Adrenalina regada à mistério



Durante toda aquela semana fiquei com a imagem de Nana na minha cabeça e aposto como Shieru também sentia-se culpada, ela estava mais quieta que o normal. As conversas, que antes eram longas e prazerosas, passaram a ser curtas e com pouco entusiasmo, queria poder falar algo sobre o assunto mas não surgia abertura. Numa tarde de sexta estudávamos para as primeiras provas do semestre e tentávamos terminar os relatórios para a próxima semana, assim poderíamos deixar o fim de semana livre. Shieru não parava de suspirar e mal conseguia se concentrar nos estudos, levantava-se com frequência, fazia batuques com a caneta e às vezes olhava para a janela. A falta de concentração dela estava começando a me irritar e resolvi chamá-la para dar uma volta.


Resolvemos ir para a área aberta da escola, próxima ao lago, para descansarmos a mente um pouco. Caminhamos um pouco em silêncio, mas o fato de isso estar se tornando mais uma rotina do que exceção, já começava à me preocupar. Resolvi perguntar:


-- Shi, você anda muito quieta e suspirando demais. Está tudo bem?


-- Ah..está tudo bem...- disse Shieru desviando o olhar. Isso nem de longe me convenceu.


-- Shieru. – eu disse séria - As provas semestrais estão logo aí, essa semana inteira você passou suspirando, olhando para os passarinhos no céu, batucando com o lápis... desse jeito vai mal. Acho que você devia desabafar logo! Pode contar comigo! Confie em mim!


Eu falava pausadamente, tentando mostrar segurança e força, mas para meu desespero eu pude perceber um tom de súplica na minha voz. Não poderia ser uma boa amiga se Shieru não confiasse em mim.


Shieru olhava para o horizonte, depois de um tempo que me pareceu longo demais, ela hesitou, suspirou, olhou para mim e disse:


-- Está bem...


-- É a respeito do incidente com a Murasaki, né? - me adiantei um pouco mais otimista.


-- Não é só isso. São várias coisas estranhas acontecendo, Sarah. Não vou negar que o incidente com a Murasaki é o que mais me incomoda. Sabe, me senti uma total covarde depois daquilo! Eu sei que não poderia ter feito nada para impedir, aquelas Snakeheads são muito violentas. Mas acho que é uma questão de honra... meu orgulho está ferido. Preciso fazer algo para me redimir, não sei se consegue me entender, Sarah.


-- Sim... eu entendo. Para ser sincera, isso tem me incomodado também, sinto que deveria ter avisado a Murasaki. Por mais que a presença dela me incomode, o que fiz não foi certo... – eu disse baixando a cabeça com certo desânimo.


-- Acho que nós duas estamos com peso na consciência, né Sarah? - riu Shieru.


-- Verdade! Pelo menos temos a certeza de que somos pessoas de boa índole. - rimos juntas. - Me sinto bem melhor agora!


-- Eu também, Sarah! Que tal voltarmos para a biblioteca? - sugeriu Shieru.


--Não antes de você me contar o resto de suas preocupações! Você disse que havia mais além do problema da Murasaki. O que mais têm passado pela sua mente? – eu dei uma piscadela, mas para minha surpresa ela tencionou os músculos do rosto.


-- Sabe, Shi... – eu disse em seguida tentando ser o mais sincera e sutil possível. Queria que ela visse que poderia confiar em mim. Me sinto uma inútil quando não posso ajudar um amigo!!! - Eu sei que você teve poucas amigas até agora e tenho o dever de te informar que os amigos servem para dividir problemas tanto quanto alegrias. Isso ajuda bastante, sabia? Você não precisa sofrer sozinha.


-- Bom... - respondeu hesitante. - Desde o último jogo de quadribol eu ando com a sensação de que estou sendo observada.


-- Observada? Por algum fantasma? Uma pessoa? Um animal? - perguntei curiosa.


