Inimigo em comum
Eram quase nove horas, Estrela, Mary Alice, Shieru e eu estávamos sentadas em roda na sala comunal da Grifinória olhando para a lareira, em silêncio. Era um silêncio gostoso, cúmplice. Cada um com seus pensamentos... Estrela com certeza... Olhava para a lareira como alguém que via um amigo de longa data, totalmente indiferente às cinzas que voavam perto de seus cachos negros. Acho que estava lembrando de algo do passado, pois estava completamente alheia aos movimentos que minha irmã começou a fazer após um tempo...
Mary Alice parecia deslocada! Olhou para Shieru e depois para mim e voltou a encarar o fogo resmungando algo. Sua inquietação estava nitidamente aumentando e eu me senti ligeiramente encurralada por não pensar em uma desculpa plausível para sair. Quando Shieru passou a perceber a situação Mary Alice não aguentou mais aquela situação “desagradável”, levantou-se, colocou-se de costas para a lareira tornando-se visível para todas e disse:
-- Muito bem! O que está acontecendo? Você e Shieru não disseram uma palavra desde que chegaram da detenção. Já não é ruim o bastante você estar metida nesse tipo de confusão, Sarah? O que aconteceu na floresta proibida afinal de contas?
Olhei para minha irmã desconcertada. Mary Alice podia ser bem autoritária e irritante nessas horas. Franzi a testa. Eu não estava com a mínima vontade de contar sobre o ocorrido, mas Estrela olhou para mim esperançosa. Algo de fato chamou sua atenção e a tirou do seu transe aleatório. Isso era algo raro, então resolvi falar. Senti Shieru enrijecer os músculos, mas logo ela relaxou. Talvez lembrou-se do fato que podia confiar em mim... Contei com detalhes o assassinato do unicórnio. Mary Alice ficou horrorizada com cada palavra que eu dizia e Estrela entristecia cada vez mais. Nunca as vi tão chocada! Acho que EU nunca fiquei tão chocada! Ia ser mais um item da lista “O que não contar aos nossos pais durante as férias de verão”. Tomei cuidado para não mencionar o segredo de Nana e acabar criando mais confusões.
-- Que coisa horrível! Quem mataria um unicórnio? - exclamou Mary Alice atormentada.
-- Deve ter sido alguém sem coração - acrescentou Estrela cabisbaixa.
De fato, todas concordamos com um aceno de cabeça. Só podia ter sido alguém sem coração! Nem mesmo animais mágicos agressivos seriam capazes de atacar uma criatura tão pura. Provavelmente Hagrid iria investigar e descobrir quem cometeu aquela atrocidade.
-- Não deve ser um ser humano mais... - Shieru falou baixinho, com o olhar fixo na lareira.
-- Tem razão, Shieru. Não deve ser mais humano. - concordou Estrela.
Um silêncio tomou conta da sala. Parece que todas pensaram a mesma coisa, mas ninguém teve coragem de se manifestar, ninguém teve coragem de mencionar sequer a volta dele.
-- Não acham que foi....vocês sabem...acham?! - Mary Alice se adiantou. Todas retesamos os músculos! Às vezes me pergunto como ela consegue ser tão imprudente com as próprias palavras...
-- Pessoal! Está ficando tarde e esta conversa começou a passar dos limites e me dar calafrios. - Estrela terminou o assunto antes mesmo de começar, mas acho que ela tinha razão. Falar sobre esse tópico já foi tabu e não gostaria de ser a primeira a me arriscar, melhor deixar isso pra lá, logo irão descobrir quem foi.
Ao menos o rumo da conversa tirou os pensamentos da minha irmã da minha detenção. Era horrível não poder compartilhar com ela minhas teorias sobre Nana, mas era pior ter que despistá-la das perguntas! Com o fim da conversa, todas nos levantamos e fomos dormir.
No dia seguinte, como de costume, esperávamos Hagrid no final da tarde mas, para o meu desgosto, desta vez quem apareceu foi o Prof Snape.
-- Hagrid não será o responsável pela detenção de vocês desta vez. Esta noite todas deverão me auxiliar no preparo das poções que perdi graças à imprudência de certas pessoas. - Prof Snape falou falou naquela voz arrastada e arrogante enquanto olhava de esguelha para nós. Foi bem óbvio que se referia a mim e Shieru. Percebi o sorriso de satisfação no rosto de Guinnevere ao se dar conta de que ficaríamos com Snape e não com Hagrid. Shieru fez uma careta, assim como qualquer aluno da Grifinória faria. Agüentar o Prof Snape além da aula de poções era tempo demais! Nana permaneceu sem demonstrar qualquer reação, o que foi algo inesperado pra mim. Imaginei que, como aluna da Sonserina, Nana ficaria contente em ter detenção com o Prof Snape ainda mais em fazer poções, matéria que ela era relativamente boa.
