Um ganido de perdão
Capítulo 09- Um ganido de perdão
"Só os que um dia perderam a cabeça sabem raciocinar".
Oscar Wilde
Tudo volta, tudo passa, tudo muda.
Com o início do novo ano e o retorno dos dias letivos, Hogwarts parecia ter dado uma guinada energética em sua rotina. Agora mais dispostos, os alunos passaram a suportar seus longos dias com a máxima dedicação, tanto nos estudos,quanto nos jogos. Com o frio invernal e a torrente onda de mal tempo, as partidas de Quadribol muitas vezes foram ameaçadas de abnegação, o que era o suficiente para fazer Tiago entrar em desespero e profunda chateação. Por outro lado, Grifinória marchava para as finais lado a lado com Sonserina, deixando Corvinal um passo atrás e Lufa-lufa na rabeira.
Numa das manhãs mais frias do ano, uma semana após o retorno das aulas, a coruja negra da família Black decidiu enfrentar as forças da natureza e despachar uma mensagem em Grifinória:
“ Sexta á noite, esta semana, nos encontre em frente ao grande carvalho dos jardins, á meia noite,debaixo da luz do luar,para que possa ler a verdade em nossos olhos.
Vamos concertar as coisas...
Narcisa e Bellatrix Black.
Ps:não mostre isso ao nosso primo em hipótese alguma!”
-Han...como se eu tivesse alguma coisa para concertar com elas...-comentou Eliza com a amiga ao seu lado,Cynthia ,que já estava a par de toda a novela com as irmãs Black e o primo das mesmas.
-Acho que você devia ir,sabe Beth...-falou timidamente a loira ,completando em seguida ao ver a instantânea expressão de nojo e incredulidade no rosto da amiga-Para acabar logo com isso...e tentar descobrir e decidir quem é o verdadeiro da historia,para você.
A outra apenas abaixou a cabeça,parecendo refletir a respeito das sabias palavras da jovem McClair.
-Como pode duas pessoas serem tão lerdas?-intrometeu-se a voz fina de Stéphanie,que encontrava-se em pé atrás das duas amigas que conversavam aos cochichos-Vamos ind...você recebeu uma cartinha Liza?De quem é?Me deixe ver?
Sem dizer uma palavra a moça de longos cabelos negros rasgou a o bilhete em vários pedacinhos e entregou-os na mão de Stéphanie,murmurando,com um sorrisinho provocante:
-Pode jogar no lixo se quiser...
-Como você é chatinha...agora,cadê a Kath?-retrucou novamente a moça de cabelos castanhos,ao que Cynty comentou em pensamento “Por enquanto,prefiro não saber!”.
-Estou aqui,Sté!- a negrinha empinou-se do outro lado da mesa,acotovelando Pedro Pettigrew, que apenas lançou um olharzinho vesgo para ela.- Ah...recebeu uma carta,foi? E você Cynthy? Aquele Lupin também te enviou uma cartinha de amor em papel reciclado?
-Não fale assim!- Pedro, o único maroto presente, decidiu se intrometer,mas foi completamente ignorado pela moça de pele escura e dentes muito brancos, que apenas revirou os olhos claros.
A vizinha de mesa de Pedro Pettigrew, Cortney, parecia meio abandonada. Em pensamentos estava xingando e destruindo todos os companheiros ao seu redor, já que não suportava Elizabeth e seu grupinho hipócrita de amigas...então, num ímpeto para sair dali, ergueu-se,murmurando:
-Pode entregar isso pro Tiago e pedir pra ele entregar pra Lily?- sorrateiramente a magricela enfiou nas mãos gorduchas de Rabicho um bilhetinho muito bem dobrado.
-Certo.Vou pedir pro Tiago entregar essa carta pra mim pela Lily,erm,digo...
-Ai,Pettigrew!- e a loira se retirou, arrastando a pesada mochila com muito esforço.
Katherine levou Stéphanie para longe em estridentes risadinhas, ao passo que Tiago,Sirius e Remo acabavam de chegar para o café da manhã. O primeiro fez seus olhos procurarem a ruiva, o segundo sentou-se ao lado de Pedro resmungando um “Bom dia” pela terceira vez dês do dormitório.Remo deu um sorrisinho degradado para todos (ele aparentava estar se preparando para entrar numa gripe muito forte,devastadora) menos para Cynthia, que foi a única a receber um intenso beijo.
-Vamos.-ordenou Eliza para a loira com uma voz fria ao notar os novos ocupantes do salão.A segunda se levantou e a acompanhou aos cochichos,sem dizer nada ao namorado.
-Tiago...aqui!-exclamou a voz animada de sua ruivinha,mostrando uma cadeira vaga ao seu lado,na outra extremidade da mesa. O rapaz foi até ela como que hipnotizado, e antes mesmo de soltar qualquer palavra, grudou-se aos lábios vermelhos da moça rapidamente. Pedro, fingindo ser cego por alguns minutos,aguardou o amigo estar livre para lhe passar o bilhete de Coox. Tiago olhou para ele interrogatoriamente,para depois, acariciando a palma da mão de Lílian, lhe entregar o papel:
-Acho que é pra você.
-Bah, vamos logo Tiago!-Sirius se ergueu repentinamente, os olhos fixos na saída, o prato intocado.Tiago olhou para ele pasmado:
-Sirius seu maluco, você comeu por osmose!
-Não estou com fome. Venha, Remo!- e puxou o outro pelo cachecol, fazendo-o se engasgar com o chá fumegante. O maroto sufocado protestou, mas mesmo assim seguiu de jejum para a saída, ouvindo os resmungos de “Aquela garota esquisita que não olha pra minha cara!” até as masmorras de Poções.
As primeiras aulas arrastaram-se congeladas.Seguiu-se então o almoço, este animado, pois revigorou os estômagos trêmulos de todos os bruxos do castelo, que por ser de pedra não ajudava muito no papel de fortaleza aquecida. Conforme as aulas se desenrolavam, a cor do céu ia decaindo, afundando-se num tom melancólico de uma noite de inverno...de uma noite de Lua Cheia.
