Capitulo 4



Capitulo 4 

                                                  XXX--XXX

 


A mansão Potter dominava a parte sul da pequena ilha e alardeava claramente a grandeza do antigo domínio que exercera nos arredores. A estrada corria ao longo da costa fustigada pela chuva, e em dias de sol deveria proporcionar uma linda visão do continente, mas de repente se estreitava e entrava numa floresta silenciosa de pinheiros que bloqueavam o céu nublado.


 


 Só quando acabava de fazer a última curva da subida da colina, a casa apareceu em toda a sua glória, no topo cuidadosamente aplainado e ajardinado, de onde se via o oceano. Hermione sempre vivera em casas maravilhosas, mas ficou impressionada ao ver o que Harry, com a moderação típica da elite da Nova Inglaterra, chamara de chalé de verão.


 


Como as casas do mesmo tipo, pertencentes aos membros da mesma camada de sangue azul de Harry, esta também tinha um nome, Scatteree Pines, um capricho que bem conhecia e que se tornava evidente na placa pendurada ao lado da entrada. Hermione pensou que aquele também era o seu mundo. Então, por que se sentia tão deslocada e nunca se encaixava? Era uma boa pergunta.


 


A chuva batia no teto do carro e o ritmo dos limpadores de para-brisas ressoava na sua cabeça e no seu sofrido coração. Não sabia que tempestade era pior: a de chuva e vento, do lado de fora do carro, ou a mais destrutiva, que a inundava por dentro. Mas não queria pensar no assunto. Ela deixou o carro engasgar e parar ao ver a silhueta da casa que se erguia orgulhosamente por entre as sombras da noite chuvosa, e se perguntou por que ficara admirada como um rato do campo ao fazer seu primeiro passeio, como se não tivesse crescido numa enorme mansão remanescente do período de colonização de Manhattan. Talvez porque esta fosse tão isolada.


 


Scatteree Pines ficava no topo da colina, dando vista para o Atlântico e costas para o vilarejo. Não era como a casa de veraneio dos Granger em Newport, localizada estrategicamente num lugar frequentado por turistas, construída para impressionar com sua imponência. Mas isso não importava, pensou Hermione. Scatteree Pines não era um pequeno chalé, como Harry não era o homem comum que fingira ser naquele dia, e sim um dos mais ricos do mundo, que vinha de uma longa linhagem que datava das primeiras colônias e, antes disso, da elite mais selecionada da Inglaterra.


 


Era herdeiro de séculos de poder e carregava seu legado com displicente naturalidade em todas as células do corpo sedutor. Precisava se lembrar de que ele sabia como usar seu poder e que o fazia sem remorsos, da mesma maneira que todos que ela conhecia e de quem fugia há oito meses. Porém, enfrentara a chuva para atender à exigência de que fosse jantar com ele, ainda que desconfiasse que o jantar fosse apenas um eufemismo. Sentia-se como uma adolescente nervosa. Fora até ali voluntariamente. Ninguém a forçara ou induzira. Harry simplesmente havia feito um desafio que ela se apressara a aceitar, segundo o preceito de que quanto mais perigoso e destrutivo, melhor. Como poderia explicar?


 


Ele a beijara novamente, antes de sair, pressionando-lhe os lábios com firmeza. Marcando a sua posse, pensara, sentindo um misto de pavor e desejo. E depois se fora, murmurando uma praga e deixando-a trêmula Maldição!


 


Sentada no carro alugado que cheirava a desodorante, Hermione concluiu que o problema da ilha é que não havia para onde fugir. Se não jantasse com Harry, ele iria atrás dela, e seria melhor entrar prevenida na sua toca, que deixar que a surpreendesse na dela... Mas a quem enganava? Ela deu uma risada amarga. Jurara nunca mais mentir para si mesma, por mais tentador que fosse, e sempre encarar a cruel realidade. A vergonha, atual companheira, vinha lembrá-la disso e lhe provocava uma pontada no estômago, mostrando o quanto era fraca. Não era o que constatava repetidamente?


 


Estivera se escondendo durante meses, fugindo do passado e dos antigos comportamentos, dos velhos amigos, da sua história vergonhosa e suja. E estava ficando tão orgulhosa de si... Longe de Manhattan, quase irreconhecível. Eu me impus um exílio, tive coragem de modificar minha aparência. Posso ser diferente, posso mudar. Chegara o mais perto que já estivera da realidade, e era isto que pensava, sentindo-se abatida e ferida, mas também realmente viva, quando Harry, o maior símbolo do seu passado dissoluto, entrara no bar.


 


E oito meses de luta para se encontrar haviam se apagado, como se nada tivesse aprendido. Como podia ter tão pouco autocontrole? Como justificar sua presença ali, naquela noite? Seria como recair no buraco do qual tanto lutava para sair. Era sua primeira prova, e já falhava totalmente. É assim que você é, ouviu a voz do pai sussurrar severa, e temia que fosse verdade. É isso que faz: fracassa, decepciona, e depois erra outra vez.


