passara a receber corujas e mais corujas de pessoas do Reino Unido que supostamente conviveram com o bruxo nos últimos anos.

Igualmente Dumbledore fora vítima de pais indignados que exigiam a remoção imediata do professor de Transfiguração. Reuniões de staff – sem a presença de Rhaity – foram convocadas, assim como os antigos contatos da Ordem da Fênix começaram a ser restabelecidos. Livros apresentando a misteriosa história de vida de Alana Dumbledore e sua não-explicada morte foram escritos às pressas e, ao final da semana, já haviam se tornado os mais vendidos da Floreios e Borrões.

Em questão de pouquíssimos dias, Æthelind Witt tornara-se o bruxo mais procurado da Europa. Sua fama de comparsa de Lord Voldemort e o fato – agora conhecido pelo público – de ele viver incógnito por anos em vários países da Europa ocidental tornavam-no um inimigo tão – ou mais – temido que o próprio Lord das Trevas.

Apenas uma pequena parte desse escândalo chegou à isolada casa dos Potter. Nos últimos dias – e noites –, Harry evitara ao máximo sair do lado da esposa, algo que só acontecia quando poções para dormir eram sorrateiramente misturadas aos chás oferecidos ora por Lupin, ora por Dumbledore, ora por McGonagall e até mesmo por Rony. Todos eles sabiam que, de outra forma, ele não teria dormido um minuto sequer.

Snape visitara pela primeira vez àquela noite do banquete de boas-vindas. E o fizera novamente muitas outras vezes depois. Tornara-se quase uma rotina passar pela manhã para ver como Hermione estava reagindo às poções que dera na noite anterior. Em silêncio, sem se envolver com o clima sóbrio de quase-perda que pairava sobre a casa, seguia buscando a cura para algo que até mesmo ele desconhecia. Tinha, portanto, de preocupar-se não somente com os alunos, mas também com a busca – e descoberta – de informações quanto aos ingredientes usados na poção que envenenara Hermione.

***

Ao decorrer a semana, Harry começara a ficar mais preocupado. Não surgiram provas para comprovar as acusações contra Alexander, nem por parte da suposta Inteligência do Ministério, nem por parte das investigações da Ordem. Dumbledore abstivera-se de se pronunciar, legando a Harry o encargo de analisar os recentes acontecimentos e acusações, se tivesse intenção de buscar a verdade. O único que sustentava uma posição era Lupin, que não desistira de acusar Leahnny e o professor de Transfiguração de Hogwarts.

Intimamente, o medo de que as palavras de Lupin fossem verdadeiras começava a emaranhar-se como um nó cego. Harry temia que Leahnny tivesse mesmo mudado tanto em apenas quatro meses de convivência com os colegas sonserinos; temia que tivessem falhado na educação da garota e não houvessem percebido a tempo o fato da filha estar prestes a se tornar uma das protagonistas da nova guerra, desafiando o poder de Hogwarts e do próprio pai.

O fato de Harry ter negado tão veementemente a acusação do padrinho não afastara suas próprias suspeitas; não fora suficiente para convencer a si mesmo de que estava certo. Ele próprio, há poucos dias, duvidara da filha diante de Hermione. Entretanto, por mais que as provas clamassem a condenação de Leahnny, seu instinto como pai obrigava-o a protegê-la e a não acreditar totalmente nas conclusões que sua mente alcançava.

Estava vivendo um verdadeiro dilema, precisando decidir o que fazer e em que acreditar. Seus sentimentos não ajudavam nem um pouco, por virem cheios de cautela, buscando a prudência. Procurava evitar que as incertezas suscitassem conclusões precipitadas, embora necessitasse desesperadamente de respostas e explicações.

Encontrava-se sozinho naquele instante... não poderia contar com a esposa para delinear as idéias e encontrar soluções. Poderia, talvez, conversar com os amigos, com Rony, quem sabe, mas somente quando encontrasse coragem suficiente para sair um pouco do lado de Hermione e se preocupar exclusivamente com o que estava acontecendo. Todavia, no momento, isso lhe era impossível. Permanecia em uma incômoda situação de espera, em que seu corpo passava horas preso na escuridão do quarto e sua mente delineava as mais absurdas conclusões, sem permitir, entretanto, que qualquer decisão tomasse forma.

Precisava esperar. E esperar. E, nesse meio tempo, divagar... trazer à tona lembranças e suspeitas; nada mais que isso. Lembrar-se do dia em que fora para a beira do lago, deixando Hermione sozinha... a filha dentro de casa, com ela... teria realmente acontecido alguma coisa naquele dia?

Havia também, é claro, a questão do vizinho, que só conseguiram encontrar no dia em que o haviam surpreendido com a filha. Na primeira – e única – vez em que com ele falaram, puderam notar um certo carisma existente em sua personalidade. Seria apenas paranóia de sua mente ou o tal vizinho era, de fato, muito suspeito?

