A Última Chance de Ser Rainha

A Última Chance de Ser Rainha



Capítulo Dez – A Última Chance de Ser Rainha

“Herminius on black Auster,

Brave champion on brave steed;

In his right hand the broadsword

That kept the bridge so well,

And on his helm the crown he won

When proud Fidenæ fell.”


***

Leahnny caminhava apressadamente pelos corredores de Hogwarts, sendo impulsionada pela própria determinação, que latejava como o sangue em suas veias. Mal acreditava no que estava prestes a fazer, mas não conseguia parar e se acalmar o suficiente para pensar em outra alternativa. Estava cansada, indignada e perplexa, e precisava pôr um fim em tudo naquele exato momento.

Sua impulsividade era tamanha que certamente Leahnny teria danificado a tapeçaria que cobria a entrada da Ala dos Professores caso tal passagem não se abrisse sozinha naquele mesmo instante. Ainda sendo guiada por uma fúria cega, chegou a alcançar a última porta do corredor. Antes, entretanto, que pudesse abri-la, alguém agarrou fortemente seu braço e ela se virou, prestes a repreender ou punir quem ousara tal ato.

Sequer teve tempo de protestar. Seu cérebro recém processara a informação de que Snape estava à sua frente quando teve de se adaptar à escuridão que a dominou.

Voltou a si em poucos segundos, emergindo repentinamente para a razão. O aposento em que se encontrava era circular e possuía, no mínimo, cinco portas. Poucas estantes com livros dividiam as paredes com vários quadros – de um gosto artístico um tanto quanto duvidoso. Um grosso tapete verde-musgo delimitava uma área em frente à lareira, e ela estava deitada em um aconchegante sofá de três lugares que era flanqueado por duas poltronas – tudo revestido do melhor couro de dragão. Ao lado da lareira, havia uma cristaleira que comportava algumas taças, onde se via o emblema da família Snape incrustado, e, nas prateleiras inferiores, garrafas lacradas de bebidas finas.

Snape, com um ágil movimento da varinha, enrolou alguns pergaminhos que estavam espalhados no chão, sobre o tapete, e os largou junto à parede, próximo à cristaleira. Somente então, percebendo que a aluna estava mais uma vez consciente, acomodou-se na poltrona direita e falou:

– Gostaria de me informar o que a traz aqui a uma hora como essa?

– Vim… – a garotinha se mexeu no sofá, sentando-se corretamente no lugar mais próximo a Snape –…você me trouxe aqui, Professor.

– Fico muito grato por você apontar o óbvio, Leahnny, mas me referia ao fato de você estar andando pelos aposentos dos professores, um lugar que é terminantemente proibido aos estudantes, após o toque de recolher.

– Eu conversei com Professor Dumbledore essa noite – declarou ela, com os olhos fixos no fogo crepitante da lareira.

Snape ergueu uma sobrancelha, claramente surpreendido. Desde que saíra da sala do Diretor, algumas noites atrás, estivera convencido de que Dumbledore não investigaria as suspeitas que ele levantara; de que o assunto morreria e que, se pretendesse insistir, teria de, primeiro, encontrar provas que embasassem melhor suas acusações.

– E suponho que a senhorita queira contar isso… ao seu estimado Professor de Transfiguração – falou ele, mais como uma pergunta do que uma constatação.

Segundo Leahnny, o silêncio era algo realmente necessário, pelo menos para com algumas pessoas – Severo Snape não se incluía nessa lista. Apesar de saber que seus pais – Harry, ao menos – não aprovavam totalmente as atitudes do Professor de Poções, ela jamais hesitara em ir até ele para pedir ajuda, e não seria agora que o faria. Sendo relativamente próxima a ele – pelo menos até onde uma aluna pode ser – Leahnny estava plenamente ciente da confiança que ele fazia por merecer das pessoas que o cercavam, incluindo a de Dumbledore.

– Ele mentiu pra mim e en… – ela começou raivosamente, mas inspirou fundo e continuou com mais calma. – Na verdade, eu pensei em falar com o dindo primeiro, mas…

– Sim?

– Não tenho certeza sobre a influência dele em Hogwarts, principalmente depois do que houve no banquete de volta às aulas… – Leahnny começara a falar, dessa vez, encarando o Professor de Poções. – O senhor sabe que foi meu padrinho que fez a denúncia, não sabe?

Ele confirmou com um leve aceno da cabeça e permitiu que ela continuasse.

