Não me deixe




O sol entrava pela janela em companhia de uma brisa gelada, que balançava as cortinas do quarto. A porta que se abriu delicadamente rangeu. Os sapatinhos de boneca passaram por ela, ecoando a cada passada. A porta se encostou com o vento, sem bater. As camas estavam feitas; os objetos em seus lugares; o aroma de incenso espalhando-se com a brisa da janela aberta. O lugar estava vazio. Todos assistiam a aula final de Aparatação, que para a garota não fazia diferença já que ela nunca iria conseguir teleportar nem um pedaço de unha!
Ergueu a varinha, refletiu por um momento e por fim ordenou “ Accio cartas de Elizabeth Adams!”- uma gaveta começou a tremer; alguns livros escancararam-se para permitirem a passagem de alguns papéis; roupas foram jogadas; caixas de sapatos; travesseiros...tudo deu espaço para que pilhas de cartas voassem na direção da loirinha, obedientemente.
“Vixe Maria!” exclamou Courtney, protegendo-se com os bracinhos dos milhares de envelopes voadores, como se estivesse se defendendo de um enxame de abelhas. “Parem,parem, FINITE INCANTATEM!”.
TRRRRRMMM.
Pergaminhos,folhas de caderno e envelopes desabaram aos pés de Courtney, que estava surpresa com a quantidade de correspondência que sua rival de olhar penetrante possuía. “Se eu fosse a coruja dessa menina já teria me aposentado!” refletiu, agaichando-se para futucar a papelada.
“Hum...os meninos disseram que é um envelope lacrado com cera de vela...tem um carimbo com a letra “A”...meu deus! Quanta carta!”.
Os minutos que se passavam iam engolindo a paciência da grifinória que, numa última desesperada tentativa, finalmente, deparou-se com a única e mais provável carta, ainda nova, sem amassos, sem dobraduras. Agarrou-a com mãozinhas sedentas, sem nem ao menos parar para contemplar sua vitória. Ergueu-se triunfantemente. Com um aceno de varinha devolveu toda a baderna para seu devido lugar e, agora sem motivos para cautela, desatou a correr escada a baixo.



-EU CONSEGUI!-avisou a miudinha Coox, puxando Sirius para um cantinho do corredor, pela gravata. Tiago seguiu-o de perto; Remo foi logo atrás, resmungando algo como “É feio ler a correspondência dos outros” . Pedro Pettigrew, infelizmente, teve que ser levado para a Ala Hospitalar logo após a aula, pois se auto mutilou durante sua aparatação, acabando todo esquartejado, com seus milhares de pedaços espalhados pela sala. Madame Pomfrey, irritadiça, afirmou quase com repulsa que iria costura-lo de volta, dando alívio e segurança aos seus amigos.
-Meus parabéns, Caveira!- congratulou Sirius, arrancando o objeto furtado das mãos da loirinha, que bufou:
-Mal agradecido. Eu só concordei em ajudar para ver aquela Adams se dar mal, mas fique sabendo você que...
-Sabemos, sabemos...tchau!- e Tiago empurrou-a para longe, para grande indignação da garota.
Sirius rapidamente se voltou para a leitura:

“São Petersburgo,1 de fevereiro de 1977.

Minha princesa;
Como andam as coisas por ai? - Por mais incrível que possa parecer eu estou bem.
Sei que deve estar assustada com essa carta, mas antes de mais nada quero lhe avisar que os jornais daí não estão assim tão bem informados.
A minha menininha não está órfã não...nem tão pouco eu estou sozinho; já que (como já deve ter percebido) eu ainda não fui pego. Parece que agora (mais do que nunca) somos só nós dois...no mundo!Vê como são engraçadas as coisas; lembro-me de anos atrás (digamos uns 6 anos); você ainda menininha e eu tão tolo quanto uma criança( apesar da idade um pouco mais avançada) jurando que ficaríamos juntos para sempre , e que quando o tio e tia achassem que você estava indo estudar aí , em Hogwarts ,você iria na verdade embora comigo para bem longe de toda aquela família incompreensiva , que não acreditava que nos amávamos de verdade!
É...muita coisa mudou desde lá, e acho que aquela velha frase que você costumava dizer “ Cuidado com seus desejos, eles podem se tornar realidade" fez efeito. Acho que os nossos se tornaram reais , mas não da maneira que esperávamos.
Bom,por aqui tudo anda absurdamente calmo e admito que foi um baque a minha volta de Veneza. Chegando aqui na Rússia não encontrei ninguém, e até eu conseguir voltar a raciocinar e constatar que ainda tinha você me levaram alguns dias. Espero que esteja calma e que tenha se reculperado com facilidade de tudo isso, mas não se esqueça que estou aqui pra você,pra tudo e em qualquer hora.
Espero também que você ainda esteja assim para mim, e que esteja me esperando, guardada...pois você ainda é minha...minha menina,minha pequena,minha estrela,minha prima...minha mulher.”
Abraços do seu querido
Richard

P.S.:Mande lembranças minhas à Katherine.

-Hum...pelo menos ele não mandou “beijos”. –observou Remo, tentando apaziguar o clima efervescente que sentia ao seu redor. Tiago olhou de soslaio para o melhor amigo, temendo uma explosão repentina de sabe-se lá o que. Mas Sirius estava paralizado, como que em uma espécie de prostração mental e física. Em suas mãos, porém, a carta ia passando por uma pequena transformação, mudando seu formato de um belo pergaminho para um entulho vandalizado de papel amassado e rasgado. Seus amigos o observavam inquietos. Sirius estava de olhos fechados, mas sua expressão, mesmo obscura por sombras, passava a idéia de que se o rapaz tivesse uma arma em mãos teria sido capaz de atirar no primeiro que dirigisse a palavra á ele. Era assustador.
-Interessante.- ele murmurou por fim, num tom assassino. Tiago e Remo trocaram um olhar apavorado. Sirius puxou um cigarro, acendeu-o e, antes de colocá-lo nos lábios, tocou a pontinha em chamas no pergaminho: o papel pegou fogo instantaneamente.
-SIRIUS!!-exclamou Tiago, escandalizado. A carta contorcia-se como um bichinho. Depois de cinza ela meio que se desintegrou sozinha, não sem antes ser pisada por Sirius. Remo estava pálido.
Sirius começou a fumar, sombrio. A fumaça sufocava os demais e todos que circulavam por ali,já que estavam em troca de aulas.
Ninguém disse nada por um tempo. Remo futucava com o sapato as cinzas no chão; Tiago olhava para Sirius profundamente, como que tentando compreende-lo, enquanto que este, agora mais do que nunca parecido com Regulo Black, continuava remoendo-se num lúgubre silêncio.
-Vamos, cara, pára com isso.- disse Tiago por fim.
-Sai.
-Mas, Sirius...
-SAI, TIAGO!!! EU NÃO QUERO TE MACHUCAR, VAI EMBORA!
-Você vai me bater?! – espantou-se Tiago, olhando seu companheiro com tamanha descrença e pesar que qualquer um teria amolecido. Mas Sirius não.
-Me deixe sozinho.-ordenou o rapaz, agora dando um passo para trás, afundando-se nas sombras do corredor.- Por favor, eu não quero perder o controle.
-Vamos, Pontas.- e Remo arrastou Tiago para longe, usando todas as forças que pôde reunir. O apanhador ainda olhou de relance para trás, aparvalhado.
Como que por provocação do destino,vindo do lado oposto ao que os garotos saíam,Elizabeth ia passando pelo corredor.Notando a presença do rapaz obscuro pelas sombras do canto do corredor,ela dirigiu-se até ele com um sorriso desdenhoso .
-Black.-cumprimentou.
Sirius lançou para ela um olhar vazio, soprou uma densa fumaça, e retribuiu.
-Adams.
-Fumando de novo...se te pegam...
-Dane-se.
-Eu ou se te pegarem?
- Tudo.
- Ok...bom dia pra você também.E mande lembranças à mãe do seu filho!-sibilou ela friamente,depositando ironismo em cada palavra,como que para vingar-se do “mal recebimento” e já virando-se para se afastar. Sirius a assistiu de maneira deprimente, fria, mas de alguma maneira desolada. Não fez nada para impedir sua partida.
Abestalhada,a moça se virou novamente para olhá-lo.
-Black?Você não está bem...quer cabular a aula e dar um passeio pelo espaço?Estou em dívida com você...-era a primeira vez que o rapaz não pedia para que ela não se fosse,para que ficasse com ele ou coisas do gênero.E só agora ela se dera conta de como isso era importante para ela...mesmo contra sua vontade.Com as mãos frias ela ergueu a cabeça do maroto para encará-la,e ali penetrou enigmaticamente seus olhos.-Tudo bem que a última vez que nos vimos você me pareceu patético,mas não me esqueci da penúltima...
-Não.- murmurou ele, retirando a mão da garota de seu rosto.- Eu não quero. Me deixa sozinho, garota! O que mais você quer tirar de mim?!- a última frase saiu sem querer, e ele bem perebeu isso, descontrolado. Afastou-se até encostar na parede, impedindo Eliza de sentir o cheiro forte do cigarro.
Surpresa com a reação do rapaz e sentindo-se estranha por vê-lo assim,ela retirou a droga de Sirius,jogando-a no chão e pisando em cima.Em seguida voltou a se aproximar e murmurou:
-O que está acontecendo com você?O que fizeram pra você?
-Porque você quer saber?- indagou Sirius com mágoa e ódio estampados no olhar, estranhamente, cintilante. O casal enxergava apenas contornos um do outro graças á escuridão, o que pouco os delatava. A entonação de voz era a maior prova de seus respectivos sentimentos, mas não a aparência. O corredor esvaziava-se com o passar dos minutos.
-Por que...por que eu me ...-e fechando os olhos por um instante,ela completou- eu me importo com você.Eu aprendi a me importar.
Sirius ficou em silêncio, olhando para a moça mascaradamente. Sua respiração ficou mais acelerada, mas o orgulhoso não disse nada.
-Então...se ficarmos aqui vão pegar a gente.Vem.-e segurando uma das mãos do moreno começou a guiá-lo para o lugar tão conhecido por ambos. Ele a seguiu mecanicamente, sem relutância, enigmático.
Depois de andarem por algum tempo em silêncio ela o largou de frente para a parede,no corredor do sétimo andar.
-É sua vez.Você já sabe muito sobre os meus desejos...quero conhecer os seus.
Sirius lançou um olhar para ela, aguardou um momento e girou a maçaneta que surgiu momentos depois. Entraram rapidamente.
O quarto, novamente, estava irreconhecível.O mesmo infinito universo, as mesmas milhares de estrelas, os mesmos cintilantes mistérios, o mesmo céu profundo, a mesma realidade virtual providenciada por pura magia encheu os olhos dos dois jovens grifinórios.
- Eu quero você.-contou Sirius, firmemente.
A moça o observou por alguns segundos,encarando profundamente seus olhos claros.Lentamente dirigiu-se até ele,pondo-se frente a frente,colando seus corpos.Envolveu o pescoço do rapaz com os braços e fechou os olhos delicadamente.Em seguida roçou seus lábios úmidos pelos dele e murmurou:
-Eu também quero você.-silenciosamente uma lágrima escorreu dos olhos de Elizabeth.
Sirius a envolveu apertado, também de olhos fechados, deixando seus lábios guiarem os da moça como sempre faziam. Seus movimentos lentos ajudavam os de Eliza a se sincronizarem facilmente. Após algum tempo de mútuos carinhos, ele soltou-se, sorrindo, mas sem vontade de dizer nada.
-Por favor...me diga o que está acontecendo...-murmurou ela mirando as estrelas e todo o universo à sua volta,admirada como da primeira vez.
- Um sonho.- respondeu o maroto. – E o que você acha dele?
-Não.Sonho faz e traz coisas boas para as pessoas e parece que o que está acontecendo com você é um pesadelo...está te fazendo mal.
-Estava, estava sim.- concordou Sirius, brevemente coberto pela antiga sombra de nervosismo.- Mas agora está tudo bem...princesinha.
Ela instantaneamente virou-se para ele,séria,e murmurou alguma coisa que soou como “Então era mesmo a carta...”.
-Quem é ele, Elizabeth?!-exclamou Sirius de repente.
A moça ficou muda por alguns instantes,o encarando com as sobrancelhas soerguidas para depois com a voz baixa dizer:
-Você tem o dom de estragar tudo...
-Não, não o Richard tem!!- rugiu Sirius, os olhos flamejando.
-Black...você precisa aprender muito ainda.-Eliza continou a usar aquele tom de voz baixo e lamentável-Eu já te dei uma chance antes...lembra?E agora...não estrague tudo outra vez.
-Quem é ele, Elizabeth? Primos não se tratam assim!! Eu sei disso!! Me explique, por favor, se algo vai acontecer se...- e o moreno se calou ardentemente.
-Meu Deus!Não tente mandar em mim,nem controlar minha vida...por favor.
-Me explica!!- gritou Sirius, já perdendo a pouca paciência que tinha,sem querer. –O que aquele diabo de cara vai fazer?!
-Não vou explicar nada,Black...a parte boa de ser “órfã” é não ter que dar satisfação da minha vida para ninguém,e não é pra VOCÊ que eu vou começar a dar.-inexplicavelmente a jovem permanecia calma.
-Eu também não tenho família, Elizabeth. Mas...mas eu preciso saber, não estou mandando, estou, estou...preocupado.- percebeu ele, constatando aquilo naquele exato momento: “Cara! Eu não sou o mesmo que costumava ser, literalmente!”. –Eu não quero que...
-Que o que?
-Nada.- costurou Sirius, novamente acabrunhado. –Droga, que raiva!
Eliza cruzou os braços e fitou-o ainda com as sobrancelhas erguidas.
-O que?
-Quando vai devolver nossas coisas?- perguntou Sirius de repente.
-Ah...tchau,tá ok Black?-e virou-se para sair da sala, quando sentiu novamente sua cintura enroscada nos braços quentes dele, que disse:
-Eu não quero que ele me tire você, entendeu porcaria?! Agora, quando vai devolver nossas coisas?!
-Ele não pode tirar algo que você não tem,Sirius.-respondeu ela com pesar.
- Ah...
E lentamente ela voltou a envolver o pescoço do rapaz com os braços. Recostou a cabeça em seu peito que ,mais uma vez,ele sentiu molhar-se aos poucos. Sirius acariciou seus cabelos longos e sedosos imediatamente, dando apoio e segurança à garota, mesmo sem compreender, exatamente, qual era o problema.
-Droga, não gosto de te ver chorar.
-Eu não gosto de chorar também...mas você sempre me faz chorar.
-Não é a minha intenção.
-Então não fale de coisas que não entende,Black.-e quando voltou seus olhos já não estavam mais molhados.
-Tudo bem. Não falo.