***

O cenário para a guerra estava se armando. Após uma reunião com o Professor de Poções, onde este anunciou suas suspeitas sobre as investidas de Æthelind, Dumbledore percebeu que era realmente a hora de agir, de intervir enquanto ainda havia tempo. Por incentivo de McGonagall, marcou o encontro que estava prestes a acontecer. Quando estivera defronte a esta mesma situação muitos anos antes, preferira confiar nas escolhas da filha. Porém, não cometeria aquele erro novamente; não se permitiria falhar mais uma vez, tornando-se diretamente responsável por suas conseqüências.

Era um sábado à noite, depois do jantar, e Dumbledore, sentado na sala íntima que havia em seu escritório, era acompanhado por Fawkes, seu fiel companheiro. A fênix estava ciente da reunião e tentava, de uma forma um tanto quanto inocente, dar-lhe apoio. Seu belo canto pôde ser ouvido no momento em que ela voou para o ombro do diretor, quando a gárgula de pedra se abriu. Voltando à sala principal, Dumbledore caminhou até um dos armários e retirou uma bacia de mármore com inscrições élficas.

Postando-se atrás da escrivaninha, aguardou que a aluna entrasse e analisou-a profundamente em alguns poucos segundos. Os pensamentos dela estavam confusos, havia algo neles que Dumbledore não podia – e não quis – tocar. Alguma força, mais poderosa e obscura do que ele, dominava-a.

Ela sentara-se em silêncio – a única coisa que dissera fora “boa noite” por ocasião de sua entrada –, claramente demonstrando que Dumbledore teria de ser aquele que começaria a conversa para a qual a chamara. Alexander a alertara quanto às habilidades em legilimência do Diretor e ela não o encarara uma vez sequer – fora o contato visual inicial.

– Leahnny, quero conversar com você. Tenha certeza de que serei absolutamente honesto e apreciaria se você também o fosse. Tudo que for dito nessa sala, nela ficará. Não há necessidade de temer punição alguma, pois não haverá julgamentos. Leah, eu sei que você estava no ataque ao Departamento de Execução das Leis de Magia, eu sei que você está ajudando Æthelind.

– Æthelind?

– O que você sabe sobre ele?

– Professor Dumbledore, eu...

Mentir foi a primeira possibilidade que passou por sua cabeça e, no entanto... no entanto, aquele tom compreensivo de Dumbledore que ela não ouvia vindo do diretor há tanto tempo... desde a época em que ainda moravam em Edimburgo, em que ela ainda não recebera a carta de Hogwarts e Dumbledore não passava de um grande amigo de seu pai… aquele tom a impeliu a agir contra seu pensamento, impeliu-a a contar a verdade.

“Você pede que eu diga a verdade, mas sempre mentiram para mim, durante anos”. a voz dela parecia quase demonstrar revolta, e seus gestos se assemelhavam muito aos do jovem Harry. “Em quem eu deveria confiar? Em meus pais, que não me disseram que eram bruxos, ou em quem me revelou a verdade sobre eles?”

– A verdade é uma coisa bela e terrível, Leah, e deve ser tratada com extrema cautela. Seu pai demorou anos para aprender isso e um dia você também aprenderá. Por enquanto, sabe me dizer por que você prefere confiar nos outros a confiar em seu coração?

– Eu sou só uma criança – ela respondeu, e sua voz indicava exatamente isso –, não são os adultos que sempre sabem o que é certo?

– De fato, você é só uma criança... – concordou Dumbledore – e precisa saber que os adultos são humanos, Leah, não deuses. Até mesmo os pais erram.

– Você pode dizer isso... fica só observando como os pais dos alunos agem.

Dumbledore parou e mirou a penseira. Não se precipitaria. Leahnny não estava contestando-o, estava apenas questionando-o.

– Não é preciso ser pai para saber que todos são humanos. Harry pode ter-se enganado ao achar que seria melhor se você crescesse longe do mundo bruxo. Cá entre nós, ele foi um pouco egoísta, pensando somente em como gostaria de viver longe de todo o assédio e da fama que ele considera não-merecida. Só que cabe a você, Leah, perpetuar esse erro, ou ver que a atitude dele não a prejudicou. Você pode perdoá-lo em vez de castigá-lo, como tem feito nesses últimos meses.

– Não estou castigando ele...

– Deixe de culpá-lo sem motivos, minha querida. Ele não mentiu, só preferiu esperar para contar a verdade.

– Você fala como se ele planejasse me contar tudo algum dia.

– Acha que não contaria, Leah?

– Só acho que fez comigo exatamente o que os tios trouxas fizeram com ele: esconderam algo de que tinham vergonha – a garotinha respondeu, sua voz carregada de ressentimento.

– Harry não é como os tios. Ele nunca se envergonharia por você ser bruxa, e tampouco se tivesse nascido trouxa.