“Então… ele fez a denúncia e não resultou em nada… hã… nada além daquela bagunça do Ministério.”

– Sim – Snape confirmou mais uma vez, indagando-se se a garota queria assim justificar sua decisão impensada.

– Não adianta eu contar pra ninguém… até contra o Professor Malfoy ele já agiu… e não duvido que perca uma oportunidade de atingir Dumbledore.

– Por que estamos falando sobre isso? – insistiu Snape.

Leahnny ficou em silêncio, pensando em uma resposta. Enquanto isso, Snape levantou-se e deu meia-volta ao redor do sofá, saindo do campo de visão da aluna. Pouco tempo depois, caminhou até estar em frente à aluna e entregou-lhe uma xícara.

“É só chá,” justificou ele, esperando que ela aceitasse.

– Foi o que Professor Dumbledore e eu discutimos essa noite… sobre Alexander. Dumbledore sempre soube que estou envolvida com ele, e também me contou sobre o que aconteceu quando Alexander era próximo de Riddle.

– Ele a fez mudar de idéia… – Snape anunciou, em um tom que poderia se passar por presunção.

– De certa forma… por isso preciso fazer alguma coisa, exigir dele-

– Confrontá-lo, você diz?

– Se for necessário- – respondeu ela, como se fosse o inevitável.

– Não acho que seja – interrompeu Snape, não permitindo que ela continuasse. – Você não pode invadir os aposentos dele exigindo explicação ou atitude diferente. Isso arruinaria a melhor posição que temos no momento. O que você precisa fazer é usar sua perspicácia e dissimulação, suas mais acentuadas características sonserinas-

– Quer que eu espione ele?

– Quero que nos provenha informações.

– A nós, quem? – riu ela. – À Ordem da Fênix?

– A nós. Draco, Dumbledore e Giovanni e eu. De preferência, logo, a tempo de salvarmos sua mãe.

– Tudo bem… – cedeu ela. – Acontece que eu não sei com o que ela foi envenenada.

– Então descubra. Use seus melhores atributos e descubra o mais cedo que puder. Não se permita ser surpreendida.

***

Seguindo o conselho de Severo Snape, Leahnny levantou cedo pela manhã e desceu para o Salão Comunal da Sonserina, que estava praticamente vazio, exceto pelo Monitor que, podia-se dizer, ocultava-se nas sombras, esperando que a garota descesse. Quando o viu, próximo às poltronas, Leahnny tentou voltar para o dormitório para pensar em outra maneira de sair de lá, mas a voz de Matthew Malfoy chamando-a fez com que desistisse e se aproximasse do amigo.

– Pelo jeito, não fui o único que acordou cedo… – comentou Malfoy, despreocupado, seu rosto apresentando uma aparência sonolenta.

– Ah, bom dia, Matthew! Não vi que você estava aqui – respondeu a garota, cinicamente.

– Aonde você está indo? – inquiriu ele, impedindo sua passagem. – Vai atrás daquele Rhaity, não é mesmo?

– Não, eu não vou – respondeu, tentando passar por ele. – E mesmo que fosse, você não tem nada com isso. Pode me dar licença?

– Eu tenho tudo com isso, você sabe que ele é perigoso.

– E daí? – desconversou ela, cruzando os braços, sem disposição para ouvi-lo.

– Cuidado, Leah, você não quer se envolver com alguém como ele… – preveniu ele, como o próprio Æthelind tentara fazer uma vez com Alana Dumbledore.

– Isso deveria ser um aviso? – esnobou ela, e continuou, empurrando-o para o lado: – Sinto muito, tarde demais. Agora vá cuidar da sua vida, Malfoy.

Com isso, Leahnny saiu rapidamente do Salão Comunal, andou pelos corredores do castelo – que estavam desertos àquela hora da manhã de domingo – e voltou à ala em que estivera na noite anterior, dessa vez, com o objetivo de cumprir seu intento de encontrar o professor de Transfiguração.

Dizendo a senha, ela passou pelo quadro do elfo e entrou na sala de estar do professor. Surpresa não houve ao encontrá-lo em pé, esperando-a. Sua expressão estava calma, como se ele conhecesse exatamente as intenções da garota que acabara de encontrar. Ignorando qualquer cortesia, ele interrogou:

– O que aquele velho idiota queria com você ontem?

– Dumbledore?