O quarto estava silencioso quando ele saltou do travesseiro, os olhos arregalados, o corpo paralizado por um espasmo sufocado de quem acaba de ser acordado por um choque elétrico. Sentou-se na cama, o peito subindo e descendo num ritmo anormal. Piscou, retirou alguns fios de cabelo da frente de seus olhos,e só então notou que transpirava um pouco.
Estava escuro. Silhuetas de camas e objetos eram as únicas imagens precárias que a falta de luz o permitia identificar. Apenas uma fresta da janela mantinha-se aberta para a ventilação, trazendo consigo uma tênue luz de estrelas e luar, o que seria relaxante o suficiente para lhe trazer de volta o sono...mas não foi. Seria impossível dormir novamente depois daquelas estranhas imagens difusas que haviam acabado de atormentar seus sonhos...
-Você está bem, Almofadinhas?
Sirius virou-se rapidamente na direção que presumira ouvir a voz.
-O que você faz acordado?-perguntou meio seco, já que não gostava de parecer assustado ou vulnerável, nem mesmo para seus amigos. A silhueta (que gradualmente tornava-se mais visível) de um rapaz sentado respondeu baixinho:
- Nada, simplesmente não consigo dormir. Estou acordado desde sempre.
Sirius jogou os cabelos para trás com as duas mãos, bufou, resmungou alguma coisa para si mesmo e depois se ergueu. O outro observou sua aproximação até sentir o peso de Sirius em sua própria cama, na pontinha, onde ele se sentou:
- Vamos conversar então. Qual é o seu problema?
As feições de Remo já podiam ser facilmente enxergadas
pelos olhos de Sirius agora, pois estes adaptavam-se ao breu facilmente.
-A Cynthia...ela vem me ignorando...-contou Remo numa voz vacilante.Seus olhos castanhos brilhavam muito, fixados na janela do quarto. Ao contar seu tormento, seus braços apertaram seus joelhos ainda mais,diminuindo seu tamanho miúdo e agonizante. Sirius fitava-o despreocupadamente.
-Sim. E daí?
Lupin lançou a ele um rápido olhar de surpresa, como quem diz “Como assim e daí?!”-mas não retrucou. Ao em vez disso, depois de um breve minuto de silêncio, recuperou a voz e disparou:
-Mas o que te fez acordar daquela maneira? Você me deu um susto...
Sirius adotou uma expressão misteriosamente atarracada naquele exato momento, lançando para Remo um olhar de tamanho desprezo pela pergunta, que o pobre monitor perguntou-se internamente se tinha feito algo extremamente criminoso e não sabia.
-Foi um pesadelo idiota.-rosnou o moreno depois de já ter feito em pedaços a simpatia de Remo, que não ousou comentar mais nada além de “Ah,sim”.
Depois de constatarem que Sirius estavam emburrado demais para longas conversas noturnas, separaram-se desejando “boa noite” um ao outro. Remo deitou e ficou silencioso o suficiente para se passar por adormecido, enquanto que Sirius, temendo rever aquelas confusas imagens rodando seu cérebro durante o sono, fixou os olhos no teto a fim de aguardar o dia raiar. Cruzou os braços atrás da cabeça, suspirou profundamente e, após longas horas sem pensar em absolutamente nada, viu-se invariavelmente voltando sua atenção para aquele estranho sonho sem sentido:
“Eu nunca em toda a minha vida estive em New Castle, então que diabos me fez ver aquela casa? Que merda, e porque a casa é dela? Que tipo de pessoa é infeliz o suficiente pra sonhar com sonhos dos outros?!”.
Indignação e raiva iam inflamando os devaneios de Sirius a medida em que ele dava corda a eles, continuando:
“ Mas que carta é aquela? Não existe um segundo Richard no mundo,existe? Espera, quantos primos ela tem?Hum...que confusão...que tipo de órfã fica recebendo pilhas de cartas que vão parar na minha cabeça?”.
O rapaz hesitou por um momento para olhar o relógio. Irritado ao ver que ainda faltavam umas duas horas para os primeiros raios de sol aparecerem, prosseguiu sua sonolenta, apavorada e energética reflexão:
“ Eu vi um homem, vi uma carta, vi uma torre e uma casa que não são minhas. Por Merlim, onde foi parar o meu juízo? Onde estão meus próprios sonhos? O que quer dizer essa merda toda? Que saco, preciso fumar!”.
Angustiado, olhou o relógio novamente: os ponteiros não haviam mudado dês da última vez que os espiara. Impaciente e cansado de embaralhar-se com visões desconexas, concluiu: “Tudo isso deve ser apenas fruto da minha mente doentia. Pronto. Legal. Boa noite, Sirius!”- e finalmente voltou a se render ao travesseiro, conseguindo apenas ganhar um cochilo perturbado, cheio de cartas desconhecidas, aurores sendo mortos, garotinhas tornando-se órfãs e pais que se sacrificavam deixando mensagens perdidas no espaço...



