Na biblioteca
Gina já estava começando a se acostumar com sua "nova vida social". Seus contatos cresceram muito, não passava no corredor sem cumprimentar alguém.
Comentários da Sonserina também se faziam ouvir, mas ela nunca prestava atenção. Sabia que não havia nenhum sonserino que valesse o ar que respirasse. Não valia a pena dar ouvidos aos comentários, certamente maldosos, vindos da parte deles.
Principalmente de Malfoy, que a encarava desdenhoso quando passava por ela nos corredores.
E os garotos também já se mostravam mais simpáticos: Ernesto McMillan, um garoto da Lufa-Lufa, que antes sequer a cumprimentava, se oferecia freqüentemente para carregar seus livros. Robert Smith, um garoto da sua idade da Corvinal, sempre tentava puxar conversa durante as aulas de Feitiços. Ela ouvia falar coisas do tipo: "Gina, o Scott Grey, da Lufa-Lufa, está muito afim de você! ele mesmo me contou... perguntou se eu podia fazer alguma coisa para ajudar... então, o que você acha dele?", ou então "Sabe aquele gatinho da sua casa, o Greggory Johansson? Me perguntou se você tinha namorado. O que eu digo?", e ainda "Como foi que você teve coragem de dar um fora num gato daqueles?".
De vez em quando, ela parava para pensar. Não parecia ela mesma. Cada vez mais popular, com garotos se arrastando a seus pés, simplesmente porque mudou seu cabelo e suas roupas!
Ela adorava isso!
**
E assim o tempo passou. O Prof. Binns marcou uma redação de um metro e meio sobre a Revolta dos Duendes, valendo 40% da nota final.
No mesmo dia, Gina estava na biblioteca, cercada de livros empoeirados, tentando encontrar alguma coisa interessante para preencher as últimas linhas. Estava tão concentrada que não percebeu que estava sozinha no local, exceto por um rapaz, que entrava neste exato momento.
Vendo Gina sentada sozinha, no fundo da biblioteca, achou que essa seria uma boa oportunidade de irritá-la.
Ele tinha um charme natural, e sabia disso. O sorriso desdenhoso, permanentemente em seu rosto, combinava perfeitamente com seu jeito arrastado de falar. O rapaz tinha um ar misterioso, também natural, que o fazia muito atraente.
Foi se aproximando devagar da cadeira à frente de Gina, arrastou-a para trás para abrir espaço e sentou-se.
- Fazendo os deveres, Weasley?
- O que você quer, Malfoy? Eu estou ocupada, não está vendo?- a mera presença dele a deixava profundamente irritada. Então, ele abriu aquele sorriso debochado que ela simplesmente não suportava e disse:
- Calma, Weasley! Não fica muito bonito falar grosseiramente, agora que você está parecendo uma garota mesmo, também tem que falar como uma.
- Escuta aqui, você não tem nada melhor para fazer, não? Porque eu tenho. Não posso perder tempo com as suas piadinhas ridículas de sonserino recalcado.
Nisso, ele amarrou a cara. Sempre tivera total convicção de que a Sonserina era a única casa que prestava em Hogwarts, a única que de fato tinha pessoas com um bom nível de convivência. E não seria uma aspirante a patricinha pobretona da Grifinória que insultaria a honra de sua Casa.
- Definitivamente, você não tem certas noções, Weasley. Para começar, no meu tempo as pessoas chamavam recalque a uma coisa bem parecida com o que você fez. Não suportou levar um fora do "Santo Potter", e achou que se começasse a parecer uma garota, a agir como uma garota, ou melhor, agir como uma certa Cho Chang teria ele de volta. Mas, que pena! Acho que até agora não surtiu resultado, não é?- e o sorriso de desdém retornou a seu rosto.
Gina estava boquiaberta. Ela sentia os olhos cinzentos de Malfoy dentro dos seus, ela podia sentir que ele sabia sobre o que estava falando. Mas como ele poderia saber disso? Ela não comentara sobre isso com ninguém. Porque, por mais que quisesse negar para si mesma, ela sabia que as reais intenções do que ela tinha feito eram, de fato, tentar fazer Harry reparar nela. E, também de fato, ele não estava reparando. Tudo o que Malfoy falara era a mais pura verdade.
E foi exatamente por isso que ela se enfureceu.