– Snape, Leahnny. E não ouse brincar comigo – respondeu Alexander, sua voz demonstrando certa aversão enquanto ele caminhava perigosamente próximo à garota.

– Não estou brincando com você. Snape queria saber sobre a conversa que tive com Dumbledore – ela tentou responder com o máximo de honestidade possível.

– O que tem a sua conversa com Dumbledore? – o professor perguntou imediatamente, fixando-lhe o olhar.

– Ele me falou da família dele, da filha que Riddle matou… disse que seria igual comigo se eu continuasse do seu lado, ele… me ameaçou…

A sentença teve efeito instantâneo em Æthelind, que recuou um passo e continuou encarando-a. Ponderou rapidamente se havia cometido algum erro, se deixara alguma pista à vista e se tudo não passava de uma armação para surpreendê-lo. Usou, então, seu melhor golpe, uma lição que aprendera durante os anos de convívio com Riddle: a falsa empatia.

– Ele a ameaçou? – perguntou, aparentando real preocupação. – Bom, é compreensível. Dumbledore está ficando desesperado… ele não conseguiu salvar a filha e agora percebe que está perdendo você… mas não se engane, Ídril… não foi Riddle quem matou Alana…

– Quem… quem foi, Alexander? – perguntou a vozinha de Leahnny, cheia de incerteza.

– Foi seu pai.

***

Naquele domingo nublado, Harry deu-se ao luxo de ficar na cama, ao lado de Hermione, de olhos abertos, mas sem acordar realmente, até que, entre os dois, pulou uma bola de pêlos castanhos.

Bichento andou em direção à cabeceira da cama e, vendo que a dona dormia, pôs-se a miar alto, pedindo comida. Contrariado, Harry tentou enxotar o gato, só para ver Bichento pular em cima dele e usar seu pescoço para afiar as garras.

– Bichento… – resmungou Harry, ainda tentando empurrar Bichento para o lado. – Bichento, agora não. Vem aqui…

Harry pegou o gato pela barriga, levantou-se e o levou até um canto da cozinha, enchendo a tigela dele de comida. Pegou para si um copo de leite apenas e foi até a sala, onde abriu as venezianas, permitindo que o sol quebrasse a obscuridade do ambiente.

– Vós nunca conseguiríeis passar-se por romano, meu senhor – uma voz grave o surpreendeu.

– Verdade? – ironizou Harry, olhando de relance para o ser flutuante que lhe falara.

– Ah, sim. Comer em excesso é um hábito romano, enquanto o senhor e vossa senhora se permitem despertar tardiamente, ainda que seja uma manhã de domingo tão disforme quanto esta… – contou ele e depois continuou, baixando a voz, como se pensasse para si mesmo: – se bem que eu nunca me rendi aos prazeres da gula… não, não me entregava a esse tipo de alegria e prazer que orgulhava os pobres. Os festins romanos causavam-me tanta repugnância e tanto tédio…

– Foi por causa desse hábito que você saiu de Roma e decidiu invadir nossa casa? – Harry perguntou, ocupado em colocar a travessa no forno.

– Certamente que não, senhor! Roma não cabe mais em Roma, já decaiu como o resto do mundo. Aqueles telhados e aquelas ruas já não se iluminam, assumindo um tom rosáceo sob o sol poente, como nos tempos áureos de nossos reis. Roma estendeu-se vagamente em sua planície; um desenvolvimento que lhe permitiu assumir as funções de Estado. Não me agrada isso.

– Não teria sido mais sensato permanecer na cidade e convencer os governantes a melhorá-la?

– A maior objeção a todo e qualquer esforço para melhorar a condição humana é o fato de os homens serem indignos dele – suspirou Maximus. – Nosso entendimento da República está acima das confissões, explicações e reticências, mas fazer vossa geração entender isso… Não, eu não tenho mais lugar aqui, agora minha vida entrou em ordem, algo que a República nunca conseguirá…

– Se o senhor não tem mais lugar aqui, então por que não vai embora?

– Pudera eu – fantasiou ele, afastando-se de Harry. – Mas, como já informei à vossa esposa, não o incomodarei mais, senhor.

– Você falou com Hermione… mais uma vez?

– Como vós deveríeis fazer, mas talvez mais tarde… sim, mais tarde, agora talvez não seja apropriado. Infelizmente, devo despedir-me nesse instante… – anunciou Maximus, desaparecendo no segundo seguinte.