O som oco de quatro pares de sapatos pisoteando degraus ecoou no salão comunal à meia noite, unindo-se à orquestra mórbida do lugar, esta constituída pelas rajadas de vento que se espremiam por entre a fresta de uma janela (traduzindo-se em sons lamuriosos e uivantes), pela lareira apagada com seus ruídos vagos de brasa crepitando e pelo som fraco e distante dos ponteiros de um relógio antigo sobre o aparador.
Os passos seguiram aos tropeços para o quadro que guardava aquele salão adormecido, onde cessaram por um breve segundo, que foi preenchido pelo sussurro de uma voz e a ativação da senha.Com o caminho livre, os invisíveis deturpadores do sono alheio sumiram de vista, ou melhor... de ouvidos. Eles foram arrastando seus ruídos e respirações até os jardins do castelo, onde o contato com a grama salpicada por sereno denunciou-os ainda mais, largando pegadas na relva amassada. Numa pequena carreira, os quatro inquilinos alcançaram o tão famoso, imponente e intimidador Salgueiro, que logo foi desativado por um ratinho cinza (aparentemente surgido do além).
Entraram pelas raízes, já mais relaxados:
- Putz, foi uma sorte não encontrarmos ninguém sem a ajuda do Mapa do Maroto...-disse Tiago resignado.- E apesar de útil, esse Feitiço da Desilusão não substitui a minha capa...droga, eu quero ela de volta!
Sirius lançou um olhar para ele antes de tomar a frente daquela pequena procissão, liderando-os para muito além dos terrenos escolares: depois do túnel de raízes e da entrada na Casa dos Gritos, o grupo rumou para a saída, que dava no povoado de Hogsmead.
-Está frio... -comentou Remo ao pisar no primeiro degrau externo daquela casa desleixada, puxando o casaco para mais perto. Os bafos de Pedro, trêmulos, vinham logo atrás:
-Vamos voltar!
-A gente mal começou!-espantou-se Tiago ao passar por ele, descendo a colina atrás de Sirius. -Hei Almofadinhas, devagar!
-Shhh!-Sirius tapou a boca do amigo quando este o alcançou, logo depois de ter descido a inclinação numa disparada de quem ganha velocidade. - A gente pode se transfigurar caso alguém aparecer, mas e o Aluado?
-Verdade. -agora Tiago também sussurrava.
Lupin e Pettigrew desceram o morrinho da Casa dos Gritos com mais cautela, tomando todo o cuidado para não desembestarem numa correria ou num deslizamento. O grupo continuou a jornada minutos depois, liderados pelos “Lumus” de suas varinhas erguidas:
-Eu ainda não acho isso uma boa idéia...-resmungou Remo mais por tradição do que por esperança de ser levado á sério. E naturalmente, o monitor foi sumariamente ignorado: Sirius naquele momento já arquitetava o plano com Tiago:
-Dedosdemel?
-Não me lembro de uma lareira...
-Zonko’s?...não, né?
-É.Madame Pu...bah, também não!
-Que tal o Três Vassouras?!-cansado de ouvir as infundadas divagações dos amigos, Remo intrometeu-se numa voz indecisa de quem quer mas não tem certeza se quer ajudar.- Tenho certeza que lá tem uma lareira!
-É por isso que a gente criou você!- congratulou Tiago bagunçando os cabelos de Lupin, que simplesmente deu de ombros. Pedro por sua vez foi maldizendo a boa memória do amigo, a baixa temperatura, a distancia que se opunha entre ele e sua cama quentinha, a vida, Deus e tudo o mais que lhe vinha á cabeça durante todo o percurso até o bar.
Uma vez frente a frente com seu destino, os marotos rondaram toda a instalação em busca de algum meio de entrar. Remo tentou feitiços na fechadura, Tiago procurava alguma brecha para enfiar Pedro em forma de rato enquanto que Sirius espichava-se para olhar o telhado do bar, pensativo.
-Não tem jeito!- bufou o rapaz de óculos, aproximando-se do companheiro de ar canino. - Só se a gente arrombar a porta e acordar meia Hogsmead...
-Eu gostei dessa idéia!-zombou Sirius com um sorriso sarcástico.- Ainda mais quando a minha intenção é ser sutil e discreto...você pegou o espírito da coisa,Ponteco!
-Ah é? Bem, então tire alguma coisa útil dessa sua cabecinha mirabolante, seu quadrúpede metido!
Sirius sorriu para os insultos do amigo, como quem prepara o terreno para uma grande revanche:
-Se isso aqui tem uma lareira tem também uma chaminé...-começou ele em tom arrastado, tentando não chocar tão rapidamente. Tiago, no entanto, tinha o mesmo ritmo de raciocínio, e por esta razão acabou soltando imediatamente um compreensivo “Oh”.
-Ah, não!-a silhueta de Remo vinha emergindo da escuridão, delineada pela luz ofuscante da ponta de sua varinha.- Eu acho que você está assistindo filmes demais, Sirius!
-Eu estou o que?!
-Bah, deixa pra lá...-Remo impacientou-se com a ignorância do bruxo, o que não vinha ao caso no momento.- O que eu quero dizer é que eu não vou pular pra dentro do bar pela chaminé!
-Uh, igual o Papai Noel!!-Pedro bateu palmas ao perceber do que se tratava aquela discussão. Sirius nem sequer se ocupou em olhar para ele de modo assassino, apenas uniu suas forças para debater com Lupin:
-Tem uma idéia melhor?
-Tenho; vamos voltar pra escola.
-Tá brincando!
-Não, não estou!Isto aqui é no mínimo invasão de privacidade, e nós não somos marginais para... –mas Tiago meteu a mão na boca de Lupin abruptamente, fazendo-o se calar com um olhar questionador. Potter sussurrou:
-Alguém está vindo...
Era incrível como a audição de Tiago estava aguçada graças aos seus momentos como Pontas: mal os demais rapazes se calaram e uma silhueta foi se distinguindo á luz das estrelas. Sirius agarrou o braço de Tiago, que puxou Remo, que arrastou Pedro para um esconderijo ás sombras de algumas latas de lixo e caixotes vazios, estes encostados na lateral do bar Três Vassouras.
O bruxo que se aproximava cautelosamente conjurou o “Lumus” na ponta de sua varinha ereta, denunciando seu semblante sério e atento:
-Quem está aí?!-grasnou meio rouco, demonstrando sonolência e uma gripe forte. Os quatro se entreolharam:
-Feitiço?-indagou Remo numa faísca de voz.
-É melhor não...ele vai saber que tem gente aqui.-opinou Tiago, que tentava encontrar uma posição menos dolorida no meio daquele amontoado de entulhos.
-Ele já desconfia.-disse Sirius.-Não vai fazer diferença...-e puxou a varinha para fora do bolso, mas a mão fria de Lupin o deteve pelo pulso:
-Não!Ele não sabe que tem gente aqui...só ouviu o barulho.Quem sabe se o Pedro...
Mas o homem, que mantinha um silêncio sepulcral, já era capaz de distinguir leves sussurros no ar. Quase que farejando o som dos inquilinos, foi aproximando-se do Três Vassouras, determinado á proteger o bar de possíveis assaltantes. Para preservar sua indigência, os quatro tiveram de prender a respiração. Tiago,mudo, cutucou Pedro para que se tornasse Rabicho. O gordinho sentiu ganas de protestar, mas Sirius lançou-lhe tamanho olhar assassino que ele acabou por transformar-se em rato sem perceber, e ainda meio zonzo pelo medo saiu em disparada para longe das sombras, correndo na direção do bruxo metido á inspetor:
-Ah, era você que estava fazendo tanto barulho?- o homem parecia meio desconfiado, mas Rabicho mostrou-se um bom rato: começou a lamber-se e guinchar, tentando dizer “Sim, eu estava apenas fuçando o lixo!”.
Enquanto isso, Sirius, Remo e Tiago enfeitiçavam-se um ao outro com o Feitiço da Desilusão, tomando então a textura do cenário atrás de si, como camaleões.
Enquanto o morador de Hogsmead dava suas últimas espiadas no local, os marotos foram se arranjando para subirem até o telhado do bar, uma vez que estavam invisíveis.Como eram muito bons em feitiços e tudo o mais que aprendiam, lançaram o Mobilicorpus uns nos outros: Sirius,primeiro,enfeitiçou Tiago para que este flutuasse até o telhado. Uma vez lá em cima, agarrado nas telhas com firmeza, Tiago enfeitiçou Remo, que depois mirou sua varinha em Sirius.
Aquela espécie de Vingardium Leviosa "mais potente" poupou os rapazes destrambelhados de uma escalação espalhafatosa, o que não chamou a atenção de mais ninguém graças ao silêncio. Pedro Pettigrew, depois de adotar sua forma humana, foi também enfeitiçado e saiu flutuando no ar como uma pluma (o que foi muito estranho de se ver) até aterrizar ao lado de Remo, sobre o telhado.
-Cara, eu vou escorregar!-anunciou Sirius, que tentava manter-se agarrado firmemente à calha úmida. Tiago engatinhava sobre as telhas com dificuldade, enquanto que Lupin tentava desgrudar Rabicho de seu braço.
-Vamos tentar chegar na chaminé.-ordenou alguém, ao que alguns gemidos de “vai ser impossível!” soaram em resposta.
Mas apesar da dificuldade, não foi impossível.
Os gatunos marotos acabaram por alcançar a chaminé da instalação, e nela ficaram firmados,como macacos num único galho de uma árvore:
-Muito bem; quem vai primeiro?-ganiu um exausto Tiago, ao que Sirius retrucou:
-Vamos empurrar alguém!
-Nem vem, Sirius! –Pedro já foi logo adotando um ar atemorizado, pois criara um complexo de perseguição desde que se tornara amigo de Almofadinhas.- Eu sou sempre a cobaia!Vocês me usam, me maltratam, me xingam e me judiam, mas no fundo sabem que eu sou sempre essencial em todos os planos!
-Tá, então nada de Rabicho senão ele chora!-concluiu Sirius em tom zombeteiro.-Só sobrou o Remo!
-Como assim “só sobrou o Remo? ”-agitou-se Lupin.-Que eu saiba ainda tem eu, você e o Tiago!
-Foi o que eu disse!-replicou Sirius, que agora não passava de um par de olhos cintilantes no meio da noite.-Ora Aluado, você não quer voltar logo pra sua caminha quentinha,fofa e tudo o mais de erótico que ela tem? Então, que tal poupar uma discussãozinha e acabar logo com isso?
O monitor pareceu ponderar sobre o assunto. Espichando-se para a borda da chaminé, balbuciou:
-S-será que é muito fundo?
-Veja você mesmo!- e VAPT! , Tiago empurrou o amigo para dentro da chaminé antes mesmo que ele tivesse tempo para gritar. Ouviu-se o som de algo se estropiando durante a passagem por um túnel meio longo até que ecoasse um “Ploft!” muito parecido com um montinho de roupa e gente se estatelando numa lareira.
-Remo?!-chamaram os três ao mesmo tempo, enfiando as cabeças pela entrada da chaminé.-Você ainda está vivo?
-Acho que...uuui!Acho que torci meu pé!-ecoou uma voz longínqua, vinda lá de dentro.
-Vai até a porta e abre pra gente!-pediu Sirius. Ouviu-se pela abertura escura da saída de fumaça os resmungos de alguém que se esforçava para se erguer.
Descer do telhado foi fácil, já que a inclinação das telhas e a gravidade faziam o seu papel.Uma vez no chão, Sirius, Pedro e Tiago caminharam para a entrada do Três Vassouras, onde aguardaram. Alguns segundos foram o suficiente para que o grupo percebesse que as fechaduras da porta estavam recebendo diversos feitiços, cedendo e por fim abrindo: depararam-se então com um Lupin que pulava de um pé só,apoiando-se com dificuldade na parede:
-Isso é fácil pra Papoula concertar, não se preocupe.-consolou Tiago oferecendo apoio para o lobisomem, que resmungou um “Sei!” irritadiço.
Agora infiltrados no grande bar, os marotos rumaram de volta para a lareira, onde entraram e se espremeram um pouco. Sirius tirou de dentro do bolso um saquinho estufado de pó de flú.Encheu a mão, atirou-o nas brasas (recém acesas) e gritou um endereço que soou muito familiar para os demais.
O meio de transporte bizarro mas efetivo guiou-os para uma lareira absurdamente distante, em Newcastle, ao Norte da Inglaterra...
Aterrizaram desconfortavelmente, embolados um no outro, cuspindo pó de flú e fuligem. Aquela tinha sido a jornada de lareira mais audaciosa que eles já haviam feito: da área rural e longínqua aonde se localizava Hogwarts, os quatro haviam parado no litoral da ilha, á milhas de distância da escola de magia...haviam atravessado meio país,correndo o terrível risco de se perderem pelos diversos estados que acabaram evitando. Fora uma viajem e tanto!A enorme distância os obrigou a passar por infinitas lareiras, num redemoinho colorido e contínuo, que durou aproximadamente uma meia hora.
Tiago já se levantou vomitando, o que imediatamente afastou os demais, exceto Pedro, que havia desmaiado. Remo estrebuchou-se á um canto, gemendo de dor de cabeça; Sirius cambaleou para fora da lareira até cair de quatro um metro depois, tentando manter o equilíbrio em seus olhos e mente, que rodavam e rodavam, causando-lhe náuseas e tontura.
Não foi possível calcular quanto tempo se passou até que um dos rapazes conseguisse proferir algumas palavras fracas:
-Onde estamos?
-Eu acho...-Sirius tentava se erguer com enorme esforço e pernas bambas.-Eu espero que na casa da Elizabeth.
-Bluááááármmm!- mais um jato amarelo jorrou da boca de Tiago, que apoiava-se numa parede qualquer,mantendo a cabeça direcionada para baixo,mirando um cantinho empoeirado do chão. O pobre coitado devia estar se livrando de todo o seu jantar, almoço e café da manhã.
-E onde exatamente fica isso?-gemeu Lupin, que ainda friccionava a cabeça, de olhos fechados, deitado de barriga para cima no meio da sala escura. Sirius exitou um pouco antes de responder:
-Erm...Newcastle.
Foi o suficiente para Tiago terminar de ejetar todo o seu suco gástrico e para Remo gemer em desatino. Pedro, pelo contrário, recobrava sua consciência:
-O que...o que aconteceu?-o gordinho se soerguia lerdamente, esfregando os olhos. Sirius aproximou-se para ergue-lo e prepara-lo para a resposta:
-Via pó de flú a gente veio parar na lareira da ex-mansão dos padrinhos da Elizabeth.-Pedro ameaçou cair de costas, mas Sirius o sustentou.-Bah, pra quê tanto drama seus molengas?Até parece que vocês não estão acostumados a viajar!
Pontas, que agora vinha cuspindo o resto de seus órgãos, foi balbuciando em intervalos:
-Eu...te...mato...Sirius...Black!
-Mata nada!-sorriu o moreno, que já estava totalmente recuperado.-Lumus Máxima!
Ele conjurou uma forte iluminação da ponta da varinha, que abrangendo praticamente toda a sala de estar, se é que se podia chamar aquele amontoado de devastação de Sala de Estar...
Sala Destruída.Sala Aniquilada. Sala Arrombada...até que era possível selecionar seu novo nome desde que ele fosse ligado á ruínas!
Aquele lugar, agora, não passava de uma grande ala cheia por entulhos e restos do que foram, outrora, caros e luxuosos móveis, pinturas e paredes. Alguns fiapos e resquícios de objetos respiravam com dificuldade, arfantes, tentando se agarrar em um último fiapo de vida para que pudessem lembrar á todos o quanto havia sido imponentes em outros tempos, tempos de alegria, paz e ordem.
* Correu até a sala aonde um segundo bruxo se encontrava.Ele levantava sofás, empurrava móveis e destruía tudo.Seu coração deu uma alavancada ao ver sua sala de estar com as paredes destruídas e pegando fogo em alguns pontos.*
Aos tropeços e estupefação, os quatro foram se guiando pelo casarão colonial, admirando com pesar as névoas da invasão que aniquilara o lugar. Era possível até mesmo criar uma imagem mental do ataque, da fuga da mulher, dos feitiços lançados, das explosões arrebatadoras, dos empurrões e maus tratos...que trágico devia ter sido!
-O que exatamente viemos procurar aqui?-Pedro fez a fatídica pergunta, lançando olhares assombrados para as ruínas ao seu redor, temendo ser soterrado por alguma parede prestes a desabar, ou ainda por uma pilastra, quadro,forro...
-Coisas úteis.-disse Sirius vagamente, já se dirigindo para um buraco que indicava um antigo corredor para a sala de troféus.- Espalhem-se, ok?Qualquer coisa é só gritar...
-Oh sim, depois de vomitar todas as minhas entranhas até parece que eu vou ter forças pra gritar!-resmungou Tiago, sumindo de vista escadas acima. Remo, que mancava, poupou esforços examinando a própria sala em que se encontrava, deixando o resto da casa para os demais (Pedro, por sua vez, foi checar o que constatou ser a cozinha).
*Regulo ergueu a varinha com firmeza para uma tapeçaria flamenga, felpuda, em que um rei e uma rainha, desbotados, jogavam xadrez num jardim ao passar de uma companhia de mascates que portavam pássaros encapuzados nos pulsos protegidos por manoplas.
-Lacarnium Inflamarium!
O belo enfeite daquela sala gloriosa começou a arder-se em chamas, destacando-se horrendo na escuridão. As luzes dançantes do fogo se refletiram nos olhos negros de Regulo:
-Comece a procurar!Destrua tudo se possível!*

Sirius agora examinava de perto uma parece borrada por fogo, onde fazia um imenso espaço vazio,outrora provavelmente ocupado por uma tapeçaria. Seu Lumus ia revelando aquela sala aos poucos, denunciando os maus tratos. Seu rosto, semi iluminado, transparecia estupefação e pesar,mas tudo num nível muito controlado de frieza.
Como um cão que fareja drogas, ele continuou sua procura...
Tiago fazia o mesmo, por sua vez de um modo meio ébrio graças ao seu permanente mal estar (agora não mais de enjoou, mas pela incômoda sensação de que seu estômago estava oco). Tateando, o rapaz deparou-se com um profundo buraco numa parede...
*Enfurecido, o bruxo rasgou também um pano pendurado em uma das paredes: o pano era velho, de couro espanhol, dourado, gravado e trabalhado num padrão Luís Quatorze, bastante floreado. Esquadrinhou-o com curiosidade, e imaginou se ele ocultava algum segredo particularmente interessante.Rasgou-o para descobrir o que ele escondia: um cofre!
-Bombarda!!- ordenou com convicção.
O cofre soterrado na parede explodiu, assim como metade da parede, que se espatifou no ar jogando-se contra ele e a sala*