-- Eu não sei ao certo. Mas faz algum tempo já que não sinto privacidade. Ah, quero dizer, durante o banho e quando estou me trocando eu ainda não tive nenhum pressentimento. Mas nunca se sabe, né? E se for algum tarado? - revelou Shieru com certa aflição.


Eu segurei à muito custo uma risada. Acho que entendi porque Shieru não disse nada antes. Ela deve ter achado que eu acharia bobagem. Pra falar a verdade eu nunca imaginei um tarado em Hogwarts... Pensei um pouco antes de responder.


-- Mas você tem certeza absoluta de que existe alguém ou algo te vigiando? - perguntei num tom duvidoso


-- Ah..é..talvez eu esteja ficando louca mesmo.....- Shieru pareceu desapontada com a minha reação.


-- Não! Espere! Digo... você não teria algo que te desse alguma certeza...? Algum fato estranho, por exemplo, que parecesse fora do comum do rotineiro? - continuei, tentando mostrar interesse, quem sabe ajudá-la a resolver o mistério.


-- Bom... outro dia eu me sentei na fonte que fica próxima a entrada da escola para comer um muffin de chocolate com mel que eu havia guardado do café e beber o restinho de suco de abóbora que eu deixei reservado numa garrafinha, eu costumo sentir muita fome lá pelas 10 da manhã, então aproveitei uma brecha da aula de herbologia e fui fazer um lanchinho. Eu tinha certeza de que não haveria ninguém lá por isso estava super a vontade, sentei na muretinha de qualquer jeito – falou sem graça – e quando eu estava terminando de comer, ouvi um barulho de galhos secos quebrando, de trás de uma pilastra grande. Deixei minha bolsa e minha garrafinha, quase sem suco, em cima da muretinha e fui correndo verificar de onde vinha o barulho. Procurei em todo canto e não encontrei ninguém, e quando voltei para pegar minhas coisas, minha garrafinha havia desaparecido. Acha que pode ter sido o Pirraça? - Shieru perguntou mais animada, determinada a resolver o mistério.


-- Acho que não, o Pirraça provavelmente sairia se gabando que se apoderou de sua garrafinha ou tentaria espalhar o suco de abóbora na cabeça de alguém. Era uma garrafinha cara? Customizada? Era algo de valor para você? - Perguntei.


-- Na verdade, não. Era só uma garrafa de plástico comum, daquelas que você encontra no mundo dos trouxas. - respondeu meio pensativa.


-- Bom, não custa nada investigarmos! Sempre é bom ter mais um mistério para resolvermos e esse será mais um! Mas é bom você tomar cuidado e deixar seus pertences de valor guardados em segurança. - Adverti. Pensei comigo que, embora a garrafinha desaparecida não tenha sido uma perda significativa, pode ser que o provável gatuno resolva evoluir seus furtos para algo mais valioso.


-- Pode deixar! Vou colocar meus pertences mais valiosos na casinha da minha Ponkan! - Disse Shieru.


– Seu animal de estimação? - indaguei interessada.


-- Sim! É uma gata preta e branca com olhos verde amarelados. Ela sempre foi a minha companheira! Lembra quando conversamos sobre destino na primeira vez que fomos estudar na biblioteca? - Perguntou Shieru.


-- Lembro sim, o que tem? - respondi curiosa.


-- Bom, a Ponkan apareceu na minha vida uma semana depois que perdi minha mãe. Eu estava completamente sozinha em casa e me sentindo muito solitária, estava sem nada para comer, então resolvi sair para procurar umas amoras silvestres na floresta próxima de casa. Enquanto eu colhia as amoras, escutei um miado triste. Procurei entre os arbustos e encontrei Ponkan, recém-nascida, sozinha, no frio. Nunca mais nos separamos e parei de me sentir completamente sozinha. Sempre acreditei que ela nasceu para mim – contou emocionada.


