Crime e castigo



Capítulo Oito – Crime e Castigo

“How in the slippery swamp of blood

Warrior and war-horse reeled;

How wolves came with fierce gallops,

And crows on eager wings,

To tear the flesh of captains,

And peck the eyes of kings”



***

Quando a véspera do Natal chegou, Harry acordou cedo para degelar o chester que assariam à noite. Ouvindo a bagunça que ele fazia na cozinha, Hermione não demorou a acordar e ir ver o que se passava. Harry, entretanto, impediu-a de entrar, prometendo que tudo estava sob controle e que a interferência da esposa não era necessária.

Mesmo sem acreditar muito, Hermione aceitou o que o marido lhe dizia e voltou para o quarto. Harry deixou a ave – ainda congelada – em uma bacia sobre a pia e juntou-se à esposa. Ela ainda estava trocando de roupa quando Harry entrou…

– Acordei você, amor? – ele perguntou, aproximando-se dela, que acabara de largar o robe sobre uma das poltronas.

– O que você está fazendo na cozinha? – Hermione começou a desabotoar a camisa do pijama, sem se virar para o marido.

– O jantar… tirei o chester agora para descongelar… até a noite ele deve estar pronto para ir ao forno… – Harry colocou as mãos nos ombros dela – mas você ainda não respondeu se a acordei…

– Não, já estava tarde mesmo… eu perdi o sono. – Ela permitiu que ele tirasse sua camisa, para, só então, virar-se. – O que você vai fazer essa manhã?

– Não tenho planos… e você? – perguntou, observando-a atentamente.

– Eu não sei. Estava pensando em fazer uma mousse de chocolate para a sobremesa…

– Na-na-ni-na-não, Mione, não vou deixar você se aproximar daquela cozinha hoje…

– Mas…

– Shhhh, isso é uma ordem – ele falou quase em um sussurro, deixando que sua mão encostasse levemente no rosto da esposa.

– Se você diz… – Hermione murmurou, permitindo que, no instante seguinte, seus lábios fossem tocados pelos de Harry com mais intensidade e paixão do que o esperado para uma monótona manhã de domingo.


***

A neve não caía desde a noite anterior, o que, entretanto, não impedia que o dia fosse extremamente frio. A casa permaneceu fechada e a sala, onde os três passaram a tarde reunidos, era aquecida pela grande lareira na parede oposta ao sofá. Harry, Hermione e Leahnny conversaram muito durante aquela tarde de inverno; às vezes, sobre assuntos sérios; outras, sobre completas bobagens.

Fizeram à filha um relato quase completo dos anos que passaram em Hogwarts, e até contaram um pouco sobre o que acontecera após se formarem. A garotinha, por sua vez, ouvira com atenção, ainda que não falasse muito. Não queria interromper os pais e não se sentia suficientemente à vontade para contar mais sobre si mesma. Pelo menos, não no início da conversa.

A noite caiu e a sala permaneceu sendo iluminada pela lareira e pelas luzinhas de Natal da árvore. Um agradável aroma de chester assado começou a espalhar-se no ar e o clima de Natal poderia ser percebido em todas as suas nuances; fosse na decoração, fosse na alegria que se difundia entre os três membros daquela família.

Eles riam e conversavam e, naquele momento, não havia nada mais importante do que passarem juntos aqueles momentos. Antes que fosse tarde demais, Harry lembrou-se de colocar a comida à mesa e trazer “suas duas mulheres”, como ele chamava, para jantar.

No centro, sobre a toalha vermelha, dois bonitos candelabros, com meia dúzia de velas cada um, serviam para alumiar a mesa. Harry estourou a champagne em meio a expressões alegres e partiu o suculento peito do chester em fatias. Conversavam, comiam e bebiam, e ele não pôde deixar de notar os interessados olhares que a filha lançava sobre os presentes dispostos ao redor do pinheirinho.

– Leah… – Harry a tirou da cadeira após o jantar, pegando-a no colo –… o que você acha de abrirmos os presentes antes de você ir para cama?

– Mas não pode, papai! – Seu rosto apresentou uma expressão severa. – A mamãe sempre diz que temos de esperar até a manhã de Natal!

– E, no entanto, você sempre nos acorda de madrugada, antes da manhã nascer, para abrir os presentes, não é? – ele sorriu e a largou no sofá. – Vamos abrir hoje e amanhã podemos dormir até tarde…

Hermione aproximou-se dos dois com a expressão severa, como se estivesse considerando seriamente alguma idéia. Percebeu que Harry a olhava e o rostinho da filha que esperava ansiosamente um comentário sobre a sugestão do pai.

– Eu acho que… – antes de completar a frase, ela sorriu maliciosamente, mirando o marido –… os presentes só podem ser abertos amanhã.

– Ah, não! – Leahnny protestou e fez uma cara emburrada, cruzando os braços.

– Sabe o que eu acho? – Harry riu, chegando mais perto de onde a esposa sentara. – Eu acho que… Hermione só precisa de um pouco de… persuasão.

– Persuasão, papai? – perguntou Leahnny, tão intrigada quanto Hermione.

– Precisa que alguém a convença, filha… – Ele inclinou-se sobre a esposa e, pegando-a de surpresa, começou a fazer cócegas nela.

Em poucos segundos, ele e Leahnny faziam Hermione rir até perder o fôlego. Mesmo percebendo o desespero da esposa, Harry não se importou em parar, tampouco em encorajar a filha a fazer o mesmo. Só quando ouviu a esposa murmurar entre os risos “eu desisto” foi que eles recuaram e permitiram que Hermione respirasse normalmente.

– Então… – Harry estava novamente ereto, observando Hermione com seriedade, andando de um lado para o outro na frente dela –… a senhora desiste?

– Eu desisto…

– Pode especificar do quê a senhora desiste, exatamente? – ele continuou com o tom grave e Leahnny logo se aproximou dele, também em pé, tentando imitar a pose séria do pai.

– Eu desisto da minha idéia, podem abrir os presentes hoje – Hermione cedeu.

– E o que a leva a pensar que queremos desempacotar os objetos citados na presente noite?

– Mas vocês que disseram! – ela respondeu, estupefata.

Harry entretinha-se com isso. A verdade era que nem ele sabia aonde almejava chegar, mas era realmente divertido vê-la confusa. Leahnny logo entrara no jogo, permanecendo ao seu lado como uma assistente ou algo parecido, pronta para auxiliar em qualquer coisa, nem que fosse somente para dar apoio moral.