Outro par de pés pisoteava poeira, sangue e resquícios do ataque. Remo, que já mancava, acabou por tropeçar num abajur em cacos que jazia bem no meio da sala * Rabastan largou o abajur com força, que, obviamente, se partiu tristemente no chão* e enquanto praguejava, pôde ouvir o grito de Pedro vindo da escuridão:
-AAHHHH!!
-Rabicho?-Lupin murmurou intensificando a luz de seu feitiço, em busca do amigo que se esgoelava na cozinha, bradando algo como “Sangue! Sangue!”, sem saber que as manchas vermelhas espalhadas por todos os ladrilhos não se passavam de tomates estourados pelos Black na noite do ataque.
Os olhos brilhantes de Sirius focaram uma torre descolada da área social da casa, que era possível de se alcançar pelo lance de escadas de pedra á sua frente. Provavelmente o corujal.* A mulher, tresmalhada, saiu pela sala numa correria desabalada, apertando a pasta contra o peito. Seus passos desesperados saíram ecoando em direção ao corujal, que ficava na única torre da casa.* .
Num impulso, ele lançou-se para a frente determinado, movido por uma estranha sensação de que aquele era o caminho certo. Os ruídos da baderna de seus amigos nas demais áreas da mansão foram ficando cada vez mais distantes, tornando-se ecos sussurrados para no fim desaparecem no ar. Quanto mais subia, mais o rapaz moreno sentia o coração disparar; não pelo cansaço, mas sim pela ansiedade temerosa que vinha apenas com a idéia do que possivelmente iria encontrar.
Níveis escalonados de poleiros o saudaram.
Estava mais do que claro que as corujas haviam sido retiradas pelos inspetores do Ministério da Magia, que além de tudo também haviam selado a casa e a deixado sob custódia, aguardando a maioridade de Elizabeth, que a herdaria. Sirius torceu o nariz para o cheiro de palha e nojeiras das antigas habitantes emplumadas do local e, impaciente, começou a vasculhar cada canto. Não sabia bem o porquê para tanta convicção, mas para o rapaz estava mais do que claro que aquilo que ele tanto procurava certamente estava ali, a não ser que... (e ele sentiu todo o ânimo desabar ao constatar aquilo) a não ser que o Ministério tivesse o encontrado primeiro.
“Isso não!” urrou seu íntimo teimosamente, o que incitou seu braço a erguer a varinha e mudar o feitiço com uma nova ordem...o “Accio!”.
Passos ecoavam ás costas do rapaz, subindo todos os degraus em espiral daquela torre apressadamente. Sirius guardava a varinha quando foi alcançado pelo companheiro:
-Almofadinhas!-era Tiago, que arfava.- Toda a casa está selada por fora para que ninguém possa entrar, mas...
-Eu achei!-contou o outro sem sutileza alguma, mas com certeza de uma forma muito animadora.- E com que facilidade eu achei! HAHAHAHA!!Sou bom mesmo!Sou o melhor!-ele sacudia o motivo para sua visita como quem sacode um troféu feito por ouro maciço.-Como minha família devia sentir falta de mim!MUAHAHA...
-Sirius!-agora Tiago, apesar de satisfeito, demonstrava inquietação.- Essa porcaria de mansão está protegida por milhares de feitiços, inclusive nas janelas e portas! Aqueles inspetores infelizes do Ministério também selaram as lareiras para que quem entrasse ficasse preso aqui dentro sem poder sair!
-Verdade?-uma sobrancelha do outro animago saltou levemente para cima, o que provava que aquela novidade causara-lhe, no máximo, um prazer inesperado.
-Eu to falando sério!- agora o jovem Potter podia sentir seus nervos á mil tamanho a angústia, angústia esta que crescia graças á indiferença de seu ouvinte.- Aquele tal de Alastor Moody não é tão burro como a gente pensava!Parece que ele tinha certeza de que na pressa do ataque os assassinos deixaram alguma coisa para trás, e que por isso iriam querer voltar. É por isso que transformaram a mansão numa espécie de “pega ladrão”, permitindo apenas a entrada e bloqueando a saída! Pela manhã esta merda toda vai estar cercada por bruxos prontos para nos prender!
Sirius observava o ataque histérico do melhor amigo tentando conter um risinho infame, que conseguiu mascarar-se numa tosca pergunta:
-E não é possível sair por parte alguma da casa?
-Você ficou surdo ou só está dando uma de debilóide?!-Tiago parecia realmente irritado com o seu companheiro de travessuras, já que nunca, em toda a sua carreira de maroto, tinha corrido o risco de ser preso pelo Ministério da Magia. No fundo, ele nunca se considerara um marginal de carteirinha, apenas um adolescente super dotado com energia demais para gastar.- Cada merda de janela está “coberta” por uma barreira invisível. Cada porta está enfeitiçada para ser impossível de arrombar; cada canto, cada buraco, todo dessa mansão está fortemente protegida!Não- há- como- sair!- a última frase Tiago fez questão de soletrar o mais claro possível, concluindo de forma ainda mais colérica.- Você nos trouxe para uma prisão!
Sirius deu de ombros, enfiou uma das mãos no bolso e, diante dos olhos estupefatos do outro, puxou um cigarro para levar á boca.
Aquilo foi a gota dágua:
-SIRIUS BLACK SEU MACONHEIRO, NÓS ESTAMOS CONDENADOS E TUDO O QUE VOCÊ FAZ É PUXAR UMA MERDA DE CIGARRO PRA FUMAR?!
O piripaque neurótico do rapaz de cabelos espetados, para Sirius, soou como um zunido medíocre demais para ser levado á sério. Inabalado, Almofadinhas começou a tragar e soltar fumaças de nicotina e alcatrão, levando seu amigo á loucura.
-Eu não estou te reconhecendo, Pontas.- uma voz irritantemente equilibrada soprou da garganta de Sirius em meio ás nuvens do fumo, atraindo a atenção furiosa de Tiago para ele:
-Como assim?-grasnou o outro, apático pela agitação.
-Você não é de ter um ataque quando se vê acuado, ainda mais quando, na verdade, nós não estamos acuados.-explicou o malandro, deixando transparecer um leve ar de superioridade em seu semblante. Seu teórico irmão cruzou os braços:
-Ah não?-repetiu com desdém.
-Veja...- Sirius novamente vasculhou seus bolsos, movimento que fez Tiago pensar, por um breve segundo, que não se passava de mais uma procura frenética por um maço mal cheiroso de vício. No entanto, segundos depois, lá estava uma luva de lã entre os dedos compridos do rapaz- Eu transformei isso aqui numa Chave de Portal que nos leva direto para o nosso quarto,em Hogwarts.
O queixo de Tiago caiu quase um palmo com aquela constatação:
-Jura?!- e com uma espécie de inveja por não ter sido ele o autor daquela idéia, arrancou das mãos do amigo a luva encantada.- E porque é que você não fez a mesma coisa pra nos trazer até aqui?!
-Porque eu não conhecia o que nós chamamos de código mágico desta mansão.-a explicação saiu tão rápida que Sirius parecia tê-la ensaiado.- Eu aprendi sozinho a enfeitiçar objetos que nos levassem direto para o nosso quarto, já que eu conheço aquele lugar mais do que o próprio arquiteto do castelo...
-Tá, tá...-Tiago o apressava, já consternado com a sua própria burrice.
-Então...-Sirius continuou, agora sorrindo por ter percebido cobiça nos olhos espertos de Pontas.- o problema era que eu sabia voltar,por conseguir enfeitiçar passagens para Hogwarts com facilidade, mas não sabia chegar,já que nunca em toda a minha vida tinha colocado os pés aqui.
Tiago agora analisava a luva com certa mágoa.Murmurou:
-E porque não me ensinou isso antes?
-Bah, agora não é hora, Tiaguito!-ainda mais animado, Sirius jogou o toco de seu cigarro no chão e o apagou com a sola do sapato, passando uma mão pelos ombros do outro.-Eu já encontrei o que queria, agora vamos achar os outros e dar o fora daqui!


Araminta Melíflua estava aflita.Seu rosto já descorado contorcia-se com mais intensidade a cada movimento dos ponteiros do relógio sobre o aparador. O tempo a fatigava. O fogo que dançava na lareira ardia toda a sala de estar, esta tão sombria quanto seus ocupantes.
-Pare com isso, Belatrix.- pediu ordenando uma garotinha loira, de uns nove anos, cujos olhos azuis transbordavam apatia.
Sua irmã não lhe deu ouvidos, apenas continuou a martelar as unhas na madeira e a manter o olhar perdido na lenha em brasas, seu pequenino rosto todo sombreado.
-Estou cansada, mãe. – comentou Andrômeda, a mais miudinha e impaciente das garotas. Ela torcia as mãos, apertava os lábios e olhava de um lado para o outro, mesmo sabendo que nada podia ver além da escuridão da sala e de ocasionais rostos semi iluminados, opacos, vazios, e inquietos.
-Fique quieta.- fez a voz autoritária da mãe, rasgando o ar rispidamente. A repreensão serviu como mola para impulsionar a ansiedade da menina de olhos castanhos, cuja voz saiu estrangulada:
-Onde está o papai? O que está acontecendo?
PAF!
As costas da mão cheia de anéis de Araminta acertou em cheio a face de Andrômeda, que agora tinha os olhinhos cheios de lágrima e o rosto virado na direção da batida, contendo-se para não soluçar. Os demais as observavam num meditado silêncio.
-Estamos aguardando notícias do patife do seu pai.- rosnou Araminta, recompondo-se. As outras meninas fitavam a irmã com um quê de desgosto, como se ela tivesse merecido o que levara e que, por isso, tinha a obrigação de superar o sofrimento.
Foi de repente que as chamas da lareira tornaram-se verdes, iluminando com intensidade todo o grupo misterioso que orbitava ao redor da lareira...
-Bela!
Seus ombros foram sacudidos com violência. Uma voz impaciente despertou-a de seus devaneios, que ela relutava em abandonar...ainda assim, ergueu os olhos.
-No que estava pensando?- indagou Narcisa, afastando-se dela ao perceber a reação. Como que ainda sonhando, a voz distante de uma inexpressiva Bellatrix respondeu:
-No dia em que ele foi preso pelos Adams.
A outra adotou um semblante angustiado, mas nada disse a respeito. Não tocava naquele assunto. Não gostava de lembrar. Até mesmo o nome do pai tornara-se algo proibido de falar, como se sua simples pronúncia fosse algo envenenado.
-Vamos falar com a Coox.- decretou Bellatrix, erguendo-se de repente. A loira jogou os longos cabelos para o lado e voltou sua atenção para eles, como que fazendo pouco caso :
-Acha mesmo que aquela garota vai conseguir alguma coisa? Quero dizer, é um bom plano, sem dúvida...mas acha que ela consegue soar convincente?
Os olhos desalmados de Bellatrix cintilaram de uma maneira que fez sua própria irmã recuar.
-Não. Mas temos que tentar.


- O que é isso que deu tanto trabalho para pegar?!
-É uma carta, não tá vendo?
-Sim...mas que carta?E como você sabia que estava lá?
Tiago e Remo olhavam para Sirius como se fossem os primeiros no mundo a merecerem uma boa explicação. Seus rostos extremamente cansados eram clareados pelos raios de sol que invadiam o quarto e que atrapalhavam o sono de Pedro Pettigrew (o gordinho desabara sobre sua cama no segundo seguinte ao seu retorno,exausto).
Sirius pingou seu olhar de um para o outro, tentando avaliar o quão curiosos eles estavam e, assim, mediar até que ponto teria que lhes dar explicações. Graças aos braços cruzados e olhares penetrantes dos dois marotos, o moreno constatou que seria assediado por perguntas até o raiar do dia seguinte.
-Eu nem sei por onde começar...
-Que tal do começo?- rebateu Tiago, sem vontade nenhuma de deixar o mínimo detalhe de toda aquela história lhe passar despercebido. Sentado na cama e diante de Sirius, o jovem Potter irradiava determinação. Naquele momento, estaria disposto a amarrar o melhor amigo, torturá-lo, pressioná-lo e somente libertá-lo após todas as suas dúvidas estarem saciadas.
Sirius apoiou-se nos cotovelos antes de começar:
-Desde que meu tio Alfardo foi confiscado por aurores, um pânico crescente assediou toda a minha família. Mesmo ele tendo sido solto por falta de provas, todos os Black ficaram apavorados ao perceberem que a qualquer momento podiam ser condenados e presos.
- Como se não merecessem isso...-resmungou Tiago para si mesmo. Sirius fingiu não ouvir, apesar de ter ficado perceptível que sua voz, a partir daquele ponto, transtornou-se:
- Os Malfoy, nossos aliados desde sempre, pressionaram meus pais a aumentarem o sigilo. Meu tio quase foi banido por ter sido negligente demais, e eu ás vezes me pergunto se ele não teria quase se entregado de propósito...acho que ele queria que todos fossem presos,afinal de contas, e o jeito que encontrou de ajudar os aurores foi chamando a atenção.
-Esse é o tio que te deu aquele apartamento?-perguntou Remo timidamente. Sirius assentiu com um sorriso orgulhoso.
-Com pressão de todos os lados,ameaças e um medo crescente, meus pais começaram a usar a Legilimência...
Ele se calou. Tiago ficou esperando, assim como Remo. Sirius parecia ter se esquecido deles, pois ficou isolado em si mesmo por quase um minuto,até que, recomposto, retomou:
-Mas o feitiço foi alterado. Ele agora teria que servir para todos os membros da família. Todos iriam ter a capacidade de ler e prever os pensamentos do nosso perseguidor,o que seria uma espécie de Legilimência coletiva.
-E isso existe?-indagou Lupin,intrigado.
-Não, por isso deu errado. –replicou Sirius, calmamente.- Muitos de nós não conseguiamos ler os pensamentos do homem, enquanto que alguns conseguiam apenas os de menos importância, como “Vou tomar banho” ou “Este almoço está uma delícia!”. Eu, por exemplo, nunca tinha vivenciado nenhuma das imagens cotidianas de Dorian, e até achava tudo aquilo uma grande palhaçada... não tinha percebido,ainda, que toda a minha família estava empenhada em vigiar os passos de seu único e mais temido perseguidor...pelo menos, não até a noite passada.
Todos viraram-se de repente para Pedro, que engasgou-se com o próprio ronco, e, sufocado, soergueu-se na cama com olhos embaçados:
-Quantas xícaras de açúcar se precisa para chegar até a lua?
Os outros três se entreolharam. Pedro desabou novamente para se entregar ao seu delirante sono profundo.
-Continue, Almofadinhas.- pediu Remo com um gesto impaciente. Sirius pigarreou:
-Então, acho que o feitiço saiu deformado...ontem á noite eu consegui rever um pensamento dele...um pensamento de anos atrás...
E ele se calou com um sorrisinho forçado que deixou seus dois ouvintes desconfortáveis.