 


Cobriu a boca para abafar um soluço. Não precisava fazer aquilo. Engatou marcha a ré, mas, antes que soltasse o freio, a porta abriu e iluminou a entrada da casa. Ficou paralisada. Harry estava parado na soleira, fitando-a através do vidro do carro e da tempestade, fazendo com que se sentisse indefesa e tremesse diante do inevitável, de uma ânsia que não entendia. Perdera a respiração, seu coração batia como um tambor. Sabia que precisava ir embora, antes de chorar, de liberar o tumulto que sentia, ele se trair, mais do que já fizera.


 


Porém, ao invés disso, estacionou o carro e desligou o motor. Respirou fundo, enquanto Harry a observava como se soubesse que iria lazer o que ele queria. E se odiava, porque era verdade. Saiu do carro. A chuva parara momentaneamente e o vento trazia o frio cortante do inverno que chegava, o cheiro de maresia, fumaça, pinho e terra. A noite estava escura, mas a casa parecia toda iluminada.


 


Teria preferido a escuridão. Estava cansada de procurar um jeito de se esquivar à luz intensa dos holofotes. Harry estava ali, imóvel, observando-a, e não sabia se ele era sombra ou luz, o que faria com ela, o que ela própria faria depois de ir até ali. Sentia-se atraída, impelida a caminhar até ele por algo profundo e primitivo que repercutia em seus ossos, mas sabia que geralmente as coisas que desejava sempre acabavam por magoá-la.


 


Sabia que Harry esperava superficialidade e fingimento, a versão preferida da fútil Hermione Granger, e era isto que lhe daria, por mais que lhe custasse.


 


— Sem empregados? — perguntou, passando por ele como se desfilasse no tapete vermelho, e não escondida num velho par de jeans, suéter de gola alta e botas que iam até os joelhos. — Estou chocada. Pensei que nobres herdeiros preferissem ser servidos e não esquecessem a própria importância, nem por um minuto.


 


— Deve saber melhor que eu — respondeu Jack secamente. Olhava-a de um jeito que a fazia sentir como se o mundo parecesse balançar. Evitou encará-lo. Nunca fora tão difícil desempenhar o seu papel.


 


Harry trocara apenas a camiseta por um suéter cor de vinho, mas naquela casa, símbolo de quem era realmente, não havia como vê-lo como um homem comum, e ela preferia a versão que vira no bar, em meio aos pescadores, como se isso pudesse torná-lo mais aceitável. Hermione tirou o cachecol e o casaco, ele os pendurou num cabide e convidou-a a segui-lo através de um corredor.


 


A casa seguia o conceito de certas famílias da Nova Inglaterra que viam a própria fortuna como algo embaraçoso e achavam que demonstrações de riqueza eram de extremo mau gosto, mas que, ao contrário de alguns conhecidos de Hermione, faziam doações assistenciais generosas. A família Potter, principalmente o admirável avô de Harry, pertencia a essa categoria. A casa era simples, confortável, bem-cuidada, como mostrava a sala para onde a levara.


 


Pensou que o ambiente bem poderia acolher alguma família que morasse ali permanentemente, e não apenas nos períodos de férias, e que ela não deveria se envergonhar por ter passado intimamente a ansiar por um tipo de vida que não poderia existir para pessoas como os dois.


 


Sentindo-se constrangida e desajeitada, Hermione sentou no sofá e fez a pose lânguida que era uma das suas especialidades. Deveria agradecer a Harry por lhe permitir mostrar-lhe todas...


 


— Uma bebida? — perguntou ele.


 


— Só para você. Prefiro manter a cabeça clara quando cometo grandes erros.


 


— Desde quando?


 


Ela aceitou o golpe que lhe infligira e fingiu que não doera.


 


— É um hábito recente. Não lembra que passei algum tempo em reabilitação?


 


— Sugere que levou tudo isso a sério? — perguntou. — Você?


 


Porque isso seria impossível, pensou amarga. Hermione Granger jamais poderia mudar. Jamais iria querer, e, ainda que quisesse, ninguém deixaria que tentasse. Por que insistia em achar o contrário?


 


— Talvez eu esteja seguindo o seu exemplo. — Forçou-se a encará-lo. — Talvez esteja mudando, recuperando minha imagem e recomeçando do zero, como você.


 


— Não vejo por que se daria a este trabalho — falou irritado, como se não admitisse que ela pudesse dizer a verdade. Fora muito longe. Estava perdida. Era o que também costumava pensar com desespero, mas ao ouvir isso da boca de Harry, algo se revolveu violentamente nela, o que a fez reagir.