Tiago percebeu um frêmito percorrer todo o corpo de Lupin durante a última aula do dia (Curso avançado de Defesa Contra as Artes das Trevas), o que o levou a cutucar o amigo no ombro e lhe estender uma mensagem, discretamente. Remo virou-se para recolher o Mapa do Maroto (o “bilhetinho” do quarteto para um diálogo em sala de aula) sem que o professor notasse, lendo já com um sorriso a frase “O senhor Pontas deseja ao senhor Aluado muita calma e confiança, já que a noite vai ser muito divertida!” .
Mas a noite avançava e não soava divertida. As rajadas de vento que penetravam nos corredores da escola assemelhavam-se á uma coletânea de gemidos vindos de outro mundo, ou até mesmo á uivos lamuriosos de uma matilha inteira de lobos. A neve branca nos terrenos ganhava um tom azulado graças ás estrelas, lua, céu e neblina enquanto que da Floresta Proibida um chamativo arzinho de medo acenava para todos, atraindo alguns olhares apavorados...aquele clima terrível só podia fazer bem aos fantasmas de Hogwarts,em outras palavras.
-O que ele quer?-chiou Sirius, que observava (por detrás de uma estante de livros) Amus Diggori tentando absorver Elizabeth Adams numa conversa audaciosa. Tiago, batendo os dentes, retrucou:
-Seja lá o que for não é pro seu bedelho.
-Como n...digo, sim,eu sei!
-Então vamos continuar com essa pesquisa,ok?-pediu Remo, puxando um livro de Herbologia para si.-Daqui a pouco eu vou ter que ir pra enfermaria e...
-Mas que moleque atrevido!-Sirius não dava a mínima atenção aos amigos, já que o Lufa-lufa Amus, de alguma maneira, acabava atraindo todos os seus pensamentos vingativos e raivosos.- Será que não pode ver uma garota dando mole na biblioteca?
-Isso não te lembra ninguém, não?-comentou Pedro, obtuso. Sirius optou por ignora-lo:
-Vou socar ele.
-Não!-adiantou-se Lupin, sobressaltando-se tanto que acabou se afogando numa crise de tosse rouca. Sirius acudiu o companheiro entregando-lhe uma garrafinha de cerveja amanteigada que carregava na mochila.Futucando-a para fechar o zíper, acabou deixando uma caixa de cigarros cair no chão.
Remo baixou os olhos para o maço,logo em seguida os ergueu para Sirius,que rapidamente recolheu o item derrubado.
-Você voltou a fumar,Almofadinhas?-o maroto indagou fingindo naturalidade.
-É, sim, e daí?
-Nada.- e deu de ombros, profundamente decepcionado. Pedro, tentando cortar aquele clima constrangedor que se interpôs entre o grupo, anunciou:
-Achei o livro de Herbologia!
Remo voltou para ele um olharzinho cansado de agradecimento e, ainda pigarreando, foi verificar o volume encontrado.Sirius, no entanto, parecia estar surdo para qualquer assunto não relacionado ao “casal” do outro lado do corredor de estantes:
-Aquele infeliz porco imundo!O que pensa que está fazendo?
-Flertando uma garota como nós dois costumamos fazer.–explicou Tiago fingindo inocência.- Algo de errado nisso?
-Mas porque tem que ser ela?
-E porque não?-alfinetou ainda Pontas, agora sorrindo pelo canto da boca.Remo lhe lançou um olhar de reprovação por detrás do livro que analisava ali mesmo com Rabicho.
Sirius disfarçou desinteresse muito bem quando Diggori decidiu voltar a cabeça para eles (afinal de contas, o Lufa-lufa estava sendo tão analisado que podia sentir isso na sua alma): puxou um livro qualquer na estante á sua frente e começou a folhear as páginas,fingindo estar pesquisando algo. Os demais marotos reviraram os olhos:
-Você é tão orgulhoso, Almofadinhas!-criticou Lupin, já com o livro de Herbologia nos braços, pronto para pedir empréstimo para a bibliotecária.- Porque não admite de uma vez que está com ciúmes e vai lá acabar com aquele lenga-lenga?
-Quem disse que estou com ciúmes, Lupin?-rosnou Sirius, devolvendo seu disfarce para a estante de qualquer jeito.- Bah, vocês me deixam tão nervoso que vou pros jardins agora...-e discretamente apalpou o bolso, checando a colocação dos cigarros. Tiago foi logo avisando:
-Eu vou com você!
Assim, a dupla dinâmica se retirou o mais rápido possível, atraindo um olhar triunfante de Amus Diggori, que decidiu avançar seu diálogo:
-Está livre para este fim de semana, doçura?
A moça, que até o momento estivera calada, ergueu as sobrancelhas e com um suspiro cansado, falou:
-Vou, Amus.Mas não estou afim de sair...com você.-e com um sorrisinho fingido, ela se afastou.
Sirius, por sua vez, não apenas se afastava: ele atravessava a escola, literalmente, como alguém que quer deixar para trás não apenas uma cena desagradável como também pensamentos indesejáveis.Seu caminho ia sendo percorrido de um modo um tanto ébrio, incalculado, o que resultou num encontro nada esperado com Ligia:
-Sirius!-a garota vibrou; um sorriso satisfeito nos lábios.
-Você!-ele constatou, fitando-a alucinadamente. Tiago os alcançou á tempo de ver o amigo, de modo irracionalmente bruto, atracar-se com a garota sem ao menos uma explicação ou palavra: ele apenas a puxou para si, beijando-a com raiva, machucando-a com o corpo, mas fazendo-a se entregar feito um bonequinho manipulado por cordas. Tiago, dando de ombros, virou-se para dar-lhes privacidade.
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Courtney se abraçou graças ao frio que cortava seus ossos despontados. O cenário de inverno lhe dava um semblante ainda mais fantasmagórico, pálido e apático. Ela estava apoiada na árvore que combinara com Lily, mas o pobre carvalho tremia tanto quanto ela, todo raquítico.