Seguimos Prof Snape até uma sala no terceiro andar, organizada especialmente para o preparo de poções. Haviam três bancadas dispostas em formação triangular cada uma com dois caldeirões pequenos, fogareiros, um bastão de aço para misturar os ingredientes, uma faca de corte, uma concha para recolher e outros utensílios específicos para aula de poções. No fundo da sala havia uma estante de madeira escura repleta de potes e gavetas que deveriam conter ingredientes diversos. Nos acomodamos em duplas, Shieru comigo e Guinnevere junto de Nana, para variar. Mas Prof Snape interviu:
-- Como parte da detenção e, a pedido da Profa Minerva, as duplas deverão ser trocadas. Senhorita Otis, por favor troque de lugar com a senhorita Daaé. E não quero ouvir nenhuma reclamação!
Fiquei mais aliviada ao ver que Shieru não teria que dividir a bancada com Nana, sabe-se lá o que ela poderia aprontar. Guinnevere tentou disfarçar sua insatisfação, mas pude notar sua testa franzir de leve e seu punho se fechar ao receber a ordem do Professor, na hora achei graça, mas depois me dei conta de que teria que dividir a bancada com Nana e meu sorriso logo desapareceu.
Assim que nos acomodamos, professor nos entregou pergaminhos contendo as receitas de cada poção que deveríamos fazer enquanto ele supervisionava. Nana e eu pegamos Wiggenweld, poção que restaura energia, enquanto Guinnevere e Shieru pegaram poção de cura. Mal comecei a ler o pergaminho e Murasaki já começou a preparar os ingredientes. Até me espantei, não imaginava que ela fosse tão boa!
-- Estou acostumada a preparar essa poção em casa, Otis. Se quiser me ajudar, vá separando o muco desses vermes, basta espremer a cabeça deles. - ordenou Nana enquanto separava as cascas de wiggentree. Resolvi obedecer, já que ela parecia saber o que estava fazendo. Com destreza, Nana fatiou as lascas de wiggentree enquanto eu penava para espremer o muco nojento daqueles vermes. As lascas de wiggentree deixaram a poção com uma cor escura e cheiro de cedro, com a adição do muco a poção apresentou um aspecto pegajoso e cor esverdeada, mas não emitia nenhum odor. Dei uma espiadela na bancada ao lado e notei Shieru afobada recebendo ordens e broncas de Guinnevere, me senti de mãos atadas, pois não podia intervir, porém confortava-me novamente com o fato de ela não ter de dividir a bancada com Nana. Shieru estava com dificuldades de manusear os acônitos lapelos, planta venenosa essencial para produção de poções de cura, enquanto Guinnevere, cuidadosamente misturava o raríssimo chifre de unicórnio já esfarelado no caldeirão dobrável.
Em pouco tempo a nossa poção estava pronta e professor Snape nos trouxe outro pergaminho com mais uma receita, desta vez com a poção mata-cão.
-- Essa poção você deve ser capaz de fazer de olhos fechados, não é mesmo Murasaki? - Prof Snape comentou displicentemente. Na mesma hora, escutei um estrondo, Guinnevere deixara cair o bastão.
-- De-desculpe professor! Eu me distrai e deixei o bastão escapar, sinto muito, vou limpar já. - Guinnevere parecia nervosa.
-- Foi minha culpa, professor! Como sou inexperiente Daaé teve que redobrar a atenção comigo. - Inesperadamente, Shieru tentou levar a culpa. Guinnevere arregalou os olhos em espanto. Parece que receber o apoio de Shieru foi algo que ela não poderia nem imaginar. Shieru era mesmo maravilhosa, pensei maternal, não sei como ela conseguia ser tão altruísta mesmo com pessoas egoístas e sem boa índole como elas.
-- Senhorita Haibara, por favor, tente evitar causar mais transtornos para a senhorita Daaé, essas poções precisam ficar prontas esta noite sem mais delongas. - Snape disse com os dentes cerrados. Depois de toda aquela cena, voltei-me para Nana:
-- Por que o Prof Snape disse aquilo, Murasaki?
-- Porque...eu costumava fazer essa poção quase todo mês em casa... - Nana respondeu sem olhar para mim enquanto moía vagarosamente as pétalas de Beladona para preparar a essência. E antes que eu pudesse abrir a boca para perguntar qualquer outra coisa, acrescentou - Que tal começar a picar as pernas de Billiwig?