– A senhora tem provas?

– Como? – Hermione finalmente riu. – Por que eu teria provas?

– Então a senhora não pode provar que, em algum momento na presente noite, a Srta. Granger e eu desejamos abrir os presentes antes do horário oficial.

– Posso saber do que estão me acusando?

– A senhora… – Harry virou-se para a filha e dela recebeu um enorme pergaminho que ela usara para fazer a redação de poções –… atentou contra a ordem civil dessa moradia – ele começou, fingindo ler –, acusou caluniosamente dois moradores da residência mencionada de terem conspirado para cometer o seu crime…

– Está bem, fui eu que sugeri, mas retiro o que eu disse, felizes? – Hermione levantou-se.

Leahnny impediu que Hermione passasse, ainda de braços cruzados e agora balançando a cabecinha de um lado para o outro em um sinal de reprovação. Ela estava interpretando bem seu papel, Harry precisava admitir, embora não pudesse sorrir de orgulho por isso.

– Esta Corte somente estará satisfeita depois que a senhora, se condenada, cumprir sua pena.

– Minha… pena?

Harry levou Leahnny para o outro lado da sala, ajoelhou-se ao lado dela e pôs-se a confabular com a filha alguma coisa entre sussurros que Hermione não pôde distinguir.

– Você terá de passar a limpo todas… – Harry começou a anunciar, mas Leahnny o interrompeu, puxando-o pelo braço até que voltassem ao outro lado da sala.

Desta vez, os dois conversaram por mais tempo, deixando-a ansiosa por descobrir o que tramavam aos cochichos do outro lado da sala. Até pensou em desistir e aproximar-se, mas, no momento em que o faria, Harry e Leahnny voltaram com um sorriso triunfante.

– A senhora não poderá abrir os referidos embrulhos hoje… e nem enquanto não nadar no famoso lago Regillus… – anunciou ele.

– O quê! Vocês só podem estar brincando! Está quase dez graus negativos lá fora! O lago está congelado!

Harry lhe lançou olhar maldoso e divertido.

– Nós sabemos…

– Ah, não, eu não vou nadar lá! – ela cortou, andando em direção ao corredor.

– Então nada de presentes, Sra. Potter… – Leahnny falou e, por algum motivo, Hermione finalmente percebeu que eles estavam falando sério. – E, se eu fosse a senhora…

– ‘tá bem. Querem saber? Vamos terminar logo com isso! – Ela encheu-se de coragem e, a passos largos, cruzou a distância que a separava da porta.

Ao abri-la, Hermione encontrou o vento gelado que vinha de fora, mas, antes que pudesse se arrepender, ela simplesmente saiu de casa e andou até a superfície congelada do lago. Harry e Leahnny a seguiram, não sem antes se certificarem de que estavam suficientemente agasalhados.

– Estão vendo? – Ela pisou algumas vezes com força no gelo. – Durinho! Não tem onde nadar aqui.

– Não seja por isso, Sra. Potter – Harry falou calmamente.

Com a varinha que usava para iluminar o lugar com um feitiço, Harry cortou um grande bloco de gelo, permitindo que a água escondida por debaixo da manta térmica finalmente fosse vista.

Hermione jogou o casaco aos pés do marido, tirou os sapatos, pisando apenas por alguns segundos no gelo, respirou fundo e pulou no buraco que Harry abrira.

Não demorou mais de cinco segundos para que ela saísse da água, seu corpo tremendo de frio. Harry, rindo muito, tirou o pesado casaco que usava e com ele a envolveu. Pegou a esposa no colo e, seguido pela filha, voltou para dentro de casa. A pele de Hermione permanecia fria por ainda estar molhada quando Harry a largou no sofá mais próximo da lareira.

– Vocês são… loucos, sabiam? – ela resmungou, aconchegando-se mais nos cobertores com que Harry acabara de envolvê-la.

– Ah, nós sabemos, sim… – ele sorriu, sentando-se ao lado dela.

Leahnny acomodou-se entre os pais. Hermione dividira com ela um pedaço dos cobertores e Harry começara a mexer no cabelo da filha de uma maneira muito agradável. Nenhum deles falou coisa alguma, entretidos que estavam em simplesmente observar o fogo. Sua temperatura já voltara ao normal, mas Hermione não sentia a mínima vontade de tirar os cobertores.

Na verdade, ela não sentia vontade nem de mover-se. Aos poucos, ela deixou que o sono viesse tomar conta dela, como a filha, ao seu lado, já fizera. Harry foi o último a dormir, não sem antes mirar pela última vez, àquela noite, a árvore de natal. Sob ela, jaziam os presentes já esquecidos.

***

A manhã de Natal começou com uma densa neblina pairando no ar, como um dia típico do inverno europeu. Hermione abriu os olhos só um pouquinho, só para descobrir onde estava, sem intenção alguma de acordar. Alguém lhe puxou um pouco as cobertas, deixando seus ombros destapados e fazendo-a murmurar em protesto.

– Já quer levantar? Já são quase dez horas da manhã – Harry lhe disse baixinho ao seu ouvido.

– Preciso? – Ela o encarou com uma expressão sonolenta e esticou os braços em direção à cabeceira da cama.

– Você pode acordar bem devagarinho agora, ou então, esperar mais um pouco e-

– MAMÃE!

Hermione ouviu alguém gritar e mal teve tempo de abrir apropriadamente os olhos antes de notar a filha pulando em cima de si. Puxou Leahnny em um abraço e, por cima do ombro da garotinha, lançou a Harry um olhar cheio de desconfiança, acreditando que ele tivesse planejado tudo.

“É Natal, mamãe, eu quero abrir meus presentes!”

– Eu sei… mas por que você não come alguma coisa enquanto a mamãe se veste? Acho que seu pai não se importaria de fazer café para nós… – ela respondeu com um sorrisinho vingativo lançado em direção ao marido.

– Venha, Leah, vamos mostrar pra mamãe como se faz um café. – Harry pegou a garotinha no colo e saiu murmurando: – Tudo eu, tudo eu…

Meia hora depois, vendo que não convenceriam a filha a comer apropriadamente se não se acalmasse em relação aos presentes, Harry e Hermione permitiram que ela trouxesse alguns para serem abertos à mesa, desde que ela comesse um pouco mais cada vez que abrisse um deles.

– Papai, estou cheia, não quero mais comida! – protestou a garotinha, quando se aproximava dos últimos presentes. – Eu quero visitar o dindo!