-Que susto você me deu, Banks!- uma voz desdenhosa veio junto com os uivos do vento (do vento?), e logo em seguida surgiu o rosto de Bellatrix, que deixava os cabelos esvoaçarem ao seu redor.- Branca desse jeito, no meio da noite, parece uma alma penada!
-Ou uma Caveira de Pano, talvez...-continuou a voz arrastada de Narcisa, irmã da primeira.
-O que vocês querem?Levar um murro ou apenas tentar pegar hiportemia aqui fora?-rugiu a grifinória, avançando para as jovens Blacks.
-Não seja ru...
Mas a discussão, subitamente, foi interrompida por um ganido alto e canino vindo de dentro do tronco do Salgueiro Lutador, para onde as três viraram o rosto, aterrorizadas:
-O que foi isso!-Bellatrix chiou raivosamente.
Os olhos azuis da outra estavam atentos, percorrendo os terrenos com cautela.
-Bella...vamos deixar essa ossuda aí e vamos dar o fora.A Adams...ela já está atrasada.-sussurrou.
Bellatrix estufou o peito para protestar a opinião amedrontada de Narcisa, mas sua voz sequer saiu de seu esôfago, pois foi contida por mais uma leva furiosa de gritos monstruosos,acompanhados por ecos distantes
de ossos se quebrando, se retorcendo e se esticando. Courtney deu um grito quando toda aquela orquestra de lamurias terminou num sopro dolorido de intenso sofrimento, arrastado pelos ventos do terreno.
-Meu Deus!- a amiga de Lílian virou o rosto para procurar as outras, quando notou que elas já haviam abandonado o local, sumindo de vista no nevoeiro. Seus olhos claros se encheram de lágrimas, de apreensão, e seus joelhos congelaram com os ímpetos confusos de esperar ou se salvar “Não posso voltar para o castelo e largar a Lily aqui, me esperando, no meio desses gritos mal assombrados!”.
Com essa corajosa conclusão, Court se encolheu encostada ao trono do carvalho, dobrando os joelhos, abraçando-se toda e formando um bolinho humano de frêmitos nervosos. Nesse instante seus olhinhos transparentes captaram difusos vultos por entre a neblina, vindos de pontos opostos mas parecendo dirigirem-se á ela.
-Vão embora!-ela gritou, pensando serem os donos daqueles ruídos horrendos.
Em alguns segundos o vulto mais próximo pôde ser identificado, parando a alguns metros da loirinha encolhida.A moça a encarou com desdém e uma espécie de nojo,e aos poucos um sorrisinho perigoso tomou conta dos lábios de Elizabeth.
-Está com medo, Lombriga Desnutrida?-os cabelos negros da grifinória encobriam seu rosto, ora indo para trás com intensidade ora levantando-se para diversas direções.
-Es-tou!- admitiu Courtney, erguendo-se com dificuldade. Seu semblante apavorado dava á ela um ar ainda mais moribundo.
Agora, o segundo vulto aproximou-se da cena.Estancando e cruzando os braços, sussurrou:
-Era uma armação Courtney?E justo com esta Adams?-a voz de Lílian soou decepcionada.
-Como assim armação?-perguntou a outra numa voz muito fraca. Sua atenção, agora voltada para as companhias, não havia percebido os olhos amarelos que se aproximavam cautelosamente em meio á nevasca.
-Como assim?Eu é que te pergunto...-ironizou a outra.
Elizabeth que se preparava para ir embora, entediada, deparou-se com as assustadoras fendas amareladas que se aproximavam.Sobressaltada, tirando sua nobreza e até mesmo a frieza para com as outras duas garotas, balbuciou:
-Olhem.
A ruiva e a loira foram capazes de distinguir os contornos cada vez mais visíveis de um animal meio curvado, que possuía patas um tanto longas (meio...meio humanas) para se manter de quatro. Seu pêlo arrepiado estava devastado por sangue próprio, que já se secava, enquanto que o focinho comprido arreganhava-se, num rosnado autoritário. Cada vez mais e mais perto, a criatura mostrou ser um lobo bestial, muito maior e mais demoníaco do que os demais caninos comuns.
-É...é...-gaguejou Courtney, já abraçada em Lílian.-É um lobisomem!
-Não corram, ainda...-murmurou a inteligente ruivinha.
Eliza, que estava alguns passos à frente da dupla, encontrava-se mais próxima da besta horrenda e por isso fechou os olhos, deixando lágrimas silenciosas começarem a escorrer. O animal as encarava profundamente, apoiando-se nas patas traseiras para saltar na vítima escolhida...parecia esfomeado, louco para experimentar ao menos um pedacinho de carne humana.
Cortney, que já estava num estado absurdo de pavor, apontou a varinha para ele:
-Expecto Patronum!-mas nada foi proferido a não ser uma fumaça prateada. O lobisomem, percebendo que ela pretendia ataca-lo,arreganhou os dentes. A menina desesperou-se: guardando a varinha inútil, arrancou o sapato e o lançou no fuço do animal, arrebentando-o.
Aluado, que não era lá um lobisomem muito perigoso, perdeu todos os resquícios de mansidade que seus amigos haviam plantado nele: com um uivo de cólera, avançou.
-Petrificus Totalus!-bradou Elizabeth, imediatamente.Em seguida disparou desabalada, puxando Evans pelo braço, esta que levou a loirinha frágil pelos cabelos.Um som rasgou o ar quando um maço de mechas loiras ficou preso entre os dedos de Lily, uma vez que Cortney, pulando de um pé só graças á falta do sapato, não conseguia acompanhar o ritmo da correria.
O feitiço não foi eficaz em Lupin: ele rapidamente alcançou Banks, fincando seus dentes na saia da menina, que urrou e não permitiu que ele a dominasse: seu uniforme rasgou-se, deixando-a apenas com metade de uma saia já que a outra, rasgada, estava agora entre os dentes do lobo.