-- Que história bonita! Eu também tenho um gato, ele se chama Mio. Ganhei ele de presente dos meus pais, no dia em que recebi a carta de Hogwarts, há quatro anos atrás. Foi engraçado, porque minha mãe disse que estavam andando próximos ao beco diagonal quando ele surgiu! Esguio e elegante, com um pelo preto brilhante como a noite! Mio os seguiu até em casa e mamãe disse que não conseguia fugir dos olhos azuis dele... Eles não sabiam que eu ganharia a carta, mas assim que Mio conseguiu entrar em casa pela soleira da porta ele pulou no meu colo em cima do livro que eu estava lendo bem na hora que a carta se materializou em cima de mim... - Contei sorrindo.


Shieru me olhou espantada. Ela não sabia que eu tinha um gato... Acho que eu não devia ficar chateada por ela ter seus próprios segredos...


-- Por quê eu nunca vi o Mio antes? – Shieru perguntou.


-- Ah... Mio é especial! – Eu respondi enigmática - Ele é meu porque escolheu ser, mas só aparece quando quer. Ele “viaja” muito. Foi a primeira “coisa” mágica que eu já tive...


-- Viaja? Mágica? – Shieru perguntou confusa.


-- Mio é um gato mágico! Mas é mais fácil eu te mostrar do que explicar. Uma hora ele vai aparecer quando menos esperarmos e quando ele surgir você vai saber...


-- Ah, Sarah...tem mais uma coisa que me deixa desconcentrada. Ultimamente os meus colegas de classe estão me importunando cada vez mais. Ir para as aulas está se tornando uma tarefa muito exaustiva, sempre saio correndo para encontrar você, Mary e Estrela. - disse suspirando.


-- Aposto como estão morrendo de inveja de você! Afinal quantas pessoas do seu ano conhecem o time de quadribol da Grifinória? - falei num tom de conforto. – Podemos ver de eu encontrar você, ou o pessoal do quadribol dar uma forcinha para seu status quo. Posso... – suspirei desgostosa – Posso até falar com o Kang para ele fazer uma ceninha pra você. Ele provavelmente vai aceitar se eu pedir... Mas isso vai me custar. – Eu torci o nariz falando mais pra mim mesma...


-- O importante – eu continuei, voltando ao que importava na questão – É que uma hora eles vão compreender que, mais que te isolar, te provocar, ter raiva de você, é conhecê-la e se tornarem seus amigos. Eu sei que é difícil manter a pose e ter de escutar esses desaforos, mas lembre-se de que eu estou aqui para você, serei sempre sua amiga. Se precisar conversar, ou de qualquer ajuda que seja, pode me procurar.


--Obrigada, Sarah! - Shieru estava com os olhos mareados. - De agora em diante, você vai ter que ouvir todos os meus problemas, se prepara viu! - disse num tom de brincadeira.


-- Acho que agora podemos voltar para a biblioteca e continuar os estudos, né? Não estou a fim de passar meu sábado sob livros didáticos... – sugeri piscando.


Foi uma ótima idéia termos dado uma pausa nos estudos, depois da conversa me senti mais leve e estava mais disposta, o estudo rendeu muito mais. Saímos da biblioteca no finalzinho da tarde, já estava começando a ficar escuro. Shieru e eu conversávamos com entusiasmo quando sentimos um flash de câmera fotográfica.


--O que foi isso? - alertou Shieru


--Veio dali - apontei para um pilar próximo de nós. - Ei você! - gritei. Vi a silhueta de um garoto magricelo sair correndo pelos corredores em direção as escadas centrais que levavam aos dormitórios.


--Vamos atrás dele, Sarah! - Gritou Shieru já em disparada pelo corredor.


Saimos correndo em direção às escadas, perseguindo o garoto magrelo. Subimos para o terceiro andar e quase o perdemos de vista quando a escada onde estávamos se moveu para a direita. Tivemos que dar a volta e estávamos virando a esquina de um dos corredores quando demos um encontrão em Guinnevere.