– Você ainda não terminou de comer, filha – respondeu Hermione.

– E não podemos ver seu padrinho essa semana, ele já lhe explicou por quê – completou Harry, recebendo um olhar curioso da esposa.

– Mas é Natal! – Leahnny insistiu. – E é de manhã!

– Você sabe que Remo não quer. Semana que vem nós vamos entregar o presente dele, mas hoje não, entendeu, Leah?

– Sim, papai – cedeu ela, baixando os olhos.

***

Mais agradável do que a noite de Natal, foi a de virada de ano que passaram na Itália. Um encontro realmente emocionante, o que se deu na casa dos Potter. Não havia ostentação alguma na festa, e a casa recheada de amigos só contribuiu para o sucesso da noite. Molly e Arthur Weasley compareceram à festa, assim como Rony (para a surpresa de todos, acompanhado por Billy), Gina (que foi com Matthew e Neville), Fred, Jorge, Lupin, Dumbledore e McGonagall.

Nos jardins da casa, os anfitriões receberam seus convidados. Lampiões de chamas coloridas e aromatizadas forneciam a iluminação necessária e, sobre uma mesa com uma toalha vermelha, estavam dispostos alguns petiscos e as taças de cristal que seriam usadas para o brinde.

Leahnny aproveitou a festa – e muito. Passou boa parte da noite ao lado do padrinho, deixando-o sozinho somente para trocar algumas palavras com Matthew ou para pular em cima do pai quando chegou a meia-noite. Em meio a muitas risadas e exclamações de alegria, as taças de cristal cheias de sidra de romã foram erguidas em saudação ao ano que se iniciava.

***

Harry tomou, aos poucos, consciência de seus arredores, da cama grande em que estava deitado; grande e… vazia? Não havia outro corpo pressionado contra o seu, como houvera no momento em que adormecera. Na verdade, não havia outro corpo na cama, desta vez.

Estava deitado sozinho, e somente agora começava a perceber o frio que sentia. As cobertas jaziam, desde o início da noite, aos pés da cama. Pela persiana entreaberta, pôde notar que ainda não amanhecera e, ao pegar os óculos, surpreendeu-se ao ver a luz do relógio indicando, na escuridão, que não mais de três horas haviam-se passado desde a meia-noite.

Levantou-se muito sonolento, colocou um robe – que, com a mínima luminosidade do quarto, não pôde discernir se era o seu ou o da esposa – e saiu pelo corredor, encontrando a luz que passava pela fresta de uma das portas.

– Hermione? – ele chamou ao chegar à sala e encontrar o recinto vazio.

– Amor? – a voz da esposa o chamou da cozinha, e ele a seguiu.

Harry passou pela porta e aproximou-se rapidamente da bancada ao ver que Hermione usava as duas mãos para nela apoiar-se, mantendo a cabeça baixa como se olhasse para o chão, os longos cabelos castanhos caindo-lhe sobre o rosto.

– O que aconteceu? – perguntou ele, pegando em seu braço.

O toque do marido a fez levantar o rosto imediatamente para vê-lo, arrependendo-se no mesmo instante ao sentir uma onda de náusea tomar conta de seus sentidos. A força aplicada no braço aumentou e Harry puxou rapidamente uma banqueta, obrigando-a a sentar-se.

“O que você tem, Mione?”

– Não sei… – ela começou a responder, mantendo a cabeça abaixada e tentando controlar a própria respiração. – Eu acordei enjoada…

– Você tomou algum remédio? – perguntou à esposa e, diante da negativa que recebeu, continuou: – Você deveria ter ficado na cama… não é melhor se deitar, amor?

– Eu precisava tomar água, estou com a garganta seca – murmurou Hermione, sentindo a mão do marido acariciar seu cabelo.

– Eu vou pegar água para você, certo? – sem esperar que ela respondesse, pegou um copo e encheu de água fria, trazendo-o até onde a esposa estava sentada. – Beba…

Após fazer o que Harry dissera, Hermione ouviu-o murmurar alguma coisa e, antes que se desse conta, ele a pegara no colo e a carregara até o quarto.

***

Era o princípio da primeira semana de janeiro e chegara a hora do Expresso de Hogwarts levar de volta os alunos à escola. Antes das onze da manhã, a plataforma Nove e Meia de King’s Cross enchia-se de pais despedindo-se de seus filhos, de crianças apressadas carregando malas e gaiolas de bichos de estimação, e até de alguns professores da escola, que excepcionalmente foram até a estação garantir que o embarque ocorresse sem incidentes.

Harry e Leahnny ultrapassaram, apressados, a barreira que os separava do mundo trouxa. Assim que a garota localizou alguns colegas, Harry despediu-se dela, ansioso por aparatar na Itália, a preocupação com a esposa sem deixar sua mente por sequer um segundo.

Quando finalmente chegou a casa, andou até o quarto a passos velozes e encostou a porta. Algo lhe dizia que deveria ter ouvido o que passara a madrugada dizendo a si mesmo – que Hermione não era para ter ficado sozinha. Mal entrara em casa e já ouvira a voz clara e incoerente dela a conversar com algum ser imaginário; um delírio da própria mente.

Desejava muito que ela recobrasse a consciência, que ao menos lhe instruísse de como deveria agir. Já cuidara da filha muitas vezes quando esta caíra acamada, mas, entre Leahnny e Hermione, havia muita diferença. Fora de si, sua esposa dizia-lhe para não se aproximar e Harry, não querendo contrariá-la, saiu do quarto um pouco, indo até o banheiro, onde prepararia compressas de água fria para ajudar contra a febre. Pelo menos, enquanto não pensava em algo melhor. Não tinham nem uma poção antipirética em casa.

Depois de um tempo, a voz de Hermione deixara de afastá-lo e parecia estar chamando-o. Ele se aproximou, colocou uma das compressas sobre a testa dela, sentou-se na beira da cama e tentou conversar, trazer a esposa de volta à consciência, mas todas aquelas tentativas foram inúteis. Qual fosse o mal que acometia Hermione, era muito mais sério e grave do que Harry desejava.

Ficou um pouco sentado junto à esposa, somente confortando-a, sem ter certeza do que mais deveria fazer. Aos poucos, viu-a acalmar-se e adormecer, mesmo sem a febre ter cedido.