Eliza encontrava-se deitada em sua cama, de bruços, com os cotovelos apoiando o corpo e as mãos apoiando a cabeça.Os cabelos negros caiam pelos ombros com fios chegando a descançar ao seu lado,na cama de forro claro.Observava atentamente a amiga Stéphanie,que lixava as unhas nos pés de sua cama contando sobre o pedido de namoro que havia recebido de George,da Corvinal, na noite passada.Katherine, por sua vez, achava-se sentada na cama ao lado folheando displincentemente o Semanário das Bruxas,enquanto também ouvia a história.Cynthia não estava no quarto e sua cama encontrava-se intacta,como na noite anterior.
Era manhã ainda,as garotas haviam acabado de dispertar e encontravam-se de roupa de dormir.
Alguém bateu na porta. Katherine interrompeu uma risada para ir até lá. Abriu apenas uma frestinha, de modo que as amigas não pudessem ver seu visitante. Ela murmurou alguma coisa, ouviu a resposta, e afastou-se.
-Meninas, podem me dar licença?-era Sirius, mais moreno e sorridente do que nunca. Os botões de sua camisa prositalmente abertos mostravam o início de seu peito, que subia e descia em ritmo calmo.
Ambas as moças voltaram os olhos para ele,sérias.
Katherine, que sorria abobalhada, interrompeu-se para imitar as amigas. Sirius as observava de lado, escondendo um brilho malicioso no olhar graças ao tamanho e textura das camisolas:
-Vocês realmente não estão felizes em me ver, não é?
Stéphanie esboçou um sorrisinho e baixou os olhos.Elizabeth ergueu uma das sobrancelas e permaneceu calada,o encarando. Sirius pegou a mão de Katherine, que estava paralizada, ainda próxima á maçaneta.
-Pode sair por alguns minutos, lindinha?- a negrinha ruboresceu. Sirius lançou um olhar penetrante para Stéphanie.- E você, boneca? Pode acompanhar sua amiga?
-E eu as acompanho também?-ironizou Adams, erguendo-se e vestindo seu penhoar.Entregou também mais dois para cada amiga,que vestiram-se e se encaminharam para a porta,saindo aos sussurros.
-O que você quer, Black?-perguntou mansamente a moça, dirigindo-se até ele e pretendendo lhe dar um beijinho delicado na bochecha, mas Sirius virou o rosto para que os lábios da moça esbarrassem nos seus. Com o recuo dela, ele sorriu:
-Vamos nos sentar...é uma coisa meio séria, Beth.
-Seja o que for fale rárido por que ainda preciso me vestir.-e ela se encaminhou para sua cama, sentando-se. Sirius a seguiu e acomodou-se ao seu lado. Deslizou uma das mãos para dentro do bolso, puxou um envelope e olhou para a moça. Depois, lentamente, pegou nas suas uma das mãozinhas de Elizabeth, entregando-lhe por fim a carta.
Ela o encarou misteriosa.Lentamente virou o envelope para,mais uma vez,deparar-se com o carimbo de cera de vela vermelha da família Adams.Abriu com agilidade e de lá tirou um pergaminho ,murmurando antes de ler:
-Me responde como você conseguiu essa carta primeiro...e de quem ela é,Sirius.
Sirius aproximou o rosto do dela até que suas respirações batessem um no outro. Sussurrou:
-É do seu pai.
Instantaneamente os olhos claros de Eliza marejaram-se e ela se afastou do moreno.
-Você disse que não queria que eu chorasse...então por que está fazendo isso?
-Se você não quiser...- introduziu Sirius, em alerta.- É que eu pensei...desculpe, eu não devia ter te mostrado isso.- e ele fez menção de recolher a carta.
-Não, eu quero sim.Obrigada.-murmurou ela apertando a carta nas mãozinhas frias.-Obrigada.Eu prefiro ler ela quando estiver sozinha...
Sirius sorriu para ela de uma maneira protetora. Depois de uma pausa, disse:
-Bem, então eu vou sair.
-Tá bom...obrigada de novo.-sorriu ela também,já erguendo-se.-Ah,Black...desculpe-me se parecer incoveniente mas...o Lupin passou a noite no dormitório de vocês?
-Claro.- respondeu Sirius, incomodado.- Porque?
-Estou preocupada com a Cynty sabe; ela sumiu dês da aula de Aritmancia de ontem, e pensei que eles pudessem estar juntos.
-Eu acho que não. Remo apenas comentou que ela estava o ignorando, eu acho...ou algo assim, eu não escutei direito. – comentou Sirius displecentemente, aproximando-se relutante da porta.
-Ah, sim...mas diga para ele me procurar,por favor?-finalizou a moça abrindo a porta e,com delicadeza,o empurrando para fora.-Diga também às meninas que já podem subir.
-Tá. –Sirius se afastou como quem se arrasta, e apesar da moça ter o tratado muito bem, sem nehuma arrogância ou algo do gênero, ele sentia-se meio chutado.
Com educação ela encostou a porta e virou a chave,trancando-a. Dirigiu-se mais uma vez até sua cama para recolher a carta e ansiosamente desdobra-la,passando os olhos pelo papel e reconhecendo,imediatamente,a caligrafia de seu pai.

Minha Estrelinha,
Quando você estiver lendo estas linhas eu certamente não estarei mais aqui. É difícil aceitar o fato de que, pelo bem da comunidade, pelo bem do nosso povo, pela segurança de todos e manutenção da justiça, eu deva sacrificar até mesmo a sua felicidade, deixando-a no mundo, sozinha. Estou muito machucado filhinha, e sei que este sofrimento vai pesar na minha alma até mesmo no outro mundo...
Mas quero que saiba que a vida é para ser vivida, e não lamentada. Eu e sua mãe, por exemplo, já tínhamos aceitado a morte muito antes dela chegar, já que quando se é Auror (ainda mais um metido num caso sinistro como o que estou pesquisando arduamente, dedicando toda a minha vida) nada mais é certo. Desde que aceitei esse emprego, não consigo mais acreditar em destino, apenas em contingências. Eu sentia que a qualquer instante poderia topar com um de meus suspeitos e ser assassinado; sabia também que sempre que me despedia de você, olhando profundamente dentro de seus olhinhos questionadores de “Quando você vai voltar, papai?” aquela podia ser a última vez.
Mas tudo não foi em vão, minha querida. A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido. Não na vitória propriamente dita.
Eu não me arrependo de todos os meus esforços, pois eu sei que acabei colhendo bons frutos: você pôde crescer, com o ganho de meu trabalho, saudável, feliz e confortável, o que é suficiente para mim. Minha linda menina, eu não quero que você sofra...quero ter a certeza de que todos os meus esforços para lhe dar uma vida feliz não foram em vão; eu quero saber que meu sacrifício,a minha batalha e o meu amor não serão esquecidos graças á sua tristeza,uma vez que ela não deve te dominar.
Por favor, o papai aqui está te espiando por entre as estrelas, querendo se certificar de que meu esforço valeu a pena. Tudo o que mais quero é me vangloriar por, no final, ter conseguido te tornar a garota mais completa do mundo: quero que seja linda, feliz, saudável e amada. Você tem muito a dar Estrela do papai, por isso não perca seu tempo nem se desgaste em lágrimas amargas...você é a única coisa boa que me levou á luta, por isso eu peço que não murche, não pare de brilhar e não desista,nunca.
Mostre-se sempre corajosa, seja nosso orgulho, e represente os Adams não como alguém que diz “vocês nos aniquilaram...” mas sim como alguém, de peito estufado, que desafia “Isso ainda não acabou!”.
Lembre-se de que mesmo as noites totalmente sem estrelas podem anunciar a aurora de uma grande realização.

Seu eterno papai

P. S: Desculpe não ter dado informações mais detalhadas, mas não quero te expor ao perigo. Na hora certa, você saberá de tudo. E lembre-se: nunca deixe nossa canção parar de tocar.”

Quando seus olhos terminaram de percorrer as linhas do papel (que terminou encharcado), a moça jogou-se na cama à suas costas,encolhendo-se como um bebê com muito frio em uma noite chuvosa. Cobria o rosto com as mãos... suas cascatas de cabelos negros encontravam-se esparramadas pela cama.
Em um pulo repentino ela correu para destrancar a porta e murmurar em uma voz baixa: “Sirius...por favor...Sirius...”. Lentamente ela foi se deixando escorregar até o chão ,apoiando-se na parede e voltando a se encolher, ainda chamando lentamente “Sirius...”.
O corredor dos dormitórios estava vazio. Ouvia-se vozes do salão comunal. Passos. E, de repente, ela viu-se mergulhada em braços.
-Estou aqui.
A moça mergulhou em seu colo e em seu abraço como uma criança desprotegida,apertando-se contra ele.
-Não me...deixe nunca...por favor...eu...eu te amo...
Sirius ficou gelado como uma pedra, subitamente ciente das palavras que chocaram-se contra seus ouvidos. Em silêncio, recolheu a garota de volta para o dormitório, levando-a em seu colo como fazem para carregar jovens noivas. Ao passar, encostou a porta. Mantinha Eliza em seus braços firmemente,e assim permaneceu até deita-la na primeira cama que viu, aconchegando-a como a uma criança.
Ao vê-la assim, entregue ao desespero, deitada e aos prantos na mesma posição que ele a deixara, ajoelhou-se imediatamente.
-Eu não vou te abandonar, minha pequena. Nunca.
Ela segurou as mãos do maroto contra as suas e levou-as ao próprio rosto molhado. Sentiu então os dedos dele massagearem sua pele, secando-a como podiam em meio a carinhos.
-Eu te amo,Sirius...te amo e não sei porque.-sussurrou ela de olhos fechados, deixando as lágrimas rolaram à vontade.A carta permanecia ao seu lado.
-Eu também te amo.- disse ele, agora erguendo a outra mão para afastar alguns fios do cabelo da moça que grudavam em seu rosto graças ás lágrimas.- Também não sei porque, mas também não preciso saber...só sei que te amo. Muito. – e o rapaz deitou a cabeça ao lado dela, ainda de joelhos, meio desconfortável.
Ela arrastou-se até mais perto do rosto dele,roçando seus narizes, fazendo com que o rosto do rapaz também de molhasse com suas lágrimas desesperadas.Lentamente encostou seus lábios aos dele e depositou ali um beijo delicado e sincero.
-Me ajude a ser feliz de novo,Black.
Sirius ergueu-se, deslizou para perto dela e deitou-se na cama. Com certo receio, enlaçou a cintura da moça e encaixou-a em seu peito, grudando-se a ela num abraço quente. Era a primeira vez que deitavam juntos, e o que era para ser um momento lindamente glorioso estava terrivelmente assolado por lágrimas.
-Não chore.-pediu o maroto.- Eu não acho que ele iria gostar de te ver chorar...eu não gosto.
-Eu estou chorando de emoção, não de tristeza.Agora tenho a certeza de que ele não me abandonou e está sempre olhando por mim,Sirius...foi ele que te colocou na minha vida.Estamos juntos para aprendermos muitas coisas juntos...-ela estava de olhos bem fechados,apoiando-se nele em todos os sentidos da palavra.
O rapaz começou a cobrir o rosto de Elizabeth com beijos,manhosamente demorando-se para chegar aos lábios...
Tímidas batidas na porta fizeram ambos erguerem as cabeças e voltarem a atenção para a voz de Stéphanie,que chamava:
-Amiga?Precisamos nos trocar rápido e pegar os livros.
Eliza se ergueu e tentou enxugar as lágrimas,baixando a cabeça e exclamando um “Pode entrar!”.Suas amigas,notando imediatamente a seriedade da situação,não fizeram perguntas nem sequer comentários.Foram rápidas ao recolher o uniforme,os materiais e os pertences úteis para se dirigirem ao quarto de outras garotas,para lá terminarem as arrumações.
-Quer que eu fique aqui?-perguntou Sirius, já concluindo que Eliza não iria para as aulas do dia.
-Pode ir para a aula...é melhor.Mas se quiser ficar...
Como resposta, Sirius a puxou de volta para o colchão, deitando-se ao lado dela. E assim permaneceram por grande parte da manhã, quando a moça voltou a adormecer protegida pelos braços do rapaz.


Após a aula de final da tarde (História da Magia), Remo finalmente abandonou aquele seu silêncio meditado para, completamente estressado, largar a mochila no chão, os livros, e mirar um pontapé em tudo o que pôde:
-O QUE FOI QUE EU FIZ?!
Tiago deu um pulo. Pedro teve um colapso que beirou a um desmaio. Lílian voltou-se para ele abestalhada.
-ELA SUMIU!!!-continuou o monitor, agora sem nada para chutar.- PORQUE?! O QUE ACONTECEU?! PORQUE NINGUÉM ME FALA ONDE ELA ESTÁ?!
Tiago lançou um olhar assustado para Lílian, como quem diz “Ele enloqueceu.” A ruiva, por sua vez perfeitamente calma , contou para os três rapazes:
-Remo, hoje as meninas estavam falando sobre ela na aula.Desde ontem que ela sumiu. A última aula que assistiu foi a de Aritmancia, depois saiu e disse para as amiguinhas que precisava fazer alguns contatos,sozinha.
Remo a ouviu como um insandecido que acaba de se recuperar de um coma. Demorou um tempo considerável para controlar a voz e indagar, estrangulado, algo como:
- Contatos?!
Pedro tentou falar alguma coisa, mas foi interrompido por um Remo irreconhecível que desabou no meio do corredor,deitou a cabeça nas mãos, os cotovelos nos joelhos, e começou a resmungar consigo mesmo. Muitos dos alunos que atravessavam o corredor diminuíam o ritmo de seus passos apenas para admirarem a cena bizarra.
-Remo...-sussurrou Lily,agora sim parecendo chocada-Disseram que ela foi na direção dos jardins... isso foi ontem.Mas...não que eu queira te deixar mais desesperado...ela também não passou a noite no dormitório.
-Lily,fique quietinha.- pediu Tiago, apavorado. Ele nunca, em sete anos de convivência com Lupin, tinha vivenciado tamanha demonstração de distúrbio mental.
Após alguns segundos em que Remo parou de resmungar, a conclusão saiu como se saísse da boca de um fantasma:
-Ela sabe.
-Quê?!- exclamou Rabicho, fitando o pobre amigo demente com explêndida preocupação. Remo ergueu os olhos para o grupo, arrasado:
-É sempre assim. Vocês sabem muito bem do que eu estou falando...
-Aluado, não...-começou Tiago,que foi bruscamente interrompido pelo lobisomem:
-Não me chame de Aluado!!- rugiu Remo, erguendo-se escandalizado.- Eu cansei de ser duas pessoas...oh, do que estou falando?!Eu não sou uma pessoa!
-Remo...pare,por favor!-a ruivinha aproximou-se do amigo e lhe segurou as mãos, encarando-o profundamente nos olhos castanhos, murmurando. -Fique calmo e vá atrás dela...você a ama não é?
-Muito.-murmurou ele. Os olhos enchiam de lágrimas. Tiago estava surpreso. Imediatamente, Evans abraçou-se ao maroto e continou murmurando:
-Fale isso para ela,querido...grite se for necessário.Não deixe que coisas tão pequenas perto do grande rapaz que você é impessam sua felicidade.E se ela te amar também vai ficar tudo bem...eu prometo que vai.Eu sei que vai.
-Onde ela está?- repetiu Lupin, agora chorando livremente.
-Eu posso ver no...MERDA! AQUELA MENINA!!-Tiago descontrolou-se ao se lembrar do paradeiro do utilíssimo Mapa do Maroto. Rabicho acrescentou:
-Tudo culpa do Sirius.
-Vai atrás dela em qualquer lugar...você não “sente” aonde ela pode estar?-continou a mocinha, curiosíssima para perguntar do que diabos os rapazes falavam mas sabendo ,ao mesmo tempo, que o momento não era propício.
Remo fechou os olhos, tentando pensar. Ao abri-los novamente, suas retinas clareadas pelas lágrimas cintilavam como estrelas desiludidas.
-Eu não sei...mas vou tentar.
E dando um sorrisinho de agradecimento, se retirou, dirigindo-se para os terrenos gramados de Hogwarts.