--Ai! Não acredito!!! Olha o que vocês fizeram!!! - ralhou Guinnevere furiosa. Ela estava levando os materiais do Prof Snape para o estoque e, ao trombar conosco, os vidros


caíram e se espalharam pelo chão. Uma nuvem de cor estranha se expandiu dos produtos que caíram e se misturaram, a nuvem ficou rósea, depois começou a brilhar como se fosse feita de purpurina. Em seguida escutamos uma explosão e o chão começou a pegar fogo! Rapidamente, retirei a varinha e recitei:


--Aguamenti! - Só que Shieru e Guinnevere fizeram a mesma coisa ao mesmo tempo! o chão do corredor ficou encharcado em uma solução de água e poções, como se um cano do esgoto tivesse estourado.


--E agora? Molhamos tudo! - Disse Shieru preocupada.


--E agora, digo EU! - Guinnevere gritou numa mistura de raiva e desespero - Vocês tratem de se responsabilizar pelos materiais desperdiçados! Não vou permitir que o Prof. Snape pense que sou irresponsável por SUA causa.


-- Nossa, nem pedi desculpas Daaé. Não foi intencional, pode deixar que me responsabilizarei por tudo... – eu disse enquanto conjurava um esfregão. Eu estava tentando me desculpar e estava a ponto de levar a culpa pelo ocorrido quando escutamos alguém gritando ao longe:


--Volte aqui!!


Era Nana que corria atrás de uma menina. Era a mesma menina baixinha que trombou comigo na enfermaria. O cabelo repuxado em um rabo de cavalo balançava loucamente enquanto ela corria. Sua roupa meio cinzenta quase se mesclava com as cores das paredes do corredor. Ao se aproximar de nós a menina desviou o caminho com agilidade e sumiu. Nana veio pouco depois, mas não a tempo de desviar do chão encharcado, misturado com as poções diluídas. Ela levou um escorregão feio e caiu de bunda no chão.


--Aiaiai...isso doeu. - Disse Nana esfregando o traseiro. - porque o chão está molhado..? – Foi quase cômico e eu tive que segurar o riso. A confusão no rosto de Nana baixaram sua guarda e eu pude vislumbrar um pouco além de sua máscara.


--Foram elas! – Guinnevere apontou o dedo ainda rancorosa.


--Nós?! - retruquei indignada. - Você também lançou o feitiço Aguamenti!


--Eu SÓ lancei o feitiço porque VOCÊS derrubaram todas as poções no chão e pegou fogo! - se explicou Guinnevere com rispidez.


--Pessoal! - Interrompeu, Shieru. - Vamos dar um jeito de limpar este corredor, está ficando escuro! E tenho certeza de que o Sr Filch vai passar por esta ala em breve! - Shieru mal acabara de falar quando escutamos o miado de Miss No-rra.


--Ahá! O que estão fazendo a esta hora no corredor? Uma reunião não autorizada? Professora McGonagal vai adorar saber disso! - disse Sr. Filch aparecendo em um pulo na esquina do corredor como se estivesse pronto para dominar um inimigo perigoso. Às vezes penso que o passatempo dele é mandar os alunos para detenção.


--Não é nada disso, Sr Filch...- tentou explicar Shieru - aconteceu um acidente e nós acabamos molhando o chão na tentativa...


--Molharam o chão?! - disse o Sr. Filch surpreso e, inacreditavelmente com uma leve satisfação. - detenção dupla para vocês então!!


--Muito boa! - disse Guinnevere entre os dentes, maldizendo Shieru com o olhar. Fiquei roxa de raiva, queria voar no pescoço dela! Mas mal tive tempo de pensar nisso porque Prof McGonagal e Prof Snape apareceram.


--O que estão fazendo fora de seus aposentos e no andar proibido? Está tarde! - advertiu Profa McGonagal parecendo horrorizada. Sinceramente, não era tão tarde assim...