Minerva McGonagall chamou Harry pela lareira cerca de uma hora depois, e ele teve de deixar a esposa no quarto para descobrir o motivo do chamamento. Somente quando já estava de frente para sua antiga professora de Transfiguração é que lembrou-se do projeto de Hermione. Agradeceu silenciosamente o fato de ser o dia em que a esposa deveria voltar a Edimburgo. Ao menos Minerva saberia como ajudá-lo, ou assim ele esperava.

– Harry, é bom vê-lo! Estava me perguntando se Hermione…

– Ela não está bem – ele respondeu, sem nem precisar ouvi-la terminar a pergunta.

– Não está bem? – a cabeça de McGonagall desapareceu por alguns segundos antes de ela reaparecer em pessoa na sala. – Como assim?

– Eu não sei. Quando acordei, ela já estava se sentindo mal, apesar de não estar com febre. Só depois que eu saí para levar a Leahnny que ela piorou.

– Como ela está agora? Tem algo que eu possa fazer?

– Eu não conheço nenhum medi-bruxo aqui, e daria muito trabalho ir até Londres… talvez se você conhecesse alguém por aqui… eu sei que é difícil, mas-

– Sei muito bem quem pode ajudá-lo. Fique com Hermione, vou buscá-lo – disse ela, aproximando-se novamente da lareira.

***

No final daquela manhã, Remo Lupin estava sentado em seu escritório – em um prédio que ficava em Edimburgo, pertencente ao Ministério –, imerso em pergaminhos sobre registros de atividades mágicas, quando entraram três pessoas mascaradas, predispostas a reacender o pânico dos anos de Voldemort.

Sua primeira reação foi a de tatear o bolso do casaco à procura da varinha. Antes que pudesse encontrá-la, porém, um feitiço atingiu seu peito, desarmando-o e fazendo-o chocar-se contra a parede.

Lupin não teve tempo de levantar e revidar; foi atingido novamente, dessa vez com menor intensidade. Uma bruxa mascarada – que aparentava ser a mais nova – aproximou-se, agarrou-o pelo braço e praticamente o arrastou para fora do escritório.

A secretária não estava mais a postos e o andar aparentaria estar completamente deserto se não fosse pelos gritos que podiam ser ouvidos. Jogados no chão, havia pergaminhos, penas e vidros quebrados de tinta, marcando o carpete. Alguns memorandos estavam junto ao teto, e outros voavam perdidos à meia altura. Lupin não conseguiu ver nenhum outro bruxo mascarado, mas notou que dois daqueles que adentraram sua sala não estavam mais ali. Aos poucos, ele percebeu que o prédio ainda não fora completamente tomado – como poderia, se havia somente três bruxos atacando? – e que muitos de seus colegas permaneciam escondidos, provavelmente à espera da melhor oportunidade para fugir ou – quem sabe – reagir.

Mesmo desarmado, esperava não ter dificuldades em encontrar uma varinha qualquer perdida naquele caos. Então, bastaria um segundo de distração da bruxa que o segurava para que – caso tivesse uma varinha em seu poder – obtivesse uma grande vantagem.

Viu um colega ser descoberto e imediatamente ser atingido por uma imperdoável lançada por um dos atacantes. Notou que as ordens ao grupo eram dadas pelo bruxo que o atingira pela primeira vez e esperou este distrair-se para conseguir empurrar contra uma mesa a bruxa que o prendia. Em menos de dois segundos, Æthelind virou-se para ele e apontou a própria varinha para a garganta de Lupin, murmurando um feitiço negro.

Antes de um piscar de olhos, a bruxa menor cruzou a distância que separava Lupin de Æthelind, empurrando esse para trás. Ela e Lupin caíram um sobre o outro no chão acarpetado e, quando os sons começaram a fazer algum sentido na mente da vítima, ele conseguiu entender que o líder brigava com a bruxa que o defendera.

– O que está fazendo? – Æthelind bradou, atraindo para si a varinha dela com um simples aceno da mão.

– Ele não! – replicou a bruxa levantando-se, aparentemente sem se importar com o fato de estar desarmada.

– Quem você acha que é, Ídril? – disparou ele com raiva, apelando aos métodos trouxas e esbofeteando o rosto mascarado dela.

– Querido… – interveio a outra bruxa, prevendo um desfecho nada agradável para a cena –, deixe isso para depois. Teremos tempo mais tarde.

Æthelind afastou-se, ainda lançando um olhar duro em direção à garota. Lupin estava realmente confuso. Na silhueta da bruxa que o defendera, identificara traços familiares; contudo, o que mais lhe surpreendera fora o fato de ter identificado a voz dela.

Em uma das salas do iluminado corredor, algo caiu no chão, propagando pelo lugar um ruído seco. Æthelind moveu-se, não sem antes trocar algumas palavras com as duas bruxas. Foi o suficiente para que Lupin pegasse à força a varinha da bruxa mais próxima a ele e desaparatasse, não sem antes ouvir um pedido de desculpas que preferia não ter presenciado.

Aquela voz… quando chegou a Roma, ela permanecia em sua mente, enquanto esta se recusava a acreditar que suas suspeitas fossem verdadeiras. Precisava contar a Dumbledore o que acontecera, mas, mais importante ainda, precisava contar a Harry Potter o que acontecera.

***

Ao abrir a porta, Harry viu que McGonagall realmente trouxera ajuda. Além de – obviamente – Alvo Dumbledore, ela estava acompanhada por um bruxo desconhecido. Este era um pouco mais velho que a antiga professora e tinha traços orientais, bem diferentes dos que se viam usualmente pelas ruas de Edimburgo. Não que isso importasse em alguma coisa; afinal, Harry sabia, Dumbledore confiava nele.

Em poucas palavras, o Diretor explicou que o acompanhante era, de fato, um medi-bruxo, um velho amigo que aceitara ajudar Hermione diante do pedido de Dumbledore. Harry levou-o até a porta do quarto e foi instruído a não entrar, voltando então para a sala.

Já passara do meio-dia, e fome era o que Harry menos sentia no momento. O nervosismo o fizera andar de um lado para o outro em torno da mesa de jantar, com o pensamento concentrado na pessoa que dormia no quarto seguinte. Por sugestão de Dumbledore, McGonagall preparou um forte chá, que ofereceu para Harry.

Ele bebeu com pressa, quase se queimando ao carregar, de um lado para o outro, a xícara com o líquido quente. Antes de servir-se pela terceira vez, finalmente se permitiu afundar em uma poltrona solitária no canto da sala, respirar fundo e ouvir a voz de McGonagall procurando apaziguar a situação.