 


— Bem... — Por um instante o odiou mais do que a si mesma. — Existe muita coisa que você não sabe, não é?


 


Olhou-a por algum tempo. A tensão entre os dois aumentava e pesava no ar. Ele não respondeu, e nem precisava. Examinava-a com um olhar penetrante e frio, enquanto Hermione se esforçava por conter as emoções que se agitavam e explodiam.


 


— Acho que percebo tudo claramente — disse. — Precisa de outro noivo adequado e acha que pode me manipular para entrar no jogo. Por que não? Já fez isso antes, e sabemos que é muito boa no que faz.


 


Não havia calor na sua voz. Apenas um julgamento frio e uma calma impressionante. Com uma espécie de pânico, percebeu que aquele era o homem no qual ele se transformara nos últimos cinco anos. Ou talvez, o que sempre fora. E nada tinha de cego.


 


— Manipulei você naquele fim de semana? — ela conseguiu perguntar, esquecendo qualquer fantasia de tê-lo como noivo. Era demais... Ela fez cara de quem se divertia. — Eu me lembro de ter ido embora...


 


Algo passou no rosto de Harry, mas só por um segundo. Sentia-se como se todos os seus alicerces ficassem abalados quando ele estava por perto.


 


— Em razão do meu antigo comportamento, a confiança que meu avô deposita em mim é muito pouca, e jamais farei algo que a abale. Levei muito tempo para me tornar o homem que deveria ser, e não vou dar a ele razões para duvidar. Entendeu?


 


Entendia muito bem e ficava enojada. Sentia um misto de desespero, vergonha e raiva.


 


— Como, por exemplo, que o vissem com alguém como eu. — Admirou-se por falar com calma. — Isso sujaria irremediavelmente sua reputação. — Harry a olhava como se esperasse determinada reação: um ataque de raiva, algo violento, ou talvez indiferença, desprezo, ou quem sabe, tudo junto?


 


— Desculpe se isso a magoou — falou ele sem nenhum arrependimento. — Mas é a pura verdade. Não vai obter o que quer de mim, Hermione. Nem esta noite, nem nunca, não importa o que aconteça.


 


— O que acha que eu quero? — perguntou ela num fiapo de voz. — O que acha que estaria disposta a fazer para conseguir?


 


Harry apenas sorriu. Seu olhar a queimava, a atração entre ambos era inegável. Era bonito, cruel e confiante a ponto de achar que podia insultá-la e que iria aceitar, por ter tão pouca autoestima. Achava que Hermione tinha um plano, que era obcecada por dinheiro e que se prostituiria, usando o corpo para induzi-lo a ficar ao seu lado.


 


Hermione sentiu uma onda de fúria e conteve um grito de revolta por ele acreditar que seria capaz daquilo, por ter no passado se comportado de maneira a lhe dar essa impressão. No passado sempre se mantivera anestesiada diante de ofensas, expressara emoções através de reações inadequadas. Ainda que Harry não acreditasse, mudara, e havia algo de libertador em sentir raiva dele, naquele momento. Isso já era um progresso.


 


— Não vejo qualquer sentido nesta conversa. Se não quer jogar, por que entrar no jogo?


 


— Quero ver até onde você vai — respondeu, olhando-a com reprovação. — Quero saber quanta vergonha restou em você, Hermione.


 


Odiava-o. Era um hipócrita. Esquecia ter um passado semelhante ao seu! Se queria brincar, tudo bem, porque sabia que ele também não conseguia controlar a atração que existia entre os dois. Por que outro motivo a levaria até ali? Não era o único que podia blefar.


 


Hermione sorriu e levantou lentamente.


 


— Não tenho vergonha, mas você já sabe disso. — Ela tirou o suéter e o ouviu praguejar. Estava nua da cintura para cima. Jamais precisara de sutiã. Os seus seios se empinavam orgulhosamente, e sentia-se mais poderosa do que nunca: uma deusa vingadora, que homens como Harry não deveriam desafiar.


 


— Vista-se — ordenou asperamente, mas via o desejo que havia nos olhos dele, a maneira como o corpo se retesara, os músculos esticados do pescoço. Harry engoliu o resto da bebida e bateu o copo na mesa, mas não se afastou.


 


— Pobre Harry — debochou, adorando possuir uma arma que pudesse usar contra ele. — Existem poucas coisas que você quer e não consegue. Sou uma delas. Que azar!

                                               
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Eai, estao gostando?

Ai meu Deus o que Harry fara agora? Atrevida a Hermione voces nao acham?




Como sempre, obrigada a todos por estarem lendo essa fic. E obrigada a Michelle lima, r.ad e Juliana de Barros Cadan por seus comentarios e votos..

R.ad, eu nao tenho muita certeza se o noivo da Hermione vai aparecer, desculpa...



Espero que gostem.
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Comentários (1)

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