– Mas ele tem vergonha que eu tenha me tornado uma sonserina – Leahnny falou, sem duvidar. Não esquecera as palavras que lera na carta dos pais, pedindo para que fosse mudada de Casa.

– Todos nós temos defeitos que não podemos esconder. O desprezo que Harry sente pelos sonserinos é algo muito complexo e difícil de ser apagado subitamente. Dê-lhe tempo, Leah.

– Tempo para quê? Para ele deixar de sentir nojo da própria filha?

Ela queria continuar, queria buscar explicações, sua expressão indicava isso. Havia fechado os olhos para impedir as lágrimas e apertara com força a ponta da manta que estava em sua mão. Daquela garotinha de onze anos emanava infelicidade suficiente para evocar uma melodia triste a ser cantada na voz da fênix. A partir daquele momento, como uma tentativa de consolar Leahnny e ajudá-la, Fawkes se tornou superprotetora quanto à menina. Voou para seu colo e obrigou-a a perceber sua presença.

“Não seria fácil dar tempo a ele, Dumbledore... mesmo que não pareça, a última coisa que eu quero fazer é me afastar dos meus pais.”

– Não há necessidade de que você se afaste. Basta ter paciência, perdoar seu pai e conversar com ele. Ele nunca foi pai e isso é algo muito complicado de se aprender, principalmente se não temos algum modelo em que possamos nos espelhar.

– Ele tem Lupin... é, mas o dindo também preferiria que eu não fosse sonserina – ela declarou tristemente, acariciando a fênix, que se aconchegara sem deixar de observá-la com um olhar melancólico.

– Leah, eles não deixarão de amá-la só por causa da Casa em que você está, assim como não deixarão de amá-la se você errar um gol em uma partida de Quadribol, se perder nas escadarias de Hogwarts ou – Dumbledore completou, observando-a por cima dos óculos dourados – machucar Hermione.

– Como assim? Eu não queria... Se eu não fizesse...

– O que aconteceria, Leah? – insistiu Dumbledore.

– Ele disse que nos mataria... mamãe e eu... eu não podia...

– Você deveria ter confiado em alguém, Leah. – A garotinha, ao ouvir isso, viu a fênix deitar-se em seu colo, como se ela mesmo estivesse pedindo confiança. – Você tem seu padrinho, poderia ter conversado com ele. Remo dificilmente falaria para seus pais se você lhe pedisse para não o fazer... eu sei o quão próximos vocês dois são e não entendo-

– É, tão próximos que estávamos um em cada continente...

– As coisas que separam Æthelind e você não são muito maiores do que isso?

– Ele estava lá! – a voz dela ficou um pouco mais agressiva, um pouco mais urgente para se justificar. – Sabia onde era nossa casa na Itália mesmo sem eu nunca ter contado para ele que tínhamos nos mudado.

– E você não desconfiou disso, Leahnny? Não percebeu, em momento algum, que havia algo errado e que deveria pedir ajuda? Você gosta de esconder-se por trás da inocência de uma criança, mas sei que foi madura o suficiente para decidir obedecer a uma ordem que machucava alguém que você amava e que contrariava seus princípios em nome de salvar sua família – Dumbledore sorriu ao ver que Leahnny finalmente o encarava –, e madura o suficiente para arriscar a própria vida para salvar a de seu padrinho...

– Eu só estava tentando... não poderia deixar isso acontecer, Professor...

– Só que não foi o suficiente, minha querida... Seu pai não quis lhe contar, mas Hermione está muito doente por causa da poção que Æthelind fez você dar a ela. Estou tentando ajudar, mas sequer os medi-bruxos ou o Professor Snape reconhecem que poção era aquela, e estamos trabalhando no escuro, correndo um risco imenso de machucar sua mãe ainda mais. Precisamos de sua ajuda, Leahnny, porque não sabemos mais o que fazer...

Ela fechou os olhos, absorvendo as palavras do Diretor. Dumbledore provara, agora mais do que nunca, que não planejava esconder qualquer coisa, nem julgar alguém. Estava expondo tudo o que sabia sobre a situação, colocando todas as cartas na mesa e demonstrando que confiava na garota ao deixá-la decidir se falaria ou não e, se falasse, até que ponto revelaria a história. Havia ali informações que Leahnny acreditava ser impossível Dumbledore ter obtido e que, ainda assim, ele não escondera. Foi então que Leahnny ponderou se não deveria fazer o mesmo. Foi então que percebeu que precisava fazer o mesmo em nome de evitar um dano maior do que já causara.

– Dumbledore, eu queria poder ajudar mais, mas eu não sei que poção era aquela... Alexander só disse que era para que a minha mãe não percebesse o que ele estava fazendo... e eu acreditei. Eu não sei muitas coisas sobre ele... o Professor Rhaity nunca me disse muito sobre o próprio passado... não gostava muito de responder às minhas perguntas.

– Por que você decidiu ir até ele, Leah?

