Segredos que não são meus
No dia seguinte, Shieru e eu fomos chamadas pela Profa McGonagal para conversar na sala de Dumbledore. Shieru estava aflita achando que iríamos levar uma suspensão pelo corredor encharcado, porém eu tinha minhas dúvidas, estava com a leve impressão de que era a respeito de algo mais sério. Ao chegarmos à sala do diretor fomos recebidas pelo próprio que, com um sorriso nos lábios, pediu que nos sentássemos. Nunca tinha estado na sala do diretor e fiquei admirada com a variedade e vasta coleção de artefatos mágicos. A sala na forma oval era sustentada por colunas gregas de mármore e os móveis, marrom escuros, pareciam pertencer há séculos diversos, mas todos exalavam cheiro de menta. Em um mezanino ficava a mesa de Dumbleodore, com três cadeiras enfileiradas às sua frente. Atrás da mesa havia um espelho de dois metros de altura emoldurada por madeira entalhada. Não tive certeza, mas quando eu passei por ele eu pude jurar que vi Sherlock Holmes no lugar do meu reflexo, mas com certeza fora uma ilusão.
-- Esperem uns minutos, só falta uma pessoa para esta reunião começar - disse Dumbledore calmamente enquanto se sentava em sua cadeira e apontava duas cadeiras à sua frente. Os quadros dos antigos diretores estavam se remexendo incomodamente, mas Dumbleodore estava plenamente à vontade.
Tínhamos acabado de sentar nas cadeiras da direita quando Professora McGonagal chegou junto com Guinnevere que parecia estar confusa, quase indignada, achando, também, que a reunião era para discutir o corredor molhado e as poções perdidas.
-- Muito bem, meninas! Eu as chamei aqui por um único motivo. – Dumbleodore começou a falar assim que Guinnever sentou. -- Ontem a noite todas viram o que aconteceu com a senhorita Murasaki, correto? Aparentemente quando as emoções dela afloram uma transformação acontece em seu corpo. Até então somente Minerva e eu sabíamos disso, pois a família da Srta. Murasaki pediu sigilo. – percebi que Guinnevere estava se mexendo desajeitadamente na cadeira.
-- Gostaria muito que vocês também pudessem colaborar com esse pequeno ‘segredinho’. - continuou o diretor parecendo ignorar os movimentos de Guinnevere - Posso contar com a palavra de vocês, queridas?
--S-sim!! - falou Shieru logo em seguida, ansiosa por agradar. - Pode deixar que não contarei nada a ninguém diretor!
-- Não falarei nada também. - disse Guinnevere séria.
Suspirei um pouco desolada. Queria conversar com Mary Alice e Estrela a respeito, e detestaria mentir para minha irmã. Estava curiosa e queria descobrir quem ou o que era exatamente Amaterasu Murasaki. O que houve com seus pais? Porque o corpo dela se transforma quando suas emoções afloram? Porque estavam me pedindo para guardar um segredo que eu nem sabia qual era? É óbvio que eu não falaria nada, não sou fofoqueira, mas poderiam, ao menos, me contar a verdade... Estava com a cabeça cheia de perguntas e louca para escutar respostas.
-- Tudo a seu tempo, senhorita Otis. - disse Dumbledore como se já soubesse o que eu estava pensando. - Posso, então contar com sua colaboração também? – O olhar dele foi incisivo. Eu sabia que a resposta não poderia ser uma mentira e nem outra coisa além do que ele queria ouvir...
-- Sim... - eu disse meio desapontada. - Está bem, prometo que não comentarei com ninguém.
Fomos dispensadas e em silêncio saímos da sala do diretor. Por alguma razão eu achei que a Profa. McGonagal nos olhava penalizada. Nos dirigíamos para nossas respectivas salas de aula, quando Guinnevere acelerou o passo e se colocou na nossa frente me encarando:
-- Escute aqui, Otis! Acho bom você manter sua palavra e não contar para ninguém, ouviu? Você não vai me querer como sua inimiga! Acredite! - Guinnevere me olhou de tal forma que quase senti medo. Mas estava mais intrigada do que receosa. Eu podia ver a desconfiança e o preconceito nos olhos dela e não tinha dúvidas de que ela cumpriria a ameaça.