Harry observou, por alguns momentos, o último lugar em que vira o fantasma. Depois, caminhou até o banheiro, abriu a torneira de água fria e molhou o rosto, acreditando ter sonhado.

***

O Professor Rhaity não compareceu ao almoço no Salão Principal, ocupado que estava em uma das masmorras do castelo. Severo Snape foi o primeiro – mas não o único – a notar a ausência, fato que apontou para o Diretor. Ao final da refeição, esse assunto dominava as conversas de quase todos os professores, incluindo a de Dumbledore, que trocava algumas palavras com Snape sobre a também ausente Leahnny Granger.

Foi quando, acima de onde os professores estavam sentados, uma labareda surgiu, sendo seguida por uma pena cor de fogo, que flutuou até atingir a mesa, em frente ao Diretor. Hesitação alguma atravessou a expressão de Dumbledore quando este trocou um olhar com alguns professores e saiu pela porta lateral.

Meia hora depois, em um apartamento duplex de Edimburgo, vários bruxos esperavam a reunião que estava para começar. Minerva McGonagall conversava, aos sussurros, com Remo Lupin, enquanto Alvo Dumbledore, do terraço, observava a cidade com uma expressão preocupada.

– Acha que é ele agindo novamente, Dumbledore? – Rony Weasley perguntou às suas costas, sua voz perdendo-se no ar.

– Acho que, com esse ataque, não há dúvidas quanto a isso, Ronald. Não acredito que alguém mais ousaria manipular os dementadores de tal forma – o Diretor não tirou o olhar da neblina fria que pairava sobre a cidade.

– A Professora Minerva me contou sobre a ausência de Rhaity. Ainda não acredita que esses dois fatos estejam relacionados?

– Acredito que Raithy e Æthelind sejam a mesma pessoa, mas é cedo para julgar – Dumbledore respondeu, como se pensasse em voz alta. Então, virou-se para Rony e acrescentou: – Apesar dos acontecimentos recentes, Alexander ainda não deu motivos para que não confiássemos nele.

– E, no entanto, você não o chamou para a reunião…

– De fato – Dumbledore respondeu e afastou-se, descendo para o salão onde os outros estavam reunidos.

***

Houve instantes de silêncio. Leahnny se atreveu a perguntar como seu pai poderia ter matado a filha de Dumbledore. Alexander, todavia, não deu maiores explicações naquele momento, afirmando que o que era passado não deveria ser trazido à luz, e manteve a voz amigável ao comentar:

– Dumbledore disse que houve um ataque e convocou uma reunião. Parece que dementadores atacaram um bando de trouxas em um shopping center da capital.

– Mas nunca planejamos nada envolvendo dementadores… – ela silenciosamente agradeceu pela escuridão da sala, que impedia que o outro visse a palidez de seu rosto.

– Exatamente, nunca planejamos. O que não quer dizer que não tenha sido um de nós. Você tem tido notícias de Marjorie, Ídril?

– Marjorie? – estranhou a garota. – Não, não a vejo desde… o ataque ao ministério.

– Ela não tentou enviar uma coruja, contatá-la via flu ou qualquer coisa do tipo?

– Não – insistiu Leahnny, perguntando-se aonde chegariam com aquela conversa.

– Então escreva para ela. Traga-a até aqui – ele falou como se fosse uma ordem. Pegou em um armário um frasco com uma substância translúcida e entregou-o para a garota. Saiu da sala a seguir, não esperando os comentários sobre a memória que ela estava prestes a presenciar.

***

Bastou que Leahnny fosse deixada alguns minutos sozinha para que pudesse testemunhar a morte de Alana Dumbledore pelo ponto de vista de Æthelind. Vira seu pai sendo avisado do que poderia acontecer e, mesmo assim, intervindo a ponto de assumir o risco pela tragédia.

Ao final, viu-se encarando mais uma vez a expressão sem vida de Alana. Talvez seu pai pudesse ser apontado como responsável por aquele desfecho – mas não sozinho. Ela recusava-se a acreditar que Alana não tivesse alguma culpa pela situação. Se não tivesse se envolvido com Riddle – com Æthelind, para começo de conversa –, ela não teria sido presa àquele candelabro e sofrido ameaças sob aquele punhal.