– Ele era o melhor professor que tínhamos. Transfiguração é uma matéria difícil, eu não conseguia entender no início e ele nunca se importou de ficar algum tempo a mais depois das aulas para me explicar. Ele sabia tanto sobre meus pais... eles nunca falavam comigo sobre a época de Hogwarts, quando eram mais jovens. E então... – a garotinha hesitou –... ele me contou porque os outros me tratavam daquele jeito.

– Pode me explicar de que jeito você está falando?

– Sabe, me olhando como se eu fosse uma... anormal. Porque falavam aos sussurros quando eu passava e se calavam quando eu chegava mais perto. Era horrível, Professor, como se eu tivesse algo de muito ruim em mim. Quando começaram a perceber isso, as pessoas com quem eu tinha iniciado uma amizade se afastaram, passaram a agir que nem os outros...

– As coisas que Æthelind disse, as histórias que ele contou... eram verdadeiras?

– Até onde conversei com o papai e com o dindo, sim... Bem, em parte, ele me contou o que vocês sabiam... eu até vi alguns exemplares antigos do Profeta Diário, não tinha como ele estar mentindo.

Dumbledore entendeu o que ela queria dizer. Ele contara a ela a verdade escrita por Rita Skeeter no jornal sensacionalista, que também incluía na história a campanha de difamação que Harry sofrera durante a última guerra contra Voldemort. Leahnny sem dúvidas ouvira uma história muito coerente, e Harry agora pagava o preço por ele mesmo não ter contado a verdade logo no começo.

“Mas ele... algumas coisas que ele me disse não eram verdade...”

– Como o quê, por exemplo?

– Ele disse que não machucaria minha família e que eles não se importariam se soubessem que eu usava Artes das Trevas, porque até meu pai sabia usar. Falou que eu poderia aprender apenas a me defender... e realmente praticar minha magia... não apenas usá-la para feitiços-

– Simples? – adiantou Dumbledore.

– Fáceis demais...

– Você é mesmo filha de Hermione Granger – o Diretor comentou e Leahnny sorriu, mais calma. – Você precisa saber que nossa ansiedade pode ser uma armadilha, Leah.

– Eu... sempre tive de esconder minha magia. O professor me permitia usar e praticar e tentar... aprender mais... eu só queria ser uma bruxa...

– Você sempre foi uma bruxa.

– É, mas há uma grande distância entre ser uma bruxa e provar isso para o grande Harry Potter – ela falou, o ar magoado voltando à sua voz.

– E por que essa necessidade de provar a ele que você é uma bruxa? Seu pai soube que você era uma no momento em que viu a carta de Hogwarts.

– Eu preciso provar que sou uma bruxa, e não uma sonserina.

– Você é uma sonserina, não fique tentando provar o contrário.

– Infelizmente... – ela concluiu com tristeza.

– É realmente isso o que pensa? Por que insistiu com seu padrinho para que não fosse trocada de Casa se não gosta realmente de lá, Leah?

– Eu não queria ter ficado na Sonserina... – falou, mantendo o tom de voz. – Eu nem deveria ter vindo para Hogwarts...

– Por que não, minha querida? Você não gosta da escola?

– O problema não é a escola... é o jeito com que as pessoas me tratam...

– Muitos alunos sentem dificuldade em se adaptar no primeiro ano...

– Você sabe muito bem que eu tenho motivos para não gostar daqui – ela disparou.

– Muito pelo contrário – sorriu o diretor. – Você tem mais motivos do que os outros para continuar aqui. Você ainda tem de provar que pode passar por cima das agressões. Provar para si mesma, não para seu pai.

– Como você quer que eu faça isso? As agressões não acontecem só com palavras, Dumbledore! E então, quando eu tento me defender, vocês culpam a mim por estar usando Artes das Trevas!

– Não é se unindo a Æthelind Witt que você conseguirá alguma coisa...

– Eu não me importo com quem vou ter que me unir!

Surpreendido, Dumbledore demorou alguns instantes para responder.

– Para quê, Leahnny?

– Para acabar com todos, todos eles! Quem eles pensam que são para me julgar assim? – a garotinha exigiu, levantando-se da cadeira e ignorando a fênix que voara no mesmo instante na direção do ombro do Diretor, soltando uma nota estridente com sua voz.

– Minha querida, você também os está julgando.

– Eles pediram isso! – respondeu ela, afastando-se da janela que estivera observando nos últimos segundos e voltando-se novamente para Dumbledore. – Sabiam o que ia acontecer se me tratassem desse jeito! Eu nunca tinha feito nada para eles.

– Mas agora...?

– Eles têm de sofrer! Deveriam morrer, ser esmagados como baratas ou qualquer outro inseto repugnante. Quem sabe desse jeito percebam a culpa que tiveram em agir assim comigo!