--Daaé. Você já levou as poções para o estoque? - perguntou Prof Snape com a voz arrastada de sempre. Nunca entendi porque ele parece sempre entediado...


--Professor, infelizmente, as poções estão espalhadas pelo chão... - falou Guinnevere com a cabeça baixa, genuinamente desolada.


--Professor, a culpa foi nossa! - Shieru e eu dissemos em coro. - Nós trombamos com Daaé e derrubamos as poções no chão!


--Já chega! - ralhou prof McGonagal. - Senhorita Haibara e Otis, pegarão detenção por correrem pelos corredores e estarem fora do horário! Senhorita Daaé também por ser descuidada em relação as poções do Prof Snape! E senhorita Murasaki, está fora de horário de qualquer maneira então pegará detenção também! 10 pontos serão retirados de cada uma de vocês


--Bom, a professora Minerva já disse tudo. – suspirou o professor Snape já cansado da situação. E antes de se retirar completou em tom ameno - E Daaé, tome mais cuidado da próxima vez.


--Senhor Filch, por favor leve as alunas para a cabana do Hagrid. - disse a profa. McGonagal. - Meninas, vocês deverão auxiliar o Hagrid por uma semana. Desse modo, acredito, entenderão o que significa ter responsabilidade, não terão tempo livre para ficarem aprontando por aí e também aprenderão um pouco do significado de boa convivência!


--Uma semana? Vou ter que agüentar essas duas por uma semana?! - protestou Guinnevere.


--Por acaso quer prolongar para um mês, senhorita Daaé? - Profa McGonagal respondeu levantando as sobrancelhas. Guinnevere apertou os olhos e cerrou os dentes, mas permaneceu calada.


Nós quatro fomos para a cabana do Hagrid, acompanhadas do Sr. Filch, para prestar nossos serviços. Sr. Filch tentava, insistentemente, nos assustar dizendo que iríamos limpar fezes de bicuço, lavar a casa de Hagrid, escovar dragões. Mas ninguém, além de Shieru, parecia estar dando muita atenção ao que ele dizia. Ao chegarmos à cabana, fomos bem recebidas, tomamos um gole de chá, o que poderia ser visto como castigo também, e Hagrid nos contou que precisaria encontrar testrálios para usar nas carruagens da escola. Como estudei bastante o livro de criaturas mágicas, sabia exatamente do que Hagrid estava falando, só não fazia idéia de como iríamos ver os testrálios, já que não é qualquer pessoa que pode enxergá-los.


Hagrid chamou canino, pegou uma arma e uma sacola enorme e pesada que emanava um cheiro pútrido. Saímos em direção a floresta proibida, Shieru estremeceu um pouco, ainda estava abalada com as ‘observações’ do Sr. Filch. Murasaki ficou quieta a maior parte do tempo e, estranhamente, nem tentou provocar Shieru. Daaé parecia irritada com tudo aquilo, e dizia, continuamente, que nós causamos aquilo e que ela não deveria estar ali. Que nunca pegou uma detenção e não podia acreditar que estava naquela situação por nossa causa. Já estava ficando cheia das reclamações de Daaé quando chegamos a uma clareira da floresta. Não sabia que um pessoa tão pequena e delicada seria capaz de conter tanto rancor e fel...


--Muito bem meninas, já chega de ficar chorando sobre o leite derramado. Hora de trabalhar. - Hagrid retirou da sacola fedorenta grandes pedaços de carne crua em fase de putrefação e espalhou pela clareira em pontos estratégicos. - Agora vamos nos esconder atrás daquele tronco seco e esperar, logo eles aparecerão.