Como a própria Alana apontara, qualquer um com um pouco de inteligência conseguiria perceber que as intenções de Lord Voldemort não eram as melhores – e que ela não deveria ter-se deixado enganar pela lábia do jovem Riddle. Exatamente como a própria Leahnny deveria ter percebido em relação a Æthelind, ela admitia agora. Fora preciso que sua mãe fosse atingida para que ela tomasse as ameaças por verdadeiras e um grave alerta de Dumbledore para que visse o perigo por trás das intenções do professor de Transfiguração. E, finalmente, ela o fizera.

Agora, todavia, suas opções haviam se tornado limitadas… precisava fazer exatamente o que Snape lhe sugerira, precisava enganar e manipular Alexander de alguma forma eficaz que a fizesse descobrir como salvar sua mãe. Antes de mais nada, precisava obedecer-lho. Ou, ao menos, fingir obediência. E descobrir como ocorrera o ataque aos trouxas – porque fora sim responsabilidade de algum deles, todos os vestígios indicavam isso. Precisava dar um jeito de conseguir provas para que o padrinho levasse Alexander à justiça, porque tempo era algo sua mãe não tinha, ao menos de acordo com que Snape – e o próprio Lupin – lhe disseram.

***

Leahnny não poderia ter mais razão. Tempo era algo que realmente se encurtava a cada segundo, pelo menos para Alexander Rhaity. De alguma forma, a polícia trouxa também se envolvera nas buscas pelo perigoso assassino conhecido por Æthelind Witt. Não que Alexander não se sentisse seguro em Hogwarts, longe disso. Estava sob a égide de Dumbledore, afinal. Todavia, o cerco fechado obrigava-o a aumentar cada vez mais a complexidade de seus planos de ataque aos trouxas, o que significava também aumentar as possibilidades de erros.

O ataque daquela manhã servira para alguma coisa: conseguira perceber o quanto os professores estavam alheios aos acontecimentos; perceber que a Ordem da Fênix atual sequer possuía o poder da antiga Ordem. Dumbledore realmente não passava de um velho caduco, que só fizera alguma coisa duas horas depois de o Ministério da Magia invadir o shopping center em sua tentativa de ajudar algumas vítimas.

Sem Dumbledore para representar um empecilho, Æthelind julgava ser um pouco mais fácil agir. Se não conseguiria atacar trouxas por causa da polícia – e dos misteriosos contatos que ela tinha com o Ministério –, então partiria para uma outra estratégia, algo que ele planejava desde antes de voltar ao Reino Unido: usaria estudantes.

O plano de ação não era realmente novo, ele o aprendera – e aperfeiçoara – com Tom Riddle. Só que, agora, possuía uma vantagem, um elemento que Lord Voldemort não fora capaz de conquistar nem na época em que estudara em Hogwarts: ele tinha a confiança de Dumbledore.

Sim, porque Dumbledore confiava nas pessoas quase cegamente, sempre acreditando que elas eram propensas à bondade e à benevolência. Ele, que nunca ousara confrontar a própria filha e sequer se dispusera a ouvi-la quando esta buscava se afastar de Tom Riddle, fora um dos fatores que levaram ao êxito de Tom Riddle, que levaram à sua transformação em Lord Voldemort.

Com a intimidade que tivera com Riddle, Æthelind presenciara tudo isso, inclusive alertando Alana sobre os riscos de se envolver com alguém como eles. Ela não ouvira, cega que estava pela fé que tinha em Riddle, ou, talvez, pela curiosidade ou desafio de surpreender o Herdeiro de Slytherin. Os anos que passara ao lado de Riddle, em que o vigiara, apoiara e, por ordens dele, agira sorrateiramente durante as duas guerras, serviam agora de exemplo para lidar com Leahnny.

Æthelind não era nem um pouco parecido com Voldemort. Não odiava sangues-puros – apenas usava esse sentimento de outros conforme a conveniência –, não estava desesperadamente sedento pelo poder – mas o buscava de forma contida e premeditada –, não precisava de pessoas que se ajoelhassem a seus pés – apenas de pessoas que lhe fossem leais. Nunca jurara lealdade ao Lord das Trevas – por isso não possuía a Marca Negra –, mas Voldemort confiara nele, ao menos até onde era possível confiar nos Comensais do círculo mais íntimo.

A notícia da queda de Voldemort, doze anos atrás, não demorara a alcançá-lo. Mesmo vivendo em um país longínquo e praticamente isolado, nunca se distanciara da guerra e de Voldemort. Sua verdadeira identidade, que permanecera em sigilo diante da maioria dos Comensais, era, por sua vez, de conhecimento do Lord das Trevas, graças à relação de confiança que compartilhavam. Todos os outros seguidores sempre temeram quem Æthelind representava aos olhos do mestre – e esse foi, na verdade, o primeiro passo para que ganhasse a confiança dos mesmos.