– Será que eles sabiam realmente o que poderia acontecer? Você acha que eles tinham como saber? Acha que eles desejariam que você se sentisse assim? Você os julga novamente. Tudo o que os outros conheciam eram a lenda sobre a vida de seu pai. Talvez falassem aos sussurros por curiosidade, e se calassem ao vê-la se aproximar para evitar constrangê-la com perguntas. Não a olhavam como alguém anormal, mas sim como alguém diferente, como agiam com Harry. E você reclama por conviver três meses com isso, imagine se fosse uma vida toda. Para evitar algo assim, seu pai a exilou do nosso mundo.

– Mesmo assim, eles não tinham o direito...

– Então lhes dê uma chance para-

– Eles não me deram uma chance!

– Por que você queria uma chance, Leah? – Dumbledore perguntou calmamente.

– Para ser uma bruxa-

– E você é! Você é uma bruxa sonserina, minha querida – enfatizou ele. – Por que tal necessidade de provar o contrário?

– Porque assim meu pai não se enojaria de mim, não me rejeitaria, como os outros fazem.

– Harry rejeita você?

– Me rejeitou a vida inteira como bruxa e me rejeitou como sonserina assim que ficou sabendo.

– Ele nunca demonstrou... – Dumbledore comentou amistosamente, tentando recordar alguma vez que tivesse visto Harry agir mal com a filha. – Quando isso aconteceu?

– Não importa, eu sei-

– Æthelind colocou essas coisas na sua cabeça? – ele perguntou subitamente ao não receber uma explicação.

– Não, ele só me mostrou o que eu não queria ver.

– Não queria ver porque não existiam, Leah. Só porque Harry nunca a incentivou a fazer magia, não quer dizer que ele a rejeite como bruxa. Quer dizer que, sabendo da alta probabilidade de haver na família mais alguém sem os poderes de um bruxo, ele procurou não incentivar algo que pudesse não existir. Harry não queria que você se sentisse culpada por não corresponder às expectativas de seus pais, se fosse esse o caso. E só porque ele requisitou sua mudança de Casa, não quer dizer que a rejeite como Sonserina. Quer dizer que ele estava vendo em você, em suas atitudes, em seus feitiços, as influências dos seus colegas e temia que isso a prejudicasse. Mas ele estava errado, não é mesmo? Não era com a influência dos seus colegas que ele deveria se preocupar...

– É mesmo... – ela sorriu cinicamente. – Vocês todos chegaram... atrasados.

– Será? Não acredito nisso, Leah. De outra forma, não a teria chamado aqui. Não é tarde para você mudar suas atitudes e pensamentos – respondeu ele, pegando a própria varinha e apontando para a própria têmpora, de onde surgiu um frágil rio prateado que ele depositou na bacia rasa à sua frente. – Você já viu uma penseira, minha querida?

– Que lembrança vai me mostrar? – antecipou ela.

– Algo que aconteceu há muito, muito tempo... Você não foi a primeira a se envolver com magia negra, Leah, e nem será a última. Infelizmente, o final da história que lhe contarei foi muito mais soturno do que espero que seja o seu.

Dumbledore empurrou a penseira para frente até que quase alcançasse a borda oposta da mesa e sinalizou para que a garotinha se aproximasse. Obedecendo, ela levantou-se e, sabendo o que deveria fazer, prendeu a respiração antes de mergulhar o rosto na substância difusa e se permitir ser absorvida por completo pelo conteúdo da bacia de pedra.

Leahnny se viu envolvida por uma atmosfera completamente diferente e, ao mesmo tempo, familiar. Hogwarts estava decorada para o Natal, com festões cruzando os corredores e bolas brilhantes flutuando próximas ao teto. Havia muito poucos alunos nos corredores e a escola, apesar do clima festivo, parecia silenciosa. A lembrança em que Leahnny entrara a fazia seguir uma garota de cabelos castanhos que aparentava ter sua idade e bem parecida com ela.

Entraram em uma área do castelo que era desconhecida para a maioria dos alunos. Paredes altas e de pedras nuas limitavam o novo corredor que percorriam. A garota da lembrança parou em frente a um conjunto de pedras salientes que, se observadas a distância, pareceriam emoldurar algum portal. Leahnny a ouviu murmurar “Patrícia” e, como se fosse uma senha, as pedras afastaram-se para as laterais, dando passagem.

Assim chegaram a um aposento amplo e aconchegante, cujas paredes circulares estavam cobertas por livros, acomodados em estantes altas feitas em madeira de lei. No lado oposto, havia uma segunda porta e, próxima a ela, uma lareira era mantida em brasa. No centro da sala, um homem magro e alto, de cabelos acajuados, sentava-se em uma pesada cadeira e debruçava-se sobre uma dúzia de livros abertos sobre uma mesa redonda. Por mais concentrado que estivesse, ele não ignorou o fato de não estar mais sozinho.

– Boa tarde, filha – cumprimentou ele, levantando os olhos e sorrindo.

Sem tomar consciência de que era observada por Leahnny e por uma versão mais velha do pai, Alana aproximou-se e envolveu Dumbledore em um abraço.