Esperamos por quase uma hora e não escutamos nenhum ruído. Aliás, a floresta estava anormalmente quieta! Há um bom tempo, não escutávamos nenhum barulho, os grilos, corujas, sapos e morcegos se calaram. Pareciam estar se escondendo, respirando baixo até. Comecei a sentir uma aura aterrorizante se aproximar, algo parecia estar muito errado. Olhei para Hagrid preocupada, mas ele parecia alheio a qualquer um desses sinais e disse:


--Bom, pelo jeito eles não virão hoje. Devem estar tímidos! Não é sempre que temos companhia de meninas tão bonitas. – Ele pigarreou desajeitado e piscou tentando parecer encantador. -- Vou recolher as carnes, poderemos tentar de novo amanhã.


Hagrid se levantou e caminhou em direção a clareira, mas parou em seguida. Seus membros se retesaram e mesmo na escuridão da floresta eu pude distinguir sua mão fechando como de fosse socar algo. Olhou em volta, virou-se para nós e cochichou um pouco hesitante:


-- Acho que eles estão se aproximando, escuto alguns ruídos ao longe...


Canino repentinamente deu um choro e saiu correndo, assustado, floresta adentro. Hagrid correu atrás dele e nós logo em seguida. Infelizmente nos separamos e perdemos o gigante de vista. Estávamos perdidas na floresta proibida!!


-- Hagrid!! Cadê você Hagrid!! - chamei desesperada.


-- Que maravilha! - Disse Nana com ironia.


-- E agora?! O que vamos fazer?? - perguntou Shieru aflita.


-- Vamos esperar, uma hora o Hagrid virá atrás de nós. - falou Guinnevere calmamente enquanto sentava-se sobre uma pedra e juntava as pernas elegantemente como uma dama. Observei o quadro e achei graça da calma e naturalidade fingida de Guinnevere. Cogitei se devia alertá-la quanto a verdade... Eu tinha minhas dúvidas quanto ao fato de Hagrid voltar.


Ele poderia muito bem esquecer que estávamos lá se ele demorasse para achar Canino e eu, definitivamente, não estava a fim de passar a noite lá! Por fim a prudência venceu.


-- Temos que arranjar um jeito de sair por conta. Não podemos ficar paradas aqui! É perigoso. - adverti.


-- Pode ir, vou ficar aqui e esperar. Não vou arriscar me embrenhar floresta adentro - respondeu Guinnevere enquanto se acomodava melhor na pedra. - Não se esqueça que somos alunas ainda, não temos qualificação para lutar com qualquer criatura mágica.


-- Isso impede um aluno mais velho de nos desafiar, mas não vai convencer uma criatura mágica de simplesmente nos deixar em paz. Essa floresta é mágica e povoada. Logo nós seremos farejadas, não podemos esperar que o que apareça siga as regras da escola. – falei tentando conter a indignação, mas eu soei mais sarcástica do que queria.


-- Bobagem! Você anda muito com esse gigante! Não deve haver tantos perigos assim. Se esse fosse o caso Hogwarts não seria o lugar mais seguro do planeta.


Olhei para ela exasperada, para uma aluna nota A ela realmente sabia quando embotar seus sentimentos. Porquê ela se iludia assim?


-- Daaé? Você realmente acha mais seguro ficar aqui sentada sozinha esperando ser encontrada do que tentar achar uma saída em conjunto? – eu suspirei já cansada. – Oque você aprendeu esses anos na escola?


-- A seguir ordens! – ela disse resignada e cruzou os braços enquanto me encarava com o nariz empinado. Aquilo ferveu o meu sangue!


-- Então você vai ficar aqui sozinha! - retruquei irritada e dei as costas pronta para partir por onde tínhamos vindo.


--Calma, temos que ficar juntas!! Separadas somos mais vulneráveis... - falou Shieru segurando meu pulso, me detendo. E ela estava com a razão, eu já tinha me arrependido no caso de Nana, não queria mais um peso na minha consciência. Respirei fundo e tentei convencer Guinnevere que deveríamos sair de lá novamente. Tentei argumentar de outras maneiras sem parecer muito suplicante, ficar parado em uma floresta como aquela não era nada recomendável, lembrava de casos que Hagrid comentara isso comigo uma vez. Mas a garota era muito teimosa, não queria me ouvir de jeito nenhum, sempre afirmando que, se o Prof Snape e a Profa. McGonagal tinham nos deixado nas mãos de Hagrid, nada daria errado. Eu adorava Hagrid, mas tinha que reconhecer que Guinnever acreditava mais nele do que eu, estávamos começando a discutir quando Nana se manifestou pela primeira vez:


-- Silêncio! Alguma coisa está se aproximando... melhor empunharem as varinhas.