Ao longo de muitos dias, contatou velhos amigos e concluiu, naquele momento, que não era a hora de retornar ao Reino Unido. Esperou e planejou e preparou tudo perfeitamente durante anos para que, no momento certo, nada desse errado. Parte das referências que fornecera a Dumbledore era verdadeira – justamente a parte mais obscura de seu currículo, que ele certificara-se de que o Diretor confirmaria através de contatos com Noska.

Marjorie, ele conhecera há sete anos, em um avião que partira de Toulouse. Ela era uma bela jovem francesa que fora à cidade para um treinamento. No princípio, relutou em acompanhá-lo à Croácia, mas, quando seu empregador a despediu, jogou dentro de uma mala algumas roupas e pegou o primeiro avião ao encontro de Æthelind, com quem morara nos últimos anos.

Ele procurava não usá-la como fazia com qualquer outro, mas sempre mantivera em mente que a necessidade de descartá-la poderia surgir em algum momento. Nunca negara o entendimento existente entre eles e, no fundo, esperava que Marjorie não o decepcionasse como muitas já haviam feito ao tentar interferir em seus assuntos.

E havia Leahnny, a garota que ele acompanhara desde o nascimento, mesmo estando longe. Soube, no momento em que testemunhou Harry Potter levando-a para o mundo trouxa, que ela se tornaria uma poderosa aliada na guerra. Bastava que fosse ensinada a direcionar sua raiva, e foi nisso que se concentrou ao longo do ano.

Não demorou mais do que algumas semanas para que ela aprendesse feitiços das trevas jamais ensinados aos alunos de Hogwarts e para que começasse a usá-los contra os colegas, escondendo-os com desculpas muito bem planejadas – ao menos, na medida do possível.

O encontro com Dumbledore à noite anterior fora mais uma casualidade que Æthelind, de forma alguma, permitiria que a afetasse. Estava disposto a fazer o que fosse necessário para continuar a tê-la como aliada; garantiria que ela o seguisse até as últimas conseqüências.

Desconfiava, é claro, que Snape estivesse envolvido nesse esquema do Diretor – talvez até provocando-o. Só que, mais uma vez, não ousara confrontar o Mestre de Poções. Era perigoso, Snape o conhecia e poderia, de uma vez por todas, revelar seu segredo. Precisava agir de outra forma; precisava tirar Leahnny do alcance dele.

***

No domingo à noite, Leahnny Granger cruzou o Salão Comunal da Sonserina pela última vez. Usava uma capa marrom e caminhava despreocupadamente, carregando um livro da biblioteca junto ao corpo. Quando procurasse seus pertences no quarto no dia seguinte, Lupin notaria que não estavam mais lá, embora ninguém a tivesse visto levando-os embora. Isso porque fora Alexander quem os retirara, naquela mesma madrugada.

Leahnny procurou o Professor Rhaity àquela noite, desconhecendo os propósitos deste. Se estivesse ciente de que seria obrigada a deixar a escola, talvez não tivesse obedecido ao chamado, ou talvez tivesse alertado alguém além de Snape sobre o que estava prestes a fazer. Entretanto, o fato permanecia que Leahnny fora atrás de Rhaity, mais uma vez, sem que ninguém no castelo soubesse.

Æthelind não era o único que a esperara, Marjorie estava com ele. Leahnny estranhou, era a primeira – e depois, única – vez em que a via em Hogwarts, e claramente havia um motivo para que ela ali estivesse. No mesmo instante, imaginou que esse motivo fosse o ataque ocorrido naquele mesmo dia. Horas mais tarde, desejaria que essas suspeitas tivessem sido confirmadas.

Æthelind a chamara por um único motivo: meia-hora antes, tivera certeza de que precisaria deixar a escola assim que possível. Graças a Snape, agora todos os professores – e até mesmo alguns alunos (sonserinos, em sua maioria) – desconfiavam dele. E, como ele já planejara, não iria embora sozinho…

– Que bom que decidiu unir-se a nós, Leah.

– O que ela está fazendo aqui, Alexander? – perguntou a garota, referindo-se a Marjorie.

– Eu pedi que ela viesse, já que você não o fez.

– Sinto muito, esqueci… – Leahnny fez pouco caso. – Foi ela que organizou o ataque de hoje?