– Giovanni é muito competente, Harry. Com certeza, Hermione está em boas mãos.

Não respondendo verbalmente, ele baixou o olhar em direção ao chão; sentiu uma vontade de não estar ali sob os olhares dos amigos e, para dizer a verdade, de qualquer outra pessoa. Ele queria mesmo era estar no quarto, bem escondido sob as cobertas, ao lado da esposa.

– Sua filha sabe o que está acontecendo? – perguntou Dumbledore, tentando desviar um pouco a atenção de Harry.

– Não. Eu só disse que Hermione não estava bem – ele engoliu em seco. – Se ao menos eu não tivesse saído…

– Não adianta ficar se culpando pelo passado, Harry. O que nos resta é decidir como agir daqui para frente – comentou Dumbledore sabiamente. – Se você ficar nervoso, o tempo só passará mais lentamente e talvez você não perceba alguma pequena melhora na condição de sua esposa. O melhor, nesse momento, é manter a calma.

– Certo… – ele respondeu, sem demonstrar credulidade alguma, e continuou depois de um curto silêncio: – Esse Giovanni… você nunca o mencionou antes, Alvo.

– Não tive contato com ele nos últimos anos, embora tenhamos sido muito próximos no passado. É um assunto delicado, voltar quarenta anos no tempo…

– Onde se conheceram? – Harry não pretendia ser rude ou algo do tipo. A pergunta surgira como uma simples curiosidade, uma dúvida que não precisou de mais de uma frase para que Harry compreendesse o receio do amigo em tocar no assunto.

– Ele era tio de Alana…

Balançando a cabeça, Harry deu por encerrado o assunto e, ao não usar palavras, deu uma brecha para que um novo silêncio dominasse o lugar. Os três permaneceram perdidos em seus próprios pensamentos, parados, aguardando uma resposta do medi-bruxo. Harry agia instintivamente, ora enterrando os dedos nos próprios cabelos, ora lançando olhares de esguelha para a porta do quarto que continuava fechada, ora fechando os olhos e quase desistindo de esperar na sala.

Depois de vários minutos que pareceram dias, Giovanni Paolo apareceu, carregando uma expressão preocupada no rosto e uma maleta com instrumentos embaixo do braço.

– Me desculpem, não posso dizer exatamente que tipo de magia foi usada nela, só consegui combater os sintomas. Ela está um pouco melhor agora – anunciou ele diante da ansiedade de Harry, que se levantara e se aproximara rapidamente – e deverá acordar em breve, então talvez consigamos mais informações sobre o que aconteceu, mas, até lá, não há mais nada que eu possa fazer.

– Magia? Ela está sob efeito de algum feitiço? Alguma poção? – McGonagall perguntou, imediatamente considerando pedir ajuda ao staff da escola.

– É difícil afirmar o que causou tudo isso, ainda que eu possa dizer com absoluta certeza que não foi nenhuma moléstia trouxa.

– Não pode ser… Hermione não saiu de casa… – Harry pensou alguns segundos –… há semanas…

– Teremos de esperar, Harry. Provavelmente, ela pode nos explicar o que aconteceu.

Ele assentiu e pediu a Dumbledore que, se possível, eles ficassem, pelo menos até o final da tarde. Quando concordaram, Harry pediu licença e não tardou a voltar para o quarto, pretendendo somente ver como estava sua esposa.

– Mione? Amor?

Não obteve resposta alguma. Sua esposa continuava profundamente adormecida sob algumas das cobertas que ele colocara durante a noite; outras, o próprio Giovanni colocara sobre a poltrona para evitar que a febre de Hermione aumentasse. Ela parecia tão tranqüila, tão em paz, que Harry sentou-se o mais silenciosamente possível na cama, evitando acordá-la.

Os muitos minutos passaram quase iguais por um semi-adormecido Harry que tentava descansar próximo à esposa, naquela cama tão macia e confortável. As cortinas da janela – e a porta – estavam fechadas, deixando o ambiente escuro e convidativo para alguém que, como Harry, dormira muito pouco nos últimos dias. Suas pálpebras o traíam, tornando-se pesadas e obscurecendo ainda mais sua visão. A exaustão ameaçava tomar conta de seu corpo e, aos poucos, de cada parte de sua mente. Estava pronto para render-se ao cansaço quando uma voz suave o chamou.

– Har?

Sem ter certeza se era sonho ou realidade, ele não se dignou a abrir os olhos. Estava relaxado e, por um momento, esquecera quem o acompanhava na cama. Quando tentou murmurar uma resposta, sua voz saiu como um murmúrio, incerto e incompreensível.

“Amor, que horas são?” a voz de sua esposa insistiu, obrigando-o, por fim, a voltar à realidade. O descanso que tanto desejava haveria de esperar um pouco mais.

– Mione, como você está? – perguntou então, apoiando-se na cama e sentando lentamente, com os olhos semi-abertos.

– Estou com sede. Desculpe por ter-lhe acordado.

– Eu não estava dormindo... e vou buscar água para você...

– Daqui a pouco... – mesmo sentindo-se fraca, Hermione ergueu o braço a ponto de que sua mão pudesse brincar carinhosamente com o cabelo do marido. – Você ainda não me disse que horas são, Har.

– Já passou do meio-dia. Depois que voltei de Londres, você estava mal... McGonagall me ajudou e Dumbledore trouxe um parente Medi-bruxo para vê-la e-

– Dumbledore?

Harry baixou os olhos, sem ter certeza se agira corretamente. Mexeu um pouco no lençol e então murmurou:

– Eu… não sabia o que fazer… você parecia mal e…

– DROGA! – exclamou Hermione, quase assustando o marido. – A pesquisa! Minerva deve estar me esperando!

– Nem pense em sair dessa cama, Mione! – Harry se impôs. – McGonagall já está sabendo do que aconteceu, foi ela quem decidiu chamar Dumbledore.

Diante da explicação de Harry, ela parou para ponderar um pouco. Não estava se sentindo completamente bem, na verdade, não se sentia bem nem ao ponto de levantar da cama, quem diria viajar até outro país a trabalho... Talvez fosse melhor mesmo ficar ali deitada, ao lado do marido, e deixar para se preocupar com aquilo em um novo dia.

“Você não chegou a comentar hoje cedo, mas… aconteceu alguma coisa? Quero dizer, isso é óbvio, mas você sabe por que você ficou assim…? Giovanni tem certeza que foi por magia…”

– Giovanni?