- Olha, eu nem sei porque eu ainda estou aqui perdendo o meu precioso tempo com você, Malfoy!- ela estava quase gritando.
- Por que você sabe que tudo o que eu falei é verdade!- ele estava gritando, quando a interrompeu.
- Não é!- ela não sabia o que dizer, nada vinha a sua mente, ela se sentia presa contra uma parede. Com um suspiro, concluiu: - Quer saber? Pense o que você quiser. Eu realmente não me importo com isso. Você não tem nada a ver com a minha vida, mesmo. Por que eu te deveria explicações?
Malfoy apenas alargou o sorriso. Gina suspirou novamente.
- Eu não tenho mais tempo para perder com você, Malfoy. Se você não tem nada melhor para fazer do que encher a minha paciência, eu tenho coisas muito mais importantes para fazer do que escutar as suas ladainhas.
Dizendo isso, ela levantou-se e dirigiu-se ao corredor entre as estantes, que levavam à porta da biblioteca. De tão brava que estava, não mediu força ao puxar a maçaneta para baixo, o que lhe causou um repuxo no músculo do braço, sendo que a porta permaneceu imóvel.
- Ai!!!- ela gritou, involuntariamente.- Era só o que faltava! A porta emperrar!
Vendo-se sem escolha, retornou ao final do corredor, onde Malfoy ainda estava sentado.
Ele, novamente com um sorriso estampado no rosto. Mas dessa vez não era um sorriso de desdém. Era um sorriso divertido.
A simples mudança da expressão de um sorriso mudou completamente a fisionomia do rosto dele. Gina ficou surpresa ao vê-lo sorrir espontaneamente. Não parecia, nem de longe, ser Draco Malfoy sentado ali.
Ela nunca pensara que ele era capaz de sorrir. Um sorriso sincero. Gina nunca realmente parara muito tempo para pensar sobre ele, nunca o considerara humano, de qualquer forma. Ele era sempre tão desprezível, que nunca havia passado pela cabeça da menina que ele também tinha sentimentos. Ou, pelo menos, deveria Ter.
Ela ficou ali, encarando-o, por um momento. Ele pareceu não perceber, pois o sorriso não saía de seu rosto. Estava distraído demais rindo do machucado dela. O que era bom, afinal, se ele visse que Gina o estava fitando, e realmente vendo, causaria uma situação constrangedora apenas para ela; porque ele não parecia o tipo de pessoa que se constrange facilmente.
Percebendo a sua posição, Gina logo amarrou a cara, e falou, rispidamente:
- A porta emperrou. Veja se faz pelo menos uma coisa útil nessa sua vida miserável e abre ela pra mim.
- Por quê? - continuava com o sorriso divertido. - Eu não tenho nada a ver com a sua vida, mesmo.
- Ggggrrrrrrrrrrrr!!!!!!!- foi o único som que ela conseguiu pronunciar. Como uma pessoa conseguia ser tão irritante assim, sozinha?
Ele deu risinhos, também divertidos, e falou, enquanto se levantava:
- Não se preocupe, Weasley, eu abro a porta para você. pedindo desse jeito, quem pode resistir? E além do mais, eu também já tenho que subir.
Revirando os olhos diante da primeira afirmação, ela seguiu-o por entre as estantes, até chegar à porta.
- Mas será que nem uma porta de biblioteca você consegue abrir? Por favor, Weasley!
- Não enrola, Malfoy! Abre isso de uma vez para eu poder subir e não precisar mais olhar apara essa sua cara!
- Preste bem atenção: - ele colocou a mão direita na maçaneta e gesticulou com a mão esquerda, apontando para a porta. - é assim que se faz.
Puxando a maçaneta para baixo, ele empurrou a porta para fora, para fazê-la abrir. Mas ela não se mexeu.
- "Preste bem atenção: é assim que se faz..."- Gina o imitou com uma vozinha infantil e irritante.- Muito bem, Senhor das Fechaduras! Depois sou eu que não consigo abrir portas...
- E por um acaso você conseguiu?- tinha um tom irritado na voz. - Se você souber algum jeito de sairmos daqui, por favor, me diga! Não pense que eu gosto mais de olhar para a sua cara mais do que você gosta de olhara para a minha!
- Onde está a Madame Pince?- Gina ignorou-o. - Ela deve saber como abrir.