Aluado cuspiu o pano e se lançou para a frente,alcançando as meninas que corriam de mãos dadas...seus dentes se cravaram agora na capa negra de Elizabeth, o que a derrubou no chão.A moça esquivou-se rapidamente da capa e tentou se levantar, sem sucesso algum. Lílian, que já estava a muitos passos de distância do monstro, exitou antes de correr de volta para sua costumeira inimiga e levanta-la pelo braço.
O lobisomem ergueu uma de suas patas e esbofeteou a ruivinha, lançando-a á metros de distancia, com o uniforme rasgado na barriga graças ás unhas afiadas. Elizabeth teria sido mordida no segundo seguinte, não fosse por um vulto negro que saltou do além para cima do animal sedento: cão e lobo saíram rolando pela neve aos rosnados, numa mistura de dentes, garras e patas. O cachorro terminou o ataque sobre o peito do mostro da Lua Cheia, dando o máximo de si para não machuca-lo, apenas conte-lo.Mas Aluado, louco por carne humana, não tinha as mesmas intenções...
Agarrando a jugular de Almofadinhas, tomado por uma ânsia nunca vista antes, ele o lançou pela neve para os pés de Eliza. Sirius saiu rasgando seu caminho em ganidos, deixando um rastro de sangue e pêlos negros por onde deslizou. Bufando, então, o lobisomem caminhou para a desprotegida ruivinha, esta que ainda se recuperava da bofetada, acariciando seu arranhão e tentando se levantar.Imediatamente a moça de cabelos negros correu assustada para Lily e a puxou pela capa bruxa.Ambas voltaram a correr, tentando alcançar a loirinha.
Tudo acontecera rápido demais, e não houve tempo para grandes reações.O que mais as apavorava era a consciência de que se gritassem não seriam ouvidas por ninguém (devido á distância do castelo e o uivo forte do vento) e se fossem, seriam detidas logo em seguidas pelo fato de não estarem em suas camas. Cortney, aos prantos, uniu-se á elas na fuga para a escola, pisando na neve com um pé coberto por sapato e o outro por meias, o que provavelmente lhe traria, no mínimo, uma gripe forte.
O lobisomem as perseguiu aos uivos, mas Almofadinhas, erguendo-se rapidamente, tentou detê-lo, sendo novamente empurrado para longe.
-Ele está nos alcançando!-alertou Coox, ollhando para trás por cima do ombro.-LILY, CUIDADO!
Mas era tarde demais: o lobisomem já havia abocanhado os cabelos de Evans, que caiu para trás com um urro de dor. Uma vez tendo nocauteado sua presa, o animal preparou-se para come-la viva, quando um par de chifres o espetou pela lateral, lançando-o para longe: um cervo entrara em cena.
Dessa vez Eliza apenas gritou um “Corra Evans!” apavorado,levando a raquítica em seu encalço entre empurrões e puxões.Lily chorava desesperada e, relutante, levantou-se para voltar a correr.A escuridão sombria do castelo parecia aproximar-se, aos poucos.
Agora Pontas tentava conter Aluado mantendo o pescoço inclinado para ele, ameaçando-o com os chifres e assim dando tempo para as garotas se afastarem. Sirius uniu-se á ele, latindo alto, de modo intimidador. O lobisomem decidiu enfrenta-los já que nunca se deparara com humanos tão vulneráveis: ele rosnou em resposta, atacando as pernas de Tiago com mordidas profundas. Sirius apressou-se para defende-lo, recebendo então um arranhão profundo no peito já ferido e sangrento...Lupin assim abriu espaço para perseguir suas presas novamente.
-Estupefaça!- Courtney, comovida com os ganidos de seus salvadores, virou-se em meio á correria para mirar o feitiço no lobisomem. Esperto, o animal desviou, fazendo a azaração bater no solo branco (que já estava manchado por poças de sangue).A loira, desapontada, foi reiniciar sua fuga, quando um arrepiou lhe percorreu o corpo e ela desabou no chão, caindo de joelhos.
Lily e Beth voltaram em meio a soluços para erguerem-na pelas axilas, e passando seus braços pelos próprios ombros, recomeçaram a caminhada bem mais lentamente, agora graças à massa (não muito grande) da loirinha.Era óbvio o que acontecera: o pé descalço de Banks, literalmente, congelara-se.
Aluado, tirando proveito disso, as alcançou numa velocidade impetuosa, postando-se de frente á elas e impedindo o trajeto do trio. Ficaram se encarando; elas impedidas de continuar, ele as acuando selvagemente...
Até que o cachorro negro se interpôs entre as garotas e o lobo, arreganhando os dentes mas ainda assim demonstrando fraqueza e dificuldades para manter-se em pé. Aluado o enfrentava com um olhar amarelo perfurante, enquanto que Almofadinhas, numa pose protetora, respondia com roncos de “eu não vou deixar!” muito claros.
Atracaram-se, Remo avançando primeiro, Sirius reagindo em defesa.
Pontas retornou em saltos elegantes, parando enfrente á elas enquanto os caninos se digladiavam: o cervo então se ajoelhou como se fosse fazer uma reverencia,oferecendo as costas para que a inválida loirinha montasse.
-Ele quer o que eu penso que ele quer?-murmurou Courtney, que dividia seu peso entre Lily e Eliza, extasiada.
-Vai logo!-exclamou Adams, empurrando-a indelicadamente sobre o lombo do animal com a ajuda da ruivinha, tocando por um segundo a cabeça do mesmo, em agradecimento.Virou-se e retornou a correria.
Lily checou se a amiga estava bem posicionada e, ainda chorando, foi aos tropeços para o encalço da moça de cabelos negros. Pontas saiu trotando á frente do grupo carregando a inválida loira,que se agarrava em seu pescoço longo. Almofadinhas foi deixado para trás, lutando com o lobisomem ferozmente, entre ganidos e uivos de perdão por cada mordida...
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-Não...ele vai matar a gente Lily!Não devíamos estar fora da cama...-choramingava Court caminhando apoiada na amiga ruiva, que arfava.O trio
se dirigia silenciosamente pelos sombrios corredores do castelo de pedra,tentando recuperar o fôlego e a calma após tanta agitação.