Remo caminhava com os braços cruzados e o rosto erguido, deixando o vento lutar para arrepiar seus cabelos. O terreno estava vazio. Hagrid, ao longe, cuidava de sua plantação de abóbaras, enquanto que o Salgueiro Lutador balançava-se, chamando-o de modo convidativo. O lobisomem fez uma careta. Odiava aquela árvore tanto quanto odiava sua forma das Luas cheias, mas alguém, com uma voz interna e rouca, lhe sussurrou algo como:
“ Vá para lá”.
“Não, cale a boca!”-mas era tarde. Os pés do maroto o carregavam para lá, forçando-o a atravessar todo o gramado. Sorte. Pura sorte. Sorte ou acaso?!
Uma garota vinha caminhando na direção oposta, sua saia e trajes castigados pelo vento contrário. O coração de Remo deu um pulo. Ele apressou o passo, quase agredecendo ao palpite de Aluado.
-Cynthia!
A moça que ia um pouco à frente voltou-se para ver quem a chamava.Verificando agora que o rapaz já estava demasiado perto para que ela pudesse “fugir”, parou puxando o gorro das vestes para cobrir a cabeça.
-Pare...- ele tinha ofegado, antes que ela o fizesse. Satisfeito, aproximou-se da moça, terrivelmente abalado.- Porque você está fazendo isso comigo?
Ela o encarou muda.
-Eu estou confuso, não consigo entender o que foi que eu fiz...- Remo esforçava-se para captar bem os olhos da namorada. Estava claramente tão perdido quanto ela, sem saber o que falar, o que fazer, ou como agir. Era nítido, também,que acabara de derramar algumas lágrimas, no entanto, estava mais do que óbvio que Cynthia sim estivera debulhando-se em prantos, durante longas e infinitas horas.
-Eu...não sei se estou...Lupin,por favor...saia.-e agora os olhos azuis da moça tornaram a se enxer de lagrimas, sua pele foi ficando vermelha aos poucos, tudo enquanto ela tentava fugir de encarar o rapaz à sua frente. Remo hesitou por alguns segundos, claramente atordoado. Por fim, disse:
- Eu não vou sair, não agora que encontrei você. – e após uma pausa, o monitor agarrou-se a ela, abraçando-a com um suspiro trêmulo.- Não me deixe, Cynt...eu te amo mais do que qualquer pessoa no mundo!
Fora a gota d’agua.A moça, estranhamente apática, começou a soluçar desesperadamente sem saber se braçava-se ou não ao namorado.Tinha medo,muito medo de se machucar.
-Eu não sei o que fazer...e-eu...por favor R-Remo.-e lentamente ela colocou uma das mãos no peito do rapaz,pronta para afasta-lo enquanto que a outra envolvia seu pescoço,aproximando seus rostos.-E-eu não sei...
-Eu não vou te machucar!- prometeu ele, quase aos gritos.- Os meninos sabem, Dumbledore sabe, a Lílian descobriu...por favor...
Cynthia ficou muda, soluçando alto com a cabeça apoiada no ombro do namorado.Depois de longos minutos (uma eternidade para os corações esfacelados do casal) ela resolveu murmurar:
-Me leve embora daqui...me leve para algum lugar,Remo.Eu te ...e-eu te amo tanto...
Lupin ergueu os olhos para ela. Seu peito pululava. Era a primeira vez em toda a sua vida que não ouvia uma resposta de rejeição, ou medo, pavor, repúdio...Ele a enlaçou e começou a carrega-la de volta para Hogwarts, caminhando lentamente, contra o vento uivante do final de tarde.
Ela parou de caminhar e o puxou pela gola da camisa para subitamente encara-lo:
-Eu amo você,seu idiota!!!Amo,amo,amo...mas não quero amar...me ajuda,Deus!-e novamente voltou a soluçar,cobrindo o rosto com as mãozinhas pequenas.
-Não quer?!- murmurou Remo, desviando o olhar das piscinas azuis da garota que o encarava novamente. –Ah, eu...eu entendo, mas...- e voltou a encara-la, fracamente determinado.- Eu não quero fazer você sofrer, não quero te machucar...eu prometi isso a vocês.
-Por que você não me contou,Remo, por que?V-você não confia em m-mim?
Todos diziam isso. Essa era a mesma indignação de Tiago, de Sirius, de Pedro, de Lílian...mas, incrivelmente, ouvi-la de Cynthia era algo tremendamente mais doloroso. Não era uma pancada. Era uma facada.
- Confio, mas eu não queria te assustar...e eu pensei que você iria me...iria fazer o óbvio...o certo...e eu não posso suportar...
Sem mais agüentar tamanho sofrimento, a moça voou para os lábios de Remo envolvendo-se em seus braços e deixando as lágrimas rolarem por seu rosto.O vento esvoaçava as vestes e cabelos do casal, arrastando algumas lágrimas consigo, os atiçando e, ao mesmo tempo, os acalentando numa dança carinhosa. Remo abraçava a garota com força, perguntando-se quanto tempo mais aquilo iria durar, ou ainda, com mais ardor, perguntando-se se ele merecia ter algo que durasse por tanto tempo. Com um soluço soube a resposta. Que era difícil de engolir...
Depois de muito tempo em que a moça o beijou,abraçou e apertou-se fortemente contra ele (tempo este em que ela pareceu deixar seus pensamentos voarem ao infinito) sua voz saiu mansa e decidida:
-Eu não me importo com isso Remo.Eu quero ser sua para sempre...sua,só sua,para sempre...-e nesse ponto fechando os olhos e sussurrando ainda mais baixo,próximo ao ouvido do rapaz,ela finalizou- me deixe ser sua...para sempre?
-Por favor. Seja.-implorou o lobo que, pela primeira vez em toda a sua vida ,não se sentia mais vazio. Não se sentia solitário. Pois estava ali, diante dele, sua outra metade. E não. Desta vez não era a lua.


A semana não foi lenta, nem passou apressada. Ela apenas passou, e o primeiro fim de semana de visita á Hogsmead,agora, chegou com um toque especial: era primavera. Dia dos namorados.
Uma mão tocou mansamente o ombro da garota, que se virou intrigada para ver quem a chamava. Era Sirius.
-Sabe que dia é hoje?- indagou o rapaz forçando um sorriso. Ele mantinha as mãos cruzadas atrás das costas.Ligia também sorriu mas (por mais incrível que possa parecer) permaneceu quieta ; os olhos meio desfocados e tristonhos.
-É, você sabe. – e Sirius estendeu um pacote para ela muito bem embrulhado e enfeitado. O presente tinha o formato peculiar de um retângulo. Parecia ser um perfume ou algum do gênero. –É pra você.
Ela recolheu o presente e murmurou,com uma voz cansada:
-Obrigada Sirius , mas eu não comprei nada para você...não me sobrou tempo...
O rapaz estranhou profundamente o ar melancólico da sempre tão afogueada Ligia Coox. Em dias normais, a jovem teria pulado em seu pescoço até sufocá-lo, mas...agora...
-Abra.- ele pediu, acrescentando.-E quando o fizer, beba. Fui eu que preparei, especialmente para você.- e com um sorrisinho misterioso, o moreno afastou-se rapidamente.
Por cima das cabeças de alunos que amontoavam-se diante de um descontrolado Filch e de um animado Hagrid, uma coruja cor de tijolos vermelhos surgiu planando serenamente, girando os olhos em órbita á procura de seu destino. Mirou por cima do bico encurvado um rapaz esbelto que abraçava uma garota pela cintura e, freneticamente, enchia seu pescoço de beijos e lambidas. A coruja piou alto. Acabara de encontrar o que procurava.
Suas asas ruflaram convulsivamente para o pouso, obrigando Sirius a afastar-se atordoado de Elizabeth. Nos ombros da garota, a coruja ruiva e agitada escarrapachou-se com as patinhas. Trazia uma carta muito bem amarrada nas garras.
A moça delicadamente acariciou a ave, um sorriso leve surgiu em seus lábios.Desprendeu a carta da pata do animal e despachou-a .
Anciosa, Eliza abriu o envelope selado com o A em cera de vela vermelha.
“Minha menina,
Estou mais perto do que você imagina.Hoje é o dia dos namorados e resolvi te fazer uma surpresinha...você provavelmente irá para o povoado de Hogsmeade, então encontre-me no Aliança Tres Vassouras que de lá iremos a um outro lugar mais interessante.
Richard”

Imediatamente os olhos cinzas da moça voltaram-se para o moreno ao seu lado,tinha uma expressão confusa e até um tanto atordoados.
-Você quer ir?-perguntou Sirius com uma voz seca, ríjida,tão fria quanto seu olhar.-Então vá.
-Você não vai se importar?-perguntou ela,já sabendo muito bem a resposta.
-Não.
-Otimo!-sorriu Eliza,dando o assunto por encerrado.
Sirius não comentou mais sobre o assunto, nem mesmo depois que a carruagem de cavalos invisíveis estacionou em Hogsmead. Ao sair emburrado com Elizabeth ao seu lado, ele viu Remo e Cynthia, Tiago e Lílian e-pasmem -Pedro Pettigrew e Katherine saindo ás gargalhadas da mesma carruagem. Tiago acenou para ele, mas Sirius fingiu não notar: puxou a namorada pela mão e se enfurnou por entre a multidão de alunos que se dispersavam para todos os lados. Muitos casais se acotovelavam, se empurravam ás pressas...mas a pressa que movia Sirius era diferente; ela se assemelhava a uma impaciente angústia; a um nervosismo raivoso.
-Eu vou com você.-disparou ele de repente, parando de andar ao livrá-la da sufocante multidão.
Ela lançou um olharzinho sarcástico e um “a-han” extremamente irônico, cruzando os braços e virando-se para observar a vitrine mais próxima.
-Certo. –bufou Sirius-Vamos!-ele também encerrava o assunto, porém, dando a ele uma nova conclusão. Um novo final.
Eliza permaneceu parada onde estava encarando o rapaz com um quê de gozação, muda.
-Você não espera que eu deixe você ir sozinha encontrar um babaca abusado como esse cara,não é?!-indignou-se Sirius, como se sua decisão estivesse mais do que óbvia. Ele suspirou, e depois de perceber que aquele clima de irritação o incomodava, inclinou-se para dar um selinho nos lábios da moça.-Vamos;eu deixo vocês em paz depois.
-Então quer ir pra quê?Ele é meu primo,Black!-a jovem deu um passo para trás e continuou,determinada-Deixe de ser tão incompreensivo...eu odeio quem tenta cuidar da minha vida e é exatamente isso que você está tentando fazer...mas eu não vou tolerar tanto egocentrismo...me deixe e mais tarde nós nos vemos.
A expressão de Sirius passava de incredulidade para raiva e desta para uma zombeteira gargalhada:
-Ora,Adams não me faça rir! Vai me dizer que você acha que eu vou acreditar que não existe nada entre vocês dois?! E daí que vocês são primos?!Bellatrix é minha prima, e você não faz idéia de o que ela já sentiu vontade de fazer...-Sirius ia se exaltando, falando com mais ardência e voracidade- Eu não quero e nem vou controlar a sua vida! Não sou disso, muito pelo contrário...mas não sonhe em pensar que eu não me importo! Eu vi a maneira como ele te trata, e não vou sossegar até ver o rosto desse infeliz!- Sirius deu um passo para a frente que manteve seu rosto o mais próximo possível do da moça; o casal se via espelhado agora,um nos olhos do outro.- Não é que eu não confie em você. Eu não confio nele.
-Black...você não conhece ele.Nunca o viu,não sabe nada do que passamos então,por favor...não o julgue!Basta que você confie em mim pois eu confio nele e sei que não faria nada contra minha vontade...sossegue!-e dando-lhe um beijinho na testa do moreno,murmurou-Nos vemos mais tarde,ok?
-Não!- gritou o rapaz, teimosamente.- Se ponha no meu lugar!!Ninguém em sã consciência iria me obrigar a fazer o que você está pedindo!Deixe que eu te acompanhe até lá; como você mesma disse, eu nunca o vi...e se ele é importante para você eu tenho que conhecê-lo.
-Não tem não...-Eliza estava agora extremamente calma e falava pausadamente, olhando o namorado fixamente nos olhos-Acho que não estou preparada para isso,Black...é cedo...preciso ir sozinha,e preciso ir agora.-e sem dizer mais nada a moça começou a caminhar na direção oposta a que o rapaz se encontrava. Sirius a observou em silêncio; pelo menos ele sabia onde ela estava. Daria um tempo, algumas passadas de distância apenas-e a seguiria.