Draco começou a andar por entre as estantes, vendo se encontrava a rabugenta bibliotecária. Gina fez o mesmo, pelo outro lado do aposento.
Então, Draco foi até a mesa de Madame Pince. Olhou o relógio, e em seguida chamou:
- Más notícias, Weasley: são dez e meia. A biblioteca já está fechada a meia hora.
A expressão no rosto de Gina fez Draco perceber que, assim como ele, a menina não estava nem um pouco contente com a notícia. Ela parecia desnorteada.
- O que fazemos agora?
- Acho que temos duas opções. Primeira: gritamos como dois desesperados até alguém, possivelmente Filch, nos encontrar aqui, abrir a porta e nos dar detenções. Segunda: dormimos aqui, e pela manhã, quando a biblioteca abrir novamente, saímos sem que ninguém perceba que um dia estivemos aqui. Eu, particularmente, prefiro pegar uma detenção a Ter que te agüentar por uma noite inteira. E você?
- Prefiro um grito de mandrágora a Ter que escutar a sua voz de novo! Quero dizer, você realmente acha que Filch vai nos escutar? Ele nem passa perto da biblioteca à noite. Está sempre perto das entradas secretas das Casas, para ver se alguém sai a passear pelo castelo, ao invés de dormir.
- Você parece Ter uma grande experiência com fugas noturnas... - ele novamente sorria.
- Não enche, Malfoy. A última coisa que eu preciso agora é você dando uma de engraçadinho para o meu lado!
- Nossa, que stress! Tá nervosa? Vá pescar!
- Não enche! - o grito dela ecoou pelo local.
- Bom, acho que não temos escolha, mesmo. Vamos Ter que dormir aqui.
- "Vamos"? nos seus sonhos! Você vai dormir de um lado da biblioteca, e eu do outro. E de preferência, finja que eu não estou aqui.
- O prazer é meu, Srta. Weasley.
Assim, cada um dirigiu-se para um lado do aposento. Gina preferiu se acomodar entre duas estantes próximas, até mesmo para ficar o mais longe possível de Malfoy. Ele fez a mesma coisa, com estantes de outro setor de livros.
Draco, para sua sorte, segurava sua capa grossa com o brasão da Sonserina, que trazia da lavanderia na hora em que decidiu entrar na biblioteca. Ele deitou-se no chão e se cobriu com ela, dando as costas para Gina.
Já ela, que estava em frente à lareira na Sala Comunal, nem preocupou-se em pegar um casaco, pensando que não demoraria muito para retornar ao dormitório. Infelizmente, ela se enganara, e agora tiritava de frio.
O choque térmico que o chão de pedra gelado causou em seu corpo quando ela deitou-se, também de costas para Draco, só fez aumentar o frio, a ponto de ela bater o queixo involuntariamente, por mais que tentasse controlar esse reflexo.
O barulho de seus dentes se chocando ecoava pela enorme biblioteca, fazendo um barulho ritmado e irritante.
A menina se encolhia cada vez mais, mas o frio parecia apenas aumentar. Sem dúvida, ela passaria a noite em claro tentando se aquecer em vão, e quando amanhecesse, e chegasse a hora de eles saírem do lugar, ela cairia no sono de tão cansada, levando uma detenção na certa.
Mas não conseguia pensar nisso. Não conseguia pensar em nada, tamanho era o frio que sentia. Sentia, de certa forma, pois a essa altura, Gina já havia perdido a sensibilidade nas mãos, nos pés e no nariz.
- Ô Weasley, você vai continuar com isso a noite inteira?
- Não... enche... Malfoy...- ela tiritava a cada palavra, mal conseguindo falar.- Vê se... dorme... e me deixa em paz!
Draco sabia que o tiritar dos dentes dela era de frio. Sabia o que deveria fazer, como o cavalheiro que ele tinha consciência de ser, mas sua mente estava dividida.
O calor de outro corpo humano o ajudaria a esquentar-se, mas por outro lado, era Gina Weasley quem estava ali. A pobretona chata e insuportável, uma das únicas garotas das quais Draco não suportava escutar o nome. A outra era Hermione Granger, naturalmente.
Além de que, por mais que seu orgulho fosse contra, ele sentia-se culpado por Ter uma capa suficientemente grande para os dois e não oferecê-la à garota, que estava realmente passando frio.