-O que você prefere, sua mula?Uma detenção ou...-começou Elizabeth friamente, sendo interrompida por Lílian.
-Adams...é melhor...nós não irmos mesmo.-concluiu Lílian parando de andar para encarar a moça alguns passos à sua frente.
-Ora, ora, ora...onde está a corajosa Evans agora?A nobre e preocupada Evan...
-Escute aqui, se você quiser ser expulsa sozinha, pode ir!Nós duas vamos voltar para nossas camas e esquecer, ou tentar esquecer, essa noite terrível.Não devíamos ter saído e se alguém mais for para os terrenos...que agüente sozinho as conseqüências!-Lily lutava bravamente contra todas as suas virtudes e ideais.Aos olhos de qualquer um a moça parecia ter enlouquecido, mas em seu íntimo ela tinha ótimas razões para aquelas atitudes.
-Espera aí, Sangue Ruim...quem é mesmo a monitora?Ah sim...é você!-alfinetou a outra com sarcasmo.-Bom, vou sim pra cama, por que afinal, eu não estou descumprindo nenhum dever!Boa noite.-proferiu Eliza sinistramente, virando-se para sair em passos rápidos.
Uma lágrima silenciosa desceu pelo rosto da ruivinha enquanto ela fazia força para não destruir seus fortes e sinceros laços de amizade com Remo Lupin, o lobisomem que quase acabara com sua vida.
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“Nossa versão de Anastásia” -era este o slogan chamativo que dava início a notícia de primeira página estampada no Profeta Diário, que no momento era lido por todos os alunos que desfrutavam seu café da manhã e seu correio matinal:
“ Uma série de assassinatos em diversas moradias russas foram notificados noite passada, com uma brutal coincidência: todas as vítimas tinham algum tipo de parentesco. Quebrou-se,por fim, toda a linhagem da família Adams,puros sangue que são uma das raridades no mundo mágico que acabaram por não se misturar com nenhuma outra árvore genealógica (outro grande exemplo aqui seria o da Família Potter).
“O mais extraordinário é que todas as vítimas, bruxas, parecem terem sido mortas num mesmo período de tempo, eu diria, na verdade, simultaneamente!” -observou Alastor Moody, acrescentando-“ Com a morte anterior de Dorian e sua esposa, fica mais do que óbvio de que nada disso foi um mero acaso. Alguém está planejando extinguir cada membro desta família por algum motivo ainda desconhecido ...todos os fatos devem ter alguma ligação com o caso já arquivado dos aurores Adams”.
O feitiço utilizado pelos assassinos ainda é desconhecido, mas mostrou-se devastador.
No entanto, nem tudo está perdido.
Ainda sob a vigilância de Alvos Dumbledore, a única filha do casal protagonista da chacina ainda resiste, viva e saudável, em Hogwarts. Isso faz da garota nossa versão de Anastásia, a jovem perdida de seu elo familiar, sem passado, e sem futuro.
-leia mais na página A4-” .
Katherine baixou o jornal num estado de puro êxtase, voltando os olhos vidrados para Stéphanie:
- Oh amiga, você não faz idéia de o que acabou de acontecer!
-O que?-questionou a outra, curiosa, já puxando jornal das mãos da negra para começar a lê-lo.
Imediatamente, Elizabeth (ingenuamente interessada pelo título da matéria) esticou-se para acompanhá-la na leitura.A moça de cabelos castanhos foi pasmando-se mais e mais a cada linha, enquanto que a outra ao seu lado, ao terminar de correr os olhos frios pelo jornal e em seguida levantá-los (notando que muitos a observavam) ergueu-se.Sem encarar mais ninguém saiu do salão quase correndo.
Katherine largou O Profeta no colo de Stéphanie e saiu em seu encalço, muito sentida pela sua desgraça.
A última, por fim, soltou o jornal em cima da mesa e saiu também em busca das amigas, esbarrando em uma mal humorada Cynthia na saída do salão.
-O que foi,Stéphanie?-perguntou a emburrada namorada de Remo.
Apesar de não estar falando com a loira há alguns tempos, Patil lhe lançou um “A Eliza!” que já fez com que a outra a seguisse em busca da misteriosa órfã.
Depois de algumas buscas infundadas pela moça, as três decepcionadas já arfavam em busca de alguém que a tivesse visto ao menos de passagem.
-Oh meu Deus...pobrezinha!-sussurrou Sté tristemente.
-Aonde ela poderia estar?-murmurou Cynty.
-Sabe quem deve saber!-exclamou Brown já se animando com sua própria capacidade de percepção.
As outras duas, rapidamente captando a mensagem, entreolhando-se com sorrisinhos e partiram numa busca desabalada por Sirius. Alguns minutos angustiados depois, apenas Stéphanie teve a sorte de encontrar o maroto e seus amigos no Salão Comunal, entretendo meia metade de garotas com piadinhas infames sobre Berta Jorkins.
-Black!Heiiiiiii...aquiiiii!-chamou ela erguendo-se na pontinha dos pés para encontrar os olhos do moreno, espantando-se ao vê-lo com o braço enfaixado e com quase imperceptíveis gazes enroladas ao redor de seu peito arranhado, por debaixo dos uniformes volumosos.- Venha logoooo!
-Pra onde?-perguntou ele, interrompendo algumas risadas.
-Aqui!É a su...é a Eliza!-apressou ela com a voz fina.
-O que tem ela!-Sirius agora esgueirava-se no meio da multidão eufórica de grifinórias,em tom alarmado, tentando alcançar a garota. –Fale logo, mulher!Desembucha!Ela está bem?
-Bem.. .bem mal!Ela sumiu, Black, e nós não a achamos em lugar nenhum!Ela está arrasada e...por favor...ai,Deus!Ajuda a gente!-a moça tentava desesperadamente articular uma frase compressível. O fã clube de Elizabeth só não entrou em crises de choros preocupados por estar sendo entretido por um outro ídolo no momento: Tiago Potter.