Deu para perceber que Nana ficou desconfortável e não iria responder mais nenhuma pergunta minha, por isso permaneci calada o resto do tempo. Mas com essa dica inesperada de Snape consegui formular uma teoria na minha cabeça. A poção mata-cão é para impedir que bruxos mordidos por lobisomens se transformem em noite de lua cheia! Ou seja, Nana poderia ser um lobisomem, por isso que a Prof McGonagal perguntou da transformação! Muitas vezes pessoas mordidas por lobisomens tem o temperamento afetado, o que explicaria o comentário do Prof Dumbledore sobre o segredo de Nana e como suas emoções a afetam! Estava tão entretida nos meus pensamentos que mal percebi uma pequena comoção:
-- Tem alguém nos espiando professor! - gritou Guinnevere apontando para a porta semi-aberta da sala. No mesmo instante todas corremos em direção à porta, mas o professor foi mais rápido.
-- Quem está aí? - Prof Snape gritou ao abrir a porta de sopetão, mas a pessoa já havia fugido e desapareceu no corredor. Tudo que vimos foi um rabo de cavalo aloirado desaparecendo no escuro. Prof Snape ficou confuso, hesitou por um momento parado próximo à porta da sala, e coçou o queixo com a mão direita. Parecia ter na mente a mesma pergunta que eu tinha: “como a pessoa simplesmente evaporou?” como o corredor era longo, não seria possível correr tão rápido a ponto de desaparecer antes de nós vermos quem era.
Irritado, Prof Snape decidiu que aquela detenção estava no fim. Felizmente a poção mata-cão já estava prontinha e deu tempo para colocá-la no frasco de vidro e entregar. Recolhemos os materiais restantes, limpamos os caldeirões, guardamos as poções prontas nos frascos e entregamos pra o professor. Saímos da sala e no caminho para o dormitório Shieru comentou:
-- Tenho a impressão de que aquela menina estava nos espionando há muito tempo, viu!
-- É mesmo? Por quê diz isso? Como você sabe? - perguntei espantada.
-- É intuição - respondeu Shieru com um sorriso. Se eu não fosse tão incrédula em adivinhações poderia jurar que essa Shieru seria capaz de substituir a charlatã da Prof Trelawney! Ela sempre fala com tanta convicção que acabo acreditando por mais impossível que possa soar.
Voltamos para o dormitório da Grifinória e encontramos Estrela e Mary Alice sentadas perto da lareira da sala comunal tomando um chá de ervas e conversando sobre os acontecimentos do dia, como de costume. Shieru e eu resolvemos conversar um pouco no quarto, pois queria discutir a teoria que eu havia formulado na detenção.
-- Ei Shi... o que aconteceu que a Daaé derrubou o bastão? Uma pessoa metódica como ela não deixaria isso acontecer ainda mais na aula do Snape.
-- Ué..não percebeu, Sarah? Foi o baque que ela levou ao perceber que Snape estava expondo Nana daquela maneira. - Ao escutar isso já comecei a especular se Shieru pensou a mesma coisa que eu em relação à Nana. Olhei para ela e vi que ela tinha no rosto uma expressão de afirmação e dissemos em coro:
-- Nana pode ser uma licantropa! - falamos tão alto que levamos a mão à boca ao mesmo tempo. Também ouvimos Mary Alice lá de baixo gritando que deveríamos abaixar o tom de voz.
-- Então você concorda comigo? - sussurramos, em coro. Aquilo estava ficando cômico, pensamos a mesma coisa ao mesmo tempo e caímos na gargalhada. Juramos não contar nada a ninguém para evitar expor Nana.
***
No dia seguinte, estava saindo da aula de Herbologia, a primeira aula do dia, e me dirigia para a entediante aula de história da magia, quando fui abordada por Shieru. Ela carregava na mão um jornal:
-- Sarah!! Sarah!! Você precisa ver isso!! - Shieru sacudia o jornal com a mão estendida para cima. Ela era tão baixinha que praticamente sumia na multidão de alunos do quarto ano saindo da estufa. Quando os alunos dispersaram, vi que Shieru me trouxe o jornalzinho da escola, O Profeta Escolar, e na capa havia a seguinte manchete: Um licantropo entre nós?! Estará Hogwarts segura?
Um licantropo entre nós?! Estará Hogwarts segura?
O que fazer quando não sabemos a real índole do aluno sentado ao seu lado? Você se surpreenderia caso uma garota delicada, de olhos amendoados e atitude distante de repente te atacasse em uma noite de lua cheia? Já costumamos não andar com alunos da Sonserina, mas este é um motivo à mais para temer... Sim, meus colegas! Hogwarts não é mais um lugar tão seguro! Essa repórter que vos escreve tem medo da retaliação verde que possa recair sobre ela, mas nada além da verdade pode mover essa escola e em um mundo onde professores encobrem alunas problemáticas e as mantem providas com poções que previnem sua transformação, não se pode dizer que a verdade impera. Sabemos o que aconteceu no passado quando alunos se envolveram com esses cães. Nós vamos permitir que professores coloquem nossa segurança abaixo de um rosto bonito e olhos lilases? Creio que não! Somos alunos de Hogwarts e o que aprendemos aqui é a nos defender!