-- Não precisa se preocupar Daaé, não pretendo contar para ninguém. Você não me conhece... Não sou como muitas pessoas, EU cumpro minha palavra. - respondi desafiando-a
-- Oh, como eu jamais faria qualquer promessa para você, tenho certeza de que não é de mim que você esta falando. - retrucou Guinnevere enquanto se retirava com seu costumeiro nariz empinado. Minha curiosidade foi vencida pela minha irritação! Será que essa menina tem sempre que dar a palavra final? Às vezes eu sentia vontade de esganá-la!
-- Daaé deve gostar muito de Nana, né, Sarah? - comentou Shieru depois de um tempo.
-- Por que diz isso? – eu perguntei distraída enquanto caminhávamos pelo corredor novamente. Não queria admitir, mas essa conclusão já tinha passado pela minha mente. Ao invés disso me concentrava em resmungar porque estávamos comentando sobre o relacionamento daquelas duas.
-- Ué, provavelmente ela te ameaçou porque achava que você iria espalhar o segredo de Nana e quis evitar isso. - disse Shieru com tanta convicção que até me assustei.
Eu não disse nada, mas olhei para Shieru pelo canto do olho. Ela não parecia assustada ou ofendida. Era como se a atitude de Guinnevere fosse a mais normal possível, quase óbvia! Às vezes parecia que Shieru era mais madura que eu no quesito relacionamentos.
***
O resto do dia havia passado sem maiores problemas e todas as vezes que encontrávamos Nana ela parecia evitar no olhar, enquanto Guinnevere me acenava um sinal de advertência. Comecei a evitar passar perto delas, aquele tratamento estava me irritando consideravelmente. Eu sou uma pessoa de temperamento bem calmo e evito confrontos sempre que posso, mas Guinnever estava determinada a mudar essa característica minha.
Na noite seguinte, entramos novamente na floresta proibida, desta vez a procura de plantas especiais para o preparo de poções, provavelmente as poções que destruímos. Eu contava os minutos para me ver livre de Guinnevere.
-- Escute, Hagrid.. Se a tarefa de hoje era procurar plantas, não teria sido melhor fazer durante o dia? Como vamos encontrar algo nessa escuridão? - protestou Shieru.
-- Ah minha pequena, estamos a procura de Lírios da meia-noite! São plantas especiais que só florescem a noite e são fosforescentes. – Hagrid disse estufando o peito, contente por mostrar sua sabedoria. -- Não se preocupem queridas, não vai demorar muito, conheço um lugar repleto dessas belezuras. Poderão voltar cedo para os dormitórios hoje! – ele tentou nos animar.
Guinnevere pareceu satisfeita ao escutar aquilo, aparentemente ela não via a hora de ficar longe de nós também e poder ler seu livro sossegada. Ela carregava ele em uma bolsinha presa à sua roupa e me pareceu estranho carrega-lo para o interior da floresta proibida... No entanto, até eu fiquei contente, as N.O.M.s estavam chegando e queria poder me dedicar mais aos estudos, aliás acho que todas nós deveríamos nos dedicar mais, aquela detenção estava sendo muito inoportuna.
Andamos por quase meia hora, subindo uma colina, e carregando cestos nas costas para podermos colher os lírios. Estava ficando extremamente cansativo continuar, mas ainda assim eu estava curiosa. ‘Hoje é noite de lua cheia, será que os Lírios da meia-noite florescem melhor sob a luz da lua cheia?’ pensei comigo.
Finalmente chegamos à uma clareira próxima do lago central. Por alguns segundos todos ficaram estáticos e em silêncio absoluto. A visão era deslumbrante! O lago parecia iluminado pelos lírios que nasceram em sua volta, pequenos insetos voavam próximos às flores, talvez para deliciar-se do néctar ou para apreciar a sua luminosidade. Estávamos todas maravilhadas pela beleza daquele lugar. Como era possível, dentro de uma floresta medonha como esta, haver tão bela paisagem?