-Sumiu!-repetiu o rapaz, já empurrando Stéphanie para sair de seu caminho.
-Ela leu uma notícia no Profeta...-arfava a garota tentando acompanhá-lo.-Eu...posso ir com você?
-Ir pra onde?Eu nem sei onde ela está...-rosnou ele ultrapassando o quadro da Mulher Gorda.-Procure de um lado que eu procuro de outro, assim nossas chances de encontrá-la são bem maiores, não acha?
E sem responder, ela foi para o lado oposto ao de Sirius.
O rapaz perambulou alguns corredores sem rumo, possuído por
mil idéias que fervilhavam em sua cabeça: para onde iria?Porque iria?O que aquilo tinha haver com ele?Por que se importar?Ele se importava!Porque se importava!
E assim, enquanto mais uma típica batalha de orgulho versus sentimentos, canalhice versos nobreza entrava em ebulição dentro dele, pipocou em sua mente perturbada, sem aviso, um relâmpago de compreensão: o paradeiro de Elizabeth estava mais do que óbvio!
Sirius então desviou seus passos para um corredor á esquerda, enfrentou escadarias e foi encurtando seu caminho por diversas passagens descobertas para o Mapa do Maroto. Fez em minutos uma jornada que alguém teria feito em uma hora, caso soubesse o caminho.
O corredor de paredes lisas, tão incomum e secreto, finalmente saudou o animago de cabelos negros. Ele o atravessou impacientemente, deslizando a mão na parede á esquerda em busca de uma porta mágica, que sem delongas acabou por encontrar, num choque de dedos com a maçaneta.
Abriu a passagem afoitamente, fechando a porta atrás de si para só depois correr até a garota (sim! Ela realmente estava abrigada ali!). A atenção de Black estava tão voltada para ela que todo o cenário idealizado ao seu redor passou despercebido:
-O que aconteceu?-Sirius soprou ao ouvido da moça, que, de costas para ele, ainda não havia percebido sua repentina presença.
- Por favor...me deixe em paz!Por favor, Black...-Eliza sussurrou, sem parecer ter se assustado com a chegada dele.Sua voz saiu fraca e humilde...piedosa até.-Eu...preciso ficar sozinha...
- Mas eu não vou te deixar sozinha.-disse Sirius teimosamente, abraçando-a, beijando seus cabelos e tentando fazer descer pela garganta uma frase precipitada que á muito tempo já devia ter proferido...no entanto, ao em vez dela, acabou dizendo outra coisa.- Não quer me falar o que houve?
Ela o afastou com relutância e voltou a ficar de costas, para que Sirius não fosse capaz de ver seu rosto.Sua cabeça estava baixa e seus longos cabelos sedosos lhe cobriam o rosto. Sirius suspirou, enfiou as mãos nos bolsos e pareceu irritado com algo que lhe passou pela cabeça no momento. Ele também ficou em silencio, mas não foi embora, nem se aproximou. Os olhos de Sirius, que não tinham para onde ir, foram passeando junto com sua perturbada expressão pelo cenário da Sala Precisa, que até o momento ele ainda não tinha dado a mínima atenção, o que na verdade era difícil de se acreditar.
Ambos encontravam-se em um vasto quarto infantil.Tudo tinha proporções pequeninas e extremamente delicadas.A cama, a um canto, encontrava-se forrada com um edredom branco e muito fofo com detalhes nos tons de rosa e violeta.A janela, que tinha vista voltada para um jardim esplendoroso do que parecia ser uma mansão, era grande e em seus cantos uma cortina comprida esvoaçava com a dança suave do vento.Ursinhos e bonecas de porcelana estavam espalhados pelos cantos e uma melodia suave que parecia uma doce canção de ninar ecoava pelas paredes claras do aposento.
O rapaz escondeu o espanto, fez uma careta, mas continuou quieto.
-Vai embora daqui,Black...eu já vou embora também.-ela voltou-se para olha-lo .Já não mais escorriam lágrimas de seus olhos claros.Levou as mãos ao pescoço e em um movimento rápido puxou sua tão adorada correntinha de prata, arrebentando seu fecho.Encaminhou-se para a janela, e cerrando os olhos esticou as mãos fechadas com a jóia, pronta para atirá-la.
- Para!-exclamou o moreno, adiantando-se para a moça, hesitando, e novamente prontificando-se a ficar em seu lugar, educadamente. – Porque vai fazer isso? –sua voz saiu aveludada, salpicada por um tom de urgência.
-Eu não quero...-começou ela com a voz doce andando até ele e apoiando a cabeça em seu peito-não quero mais lembrar Sirius...eu estou sozinha!Eles me abandonaram e antes disseram que eu nunca estaria só...eles mentiram pra mim...-e novas lágrimas molharam o uniforme do moreno.Ela estava ali...tão frágil,sensibilizada,fraca...pedindo ajuda à ELE!
Foi então que a moça sentiu um par de braços envolverem seu corpinho até embala-lo docemente num abraço protetor, forte, apertado, confiante. Sirius sussurrou após uma pausa:
- Mas você não pode esquecê-los, Estrelinha. E nem que tente você vai conseguir.Além disso...- ele se calou, desviou os olhos, diminuiu o tom de voz como se fosse contar um segredo. Um segredo quase criminoso.-Além disso eu te amo. Não vou te deixar sozinha.
Eliza pôde sentir aquele abraço estremecer, mas não pôde constatar o porquê daquilo. Naquele instante seu coração deu um pulo, seu cérebro parou de funcionar e quase imediatamente as lágrimas cessaram.Lentamente ela se desprendeu dele para encarar a sinceridade misteriosa de seus dificuldade um sorriso puro (um dos primeiro já visto por uma pessoa ainda viva) esboçou-se em seus lábios:
-Obrigada, Black.
Sentiu então que o rapaz também a soltava lentamente. Estava mortalmente quieto, assim como inquieto. Seus olhos cruzaram-se com os dela como que procurando uma resposta melhor, uma expressão melhor, um sorriso melhor...mas não havia. Aquelas palavras eram tudo. Tortura infernal.
