Inadequação



Terceiro Capítulo: Inadequação

Dumbledore calou-se por um momento, baixou os olhos e cruzou as mãos sobre o peito. Poderíamos pensar que estaria se concentrando em um argumento, ou quem sabe apenas cochilando.
Snape sentou-se novamente na poltrona rendada. Permaneceu segurando tolamente sua xícara de porcelana com detalhes dourados, ricamente desenhada com paisagens campestres. Sua boca era uma linha fina que se tornara rígida pelo desgosto dos anos. Ainda não entendia como seus pensamentos eram perceptíveis em outros aposentos de Hogwarts, a ponto do Diretor saber exatamente o que lhe ia à cabeça, sem que ele dissesse uma única palavra. Teria emparelhado suas ondas mentais tão finamente com as de Dumbledore, a ponto de o outro ouvir seus pensamentos?
_Harry, Severo.
_O que há com o jovem Potter, Senhor?
_Ele o admira.
_Receio que não esteja bem informado Diretor.
_É verdade, ele o admira. Porém é verdade que ele o odeia na mesma medida.
_Estou habituado a esta reação de alunos pouco aplicados, Senhor.
_Não é tanto pela sua personalidade Severo, é mais pelas injustiças que comete.
_Dá no mesmo. Os alunos da Sonserina nada reclamam, Diretor.
_Você não se esforça muito em provocar simpatia nas pessoas, não é mesmo Severo?
_Não preciso disso. Não preciso de manifestações de simpatia de mentes fracas e tolas, inúteis até para si mesmas.
_Não. É verdade, você conseguiu sobreviver aos anos escolares, sem um único amigo. Conseguiu viver em Hogwarts sem nunca estreitar relações com os outros professores. Conseguiu chegar até aqui, solteiro e sem filhos. Realmente você não parece precisar de ninguém.
Dumbledore falou isso, com as mãos cruzadas a altura do queixo, olhando para Snape, como se estivesse olhando para a lente de aumento de uma arma, mirando o alvo. Ficou calado, esperando a resposta de Snape,
Este sustentou o olhar de Dumbledore e permaneceu mudo. No entanto alguma coisa o incomodava, como se a poltrona estivesse desconfortável ou tivesse sido acometido de reumatismo. Não podia evitar pensar no que Dumbledore dissera sobre viver sozinho. Instantaneamente a imagem da jovem sonserina apareceu em sua mente, contra a sua vontade. Ele ao lado dela em trajes de casamento, em uma capela, rodeados de conhecidos. Isso o atingiu como uma estocada. Baixou os olhos e perdeu a concentração por um instante.
_Pare com isso Senhor!–exclamou sem pensar.
_Não estou fazendo nada Severo. Você mesmo criou esta imagem. – Falou Dumbledore, revelando cansaço na voz.
_Severo, almas áridas e amarguradas são mais facilmente atraídas para as trevas.
Snape sustentou novamente o olhar de Dumbledore, era como se as artes das trevas fossem sua muleta, que o ajudasse a reerguer o seu orgulho ferido.
_Voldemort não procura as almas calmas e felizes, pois estas não lhe dariam atenção.- continuou Dumbledore aparentemente alheio a mudança que se passou em Snape.
_O lorde das trevas não está interessado em vida familiar e conflitos amorosos, Diretor. Sua ambição é muito maior que isso.- falou Snape intimamente feliz por livrar-se da armadilha sentimental em que Dumbledore o colocara.
_A ambição de Voldemort o tornou menos humano e mais demoníaco. A alma de Voldemort já não se enquadra em níveis normais de energia. Ele é um ser incompleto agora.
_Teme o senhor que eu resolva voltar ao meu antigo mestre? – falou Snape incisivo.
_Eu quero acreditar Severo, que você ainda esteja procurando paz de espírito, compreensão e harmonia. Porque Voldemort só pode lhe trazer o oposto. – Dumbledore falou pausadamente a última frase como se para dar tempo a Snape para apreender o significado do que dizia.
Snape permaneceu em silencio. Sustentou o olhar de Dumbledore, mas intimamente, estava confuso. Não se importava com a felicidade mundana que tanto impressionava as outras pessoas, como também não dava a mínima importância para Voldemort. Mas a sua própria inadequação ao mundo o fazia alinhar-se ao lado de Voldemort, mesmo sentindo repulsa a ele.
Sabia que no fim de tudo, permaneceria em Hogwarts sob a proteção de Dumbledore, mas sua inquietação e infelicidade o estavam empurrando para as artes das trevas novamente, tal qual ocorrera na adolescência.
_Obrigado pelo excelente chá Severo, acho que já abusei em demasia de sua hospitalidade, sem falar que roubei um pouco do seu tempo. Só mais uma coisa Severo, Hogwarts é o nosso lar, pertence a todos nós assim como pertencemos a este lugar. Veja... Sempre esperamos um professor assim como você para fazer parte desta grande família, pense nisso. Boa-noite!
Dumbledore se retirou, deixando o aposento frio e escuro, tal qual o sol que já não brilhava mais no céu e nem tingia mais o firmamento de vermelho e dourado.
Snape ficou de pé no meio de seu escritório, sentindo as sombras crescerem ao seu redor.

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