-- Muito bem, hora de fazer a colheita. – Hagrid esfregou as mãos para espantar o frio. -- Mas prestem atenção! Retirem somente as flores, deixem os cabos e folhas, pois assim a planta poderá florescer novamente. Também fiquem atentas aos botões florais, peguem apenas as flores abertas! Devemos preservar essa paisagem. Muitos animais se beneficiam dessa planta.
Não seria esforço algum preservar este lugar, queria voltar aqui mais vezes. Começamos a colher, uma por uma, rompendo delicadamente as flores. Sentia como se estivesse cometendo um crime, mas confortada pela ideia de que, se eu retirasse da maneira correta, elas voltariam a florescer em breve, mantive o ritmo da colheita. Estávamos terminando nosso trabalho quando escutamos uma agitação em meio aos arbustos. Um unicórnio apareceu próximo ao lago! Mal podia acreditar em meus olhos, são animais extremamente ariscos e difíceis de serem encontrados. E este simplesmente apareceu diante de nós, como se quisesse exibir seu esplendor. Olhei para Hagrid, mas ele estava sério; Nana também, ao invés de maravilhada, parecia querer chorar.
Fiquei confusa. Porque eles não estariam tão contentes como eu? Guinnevere e Shieru, também pareciam não entender. Voltei a olhar o unicórnio, dessa vez com mais atenção e percebi que estava, agora, caído no chão. Todos nos aproximamos do animal com cautela e logo percebemos que ele parecia ferido, respirando com dificuldade. Hagrid se ajoelhou para examinar o pescoço do unicórnio. Dele um ferimento profundo vertia seu sangue prateado, o animal parecia ter sido rasgado por lâminas finas. Talvez um punhal... Nana, então colocou a mão sobre a cabeça do unicórnio e sussurrou:
-- Vá em paz. Que este lugar tão belo, seja sua última lembrança deste mundo. - O unicórnio morreu em seguida, diante de nossos olhos. Não pude conter a tristeza e as lágrimas começaram a escorrer sem parar. Shieru segurou a minha mão e, com a cabeça baixa também começou a chorar. Eu estava chocada, frustrada, irritada, quem poderia ter feito aquilo?
-- Hagrid! Faça alguma coisa! - Ralhou Guinnevere com os olhos mareados - Veja só o que fizeram! Eles tem que ser punidos, alguém precisa pagar por isso! Uma criatura tão magnífica! Como tiveram a coragem de..! - Hagrid abraçou Guinnevere tentando confortá-la.
-- Não há nada que eu possa fazer, querida. Há muita coisa ocorrendo em Hogwarts esse ano, muitas coisas ruins, mas não se preocupe, iremos descobrir quem o matou. - Respondeu Hagrid.
Imaginei o que Hagrid quis dizer... Ele estava sério, ocultando algo mais do que eu pensava... Olhei para baixo e vi que Nana estava com a cabeça baixa, acariciando a cabeça do unicórnio com certa ternura, mas não chorou. Provavelmente devia estar se esforçando ao máximo para não deixar suas emoções aflorarem e evitar que o ocorrido de ontem se repetisse.
-- Vamos embora, meninas! Tenho que falar com Dumbleodore. É... é melhor não comentarem isso com ninguém por enquanto. Não queremos uma euforia desnecessária, não é mesmo? – Hagrid disse um pouco desconcertado enquanto cobria o animal morto com seu casaco. Eu estava começando a me inervar com os segredos que eu tinha que guardar.
O caminho de volta foi doloroso, ninguém conseguia falar nada, só sentíamos o pesar. As árvores sussurravam uma canção triste, uivos de lobos perdidos ecoavam na floresta, a lua se escondera atrás das nuvens. Nana e Guinnevere andavam de mãos dadas, como se uma confortasse a outra, logo atrás Shieru e eu também andávamos assim. Shieru, então estendeu o braço e segurou a mão de Nana. Amaterasu não se manifestou, não olhou para trás, mas também não soltou a mão de Shieru. E voltamos todas assim, de mãos dadas, esperando que o conforto pudesse ser transmitido de mão em mão.
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