- Eu já vou indo então.-Sirius disse apressadamente, voltando-se ainda mais ágil para a direção onde sabia que estava a porta. Queria sair dali o mais rápido possível. Sentia como se as quatro paredes do aposentes estivessem o sufocando, como se o ar ali dentro fosse envenenado, como se todos os fantasmas de seus pensamentos estivessem ali, orbitando ao seu redor...palavras. Porque? Porque fora se abrir assim tão descaradamente, tão precipitadamente? Oh, ele se odiava!Como se odiava! Odiava á todos... “Vida três vezes maldita”.
-Eu também vou.-concluiu ela lançando um olhar de despedida para a paisagem lá embaixo e para todo o quarto-Você sabe algum feitiço para...-e entregou-lhe nas mãos a correntinha do feixe quebrado.
-Não. –mentiu ele, guardando a bela e cintilante jóia no bolso.
-Então...devolve depois tá?-finalizou, dirigindo-se até a porta, segurando a maçaneta e dizendo mais uma vez-Obrigada...foi muito gentil da sua parte!
-De nada.-murmurou ele, meio nervoso. “Isso não foi uma gentileza... bobinha”.
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Faixas douradas lambiam a cama de dossel e de forros brancos, revelando um fraco paciente que respirava com visível dificuldade. Como de costume, três pares de olhos o observavam impertubavelmente: um tinha uma tonalidade castanha salpicada por verde claro, o outro era de um cinza escuro, quase negro e intenso, enquanto que o terceiro brilhava toscamente de azul claro e escuro.
Remo gemeu um “Humm” que resgatava consciência, o que fez seu corpo esfacelado se retorcer, espreguiçando-se. Lentamente ele abriu os olhos fundos, apático e dolorido, encarando os demais de forma doentia:
-Olá...
Numa explosão mal ensaiada de cumprimentos, Sirius, Tiago e Pedro forçaram sorrisos em meio á diversas frases sobrepostas de “Bom dia!”; “Como vai!” e “Oi!”, o que fez o outro inclinar a cabeça,desconfiado:
-Tudo ocorreu bem ontem á noite!
Aquela pergunta inocente foi capaz de piorar bombasticamente a situação: agora ainda mais desconcertados, os três animagos responderam fingidos “Com certeza!”; “Tudo estava na mais perfeita ordem!” e “Ontem foi uma noite muito louca!” novamente se sobrepondo. Estavam pálidos e intimamente nervosos apesar dos sorrisos absurdamente grandes nos rostos, o que só aumentou as suspeitas de Lupin:
-Porque estão tão...estranhos?
-Estranhos!
-Quem?Nós?
-Ninguém está estranho!
-Viram só!-exclamou o lobisomem, soerguendo-se na cama com muita dificuldade.- Aconteceu alguma coisa que vocês não querem me contar!Está estampado na testa de cada um, por isso, desembuchem!
Eles haviam sido desmascarados muito rapidamente para quem havia ensaiado aquela conversa durante quase toda a manhã. Agitados, trocaram entre si alguns olhares cúmplices enquanto Remo aguardava respostas de braços cruzados e semblante ansioso. Uma vez que a votação para a escolha do narrador demorou muito tempo para ser efetuada, Lupin decidiu perguntar algo óbvio para ver se os apressava:
-Eu devorei alguém?
-Não, não!-Tiago rapidamente respondeu, o que causou um alívio suave no amigo.
-Tá, então, hum...eu machuquei vocês?- essa pergunta surgiu graças aos visíveis curativos em Tiago e Sirius, que estavam tentando ignorar suas dores desde então.
-Também...-esclareceu Pettigrew, que assistira á tudo de camarote já que, como rato, não pudera fazer absolutamente nada para ajudar.
-Eu sinto muito!-Remo apressou-se á dizer enquanto tentava inclinar o corpo para frente, falhando ao sentir uma alucinante pontada na coluna vertebral.
-Devagar, Aluado.-Sirius forçou o amigo á voltar ao travesseiro, empurrando-o com leveza para trás.- E não precisa se desculpar, nós sabemos que você não tinha a intenção de fazer nada do que fez.
-O que mais eu fiz!-angustiou-se Remo, esbugalhando os olhos castanhos e novamente se impulsionando pelos cotovelos. Sirius xingou-se mentalmente pelo seu deslize:
-Erm...o Tiaguito pode te contar mais detalhadamente!
-Eu!- o namorado de Lily também não queria ser o responsável por tocar as trombetas do inferno e anunciar o triste ocorrido da noite anterior, por isso, acabou passando a bola para Pedro.- O Rabicho é quem viu tudo, ele pode te contar nos mínimos detalhes!
Todos agora encaravam o gorduchinho de nariz pontudo, que suava frio e tinha os joelhos trêmulos feito um par de pudins. Acuado, ele balbuciou numa vozinha digna de uma insignificante formiguinha:
-A Evans, a Adams e a Banks estavam nos jardins ontem á noite...
-O QUE! – o pulo dado pelo inválido maroto causou-lhe uma vertigem que rapidamente o devolveu ao travesseiro, no entanto, com o coração acelerado. –COMO ASSIM!
-E-elas...v-você...nós...é...- agora Pedro Pettigrew embananou-se todo, enrolou a língua e perdeu o fio da meada. Sirius foi em seu socorro antes que Remo partisse para a artilharia pesada e decidisse estrangulá-lo,forçando-o a continuar a história:
-Não foi culpa sua, Remo!-Almofadinhas relembrou, numa voz firme.- Elas é que não deviam estar perambulando pelos terrenos numa noite de inverno como aquela!Elas que procuraram o perigo!Foi coincidência você...
-Não quero saber, Sirius!-agora lágrimas amargas invadiam os olhos de Remo, passando a idéia de que se angústia, desespero e sofrimento tivessem forma humana, seria aquela sua.- Não quero que você me console me dizendo o quanto eu sou inocente!EU QUERO APENAS QUE ME CONTE A VERDADE!