– Boa tarde, papai – respondeu.

O jovem Dumbledore afastou a cadeira e os livros mais próximos, permitindo que a garotinha sentasse em seu colo. Então, mirou-a com seriedade e perguntou:

– Aconteceu alguma coisa para você ter vindo? Eu não a via aqui há um bom tempo.

“De fato, Alana só me procurou ali duas ou três vezes depois que contei a ela onde eu passava a maior parte do meu tempo livre na escola, mais de quatro meses antes dessa conversa”, o Diretor explicou a Leahnny.

– Não, papai – a garotinha balançou a cabeça. – Eu só estava com saudades... Você não apareceu nem no almoço...

– Eu apareci, como você diz, no café da manhã. Se a senhorita estivesse presente então, teríamos nos encontrado.

– Ah, eu... – sentindo as bochechas ficando vermelhas, Alana baixou os olhos e riu –… eu dormi demais. Mas também, não tinha ninguém no dormitório para me acordar! Então, papai, o que nós vamos fazer hoje?

– Er... nós? Não que eu não goste da idéia de passar a tarde com você, filha, mas eu estava dando uma olhada nesses livros e-

– Você pode deixar isso para a semana que vem! – Ao ouvi-la falar, Dumbledore imediatamente lembrou-se da esposa, que sempre procurava mudar os planos dele e adiar coisas que não eram tão importantes quanto à família. – Além do mais, você não pode trabalhar hoje à noite.

– E posso saber por que não? – ele questionou com curiosidade.

– É véspera de Natal, papai! Até o castelo está quase vazio, todo mundo foi para casa... – A voz da garotinha de repente perdeu a alegria.

Seria o primeiro Natal que Alana passaria fora de casa, pois, mesmo sendo professor de Hogwarts nos anos anteriores, Dumbledore sempre arrumara tempo para voltar à Itália e ficar com a filha durante o Natal, a Páscoa e a maioria dos finais de semana.

– Melhor assim, não acha? Porque agora temos quase todo o castelo só para nós... – comentou ele com um brilho estranho nos olhos.

– É, mas não tem graça se você nem sai daqui, se fica só lendo esse monte de livros o dia inteiro, e nós estamos de férias!

– Vamos fazer assim... eu vou terminar logo o que estou fazendo aqui e depois a levo para conhecer o melhor lugar de Hogwarts, um lugar que você nunca foi. Está bem?

– Logo quando?

– Não mais do que duas horas.

– É muito tempo, papai... – Alana olhou mais uma vez para a mesa cheia de livros e considerou novamente. – Eu posso ficar com você enquanto espero?

– Pode, mas tem de ficar sentadinha aqui do meu lado... não quero que fique andando em volta da mesa. – Ela riu ao ouvir o pai lembrar-se de seu melhor método para apressá-lo. – Pode até pegar algo para ler, se quiser.

Ela concordou e levantou-se, indo em direção a uma das estantes, encontrando nela, em questão de segundos, o livro que procurava. Com ele em mãos, voltou para perto da mesa e sentou na cadeira à direita do pai, abrindo o livro no colo.

“Aquele livro que ela está lendo... foi a primeira história sobre bruxos que Patrícia e eu contamos a ela...”, o Diretor que Leahnny conhecia comentou. “Eu nem teria feito a associação se não soubesse o assunto sobre o qual estamos prestes a conversar.”

– Quem é Patrícia? – Leahnny indagou.

– Era minha esposa, mãe de Alana. – Pela primeira vez, Dumbledore deu a uma aluna de Hogwarts tal informação.

– Era?

O Diretor respondeu com não mais do que um brevíssimo aceno com a cabeça, e em silêncio se passaram os cinco minutos seguintes. O Dumbledore mais jovem continuava imerso em seus estudos e Alana, ao contrário, sequer virara a página do livro. Permanecia encarando as folhas como se ali nada houvesse escrito.

– Papai... – ela falou sem encarar o pai, com a voz baixa, sem ter certeza se queria ser ouvida –… foram os trouxas que mataram a mamãe?

– Alguém disse isso para você? – o pai perguntou calmamente, enquanto era observado pelo seu eu mais velho, que não demonstrava emoção alguma, atitude que ele só conseguira depois de ter revisto sozinho a cena inúmeras vezes.

– Não, eu só estava pensando... Se a mamãe não estivesse no meio deles... se eles fossem bruxos, talvez soubessem quem você é e não a machucassem...

– Você quer dizer que outros bruxos não a machucariam por saber que ela é bruxa? – ele tentou interpretá-la.

– Bem... é mais ou menos isso.

– E os trouxas evitaram machucá-la por ela ser trouxa?

– Mas eles são maus! Não se importam com ela nem com ninguém! – Alana falou com veemência.