– O Medi-bruxo. Ele disse que você estava sob influência de magia, só que não consigo imaginar como.

– Nem eu… – ela sussurrou, sem permitir que o marido encontrasse seu olhar.

– Repassei milhares de vezes o dia de ontem. Não há a menor chance de eu ter provocado isso em você acidentalmente.

– Eu nem saí de casa, não mexi nos meus livros e mal usei a varinha, Harry… – respondeu ela, sem mentir.

– Você não consegue pensar em outra coisa, quem sabe? Tem de ser algo forte, você estava realmente mal hoje… – a voz de Harry, que já estava baixa, mal passava de um murmúrio ao terminar a frase.

– Nada, Har… a menos que algum estranho tenha entrado aqui... eu não... não sei o que aconteceu... – a voz de Hermione finalmente voltava a dar sinais de exaustão. Harry, sem hesitar, levantou-se e, após uma breve desculpa, saiu para buscar um copo de água fresca na cozinha.

***

Dumbledore não se preocupava com o fato de que, em pouco tempo, o Expresso de Hogwarts chegaria à escola, onde, como Diretor, deveria participar do banquete de boas-vindas que seria oferecido aos alunos e professores. Algo lhe dizia que, de qualquer forma, seria obrigado a delegar essa função ao seu natural substituto, o Vice-Diretor Draco Malfoy.

De forma alguma, podia-se dizer que o dia havia começado de forma tranqüila. Recebera aquela carta justamente no primeiro horário da manhã e, desde então, seguiram-se pequenos incidentes que – ele tinha certeza absoluta – não eram aleatórios.

Quando comentara com Minerva, esta insistira para que ele ignorasse a carta. Não foi o suficiente. Então, ao saber – por intermédio de Fawkes – que nem todos os alunos estavam a bordo do trem da escola, sua inquietude cresceu. Todos aqueles acontecimentos começaram a demonstrar que passavam de mera coincidência.

Sentado na sala dos Potter, Dumbledore via suas certezas deixarem de ser algo abstrato. Remo Lupin – a quem contatara pela manhã e que estava investigando o primeiro acontecimento do dia – aparatara a quilômetros do próprio escritório, com o intento de avisar Harry antes de buscar a ajuda de Dumbledore e do Ministério.

O Diretor apoiou o rosto nas mãos e suspirou, cansado. Aquele seria realmente um longo dia. Vira Minerva abrir a porta para que Lupin entrasse e agora ouvia este relatar o ataque que presenciara. O relato foi mais do que suficiente para que Dumbledore entendesse por que nem todos os estudantes estavam no trem como deveriam. Quisera ele ter sabido antes e evitado que mais acontecimentos ameaçassem a paz que lutaram tantos anos para conquistar.

Ele não tinha problemas em admitir para si mesmo que não era infalível. O problema era quando precisava encarar o olhar decepcionado de pessoas por quem ele dedicava-se tanto. Às vezes, encontrava junto um sentimento de desesperança – muitos acreditavam que Alvo Dumbledore tinha mais poderes do que qualquer outro, e que, se este não pudesse encontrar uma solução, ninguém mais conseguiria fazê-lo.

Desta vez, contudo, não poderia permitir que isso acontecesse. Não poderia permitir-se perder a esperança, não depois de tê-la mantido por mais de cinqüenta anos. Talvez não fosse tão poderoso quanto o momento exigia, mas não fraquejaria diante do desafio. Covardia não constava na lista de seus atributos.

– Alvo, eu queria avisar Harry, por isso vim aqui… – Lupin voltara a falar, tirando-o de seus devaneios.

– A princípio, seria a coisa mais sensata a se fazer, Remo. Eu até concordaria com você. Só peço que considere o que aconteceu hoje. Harry ainda está preocupado com a esposa, ela ainda não acordou, não sei se seria prudente colocar sobre ele mais essa preocupação. Talvez devêssemos aguardar até que ela melhore, o que acontecerá em breve, não, Giovanni?

Em questão de segundos, Giovanni – que havia se deixado distrair com a foto, de uma pequena Leahnny, exposta em porta-retrato – dedicou toda sua atenção à conversa, com o rosto adquirindo uma expressão séria e, sua voz, um ar profissional.

– Não creio que seja interessante para a Ordema incumbência de mais essa responsabilidade sobre Harry Potter, ainda mais em um momento como esse – encarando Dumbledore objetivamente, continuou: – mal consegui atenuar os sintomas que a jovem apresentava e sequer estou conseguindo combater o mal que a torna enferma. Eu sinceramente não sei mais o que posso fazer por enquanto, e talvez tehamos de procurar ajuda especializada. Harry Potter terá de ser informado quanto à situação da esposa no momento em que deixar o quarto e decidir então o que deve ser feito.

– A vida de Hermione ainda corre risco?

– Tanto quanto corria no momento em que cheguei aqui, ainda que isso não estivesse aparente. Sim, o risco ainda existe...

Após a declaração do medi-bruxo a sala silenciou; todos ponderavam as palavras que haviam acabado de serem proferida. E, enquanto esse denso clima pesava sobre o ambiente, a porta do corredor foi aberta para permitir a entrada de Harry.

– Giovanni, ela acordou. Vim buscar um pouco d’água e perguntar se você precisa vê-la – disse Harry, em voz baixa, antes de ir até a cozinha.

Ao voltar para a sala com o copo em mãos, pronto para voltar ir ao quarto, deparou-se com um pedido de Lupin – apoiado por Dumbledore e Giovanni – pedindo-lhe para ficar.

***

– Não quer um pouco de chá, Harry?

Em vez de responder, o bruxo em questão levantou os olhos e encarou McGonagall, quase sem acreditar que esta tivesse lhe feito a mesma oferta pela quinta vez nos últimos trinta minutos.

Estava ansioso demais para perder tempo com atos frívolos como tomar chá; queria saber porque Lupin estava ali, porque haviam lhe pedido para ficar na sala e, o mais importante, o que era necessário ser feito para que a esposa melhorasse.

Um toque em seu braço distraiu-o desses pensamentos e fez com que sua atenção encontrasse a expressão preocupada do rosto de Lupin.

– Por que não senta? – ofereceu ele. – Não ajudará Hermione em nada se continuar nervoso desse jeito.

– Eu sei! – Harry largou-se rapidamente no sofá, ao lado de McGonagall e inspirou fundo na tentativa de seguir o conselho. – Eu sei.