Cynthia encontrava-se encostada no balcão da loja dando leves lambidelas no sorvete de quatro bolas que Remo lhe comprara.A mocinha achava-se estranhamente séria com os olhos perdidos em algum ponto do cenário;e isso já fazia algum tempo.
-Amor...-murmurou ela extremamente baixo,ainda sem desviar os olhos claros para procurar o rapaz.-Amooor...?
-Hum?-Remo pareceu brotar do chão ao se erguer subitamente (ele estava ocupado em analisar as prateleiras mais rasteiras da loja, quase de cócoras, sendo chutado pelos que passavam sem olhar para baixo ).
A moça puxou o namorado para si pela gola da camisa,fazendo com que seu ouvido encostasse em sua boca e quase inaldivelmente murmurou:
-A Katherine...o que ela está querendo,amor?Eu sei que ela é minha amiga..mas...do nada,ela voltou a falar comigo!E está...esta andando com o Pettigrew!Ela deve estar pensando em alguma coisa...estou com medo...
-É...pode ser. É a primeira vez que eu vejo uma menina realmente interessada no Rabicho, e não em se aproximar dele para chegar no Almofadinhas por tabela...-disse Remo, lançando uma rápida olhadela para o outro lado da Zonko’s , onde Katherine puxava o gordinho de um lado pelo outro, agarrando seu braço sem cuidado algum. Iludido, Pedro ria e se deixava arrastar,sentindo-se,no momento,a criatura mais desejada de toda a face da Terra. Remo então deu um sorrisinho para a moça- Não tenha medo lindinha, nós não vamos deixar ela ir muito longe.
-E ...e se ela...Remo...eu tenho medo que ...-Cynty envolveu Remo pelo pescoço e recostou a cabeça em seu ombro,fechando os olhos-ela invente alguma mentira...você...você jura que não vai nunca acreditar nela,amor?
O rapaz parecia incrivelmente surpreso: aquilo era o tipo de coisa que uma amiga fazia para outra amiga?! Assustador!
-Claro! Como você pôde pensar que algum dia eu acreditaria em uma fofoquinha qualquer sobre você?! Nunca!
E com um sorrisinho a moça selou o “juramento” com um selinho para em seguida em uma voz mimada,perguntar:
-Tá...agora jura outra coisinha?
-Juro...
-Jura que me ama para sempre e que vamos ficar juntinhos até a morte...?
E com um largo sorriso (talvez o maior do dia), o maroto inclinou-se para ela e murmurou calorosamente:
-Juro. –a proximidade era demais; o próximo impulso do jovem foi beijá-la. Tiago surgiu logo em seguida, quebrando o que prometia ser um ato mais “afogueado” do que os costumeiros carinhos educados e respeitosos de Remo:
-O que você acha de uma bomba de bosta verde,Aluado?!-exclamou o pentelho, erguendo uma sacola de compras.-Cara,eu amo essa loja!
-Er...legal,Pontas.-disse o outro, forçado.
-Só você né,Tiago?!Deixa eles ai...-censurou a ruivinha aproximando-se do grupo e apoiando-se no ombro do marpoto de óculos.
-Quer terminar esse sorvetinho,Ti?Eu não agüento mais...-começou a loira estendendo o doce para o amigo mas foi interrompida por uma voz chorosa que fez o quarteto voltar-se , espantado.Era Berta.
-Quem não agüenta mais sou eu,McClair.E-eu me segurei por mu-muito tempo mas agora não dá mais...eu amo o Remmy...você não podia fazer isso comigoooo...eu te amo Remo.-e ia se aproximando em passos espalhafatosos e desajeitados segurando uma das mãos do monitor e fixando Cynthia com repugnância-Eu não agüento mais sua ladrona!
A moça ergueu ambas as sobrancelhas e um sorriso debochado surgiu em seus lábios.
-Já não era sem tempo...você esta bem gorda e devia ter ficado “cheia” a tempo de evitar transformar-se em uma baleia...acho que é tarde demais para chorar,Jorkins.-e para finalizar a breve mas humilhante declaração Cynty soltou uma daqueles velhas gargalhadas cortantes e finas,de doer o coração. Tiago ria com ela:
-Que tal eu puxar a cinta dela pra fora mais uma vez?Você está usando uma cinta,não está bola fofa?Ou será que até mesmo ela soltou?
-Ora, CALE A BOCA!
Tiago parou, pasmado: Remo arfava. Fazia tempo que não unia suas poucas forças para gritar; seus olhos cintilavam. Ele deu um passo para a frente; Tiago deu um passo para trás. Se encaravam profundamente, um embasbacado; o outro enfurecido:
-Eu já cansei de você humilhando as pessoas, sempre se achando a oitava maravilha do mundo, pondo defeitos em tudo e em todos, menos em você mesmo! – ele fez uma pequena pausa para depois voltar-se para Berta.- E você Berta, não devia estar aqui. Você sabe que nós somos apenas amigos, no máximo isso, e eu não quero que você se machuque por mim, mas... mas eu não gosto de você. –ele tentou sorrir, mas ver a felicidade da gordinha ir murchando lentamente simplesmente era de partir o coração.- Eu amo a Cynty, e nada vai mudar isso. Além do mais, sempre que você se aproximar um dos meus amigos babacas vai acabar com toda a sua estima, por isso, vá embora.
De cabeça baixa,deixando-se vencer facilmente pela primeira vez (tratando-se de Remo) a moça voltou-se para sair da loja em passos lentos e doloridos.Lafrimas pesadas e dolorosas rolando pela face.
-É,cai fora Obesa...-despediu-se Cynty ainda sorrindo.
-Nos vemos daqui a pouco Tiago...ela precisa de alguém.-sussurou Lily correndo para alcançar a amiga e dirigir-se para fora com ela,abraçando-a.
Em seguida,como se a cena angustiante não a tivesse interrompido,Cynthia mudou o sorrido irônico para um carinhoso e dirigiu-se mais uma vez a Potter:
-Então?Termina,Ti?
-Ok. – sorriu o animago prontamente, recolhendo o sorvete com animação. Lupin parecia emburrado, mas não disse nada e nem sentia vontade de dizer.
-Oi,caras! –Pedro finalmente retornou, mais corado e redondo do que nunca. A negrinha não estava com ele, o que foi imediatamente fácil de notar:
-Onde está sua nova amiguinha, Rabicho?-questionou Pontas,lambendo o delicioso sorvete. Pedro,como uma criança tolinha, gargalhou um pouco antes de responder:
-Ela foi dar uma volta com um amigo dela. Disse que não podia passar o dia dos namorados comigo, mas ainda assim gostava de mim! É mágico isso, não é?
Novamente Cynthia ergueu as sobrancelhas,mas dessa vez não disse nada sobre o assunto.
-Vamos amor...ficamos muito tempo aqui.Vá você também atrás da sua garota Ti...é dia dos namorados,lembra?-e lançando beijinhos de despedida para os marotos que ficavam para trás arrastou o namorado pela mão. Tiago lançou um olhar constrangido para o amigo restante antes de dizer:
-Você sente falta da companhia do Aluado ás vezes, não é?
-A-han.Ele é inteligente.- respondeu Pedro, dando de ombros.Tiago rolou os olhos, desistindo de tentar fazer a conexão entre o companheirismo de Remo e seu nível de QI. Pedro Pettigrew costumava falar coisas sem nexo,afinal de contas.


E lá estava ele.Lindo; lindo como sempre fora...e como provavelmente sempre seria.Esperando; esperando por ela.Como sempre fizera...e como provavelmente sempre faria.
Eliza estancou na porta de entrada do bar e focalizou os olhos negros do primo-que rapidamente encontraram-se com os seus.Não podia mais se mover...simplesmente não conseguia mais se mover.Um turbilhão de lembranças e sentimentos que ela julgava mortos iam a conquistando de surpresa,e ela não parecia poder fazer nada para contê-los.Na verdade, não queria contê-los.
O momento de contemplação durou longos minutos, até que,sem mais poder esperar, o rapaz levantou-se da mesa onde estava e dirigiu-se para Elizabeth, decidido.Conforme a proximidade crescia ambos ficavam mais emocionados, até que, incapaz de se manter firme, a moça permitiu que lágrimas escorrecem de seus olhos claros. Ela correu para abraçar o pescoço de Richard; ele, por sua vez, envolveu-a pela cintura, abraçando, apertado e erguendo-a do chão.
Muitas pessoas que se encontravam nas mesas próximas voltaram-se para observar a cena, curiosos.Era como se os dois fossem completos estranhos que haviam decidido abraçar-se voluntariamente, já que não haviam trocado sequer uma palavra.O que ninguém ali sabia era que para aqueles dois jovens um olhar, um silencio e todo um sentimento podiam falar mais do que mil palavras.E aquele abraço supria a necessidade de qualquer palavra.
Sirius admirava aquele reencontro familiar de um sigiloso camarote: às sombras da mesa mais distante, esquecida e camuflada por pessoas do Aliança Três Vassouras. Um abraço apertado até que era compreensível, concluiu ele, forçando-se a se sentir mais seguro – o que pareceu não ser o suficiente, pois suas mãos agilmente meteram-lhe um cigarro fumegante nos lábios.
Ele deu uma tragada profunda, permitindo que a nicotina fosse absorvida ao máximo para liberar em seu sangue um hormônio relaxante; seu calmante natural...afinal qualquer coisa serviria no momento. “Só mais um pouquinho; vamos ver que tipo de cafajeste ele é...depois eu caio fora.”-prometeu o rapaz a si mesmo, agora soprando a fumaça para fora dos pulmões sufocados (seriam mesmo seus pulmões que estavam ser ar ou seria seu apertado coração?)- “Pulmões,Sirius!Decididamente os pulmões!”.
Depois de mais longos minutos em que o casal permaneceu preso um ao outro (bem no meio do Aliança Três Vassouras) e tempo esse suficiente para que o ombro do casaco negro do rapaz ficasse encharcado,eles se desprenderam, relutantes .Com carinho em cada movimento, Richard segurou o rostinho da prima entre as mãos e sussurro:
-Você está tão linda,minha menininha...está tão diferente...mas tão igual ao mesmo tempo.-a voz macia do jovem soava como música tocada por harpas de anjos aos ouvidos de Elizabeth, que até mesmo fechou os olhos para poder sentir o calor de suas mãos em seu rosto.
-Eu...eu te amo tanto,primo!Tanto,tanto,tanto...-exclamou ela finalmente , voltando a abraçar-se a ele aos soluços.
Com um sorriso, ele acolheu as pequenas mãos da moça nas suas para beijar cada uma delas com ternura.
-Venha...quero te mostrar uma coisa.Vai demorar um pouco...não tem ninguém te esperando,não é?A Kath ou alguma de suas amigas?
-Tem...não...quero dizer,tem mas...não tem...sabe?
Richard ergueu as sobrancelhas adotando um arzinho extremamente “Adams”.
-Tem,mas não é nenhuma das meninas...é...é o meu na...meu amigo.Um Black.
-Um Black,princesinha?-repetiu Richard, a voz alterada.
-É uma longa historia...mas acho que vocês precisam se conhecer...ele não vai gostar se eu sumir sem avisar...e...
-Não vai gostar,Elizabeth?Quem é ele para gostar de alguma coisa que...
-Vem aqui!Vamos procurar ele...não é difícil de achar!-e puxando o rapaz pela mão,Eliza dirigiu-se a um grupo próximo de garotinhas eufóricas, que ao notarem sua aproximação tornaram-se ainda mais escandalosas.
-Meninas?Viram o Black por ai?
-Oi Eliza!
-Você esta linda hoje!
-Quem é esse moço com você?
-O Sirius ainda te ama?
-Vocês não vão passar o dia dos namorados juntos,amiga?-foram esses os cumprimentos das quatro garotas infantis e sorridentes.
E com uma falsidade estampada em cada músculo do rosto, Eliza reforçou:
-O Black?
-Ah sim...está ali!-e juntas apontaram para uma mesa onde, num cinzeiro, quatro cigarros suspiravam seus últimos momentos de vida enquanto Sirius acendia magicamente um quinto companheiro fumacento. Seus olhos cintilavam inquietos; suas feições reprimiam algo misteriosamente angustiante; seus dedos tamborilavam impacientes; sua atenção estava voltada para a janela mais próxima.
Com total desaprovação, a grifinória arrastou Richard até a mesa onde o namorado encontrava-se e, sorrindo, exclamou:
-Tá ai,Black.Você não queria tanto ver ele?Esse é o Richard,meu priminho!-e em seguida voltando-se para o outro,finalizou-E esse é o Black.Sirius Black.
-Um Black...hum...interessante.Prazer,Black.-e educadamente o jovem Adams estendeu a mão para o maroto.
-Sinto muito, eu gostaria de dizer o mesmo.- rosnou Sirius entre dentes, sem mover um músculo. Sentiu ganas de cuspir na mão de Richard,mas algo divino devia tê-lo contido no momento.
Fitando o outro friamente Richard recolheu a mão esboçando um sorriso irônico nos lábios.
-Bom princesa, já conhecemos seu amigo.E educadamente comunico a ele que vou te levar para passear...se ele permitir,é claro?
-Ah sim...Black.O Richard quer me mostrar...
-Eu não sou surdo.-cortou ele rispidamente, ardendo de raiva como uma bomba prestes a explodir. Era como se uma contagem regressiva silenciosa ecoasse em sua mente a cada gesto ou respirar de Richard...sendo que o zero se aproximava.
Bruscamente o outro apoiou-se na mesa, fitando Sirius nos olhos:
-Você pensa que é quem pra falar com ela assim,moleque?
-Rich...está tudo bem, vamos.Ele é assim mes...
-Ah,ele pode ser como quiser, mas ninguém fala com você desse jeito sem escutar algumas recomendações antes!
-Então eu sou ninguém.- concluiu Sirius, erguendo-se ferozmente. Seus olhos frios dirigiram-se para Eliza no momento seguinte.-Não sou, Elizabeth?!
-Se está dizendo que é...
-Sim,podia até ser.Mas agora não é mais.Você não vai mais falar com ela desse jeito moleque, nunca mais. Entendeu?!-e pegando nas mãos da prima Richard falou em tom definitivo, vitorioso-Ótimo!Bom dia,rapaz.
- Adeus!- resmungou ele, retirando-se apressadamente.
Delicadamente, Elizabeth recolheu sua mão num murmúrio de “Me espere aqui,um segundo!”, para literalmente sair correndo atrás do maroto.
Uma vez fora do bar, a moça voltou os olhos para os dois lados da rua cheia, e encontrando-o a uma distancia considerável,gritou: “Sirius!Espere...”.
Ele parou.Ela rapidamente o alcançou, e parando ao seu lado buscou uma de suas mãos para apertar.
-Desculpe.Eu sei que...desculpe.
Ele olhou incrédulo para a jovem (na melhor e mais fina das descrições):
- Desculpe?!-repetiu, afoito.-Elizabeth, o que foi aquilo?! Você tem idéia do que acabou de fazer?!
-Eu não fiz nada...ele fez,você fez.E foi só.Estou pedindo desculpas por não ter te deixado vir comigo..mas na verdade,eu sabia que você viria do mesmo jeito.
-Não fez?Hum, que tal me transformar em amigo?!Em Black?!Em um grande e sonoro “não”?!Me solte!- bufou, puxando a mão de volta.
-Foi você que quis isso,Black.E eu não falei mais do que a verdade...afinal,você é o que?Que eu saiba é Black ainda...e não estava me esperando já que sabia que eu iria me encontrar com ele.-Eliza o puxou pelos ombros para que saíssem do meio da rua e foi largá-lo próximo a um muro.-Mas tá vendo como você é errado?E depois diz que confia em mim...que tipo de relação é essa,Black?
Os olhos de Sirius arregalaram-se como se estivessem mirando uma terrível assombração. Em seguida, ele passou as mãos pelos cabelos,puxando-os para trás em sinal de desespero:
-Minha nossa, eu é que te faço essa pergunta,garota! Que tipo de relação você imagina que eu pretendia ter? O que diabos você quer,ou queria,afinal? Não percebe o que você acabou de fazer?! Que loucura, assim não dá! Você vai me matar um dia!
-É o tipo de relação que você estabeleceu.Já percebeu que é sempre assim?Ou estamos brigando ou estamos brigando!Não sei o que diabos acontece,mas sempre estamos nervosos um com o outro, e isso não faz nenhum bem para nós dois.Eu já abri mão de muita coisa pra você, por você...e o que você fez?Estamos sempre tentando fazer com que as coisas dêem certo, mas parece que elas nunca dão...então por que insistimos?Você não confia em mim...na verdade,não confia em ninguém.Você diz que me ama, mas receio que isso esteja te consumindo até a alma, e para se livrar da culpa você a joga em cima de mim...
-É isso, já chega!- urrou Sirius, descontrolado.- Vá pro inferno Elizabeth, e leve seu querido primo debaixo da sua saia! Eu cansei de ser feito de palhaço, finalmente!
-Tá!! É isso mesmo que você quer,Black?É definitivo?!-gritava ela de volta-Por que eu também não quero ser palhaça, não quero mais alimentar esperanças em cima de um sentimento que não tem futuro...e se você acha que é a melhor solução nós jogarmos todos esses esforços e todas essas mudanças no lixo, e apagar tudo,eu só posso concordar e mudar o rumo da minha vida.-Eliza encontrava-se inacreditavelmente exaltada. A única parte de seu corpo ainda muda eram os olhos, que o encaravam profundamente.-Mas as vezes em que isso aconteceu nós voltamos atrás...por que...porque é como se já não pudéssemos mais viver sem a presença um do outro em nosso dia-a-dia...e eu não sei o que podemos fazer para mudar isso...se é que precisamos mudar.
Um grito, passos, um soco, um gemido, tudo passou ao mesmo tempo pelos nervos do rapaz. Vontades infinitas foram criadas por seu cérebro,mas no meio de tantas ordens, Sirius conseguiu seguir apenas uma...