Realmente, quando paramos de discutir escutamos um ruído muito estranho! E pior, não sabíamos de onde estava vindo. Uma mistura de medo e excitação tomava conta de mim, meus dedos tremiam, seria minha primeira batalha! Estaria pronta? O ruído estava ficando cada vez mais alto e mais nítido, era o grunhido de um monstro! Eu podia sentir o medo de Shieru ao meu lado, Guinnevere se levantou em um salto com a varinha na mão e juntas formamos um círculo, uma de costas para a outra. Todas estavam alertas e prontas para atacar! Finalmente a criatura apareceu, era um monstro enorme! Era um cachorro gigante! Não, espere, possuía três cabeças de cachorro em um corpo só! Era um Cérbero! O cão que vigia os portões do mundo dos mortos para Hares. Por um segundo eu parei para pensar em porquê um cachorro da mitologia grega estaria no meio da Floresta de Hogwarts!


A criatura começou as rosnar e eu voltei para a realidade em que estava prestes a virar ração para cachorro. O cão devia ter uns cinco metros de altura, era preto com olhos vermelhos brilhantes e babava por entre os dentes amarelos e afiados. Me lembrava uma mistura de Rottweiler com Labrador, se é que isso existia. Feroz como um e grande como o outro. Ele estava pronto para nos atacar, mas antes que pudesse avançar, Guinnevere se adiantou, mirou no peito do animal e gritou:


-- Rictumsempra! - mas o bicho não se abalou, deu um rugido e a atacou. Guinnevere deu um salto para trás e Nana lançou outro feitiço:


-- Confundo! - E acertou a cabeça do meio bem no focinho. Ele balançou a cabeça e bateu na da esquerda, gerando um ganido indignado. As três cabeças começaram a brigar entre si e aproveitei a deixa:


-- Petrificus totalus! - acertei a cabeça da direita e essa ficou caída, paralisada. Estávamos vencendo a batalha! Estava mais empolgada do que com medo! Só faltava mais uma cabeça para dominarmos o animal. Guinnevere tentou mais uma vez e disse:


-- Incendio! - o feitiço acertou os pés do animal que começou sapatear e grunhir. Com toda aquela movimentação uma das patas do animal acertou Shieru que foi lançada para longe. Então os feitiços começaram a perder os efeitos e Guinnevere também recebeu uma patada e foi jogada sobre uns arbustos. A cabeça, antes confusa, voltou a si e tentou abocanhar Nana que desviou por pouco! Nesse momento recebi uma ricocheteada da cauda do bicho e quase desmaiei. Senti a visão embaçar um pouco e caí sentada! Precisava me recuperar logo ou poderia ser devorada pela criatura, mas Shieru se adiantou mirando nas patas:


-- Rictumsempra! - o animal caiu e começou a rolar no chão. Foi então que Shieru decidiu recitar um feitiço de proteção que aprendeu com a mãe, era uma canção:




Merlin, ó Merlin! Proteja esta criança, dê-lhe esperança para um novo amanhã.


Merlin, ó Merlin! lave esta alma de mau olhado, deixe isso no passado.


Quando chegará um bom amanhã? O amanhã nunca existe, mas eu sei que boas coisas virão.


Enquanto eu recitar esse feitiço, disso eu acredito, nada de ruim lhe acontecerá.


Durma meu bem, Merlin está ao seu lado. Durma minha querida criança.