Sirius, pela primeira vez em toda a sua vida, perdeu a cor de seu rosto e a vitalidade autoritária que lhe dava aquele porte imponente de líder esnobe. Sem coragem para falar, desviou os olhos do rosto de Lupin como quem evita um contato visual com a morte em pessoa.
-Elas viram você...- Tiago tomou as rédeas da situação, pousando uma mão no ombro de Sirius e a outra no de Rabicho, ambos com aparência derrotada.- E tentaram lançar alguns feitiços, que não deram certo. Acho que você foi muito amansado por nós, uma vez que só reagiu depois de atacado...
-EU REAGI!-esgoelou-se Remo, tomado de uma euforia danosa para sua saúde. Tiago gaguejou um pouco antes de retomar a fala:
-R-reagiu...
-Oh, meu Merlim!-incapaz de admitir tamanho sentimento de culpa, Remo cobriu o rosto com os braços. Tiago perdeu o pouco ânimo que tinha para relatar a tragédia, mas foi duramente criticado por um sopro de voz vindo do rosto escondido de Remo.-Continue!
-D-daí elas saíram correndo. Você conseguiu lhes golpear um pouquinho, mas não foi nada demais!-o último detalhe foi adicionado rapidamente graças á um movimento agoniado de Remo.- o Sirius te alcançou logo em seguida e começou a defendê-las...
-Tive que lutar com você, Remo, me perdoe!-novamente Almofadinhas se mostrou presente, dessa vez ajoelhando-se diante da cama.-Eu não queria, mas parece que o lobisomem sentiu-se realmente atiçado para morder as garotas, afinal de contas, ele nunca provou humanos...
-Ele devia estar enlouquecido!- ganiu Remo, tratando Aluado como se este fosse uma espécie de criatura parasita, ou ainda uma outra alma, que habitava seu corpo.-Não acredito que eu ataquei, que eu ameacei...que eu quase devorei a...- aniquilado, ele virou-se para deixar que algumas lágrimas rolassem por seu travesseiro.
-Não aconteceu nada!-adiantou-se Pontas, profundamente tocado pela tragédia do amigo.- Eu as levei sãs e salvas de volta para o castelo, e agora tudo está bem!
-TUDO ESTÁ BEM, POTTER!-a súbita fúria que se espalhou eletricamente por todo o corpo de Lupin provavelmente viera de sua parte animalesca, que despertara de seu sono profundo apenas para energisá-lo. Sirius, Tiago e Pedro saltaram para trás esbranquiçados de medo e surpresa, já que Remo, para eles, sempre fora sinônimo de equilíbrio, calmaria e serenidade.- COMO É QUE VOCÊS PODEM SER TÃO IRRESPONSÁVEIS!EU PODIA TER MATADO ALGUÉM! EU PODIA TER MATADO A LÍLIAN!MESMO DEPOIS DE TANTAS PRECAUÇÕES TOMADAS, DE TANTA CONFIANÇA CONQUISTADA, DE TANTAS RECOMENDAÇÕES!É ISSO QUE DÁ TRAIR DUMBLEDORE, O ÚNICO QUE TEVE A HUMILDADE DE ME DAR UMA CHANCE PARA LEVAR UMA VIDA NORMAL!-após esta explosão, tão exausto como um brinquedo que acaba de esgotar sua pilha frágil, o maroto se deixou largar no colchão, inflando e relaxando o tórax numa freqüência desmedida de respiração. Extasiados graças àquele comportamento incomum, os três foram se reaproximando lerdamente:
-Essa foi a primeira vez, em sete anos, que algo assim aconteceu.- Sirius atreveu-se a falar, agora encarando os olhos molhados de Remo, que sentia uma louca vontade de engoli-lo vivo.
-Se não tivéssemos saído do Salgueiro, nada disso teria acontecido...-Lupin rebateu amargamente, mas Sirius estava disposto á argumentar:
-Quem sabe?O lobisomem as farejou quando ainda estava dentro da Casa dos Gritos...
-O que significa que eu sou uma ameaça maior do que pensava...- embargou-se Remo, abraçando os joelhos para ali deitar a cabeça.-Eu sou muito mais um monstro do que um bruxo!
-Se isso fosse verdade, Dumbledore não teria te aceito em Hogwarts!-teimou ainda Sirius, que recuperava a vontade que tinha de animar o amigo.- Escute, Remo: você não é perigoso e muito menos um monstro apocalíptico. Você sai de si uma vez por mês apenas, enquanto que na maior parte do tempo é consciente e normal. Mais do que isso...você é nosso amigo,todos os dias do ano, em todas as fases da Lua.
-E se acasos como esse acontecerem mais uma vez...-Tiago também se sentava na pontinha do colchão agora, dando continuidade para a fala de Almofadinhas.- Nós estaremos lá para concertar, afinal de contas, pra que diabos driblamos e lei e nos tornamos animagos?
-Pra ficarmos trancafiados dentro de uma árvore?-completou Pedro Pettigrew, que até aquele momento estivera aguardando sua deixa para falar.- Nós somos os marotos, o que quer dizer que transformamos qualquer problema numa grande aventura!
-Porque somos malucos...
-E gostamos de você.
Remo limpou o rosto com as mangas de suas vestes hospitalares, tentando forçar a voz á sair:
-Eu sei de tudo isso, mas ainda acho que não posso colocar em risco todos os outros alunos para...
-Eles não vão mais correr risco.-adiantou-se Tiago, acrescentando seu pensamento com uma piscadela.-A não ser que o Sirius aqui os mande direto para o perigo com mais alguma brincadeira “inocente”...
-Bah, foi bem feito pro Ranhoso!- Sirius soprou sua franja ao se lembrar do episódio de um ano atrás.- Mas não toque nesse assunto que eu me sinto arrependido...
-Porque?Por ter quase matado o Snape?-espantou-se Rabicho.
-Não; por não ter conseguido.-esclareceu o rapaz moreno, provocando gargalhadas nos demais.
Foi neste clima descontraído que Lílian chegou á Ala hospitalar.
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