Em seguida vinha a foto da antiga batalha entre magos e licantropos na virada do século XX. Corpos mutilados de magos largados ao longo de valas, com sombras de lobos no horizonte. Era uma verdadeira carnificina, uma foto totalmente injustificada para se colocar no jornal.
À medida que eu lia a matéria meus punhos se fechavam amassando as bordas do jornal! Não me importava se fosse verdade ou não, aquele jornal estava instigando uma rebelião. Cada vez mais eu desprezava aquele jornal e sua editora. Olhei para a foto no canto superior da página. Encarei aquela figura empertigada e orgulhosa com nojo. Como ela podia ser tão inconsequente com a vida de uma pessoa? Mesmo que fosse Nana, ela não merecia, nem devia ser exposta daquela maneira! Quase não pude conter a estupefação! Olhei para Shieru com os olhos arregalados enquanto ela balançava a cabeça em sinal positivo:
-- Como descobriram?! - falei com a voz falha, pois faltava-me ar para proferir as palavras.
-- Não sei! Mas acho que deveríamos nos preocupar com outra coisa no momento, Sarah! Daaé deve estar furiosa conosco, provavelmente ela deve achar que fomos nós que abrimos a boca! - Shieru parecia muito preocupada. Não conseguia manter o corpo parado e ficava me perguntando o que a Daaé poderia fazer de mal? Eu conseguiria me defender bem, sou boa com feitiços embora prefira não ter de confrontar ninguém. Suspirei e tentei acalmar Shieru, a esta altura do campeonato não havia nada que pudéssemos fazer mesmo. O jeito era esperar a bomba cair em cima de nós, mas resolvi que se tivéssemos que aguentar a fúria de Guinnevere, que estivéssemos juntas. Assim, durante os intervalos entre as aulas Shieru e eu sempre nos encontrávamos para ter certeza de que as duas estavam bem. E assim foi o dia todo.
Após a última aula eu estava começando a estranhar, Guinnevere não se manifestou uma única vez. Durante a aula de defesa contra arte das trevas, que dividíamos com a Sonserina, os alunos estavam todos eufóricos e ficavam provocando Murasaki o tempo todo. Aviõezinhos feitos de papel voavam pela sala fazendo piruetas e terminavam seu trajeto aterrissando diretamente na cabeça dela, sua cabeleira ficou quase entupida de aviõezinhos espetados. Guinnevere ajudava-a a retirá-los com cuidado. Berradores que se abriam automaticamente soando uivos malfeitos eram arremessados na mesa de Nana o tempo todo. Prof Quirrel estava perdendo a paciência, mas com sua voz gaguejada mal conseguia atrair a atenção dos alunos que estavam ocupados demais provocando Nana. Murasaki, porém, continuava com a mesma expressão no rosto, não demonstrava raiva, nem mágoa, nem nada. Notei, porém, que seus olhos antes lilases agora estavam em um tom púrpura intenso. Fiquei confusa e me perguntei se essa era a maneira que ela tinha de demonstrar sua insatisfação.
A confusão só foi encerrada quando o Prof Quirrel perdeu de vez a razão e, não sei de onde, ele tirou fôlego e peito para conjurar diabretes de Cornualha. Logo as pestes começaram a puxar as orelhas e narizes de todos os alunos gerando uma gritaria. Enrolavam os cabelos das meninas provocando nós e fazendo-as gritar. Livros e borrachas começaram a voar pela sala numa tentativa dos alunos de acertar os diabretes, inclusive tive de agüentar alguns tentando arrancar minha tiara vermelha. Com a varinha Prof Quirrel encerrou a balbúrdia:
-- Peskipiksi pestemomi! - e todos os diabretes conjurados foram explodindo um a um, virando apenas uma fumacinha azul. A classe toda olhou para o professor, estupefata e, ao mesmo tempo, aliviada. Haviam alunos refugiados debaixo das carteiras, livros sendo usados como escudos, varinhas espalhadas pelo chão. Finalmente a algazarra cessou e o silêncio se espalhou pela sala.
--P-pod-d-demos, final-nal-me-m-m-mente voltar à a-a-aula? - Gaguejou o professor, retomando o comando da sala. Às vezes fico imaginando como o gago do professor Quirrel consegue pronunciar os feitiços corretamente, deve ser bem difícil para ele.