– Isso não é verdade, minha filha. Os trouxas não são maus, não todos. São como nós. Você sabe que existem bruxos maus que matam outros bruxos e bruxos maus que matam trouxas.

– Eles não são maus – resmungou a garotinha inaudivelmente.

– O que você disse, minha filha?

– Eu disse que eles não são maus. Não podem ser maus se matam trouxas.

– E por que os que matam bruxos são maus então? O que há de tão diferente entre bruxos e trouxas?

– Os bruxos são bons, eles não merecem ser machucados.

– Nem todos os bruxos são bons, Alana, nem todos... Eu disse que os trouxas são como nós, e é verdade. Existem bruxos bons e bruxos maus, assim como existem trouxas bons e trouxas maus. A única diferença entre nós é que os bruxos podem usar a magia que possuem, mas somos todos seres humanos, filha, e ninguém merece ser machucado.

– Mas a mamãe morreu quando estava com eles, por causa de uma arma deles!

– O tiro foi um acidente, minha filha. – Dumbledore fechou os olhos alguns segundos. – As armas dos trouxas não são como as nossas varinhas. Para matarmos alguém, precisamos apontar na direção correta, fazer o movimento correto, dizer o encantamento correto e, o mais importante, precisamos realmente querer tirar a vida daquela pessoa e estar ciente das conseqüências desse ato. Com os trouxas é diferente. Eles só têm de apertar o gatilho e apontar a arma na direção certa.

– Então eles não deveriam ter armas.

– É como eles se defendem... Você queria que os bruxos fossem obrigados a andar sem varinha?

– Mas é isso que eles fazem com os bruxos maus, expulsam de Hogwarts e quebram a varinha...

Dumbledore sorriu pela filha pensar que ser expulso da escola era uma das maiores punições para um bruxo criminoso, e decidiu que não havia necessidade de informá-la sobre Azkaban. Era cedo demais para quebrar a inocência de Alana.

– Bem, eles tentam tirar as armas dos trouxas maus também... mas, filha, não foi um trouxa mau que atirou em sua mãe, não pense o contrário. Ele era um trouxa bom, estava tentando proteger Patrícia. O tiro foi um erro.

– É que quando eu penso na mamãe... – o olhar dela voltou ao livro em seu colo antes que ela continuasse –... tudo o que lembro é do momento em que você me contou que ela não ia mais voltar... Eu não consigo nem lembrar de como ela era... isso é errado, não é?

– Venha comigo, Leah – convidou o Diretor, enquanto o outro Dumbledore convidava a filha a aproximar-se.

Leahnny saiu pela mesma porta por que entrara. Entretanto, viu-se em um corredor totalmente diferente do anterior. Este que começava a percorrer com Dumbledore estava novamente coberto por pinturas que se moviam, como um típico corredor de Hogwarts, e também havia janelas que davam para o pátio da escola.

– Seu pai nunca me questionou isso, e duvido que ele tenha questionado a si próprio. Harry não podia sentir culpa por não se lembrar dos pais, era muito novo quando foi obrigado a se separar deles. Mas, depois que ele entrou em Hogwarts, não demorou muito para que encontrasse motivos para se culpar. Ele viu muitas pessoas serem mortas, Leah, e, muitas vezes, julgou que essas mortes aconteceram por ele ter errado em algum ponto...

Antes que Dumbledore continuasse, vozes que vinham do final do corredor o interromperam. Quando estavam mais perto, Leahnny pôde reencontrar a garota da lembrança anterior. Agora ela usava as vestes de Hogwarts com o símbolo da Corvinal incrustado no peito. Os longos cabelos castanhos estavam divididos em duas tranças e ela aparentava ter mais de dezesseis anos. Conversava com um garoto bonito e mais jovem, da Sonserina.

– Tom, você não deveria continuar com isso. Não é certo você treinar Æthelind, Ormand e Sorrell para usar Artes das Trevas, principalmente contra os trouxas.

– Quem lhe contou isso, Alana? Foi Æthelind?

– Por que importa quem me contou? Para você puni-lo como fez ontem à noite? Eu sei o que vi e isso tem de parar.

– Ou o quê? Você vai correr e contar para seu querido papai? Não deveria estar me ameaçando, Alana, sabe que sou muito mais que um monitor da Sonserina!

– Deixe o meu pai fora dessa história, Tom! E o fato de você ser o Herdeiro de Slytherin não descrimina o que você está fazendo.

– É mesmo? E quem disse que o que estou fazendo é crime? Por que é tão errado assim usar Artes das Trevas contra os trouxas?

– Eles são como nós, Tom. São pessoas como nós, só que não usam magia.

– Quantos trouxas você conhece, Alana? Um, dois? Aposto que não muitos, vivendo trancada nesse castelo. Eu convivi a minha vida inteira com eles, e sabe por quê? Sabe por que eu tive de viver em um orfanato trouxa sem uma família? Porque meu pai trouxa rejeitou a minha mãe. Para ele, minha mãe não passava de uma qualquer, de uma bruxa que o enganou só pelo dinheiro – Riddle contou com absoluto nojo.