– Fui eu – Æthelind declarou simplesmente.

– Mas… – Leahnny não terminou a frase, encarando Æthelind com estranheza. O que queria ele dizer ao assumir a responsabilidade?

– Que foi? Não é por causa do ataque que ela está aqui mesmo. E não é por causa do ataque que você está aqui – declarou, tomando-a pelo braço e guiando-a através de uma passagem obscura.

Leahnny tinha bastante conhecimento sobre os planos de Alexander – ele sempre a informava, ou ao menos aparentava fazê-lo, procurando ganhar a confiança da garota. Por saber disso, ela achou tão estranho o professor ter dito que dera a ordem a Marjorie, quando ele não a havia informado sobre um ataque de tal natureza. E agora Alexander, “Æthelind”, repetiu ela para si mesma, a guiava a uma parte do castelo onde nunca estivera. Qual seria seu propósito?

Ela não estava sentindo medo, ou ao menos disso tentava se convencer enquanto descia uma rudimentar escada de pedra. Os passos eram silenciosos e cuidadosos – precisavam ser, ou perigavam tropeçar por causa da escuridão e dos degraus desiguais. Cada mão seguiu rente a uma parede até que chegasse ao pé da escada.

Seu coração acelerara com o nervosismo, tinha certeza de que suas batidas poderiam ser ouvidas ao longe. Procurou a varinha para iluminar, mas, antes de murmurar o feitiço, pensou duas vezes. Teve a impressão de estar sozinha, não sentia mais a respiração pesada de Alexander perto de si. O silêncio a atormentou mais do que as palavras do professor poderiam fazê-lo.

Começou a ponderar se não teria caído em uma armadilha de Alexander, se ele não descobrira seu plano e trouxera-a ali para prendê-la ou, pior, para torturá-la e matá-la, como fizera com Alana Dumbledore.

Æthelind, ao perceber os pensamentos da garota, murmurou “Lumus”, apontando a varinha diretamente para o rosto dela. Aproximou-se muito, e Leahnny recuou um passo, encostando-se na parede. Os olhos castanhos, fixos e tensos, olharam-no. Ela não ousou dizer uma palavra.

– Eu confio em você, Leahnny.

A garota não se moveu, ou deu indício algum da adrenalina que correu em seu sangue ao ouvir Alexander dizer a primeira palavra.

“E eu sou paciente com você”, continuou ele, observando-a atentamente. “Então, não acha que está na hora de me contar o que está acontecendo?”

– Eu tive de contar a ele, Alexander! Eu não disse nada de importante, mas precisei falar alguma coisa, antes que ele piorasse a situação. – Leahnny sabia muito bem por que Alexander a interrogava e percebeu, no mesmo instante, que não era a ocasião apropriada para tentar enganá-lo.

– Já disse para não brincar comigo, Leahnny, eu não quero você lutando pelos dois lados dessa guerra ou alguém pode se machucar muito seriamente.

– Quem? Marjorie? É, eu tinha esquecido o que você planejou fazer com ela – respondeu a garotinha, com um pouco de sarcasmo na voz, mas ainda assim medindo as palavras.

Marjorie e eu decidimos que você não vai continuar nesse castelo. Os seus encontros com o querido Snape acabam hoje – determinou ele.

Ela não continuaria no castelo? Do que Alexander estava falando? Certamente não era uma fuga o que ele planejava, era? Era cedo demais para isso – e seria uma tremenda imprudência. Daria ao Ministério indícios suficientes sobre a verdadeira identidade do professor.

E, se ele não planejava fugir, então como a tiraria do castelo? Leahnny tinha certeza de que o professor não pretendia, de forma alguma, colocá-la no próximo avião para a Itália com um bilhete de desculpas aos pais dela. Então, o que ele pretendia?

“Eu tenho negócios inacabados a resolver em Londres”, declarou Æthelind, como se fosse explicação suficiente. “Depois de resolvê-los, eu a tirarei daqui. Esta noite, volto para buscá-la.”

Antes que Leahnny pudesse entender, antes que pudesse pensar, antes que pudesse contestar, ouviu-o murmurando “Nox” e encontrou-se na completa escuridão. Fora desarmada por um feitiço não-verbal. Passos rápidos se afastaram dela, e ouviu algo se fechando no topo da escada. Estava trancada.

***

Próximo capítulo: uma atitude precipitada e uma arma trouxa envolvida.

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