No almoço, o murmurinho dos alunos estava irritantemente alto, provavelmente todos estariam comentando sobre o artigo publicado. Mas me perguntava de onde a Valentine descobriu isso.
Assim que Nana e Guinnevere entraram no refeitório uma onda de gritos e guinchos vindos da mesa da Sonserina se iniciou. As provocações recomeçaram e desta vez alunos de todas as casas se uniram num linchamento. Uma esquadrilha de aviõezinhos de papel vindos de todas as mesas voou em direção à Nana e seu cabelo ficou abarrotado de aviõezinhos espetados! Para piorar cada aviãozinho de papel explodia num berro soltando pedacinhos de papel: Auuuuuu!
Berradores eram arremessados próximos à Nana e se abriam gritando xingamentos diversos: Peluda! Cachorra! Fedida! Já devorou chapeuzinho vermelho? Serva de bruxo! Carniceira!
Guinnevere mal conseguia manter a classe, estava ficando extremamente irritada! Suas orelhas ficaram roxas de tão vermelhas e percebi que ela se preparava para retirar a varinha e começar um contra-ataque. Mas antes que pudesse fazer isso outra esquadrilha de aviõezinhos foi lançada em direção à Murasaki, que desta vez tomou uma atitude, retirou a varinha do bolso rapidamente e conjurou um feitiço:
-- Avifors! - o conjunto de aviões se tornou uma revoada de corvos que começou a sobrevoar o salão em círculos. Em seguida, Murasaki não perdeu tempo:
-- Engorgio! - E o bando de corvos se tornou perigosamente grande cobrindo salão do refeitório
E sem misericórdia, Murasaki lançou o feitiço final:
-- Oppugno! - Os corvos gigantes então miraram em todos os alunos que estavam causando aquele alvoroço todo e começaram o ataque. Em pânico, as meninas da Corvinal saíram correndo do salão, aos gritos. Os alunos da Lufa-lufa esconderam debaixo das mesas e começaram o contra-ataque. No meio da confusão notei Kang lançando o feitiço Protego em um bando de meninas que tentavam se refugiar perto dele, Delfim e uma menininha pequena com cabelos dourados e cacheados corriam para a porta do salão. Mary Alice e Estrela, de costas uma para a outra, ajudavam os alunos da Grifinória lançando feitiços de estupefação. Os alunos da Sonserina estavam mais agressivos e lançavam maldições aleatoriamente tentando acertar os pássaros. O grupo das Snakeheads se reuniu e começaram a lançar feitiços explosivos ao mesmo tempo que tentavam mirar em Nana. No meio de tanto tumulto, Nana continuava sem demonstrar nenhuma reação, sem tentar se proteger, apenas admirando o caos que havia acabado de causar. Finalmente o diretor apareceu acabando com o alvoroço:
-- Finite incantatem! - Dumbledore cessou a confusão, eliminando o feitiço. Em seguida, mandou os alunos se acalmarem e voltarem para suas mesas silenciosamente. Deixou a professora McGonagal e professor Snape tomando conta do salão e chamou para sua sala, Murasaki, Daaé, Shieru, e eu.
Estávamos todas paradas frente à mesa do diretor com Dumbledore sentado calmamente com os cotovelos apoiados sobre a mesa e as mãos entrelaçadas. Ele olhou de esguelha por cima dos óculos meia lua para cada uma de nós, suspirou e começou a falar:
-- Minhas queridas. Por acaso alguma de vocês, com exceção da senhorita Murasaki, mencionou algo que possa estar relacionado com os boatos que estão rondando a escola?
-- Não senhor. - respondemos em coro. Estava esperando Guinnevere se revoltar e apontar o dedo para mim e Shieru, mas ela não fez absolutamente nada.
-- Muito bem - disse o diretor recostando-se na poltrona. - Agora que vejo que nenhuma de vocês tem culpa no cartório, vamos às outras possibilidades. Ouvi dizer que ontem, durante a detenção com o professor Snape, uma pessoa não identificada foi vista espiando pela porta, estou correto? - perguntou Dumbledore.
-- Sim! - Guinnevere disse enérgica. - Tenho certeza de que foi essa pessoa que andou espalhando os boatos!! - acusou.
-- Calma, calma, senhorita Daaé. - o diretor tentou apaziguar os ânimos de Guinnevere. - Como pode ter tanta certeza disso?