Shieru tinha uma voz delicada e encantadora! Por um instante, senti que o tempo parou só para ouvir essa canção. Quando olhei para as meninas, percebi que estavam todas


paradas olhando, estáticas, para a criatura. O bicho estava dormindo!! Ao longe escutamos o choro de canino, Hagrid havia nos encontrado! Graças a Deus!


-- Eu FALEI que ele iria voltar- disse Guinnevere disse para mim e voltando-se para Hagrid. - Que demora! Quase morremos lutando contra esse bicho!


-- Ora, esse animal é adorável! Fica uma graça dormindo!


-- Essa coisa adoráv... Hagrid, esse bicho é seu animal de estimação!? - falei espantada. - Ele quase nos matou!!


-- Que nada, basta saber lidar com ele! Fofo é inofensivo - falou Hagrid despreocupado.


-- FOFO? FOFO?! Porquê um cão mitológico dos infernos gregos está na nossa escola!!?? – Eu balançava os braços exasperada!


-- Está todo mundo bem? - perguntou Shieru. - Murasaki, você está bem? - Shieru se aproximou de Nana e tocou em seu ombro.


-- Haibara. Não me toque. - disse Nana rudemente, de costas para Shieru.


-- D-desculpe...só queria saber se você não tinha se machucado...- Shieru recuou triste.


-- Como você é grossa! Não está vendo que ela só estava se preocupando com você? - puxei Nana pelo ombro.


-- Me solte! - Gritou Nana enquanto tentava se desvencilhar. Mas fui mais forte que ela e a fiz virar-se para nós. Eu não esperava pelo que vinha, ao olhar o rosto dela fiquei chocada.


-- Mu-Murasaki...seus olhos... - balbuciou Shieru um pouco amedrontada.


-- Nana?! Tu-tudo bem? - perguntou Guinnevere assustada.


Os olhos lilás e amendoados de Nana, agora estavam amarelo vivo e esbugalhados. A pupila estava enorme e fina, como as de um felino! Nana estava com o rosto coberto de escamas esbranquiçadas que começavam do nariz que agora parecia duas fendas e da boca surgiam dois grandes caninos. Seu rosto era parcialmente reptiliano, eu mal podia acreditar no que estava vendo.


-- Não olhe...para mim... - disse Nana com tristeza virando-se de costas e só então percebi que minha mão ainda estava no ombro dela.


-- O que houve? - tentei demonstrar compaixão. Mas Nana estava envergonhada demais para falar qualquer coisa e se afastou. Dessa vez eu não fiz força para impedir.


-- Já chega, vamos embora. Não podemos ficar aqui por muito mais tempo. - interrompeu Guinnevere percebendo o constrangimento de Nana.


-- Isso mesmo meninas. Já está ficando tarde, perdemos tempo demais por aqui. - Acrescentou Hagrid não parecendo muito ciente do ocorrido. Acho que era porque ele estava acariciando o pescoço de “Fofo” nesse interim.


Voltamos para o dormitório sem proferir uma única palavra. Shieru parecia louca de curiosidade, mas, assim como eu, achou prudente não dizer nada por ora. Guinnevere estava mais séria que o normal e com uma expressão intrigante, provavelmente estava em choque também, embora o seu estado fosse diferente do nosso. Ninguém sabia o que havia realmente acontecido com Nana, mas tinha quase certeza de que estava relacionado com a conversa que escutei na enfermaria. Quando chegamos nos corredores de Hogwarts Nana voltara ao normal, seus olhos estavam, novamente, pequenos e amendoados com tons lilás, os caninos desapareceram de sua boca e as escamas haviam desaparecido de seu rosto. Guinnevere e Nana se retiraram sem nem ao menos dizer boa noite.


Não tinha sido uma noite boa de sono pra mim! Fiquei horas pensando no ocorrido e podia ouvir Shieru se revirando na cama, provavelmente sonhando. Quando finalmente adormeci já via os primeiros raios de sol tingirem o horizonte de vermelho.  



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