Remo tremia dos pés à cabeça quando puxou uma cadeira para que Cynthia se acomodasse. O ritmo frenético de seu coração chegava a assustar ;ele parecia sentir ganas de escalar a sua garganta,alcançar sua boca e dai dar um pulo para fora, pulsando sem parar. Remo sentou-se diante da moça. Não podia correr o risco de perder tal órgão vital, pois caso o fizesse não teria condições para falar o que pretendia falar...
-E então,amor...pode falar!-suspirou a mocinha o encarando.
-Falar o que?-embaçou ele, assustado em perceber que a moça notara sua inquietação.
-Ué...não sei!Você que está meio inquieto, diferente...estou até meio preocupada.-e preparando-se para escuta-lo,Cynty pousou as mãos sobre a mesa. Remo suspirou, tentando expirar seu nervosismo para longe.
-Eu queria te falar uma coisa antes de dar o seu presente.- e forçando um sorrisinho,Lupin completou mansamente.-É, eu comprei uma coisinha para você.
A moça apenas retribuiu o sorriso,mas permaneceu muda , esperando que o namorado fosse objetivo.
Remo fechou os olhos para em seguida reabri-los lentamente, buscando coragem:
-Você sabe no que eu me transformo uma vez por mês, não sabe Cinty?-sua voz parecia-se mais com um lamentoso sussurro que custou a ser ouvido.
-Hummm...sei.
-E você já parou pra pensar no que isso significa,amor?-perguntou ele, agora mais aflito, os olhos castanhos pregados nas feições da moça,buscando compreensão.
Cynthia ergueu as sobrancelhas. Remo deu continuidade ao raciocínio:
-Eu queria que você soubesse que eu não quero fazer você sofrer...eu não queria compartilhar o que eu passo com mais ninguém Cinty,porque ninguém merece isso, muito menos você!-ele voltou a baixar o tom de voz, sem notar.- Ter uma vida dupla como a minha causa problemas não só para mim,mas para todos que estão ao meu redor...por isso eu sou tão grato ao nosso diretor,sabe? Você esta entendendo aonde eu quero chegar?
-Estou.E não precisa me enrolar...pode ser direto,Lupin.-os olhos azuis de Cynthia ,aos poucos,começaram a marejar, e sua vozinha, que já não era lá muito firme,passou a falhar em certos pontos-Não vou me negar a terminar com você, mas nem por isso quero lhe dizer que estou concordando com sua opinião.Só acho que é egoísmo você se poupar de ser amado e também de amar por causa de algo como isso...e depois de tudo que eu fiz,eu passei por cima de toda uma vida,Lupin!Eu passei por cima da MINHA vida...por você.
-Eu não quero terminar com você!-adiantou-se Remo,desesperado.-Por favor,deixe eu terminar...-ele fez uma pausa para que ambos se acalmassem. Antes de prosseguir, desviou os olhos.– O que eu queria dizer é que se ter um lobisomem em casa uma vez por mês, e se todas as conseqüências disso não forem um problema pra você...- e vagarosamente Remo enfiou uma das mãos no bolso interno do casaco,voltando com uma caixinha pequena,negra, de veludo macio e cintilante.-Meus pais usaram isso um dia...depois da nossa formatura pode ser a nossa vez,você não acha?- e Remo, finalmente, estendeu na direção da garota o misterioso presente,tremulo, é verdade,mas confiante.
Atônita,Cynthia recolheu o presente e com delicadeza abriu a pequena caixa em suas mãos.Imediatamente lágrimas leves passaram a escorrer por sua face alva, então, com o olhar mais terno que um ser vivo já lançara a outro,a moça sussurou:
-Eu te amo.
-Você gostou?-indagou ele com alívio, encaixando a nova aliança no dedo delicado da namorada. A prata do antigo anel parecia muito ultrapassada perto daquele novo e dourado futuro...
Como resposta a jovem aproximou-se de Remo e beijou seus lábios ardentemente,abraçando-se fortemente ao rapaz. Fechando os olhos com o calor daquele abraço, o maroto permitiu que aquela grandiosa sensação afundasse suas palavras e receios para sempre. Se houvesse problemas em sua resolução, Remo iria se preocupar com eles numa outra hora. Aquele momento não merecia reflexões.


Ele voou para frente, imprensando-a contra o muro com a mesma intensidade que faria um drogado em extrema exaltação. Beijou-a como se aquele fosse o último dia de suas vidas, como se tudo estivesse para acabar em instantes, num suspiro, num sopro, no arrastar sonoro e pesaroso de sua alma. Comprimiu-se contra ela mas,ainda assim,manteve-a confortável em seus braços quentes. Sentia uma barreira de vidro estilhaçar-se dentro de sua mente, e penosamente, com uma brutal e cansativa falta de ar, se afastou.
Ela o fitou,confusa.
-Apenas volte o mais cedo possível, e não se esqueça de dizer para ele o que nós realmente somos pra você. Ah...e hoje é Dia dos Namorados. Não me deixe esperando por muito tempo.
Uma lágrima escorreu dos olhos de Eliza, que tomou mais uma vez uma das mãos do jovem, murmurando:
-Vamos...você vem comigo.
-Tem certeza? –perguntou ele, tentando esconder a satisfação que era poder vigiar o engomadinho de perto.
-Seja educado...eu entrego nas mãos de Deus!-e com um sorrisinho confiante ela finalizou-Vai dar tudo certo...
- Agora eu sei que vai.- sorriu Sirius de volta.
O casal voltou para a companhia de Richard, Sirius fazendo questão de segurar a mão de Eliza bem apertado, sorrindo triunfante.
-E então,priminha você vai dispensar o meu passeio?-sibilou o rapaz,fitando o casal, extremamente sério.
-Não,primo.Mas acho que deveríamos ir todos juntos...-Elizabeth parecia ligeramente constrangida,porém, decidida.
Richard não esperou que a moça dissesse mais nada.Apenas ergueu-se e passando rapidamente pelo casal,murmurou:
-Nos vemos em uma próxima vez,Eliza...cuide-se.-e depositou um beijo carinhoso na testa da moça,retirando-se apressadamente em seguida.
A jovem baixou os olhos,ligeiramente decepcionada, mas não disse nada para impedir a partida de Richard.Sirius era o único ali que parecia extremamente realizado:
- Dessa vez eu não fiz nada. Bem, podemos ir?
E com um aceno de cabeça e um leve sorrisinho,Eliza puxou o maroto para que saíssem do bar.


Tiago,por outro lado, irradiava confiança. Diferente de Remo, o maroto dedidiu levar a namorada para um passeio diante de vitrines aleartórias-pois sentar-se num bar e pedir uma bebida lhe soava muito clichê, talvez,clichê demais para uma tarde de Dia dos Namorados com Lílian Evans.
Enquanto caminhava serenamente, arrepiando os cabelos de hora em hora, ele admirava Lily com a mesma intensidade com que ela observava os objetos e artefatos expostos por detrás do vidro. Seu silêncio era impaciente e carinhoso. Quando a ruiva parava, ele também o fazia-na esperança de que ela tivesse algo em mente para comprar. Mas não. Lily sorria e voltava a caminhar; Tiago suspirava e a acompanhava. Incrível como as garotas conseguiam ser tão indecisas!
-Tiago...preciso falar uma coisa!-despejou derrepente a ruivinha,parando de frente para o rapaz afim de o encarar. Tiago apoiou-se na vitrine atrás de si,fixou os olhos em Lily e aguardou,contendo a curiosidade.
-Olha...eu sei que já deveríamos ter tido essa conversa antes, mas é que eu não sabia muito bem como começar...e pensei bastante...vi que não há dia melhor do que hoje pra falar...-Lily falou pausadamente ,fitando Potter com uma sinceridade sem tamanho, seus olhos verdes passando a certeza de que podiam se explicar antes de qualquer palavra.
-Sim, Lily?
-Tiago...você...você ainda tem alguma raiva de mim, sabe, por causa das coisas que eu falava e fazia com você?-as palavras saíram claras, mas estava evidente que aquilo não era a única coisa que Lílian pretendia lhe falar.
Tiago soltou uma risadinha:
-Claro que não, Lily! Aquele foi um dos motivos que me fizeram ser vidrado por você.
Com um novo sorriso,a moça então continuou:
-É...acho que foi isso mesmo que me fez gostar de você também.Mas Ti...quero muito saber se você sabe o quanto você é importante pra mim, o quanto eu gosto de você...e também o quanto as coisas mudaram na minha vida depois que passamos a namorar.
Tiago abriu um sorriso ainda maior no rosto. Era a pimeira vez que a ruivinha falava daquela maneira,por isso o rapaz não ousaria interromper.
-Não estou dizendo que é tudo perfeito...não,claro que não.Mas,pouco a pouco, a sua presença foi tornando meus dias mais bonitos...isso sem que eu percebesse!E agora...eu sei que não é que eu não sobreviveria se você não tivesse aparecido na minha vida, mas que eu não sobreviverei se você sair dela.-a jovem Evans buscou as mãos do namorado, a atenção fixa nele,esperando uma reação, que demorou, mas veio, finalmente...
Tiago inclinou-se, molhou a testa de Lily com um beijo lento, e declarou:
-Eu também te amo, ruivinha.
E sem esperar mais nada,Lily dirigiu-se para os braços do moreno, apertando-se contra ele e beijando seus lábios docemente. Tiago retribuiu por muito tempo, comprimindo-a contra seu corpo a cada beijo ou carícia, toque ou murmúrio.

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