-- Porque ontem, durante a detenção, o professor Snape insinuou que Nana teria prática em fazer a poção mata-cão! E todas sabemos que é uma poção feita especialmente para evitar que licantropos se transformem em noite de lua cheia! E foi exatamente após ele ter feito tal insinuação que escutei um barulho no corredor e notei que a porta da sala estava semiaberta! Foi nesse momento, após derrubar o bastão para misturar que notei uma figura por detrás da porta! - Guinnevere relatou sua teoria e nos excluiu completamente dela. Me perguntei porque ela não apontou o dedo para Shieru ou para mim.
-- E o que a faz pensar que não foi a senhorita Haibara ou a senhorita Otis? - indagou Dumbledore, curioso.
-- Porque... - Guinnevere corou. - porque Haibara e Otis estavam conosco quando fomos colher os lírios-da-noite debaixo da lua cheia e elas viram que Nana não sofreu nenhuma transformação. E mesmo com a poção mata-cão os licantropos se transformam, mas não ficam agressivos.
-- Entendi. - respondeu o diretor e depois olhou diretamente para mim e Shieru e disse - E vocês? Entenderam?
Assentimos com a cabeça. Tinha me esquecido completamente da colheita dos lírios sob o luar! É óbvio que Nana não poderia ser uma licantropa! Me senti mal! Como eu era ridícula! Esquecer um acontecimento tão notório... Eu devia estar com a cabeça cheia de pensamentos e por isso não estava conseguindo raciocinar direito, mas isso não é desculpa!
Me recriminei em silêncio por tanto tempo que senti Shieru apertar meu braço. Era reconfortante. Não tirava minha decepção comigo mesma, mas amenizou minha chateação naquele momento. Suspirei! Nesse caso, o que fazia Nana se transformar? Mais importante ainda, quem era a pessoa que nos espionava?
-- Muito bem, entre senhorita Valentine! - Dumbledore se referiu a alguém que estava na porta da sala.
Era uma menina de estatura mediana, com o uniforme impecavelmente limpo, parecia novo! Percebi que pertencia à lufa-lufa pela gravata verde e amarela, os cabelos castanhos estavam presos como rabo de cavalo, tinha um nariz engraçado parecia uma batata, notei sardas nas bochechas. A menina usava óculos enormes de aro redondo cor vermelho vinho que estavam caídos, pois mal se encaixavam no rosto dela. Não era nada parecida com a foto do jornal!
-- Foi você!! - Guinnevere lançou um olhar maléfico para Beatrice como se quisesse dizimá-la. Nana também encarou Beatrice, e a única mudança em seu rosto foi, novamente, a cor de seus olhos que se tornaram púrpura intenso. Mas Beatrice não se intimidou, arrumou os óculos redondos no rosto, pigarreou e disse:
-- Excelentíssimo diretor de Hogwarts. Agradeço seu convite para vir a esta reunião e estou ciente de que se trata da manchete publicada no magnífico jornalzinho da escola. Bom, como o senhor sabe, eu tenho vários redatores e repórteres na minha equipe, infelizmente, a pessoa que escreveu o artigo não verificou bem suas fontes e acabou publicando um artigo maravilhoso, porém errôneo. Peço minhas sinceras desculpas. - Falou Beatrice como se fosse um político e fez uma reverência exagerada, quase encostando a testa no chão.
-- Certo, certo. Senhorita Valentine faça-me um favor e publique amanhã, na primeira página, em letras grandes, que essa história de lobisomem é uma farsa. Que nenhum aluno em Hogwarts foi mordido ou é um licantropo, está bem? - Dumbledore ordenou calmamente. Beatrice não parecia contente com a ordem, soltou um sorriso extremamente falso e fez outra reverência:
-- Como desejar, senhor diretor! - E se retirou da sala. Dumbledore voltou sua atenção para nós, deu outro suspiro e disse:
-- Senhorita Haibara, Otis e Daaé podem se retirar e voltar a seus afazeres. Quero ter uma palavrinha com a senhorita Murasaki. Ah! E não se esqueçam da detenção de hoje, sim?
Todas hesitamos um pouco para sair. Parecia que tínhamos receio de deixar Nana sozinha naquela situação. Até eu me preocupava com o que passava na mente dela. Fiquei imaginando se Nana iria receber alguma bronca ou pegar outra detenção pelo alvoroço que causou no refeitório. Fiquei na dúvida se ela merecia ou não, afinal ela foi praticamente linchada pelos outros alunos.
Saímos devagar e Shieru, então, mencionou algo importante:
-- Sarah..você acha que as snakeheads irão se vingar de Nana de novo? Elas ficaram bem irritadas com o ataque dos corvos...
-- É, tem razão, acho que seria bom avisarmos a Murasaki depois.. - comentei.