Antes que mudasse de idéia, ele levantou-se sem fazer barulho e, sem uma palavra, simplesmente cobriu a menina com sua capa, virando as costas novamente logo em seguida, e voltando par ao outro lado do aposento, para deitar-se no mesmo lugar.
Gina demorou alguns segundos para entender o que se passava. Só o que sentiu foi uma coberta já aquecida por cima de suas costas. Então, abriu os olhos, percebendo que era uma capa. Deu um sorrisinho silencioso, aliviada por livrar-se do frio, se não todo, uma boa parte dele.
Foi então que ela viu o brasão da Sonserina bordado do lado esquerdo, e finalmente assimilou o que havia acontecido naqueles poucos minutos.
Repentinamente tímida, sentiu que deveria dizer alguma coisa, agradecer o que ele fizera por ela. A menina estava novamente surpresa. Um gesto daqueles, vindo espontaneamente de Draco Malfoy, o cara que a nem uma hora atrás a estava chamando de pobretona, feia, etc...
Ela estava começando a acreditar que talvez existisse, de fato, uma parte, pequena, é verdade, de humanidade naquele garoto, que de longe parecia tão cruel e insensível.
Isso tudo a confundia: em menos de meia hora, aconteceram coisas que a colocaram em uma situação absurda: Primeiro ela fazia seus deveres, na dela, então chega Malfoy, eles discutem e se xingam. Ela tenta abrir a porta e ele descobre que estão presos na biblioteca até o amanhecer do outro dia. Gina o odeia cada vez mais, não suporta sequer ouvir sua voz; então eles decidem dormir por ali. Ela quase morre de frio, quando ele, espontaneamente, priva-se de sua capa para que ela pudesse se manter aquecida. E ela estava achando aquela atitude muito fofa!
Então, surgiu um estalo em sua cabeça: quem estava com frio, dessa vez, era Malfoy. Ele não hesitara em entregar-lhe sua capa, mesmo que ele próprio precisasse sentir frio. Definitivamente, não era ele quem estava ali.
Mas isso não importava. Gina não podia deixá-lo congelar ali.
O problema era: haviam duas pessoas e uma capa. A solução era clara, e ela sabia, que por menos que quisesse fazer isso, não havia outra saída.
Desta vez, quem atravessou o corredor da biblioteca foi ela, levando a capa, onde ela pôde perceber que cabiam duas dela dentro, consigo.
Draco estava deitado, ainda de costas, visivelmente encolhido por causa do frio.
- Malfoy. - Gina superou sua timidez com um fiozinho de voz, quase um sussurro. - Muito obrigada pela capa.
Assim como ela, Draco demorou alguns segundos para perceber que ela estava ali.
- De nada. - disse ele, já um pouco sonolento.- Mas agora durma. Precisamos acordar antes de Madame Pince nos encontrar aqui.
Sem proferir uma palavra, ela deitou-se ao lado de Malfoy, cobrindo-se com metade da capa, e oferecendo a outra metade para ele.
Draco a olhava sem compreender o que ela estava fazendo. Encarou-a com o cenho franzido, e uma expressão interrogativa no rosto.
- Se não estiver com frio, é só me avisar, Malfoy. Eu não vou me importar em ficar com a capa toda pra mim.- disse Gina, percebendo a reação dele.
Ao terminar de falar, ela percebeu que sorria. Desmanchou o sorriso aos poucos, enquanto outro sorriso aparecia, no rosto de Draco.
- Obrigada, Weasley.- ele a encarava, com um sorriso lindo.
Nisso, Gina não pôde evitar prestar atenção. Ele tinha um sorriso muito bonito, o qual seus olhos acompanhavam. Aquele pequenino sorriso que ele lhe dirigia conseguia iluminar seu rosto de tal forma que chegava a intrigar.
E provavelmente, ele não sabia, pois Gina nunca vira Malfoy sorrindo daquele jeito. Todos os sorrisos que ele já lhe dirigira eram todos cheios de deboche e desdém. E agora, ali estava ele, encarando-a, com um aquele sorriso que a contagiou.
- De nada. - Gina sorriu novamente, deitando-se e virando-se de costas para Draco, enquanto ele fazia o mesmo.
Gina nunca chegou a saber se já estava dormindo, sonhando, quando escutou aquilo, ou se realmente Malfoy dera seu atestado de humanidade. Com os olhos fechados, ela escutou, bem baixinho:
- Boa noite.
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