Os outros bruxos continuaram a mira-lo com preocupação, e ele, aos poucos, ficou menos agitado. Prestes a pedir informações e justificativas para o pedido que lhe fizeram quanto à não entrar no quarto, ele mudou de idéia abruptamente no momento em que percebeu o Medi-bruxo entrar na sala e decidiu inquiri-lo quanto ao estado da esposa.

– Continue sentado, por favor – recomendou Giovanni com calma no momento em que se aproximou do sofá e viu a ansiedade que dominava o jovem bruxo. – Eu dei uma medicação forte que fez sua esposa dormir mais uma vez.

– Por que precisou fazer isso? – Harry perguntou rapidamente. – Quero dizer, você deu essa medicação forte para ela... descobriu o que está acontecendo? Mione vai ficar bem?

– A magia dela estava tentando combater a doença, porém, com extremo insucesso, tornando Hermione ainda mais vulnerável e debilitada. Eu tive de estancar a magia dela para impedir que os sintomas avançassem tão rapidamente quanto como estava acontecendo. Espero que, sem a interferência da magia, ganhemos tempo.

Sentindo o sangue fugir de seu rosto e o ar não estar mais presente em seus pulmões, Harry abriu a boca para falar em uma voz engasgada pelo nó em sua garganta:

– Tempo? Ganhar tempo... você a colocou em coma?

– Ela não está consciente por enquanto, mas reverterei essa situação assim que descobrirmos a causa-

Por mais que o Medi-bruxo continuasse falando, Harry não mais o ouvia; sua concentração estava totalmente depositada na tentativa de ocultar o desespero que sentia. Fechara os olhos, deixando que atos e palavras escapassem de sua percepção, tornando-o completamente ignorante às expressões preocupadas dos amigos.

– Dumbledore... – sussurrou Harry, abrindo os olhos devagar para encarar o Diretor e nada mais do que ele. – Poderíamos contatar Severo?

Ele não queria explicar, não acreditando que houvesse necessidade. Chamar Snape era, aparentemente, a decisão mais apropriada naquele momento, nem que fosse apenas para obter uma segunda opinião, e não para interferir diretamente no tratamento. Depois de tantos anos, ele continuava a confiar no professor de poções e esperava que ao menos ele pudesse desvendar a causa da enfermidade de Hermione.

– Certamente, Harry – concedeu Dumbledore, sob um olhar aprovador de Giovanni. – Vou buscá-lo, não devo me demorar. Enquanto isso, talvez você prefira ficar com Hermione...

Sem precisar que o Diretor lhe dissesse duas vezes, Harry levantou sem olhar para trás e desapareceu na escuridão do corredor, deixando a porta aberta atrás de si, e importando-se somente com a esposa.

***

Não muito tempo depois, Dumbledore voltou, acompanhado de Rony. Precisavam tomar decisões – e pretendia aproveitar o tempo que tinham de espera para fazê-lo, por isso reunira a maior parte do Conselho da Ordem naquela sala. Dos que faltavam, Snape deveria chegar em breve e Harry era para ser mantido fora dessa situação.

– O que aconteceu, afinal? Além de Hermione, é claro, Dumbledore já me falou sobre isso... mas ouvi rumores sobre um ataque ao Ministério? – perguntou Rony, curioso e ao mesmo tempo preocupado, juntando-se aos outros membros da Ordem que já estavam sentados.

– Sim, de fato... no meu departamento – respondeu Lupin, sem muitos detalhes.

– Æthelind novamente?

– Também... – Lupin disse com seriedade e cautela, ainda pensando em qual seria o melhor momento de contar a verdade aos Potter. – O que importa é que eu reconheci todos os bruxos que nos atacaram e eu não teria vindo aqui caso dois deles não tivessem relação com Harry…

– Não entendo qual a ligação de Æthelind, mas sabemos que ele estava lá… – pensou McGonagall, estranhando a declaração de Lupin – então, quem mais?

– Não é dele que estou falando. Se fosse por ele, eu teria procurado somente Dumbledore… Eu o reconheci, ele liderava… mas eu também pude reconhecer os outros...

– Eu ainda não entendo… quem mais poderia ter alguma relação com Harry? – Rony tomou a palavra e insistiu, observando Dumbledore com curiosidade. – Quero dizer, eu lembro que os Dursley foram atacados recentemente… só que Petúnia não é bruxa e duvido que ela se envolvesse em algo assim… não consigo pensar em mais ninguém relacionado a Harry, pelo menos até onde sei sobre a família dele, Remo.

– E se eu disser que é alguém relacionado a Harry e Hermione?

McGonagall, Dumbledore e Rony se entreolharam, um pensamento ruim passando por suas mentes, algo que nem cogitariam se Lupin não tivesse insistido tanto, se não tivesse sido tão enfático e se não estivesse apresentando uma expressão tão preocupada no rosto.

– Mas Harry... – continuou Rony, sua mente trabalhando para encontrar alguma lógica em tudo aquilo –, ele a deixou no Expresso de Hogwarts, vi Leahnny embarcar...

– Entretanto, ela não partiu no trem... e duvido que chegue a Hogwarts a tempo do Banquete de Boas-vindas – contemplou Dumbledore.

– Leahnny nunca faria isso... pode ser uma sonserina, mas ela gosta de Harry... pode imaginar o que vai acontecer o dia que Harry souber disso? – a voz de Rony adquirira uma distinta preocupação, surpreendendo os que lhe ouviam. – Estamos falando de Artes das Trevas, Remo, e, por mais que eu perceba as milhares de evidências que existem, ela continua sendo a filha de Harry! Ela não ousaria...

– Ela nunca machucaria Hermione – a voz extremamente séria soou pela sala, vinda do portal do corredor, onde Harry estava parado.

– O fato é que ela está envolvida... – tentou falar Lupin.

– Talvez eu, mas Hermione... nunca... – enfatizou Harry, com o olhar perdido, mas a atenção completamente dedicada à conversa.

Lupin não teve coragem de responder com palavras. Baixou os olhos em direção ao chão, dando, ao manter o silêncio, a confirmação que Harry não queria ouvir. Como se a raiva passasse deixando um lastro em seu peito, sua voz ganhou um impulso rouco e forte ao dizer:

– ELA É SÓ UMA CRIANÇA!

– Pode ser, Harry, pode ser… só que o fato é que Ídril retornou…

Aproximando-se dele, Alvo Dumbledore revelara a única frase escrita no suspeito bilhete que recebera pela manhã. A este ponto, cada pessoa naquela sala conhecia o significado daquela mensagem e, o mais importante, percebia o significado ocultado no simples período.