Guinnevere que andava um pouco a frente de nós no corredor e escutou nossa conversa, parou por um instante, fechou os punhos, abaixou a cabeça de leve e sem se virar para nós, disse:
-- Vocês são mesmo ingênuas. Acham que avisar Nana vai adiantar alguma coisa? - falou num tom de deboche. Mas seus punhos tremiam. - Vocês não sabem do que elas são capazes. Parem de bancar as boas samaritanas e fiquem fora disso! Especialmente você, Haibara. - Guinnevere virou-se e nos encarou, em seu rosto vi uma expressão amarga, que nunca tinha visto no rosto dela. Então apontou sua varinha para nós e repetiu - Fiquem fora disso, ou vão se arrepender entenderam? - Guinnevere falou aquilo de uma maneira amarga, quase triste, nem sequer pareceu uma ameaça, era mais um aviso. Ela nos observou cuidadosamente por um tempo e foi embora em passos rápidos.
Shieru estava com os olhos arregalados e parecia não entender o que estava acontecendo. Eu também, não tive tempo de processar tudo aquilo, não antes de ela sair. Normalmente eu não me importo com a Guinnevere e, na verdade tento ficar o mais longe possível dela, mas algo na voz dela me despertou. A dor contida, a falta da ameaça que eu esperava aguçou minha curiosidade. Definitivamente NÃO tinha como eu ficar fora disso.
Desta vez a detenção foi com a professora de Herbologia. Para nosso desgosto deveríamos replantar as mandrágoras que estavam crescendo e ficando apertadas nos vasos pequenos. Como nossa detenção era tarde a professora usou o feitiço Abaffiato para evitar que os gritos das mandrágoras atormentassem os demais estudantes. Desta vez Nana e Guinnevere trabalharam juntas e pareciam conversar mais que o normal. Tentei dar uma espichada nas orelhas para escutar sobre o que elas conversavam, mas com os tampões e os gritos incessantes das mandrágoras isso foi praticamente impossível. Após duas horas horríveis de gritos estridentes, mordidas e pontapés das mandrágoras mimadas da professora Sprout estávamos todas sujas e cansadas. Sem dúvida essa detenção foi a pior de todas, não sei como a professora Sprout aguentava lidar com essas coisas.
Shieru e eu estávamos indo para os dormitórios pegar uma troca de roupa e toalhas para tomar um bom banho, quando tive uma idéia brilhante. Já que estávamos exaustas e estressadas, poderíamos usar o banheiro dos chefes de turma! A banheira é grande e muito relaxante, seria perfeito para acabar com este dia! Convenci Shieru a ir comigo, peguei uns sais de banho que Mary Alice havia trazido de casa e subimos para tomar um bom banho!
Antes de entrarmos no banheiro, porém, escutei vozes:
-- Se elas quiserem se vingar, assim o farão. Você sabe muito bem disso, não há como escapar. - falou uma voz num tom suspirado. Era Nana.
-- Eu sei! Mas estou falando para você tomar cuidado! Evite ficar passeando sozinha pela escola! Não dê sorte ao azar!! - escutei outra voz, mais autoritária, era Guinnevere.
-- Mesmo que eu fique em locais tumultuados, coisa que eu realmente não gosto, não vai adiantar. Da outra vez, eu estava sentada perto da fonte que é um lugar relativamente movimentado e elas me arrastaram de lá. - Nana retrucou.
-- Deve ter alguma maneira de evitar isso! - Guinnevere disse com indignação.
-- Tudo à seu tempo. Quando eu puder usar meus feitiços com maior precisão e sem as regras da escola elas vão se arrepender por tudo que fizeram. - A voz de Nana se tornou mais decidida.
-- Cuidado com suas emoções, Nana. - Advertiu Guinnevere.
-- Eu sei, pode deixar, estou começando a aperfeiçoar....
Antes que eu pudesse ouvir o resto da conversa, uma corrente de vendo passou e fechou a porta do banheiro que deixamos semi-aberta. Com o barulho, Nana e Guinnevere se assustaram:
-- Quem está aí? - disse Guinnevere.
-- O-oláá? Com licença! Somos alunas da Grifinória e viemos tomar banho aqui. - fiz uma aparição tímida e fingi que tinha acabado de chegar. Guinnevere franziu de leve a sobrancelha e fez um bico levantando o lábio inferior, parece que ela não queria que interrompêssemos a conversa.
-- Podem entrar, o banheiro é livre. - Nana disse olhando-nos com um leve desdém.