– Como você poderia saber?

– Porque ele disse isso na minha cara, Alana. Você pode imaginar uma coisa dessas? – Ele perguntou sem raiva alguma. – Foi o pior momento da minha vida. E depois, os que deveriam ser meus avós me expulsaram de casa...

– Eu sinto muito...

– Eu também – respondeu Riddle, apresentando uma expressão de profunda tristeza.

– Você tem razão – comentou Alana, encostando-se na parede –, eu não conheço muitos trouxas. Só que eles não me parecem tão ruins assim... talvez seja só a família do seu pai e nós possamos fazer algo quanto a isso...

Dumbledore pegou o braço de Leahnny e a conduziu até as escadas, por onde desceram um andar. Continuaram caminhando pelos corredores e o Diretor voltou a falar:

– Agora você sabe por que lhe mostrei a primeira lembrança. Minha esposa de fato morreu por uma arma trouxa. Foi um assalto em Londres. Um policial tentou atirar no assaltante, que usou Patrícia para se proteger... Eu fui até lá quando soube e o policial veio falar comigo. Estava tão arrependido... nunca pude culpá-lo pelo que aconteceu. E você percebe que, com minha filha, infelizmente, não foi bem assim. O jovem que você viu nessa lembrança... era Tom Riddle, que mais tarde se tornaria Lord Voldemort.

– O Æthelind que Alana mencionou...

– É Alexander. Ele apoiou Riddle desde o início e ambos foram meus alunos. Riddle sempre foi um jovem carismático, você viu que uma conversa foi suficiente para que os sentimentos de Alana por ele passassem da raiva para a simpatia. Alana estava ciente do que Riddle planejava, dos seguidores que tinha e da magia que ele praticava. Eu permiti que nos afastássemos muito nessa época, algo de que me arrependo até hoje. Confiei demais nela e nas escolhas que a considerei madura suficiente para que fizesse. Alana nunca me contou que Lord Voldemort começara a matar em Little Hangleton, nem que ela mesma estava praticando Artes das Trevas. Tentei adverti-la sobre Riddle, mas não tive coragem de confrontá-la. Minha filha era uma adulta, afinal, e não se envolveria com esse tipo de coisa...

Dumbledore parou de falar e de andar. Estavam perante mais uma porta. Sem muito esforço, Leahnny reconheceu aquele como o primeiro andar da escola e aquela, como a sala do professor de Transfiguração, quem quer que fosse.

“Como eu disse antes, Harry julgou que muitas mortes aconteceram por ele ter errado em algum ponto... e, quando por fim conquistou Voldemort, também se culpou por mais uma morte, mas não a do Lord das Trevas. Na noite em que lutou com Riddle, no Ministério da Magia, houve uma espécie de lapso na história, misturando lembranças com acontecimentos... A lembrança que você verá agora não foi erro de ninguém, a não ser meu. Foi minha visão limitada que originou esse resultado, embora tenha sido Harry quem presenciou seu desenvolvimento.”

Ele então indicou que Leahnny deveria abrir a porta. Com hesitação, ela obedeceu. Encontrou-se, então, diante da cena que fizera parte de muitos dos pesadelos do pai.

Sobre a escrivaninha, estava pendurada a garota que ela vira antes. A corda passava por seu pescoço e era amarrada no lustre. Alana não usava o uniforme da escola e sua roupa estava em trapos. Os dois pulsos tinham uma ferida aberta, longa e profunda, e, em seu antebraço esquerdo, a Marca Negra estava estampada. A cabeça pendia em direção ao chão, para onde seus olhos miravam – duas orbes vazias, frias e sem vida.

Leahnny fechou os olhos e desejou não permanecer ali por mais tempo. Sabendo do choque da garota, Dumbledore fechou a porta e a pegou pelo braço mais uma vez, tirando-a das lembranças e trazendo-a para a sala da direção.

– Desculpe-me por fazê-la ver isso, Leah, mas foi necessário. Eu não poderia deixar que você seguisse o mesmo caminho de Alana e terminar... talvez não como algum inseto repugnante, mas assassinada em uma sala qualquer. Não sem eu fazer nada... – Dumbledore falou e Fawkes voou para a mesa à sua frente –, não dessa vez.

– Eu entendo... – Ela respirou fundo e encarou o diretor. – Obrigada.

Dumbledore não perguntou o porquê do agradecimento, somente indicou com a cabeça que havia entendido. A garotinha pediu licença, levantou-se e saiu sem nem mais uma palavra. Palavras não precisavam mais ser ditas. Estava na hora de serem postas em prática, estava na hora de tomar uma decisão e resolver todos os conflitos que Alexander fomentara em sua família.

***

Próximo Capítulo: Leahnny decide encarar alguns problemas e descobre que essa talvez não seja a atitude mais sensata...

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