Para os que estavam cônscios dos eventos que resultaram na morte de Alana Dumbledore, estava explícito o desafio e a ameaça feita ao pai da garota. Era uma declaração clara de guerra onde eles não conheciam a verdadeira face do inimigo.

***

Se, para Harry, Leahnny Granger não passava de uma criança, para Æthelind, ela era uma aluna com muito potencial. A princípio, tudo que ele pretendia era usá-la para atrair Harry Potter; usá-la como pretendia usar vários estudantes – para obter a vanguarda na guerra antes mesmo dessa ser deflagrada. Todavia, a convivência de apenas alguns meses com a garotinha fora suficiente para que uma antiga lembrança viesse à tona.

Alana Dumbledore indicaria o caminho a ser seguido. A morte dela dera a Voldemort uma grande vantagem sobre Alvo Dumbledore, ainda que não tivesse sido planejada. Ídril teria assumido posições mais importantes se não tivesse se deixado corromper pelo pensamento do pai.

Agora, mais de sete décadas depois, ele tinha a oportunidade de trazer a Grande Princesa de volta à vida. Não que fosse necessário algum ritual de necromancia envolvendo o sangue de Alana, tão bem guardado por tanto tempo. Nada disso. Ele recriaria Ídril, dessa vez à sua maneira – sem os defeitos de uma Dumbledore.

Recriaria Ídril e lhe daria poder – ela se justificaria somente a ele. Marjorie não saberia, nem precisava, já que ele não planejava deixá-la viva por muito tempo, de qualquer forma.

Æthelind já planejara tudo e também já começara a agir. Os ataques aleatórios ao mundo bruxo não eram para diversão – sabia que não era hora de perder tempo com esse tipo de coisa –, eram testes.

Leahnny também passara por testes – três deles, na verdade. Durante esses momentos – e em outros também – ela inconscientemente provara sua disposição a ser leal a ele.

E havia Alexander Rhaity… um estranho que aparecera em Hogwarts em agosto, um bruxo desconhecido no Reino Unido, mas que apresentara sólidas referências da vida estável que levara por trinta anos em Noska.

Não havia motivos para que Dumbledore desconfiasse do jovem professor que possuía tão boas indicações, e assim, Æthelind conseguira infiltrar-se entre o corpo de funcionários de Hogwarts. Entre tantos mestres, havia o jovem bruxo, nascido em uma família trouxa, que se transformara em professor de Transfiguração, respeitado pelos alunos e invejado por Draco Malfoy, uma das únicas pessoas – além de Severo Snape – que percebia a influência que Rhaity buscava conquistar entre os sonserinos.

Malfoy, entretanto, mantivera suas suspeitas em segredo. Ele poderia estar apoiando o “lado bom”, mas não era por isso que deixaria de ser um sonserino. Decidiu esperar pacientemente, enganando-se ao pensar que surpreenderia Rhaity.

Enganara-se, de fato… Alexander era esperto demais para se deixar surpreender por alguém como Draco Malfoy. Então, quando esse estava preparado para chantageá-lo, Alexander dera a Draco algo mais com que se preocupar.

Por causa de uma denúncia anônima, Gina pusera-se a investigar o próprio filho, encontrando, entre os pertences dele, livros proibidos de Artes das Trevas comprados por Draco.

Alexander, satisfeito, deixara de se preocupar com Malfoy e até mesmo com a denúncia que este resolvera apresentar ao Diretor. Bastara um pouco de lábia e algumas cartas falsificadas com a letra de Gina para que o Professor Rhaity convencesse Dumbledore de que tudo não passava de um misto de ciúmes e inconformidade da parte de Draco – e tudo acontecera, coincidentemente, na noite em que Gina o deixara, há mais de um ano.

E, naquela noite, Alexander Rhaity assumia novamente o papel de zeloso Professor de Transfiguração de Hogwarts. Nem Dumbledore, nem ninguém lhe fizeram perguntas no momento em que entrou no Salão Principal para o banquete. Sua ausência naquele dia fora antecipadamente justificada – dissera que precisava visitar, com urgência, o irmão, em Dubrovnik.

O olhar de Snape percorreu a mesa à sua frente – os copos, os talheres dourados, os pratos vazios –, antes que sua atenção pudesse se concentrar no professor que acabara de sentar ao seu lado. O tempo todo, seu rosto apresentando uma expressão de que seus ouvidos eram traídos pela voz que lhe falava.

– É um prazer vê-lo tão contente, Severo – o Professor Rhaity sorriu.

– É um prazer saber que alguns indivíduos inconvenientes deixarão Hogwarts antes que possam fazer mal a ela.

– Ah, Severo, abandonar-nos-á tão cedo assim? – perguntou, o tom suave da voz escondendo a ameaça das suas palavras.

Com uma leve mordida nos próprios lábios, Snape impediu um comentário mordaz que queimava sua boca e entregaria a Rhaity todas as suas suspeitas.

Alexander não ousou aplicar legimência no Mestre de Poções; seria infrutífero. Preferiu prestar atenção na discreta discussão que se iniciara na mesa da Sonserina no momento em que Leahnny sentara.

Murmúrios espalharam-se pelo Salão Principal e Æthelind ficou satisfeito ao constatar que eram originados pela ausência de Dumbledore. Observou sua pupila. Por mais que não a tivesse informado, ela sabia exatamente o que estava acontecendo com a mãe, e tentava evitar que os outros notassem.

Snape levantou-se, objetivando terminar com a discussão que se iniciara entre os membros da própria Casa. Após silenciá-los, não teve tempo de voltar à mesa. Parou para ver as portas do Salão serem abertas, dando passagem a um grupo de aurores do Ministério da Magia, acompanhados de representantes do Departamento para Cooperação Internacional em Magia. Sabendo melhor do que chamar atenção para si, o Professor de Transfiguração permaneceu sentado, seu olhar fixo nos recém-chegados.

O grupo aproximou-se da mesa do staff, sendo recebido pelo Diretor Interino. Conversaram com ele por um breve período antes que Draco Malfoy, escondendo uma expressão irrisória, permitisse que eles dessem “voz de interrogatório” a Alexander Rhaity.

***
Próximo capítulo: algumas revelações, uma conversa muito séria com a melhor cena que já escrevi do Dumbly (eu acho) e alguém continua doente...

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