Shieru e eu entramos enroladas nas toalhas. Nana estava com seus longos cabelos negros enrolados num coque e presos por uma piranha branca, haviam fios soltos molhados ao redor do rosto. Com os cabelos presos, notei que Nana usava um par de brincos prata em forma de estrela e tinha um piercing na orelha direita. Guinnevere estava usando uma touca rosa com bolinhas brancas o que a deixava quase meiga, seus brincos dourados em forma de nota musical se destacavam. Shieru estava, novamente, paralisada, tive de puxá-la pelo braço para ela poder se mover e finalmente começar a se lavar. Depois de terminarmos nossa higiene, torci meus cabelos e prendi com um bico de pato vermelho e entrei na banheira. Algumas mechas caiam em ondas ao lado do meu rosto e pescoço e, com um descaso de ombros, me conformei com o fato de que eles molhariam.
A água estava deliciosa, e era mesmo relaxante. Aproveitei para oferecer que colocássemos os sais de banho para deixar a água perfumada e ainda mais relaxante e, para minha satisfação, elas concordaram. Logo chamei Shieru para juntar-se a nós, pois ela estava com tanta vergonha que mal conseguia se mover. Com a adição dos sais a água ficou com aroma de camomila e lavanda, era uma formulação feita especialmente para promover o relaxamento e, com um feitiço divertido, bolhas coloridas e aromatizadas emergiam da água da banheira pairando sobre o ar. O vapor da água espalhava ainda mais o aroma e eu sentia o estresse e as dores causadas pelos pontapés das mandrágoras se dissiparem, mal tinha percebido que havia fechado meus olhos. De repente comecei a escutar uma música calma tocando bem baixinho, Guinnevere havia conjurado um violino para deixar o ambiente ainda mais agradável. Aproveitamos uma meia hora relaxante de música que foi interrompida pela Murta que Geme:
-- Parem com essa música clássica! Será que nem nós fantasmas temos sossego à noite? Aiaiaiaiai meus ouvidos fantasmagóricos doem!
-- Vá embora, você que atrapalha o sossego dos outros! - ralhou Guinnevere - Pronto! Já tirei o violino. Agora vá embora! - a menina cessou o feitiço e o violino parou de tocar, fez uma reverência e desapareceu.
-- Uhhhhhhhhhhh...que bravinha! Eu sei quando não sou bem-vinda! Vou embora mesmo! iáiáiáiiiii... - murta saiu gemendo feito doida e sumiu no encanamento. A voz dela era irritante demais, parecia que todo o estresse tinha voltado pro meu corpo só de escutar seus gemidos estridentes. Todas suspiramos com a partida da fantasma, e o clima de relaxamento, aos poucos foi voltando. Só que um silêncio constrangedor estava tomando conta do banheiro. Para quebrar o gelo, resolvi puxar papo:
-- Seus brincos de nota musical são bem bonitos, Daaé.
-- Eu sei, ganhei de presente do meu pai. - Guinnevere respondeu orgulhosamente, enquanto retirava uma mecha de cabelo do rosto. Não era a resposta que eu esperava ouvir, mas é suportável, pensei.
-- Você.....fi-fica muito bem de piercing...- Shieru emendou a conversa dirigindo-se para Murasaki. Nana olhou para Shieru com o canto dos olhos, um sorriso malicioso despontou em seu rosto e soltou uma risada breve de satisfação. Então se aproximou de Shieru:
-- Obrigada, Haibara. - Nana rodeou analisando Shieru e completou - sua pele é bem rosada.
Shieru ficou roxa de vergonha. Pensei em intervir, mas achei que Nana não tinha feito nada de mais então deixei pra lá. No final das contas era engraçado ver Shieru ficando vermelha de vergonha. Guinnevere se levantou e disse que iria dormir, Nana foi logo atrás.
Nana levantou-se da banheira e com o corpo ainda úmido, soltou os cabelos. Seu corpo esguio e pequeno destoava de Guinnevere, mais curvilínea e menos pálida. A pele alva dela quase cintilava em meio às bolhas suspensas, mas por algum motivo, talvez o modo como ela mexia nos cabelos negros delicadamente, e o jeito como sorria a tornava tão atraente quanto a amiga.
Não pude evitar uma pontada de inveja. Eu não era esguia, delicada ou pequena. Em geral era só descontraída e engraçada, não é uma qualidade que gera admiração em uma garota. Suspirei baixinho. Sempre surgia uma comparação. Eu era meu pior avaliador... Bom... Por isso eu passava mais tempo observando os outros do que me olhando no espelho. Sorte minha que meu cabelo era macio e arrumado por conta própria, não teria capacidade de mantê-lo bonito por minha conta nem se eu soubesse...
-- O que foi, está hipnotizada de novo? heh. - Nana disse num tom provocativo para Shieru que a observava. Acho que entendi um pouco mais da admiração excessiva que Shieru tem por Nana. Diferente de Guinnevere que tem feições perfeitas tal qual uma Veela, Nana ganhava mais em charme.
Comentários (0)
Não há comentários. Seja o primeiro!