Sorrisos invisíveis



Ele está inquieto ao meu lado, o boçal. Parece lançar um olhar lânguido para mim a cada instante, como que esperando que eu me engasgue com meu café da manhã (o que vou acabar fazendo se decidir gritar com ele, gesto descontrolado que ganha cada vez maiores probabilidades de acontecer!). Vou simplesmente ignorá-lo, como fiz durante todos esses sete tortuosos anos. É claro, tenho que confessar que desta vez vai ser ferradamente difícil, uma vez que Potter está roubando o meu ar, invadindo o meu espaço, uma vez que está muito próximo...Por Morgana, como está próximo!

Mas a culpa é minha, afinal de contas.Toda e exclusivamente minha. Se eu tivesse o mínimo de consideração comigo mesma teria evitado esta miséria que foi ter me sentado ao lado dele! Claro que até mesmo meu já esclerosado subconsciente tem suas desculpas esfarrapadas: todos os benditos lugares desta mesa estavam ocupados ou cercados por pessoas anti-sociáveis, até mesmo para mim! Diz ele (este maldito subconsciente perverso que está começando a enguiçar), que eu me via num impasse ao chegar aqui: era Berta Jorkins, Potter ou ficar de jejum. É claro que, analisando a situação mais minuciosamente, acabei de constatar que –para variar- fiz a escolha mais burralda e demente de todas: fui dividir meu espaço com o poço de auto-afirmação e egocentrismo, além de patife chantagista que atende pelo nome de James Potter.

Vou comer torradas e me mostrar indiferente aos gesto que ele faz ao meu lado (neste momento ele está eriçando aqueles cabelos negros e perfumados que lhe dão um ar fatalmente rebelde),pois talvez assim ele pare. Vou também me preocupar em focar minha atenção apenas em certos ângulos do meu campo de visão, o que quer dizer ficar frontalmente ligada aos olhos de Lupin ou paralelamente ao cotovelo de Peter Pettigrew. Vou prender a respiração e desligar todos os neurônios que processam odores, pois assim não serei capaz de inalar o cheirinho quente de sabonete que emana no pescoço moreno dele...também vou me fazer de muda, para que ele não desvie minhas palavras para si mesmo e encontre um meio de se intrometer em meus monólogos.Vou...

Espere um momento, não posso vegetar assim durante um café da manhã apenas pelo fato de meu vizinho de mesa ser o babaca do Potter! Acorde para a vida Evans, abra estes malditos olhos!

Vou pinicá-lo, afinal de contas ele está pedindo por isso.Eu posso sentir.

“Eu não sabia que você era tão espaçoso Potter”.- eu sibilei secamente, o que foi fácil de fazer já que em matéria de hostilidade em me garanto no topo.Ele sorriu para mim após ouvir a reclamação (é nestas horas que eu começo a me perguntar se os parafusos na cabeça dele estão mesmo soltos ou apenas enferrujados):

“ Bom dia pra você também,Evans!”

“Eu não lhe desejei bom dia.”- retorqui, frívola-“Eu ordenei com educação que você me desse mais espaço e movesse o seu traseiro para lá!”

“E como é que se ordena educadamente, minha flor?”-debochou ele,muito interessado em prolongar o que de início deveria ter sido apenas um aviso meu.- “Acho que você poderia ensinar para a professora Minerva como é que se faz isso, ela realmente está precisando saber.”

“Se eu fosse ensinar algo á alguém certamente seria ‘como deixar de tagarelar bobagens apenas para chamar a atenção e aprender de uma vez por todas á desistir de coisas que não estão em seu alcance’” -ironizei, fixando os meus olhos nos dele em busca de alguma recaída. Potter, o teimoso, apenas alargou aquele abençoado (digo, bendito!!) sorriso branco e me disse:

“Humm, fiquei interessado. Posso ser seu primeiro aluno?”.

É incrível como uma pessoa pode fazer tantas coisas de uma só vez, porque naquele momento eu tomei fôlego, me pus de pé, joguei meus cabelos para longe do meu rosto num gesto colérico e armei todo o meu exército interior para bombardeá-lo com uma das mais geladas respostas que eu podia elaborar, quando um grito vindo da mesa de Sonserina me fez cessar fogo.

Era Narcisa, a prima de Sirius Black, que parecia estar fora de si por algum motivo besta qualquer. Eu revirei os olhos, pois já estava acostumada com os ataques de perua daquela oxigenada, quando mais alguns personagens entraram naquela peça escandalosa: Bellatrix, irmã da protagonista, ergueu-se bruscamente e abandonou o seu acento sob vigília de todos os ocupantes do Salão (inconscientemente eu também a observava). Ela marchou até a mesa de Corvinal com os olhos e a libidinosa atenção pregados severamente em Andrômeda Black e, num golpe ágil, desferiu-lhe um odioso tapa no rosto.

Eu devia estar era no mundo da lua para não ter percebido a seqüência de acontecimentos que levara Bellatrix á agir de tal maneira (mais tarde fui perceber que a minha desatenção usava óculos e cabelos arrepiados), mas o fato é que logo em seguida muitas reações saltaram diante de mim: Ted Tonks, Lufa-lufa que estivera ao lado de Andrômeda todo o tempo, avançou para Bellatrix com a maior indignação e fúria que eu já vi estampadas no rosto de alguém (que duplinha dinâmica de sentimentos, não?): ele parecia ter esquecido o pequeno detalhe de que a agressora ainda fazia parte do universo feminino, mesmo usando aquela máscara de severidade e desdém, pois a primeira coisa que fez foi empurra-la com brusquidão. Este movimento atiçou mais uma penca de antes pasmados telespectadores, e agora descontrolados rebeldes: Narcisa abandonou os gritos histéricos para ir em socorro da irmã, que já levara as mãos magras para a varinha, a fim de atacar Tonks e matá-lo á sangue frio, ali mesmo. Rodolfo Lestrange foi outro sonserino que se ergueu para tirar satisfações com o Lufa-lufa, assim como Lúcio Malfoy (que ia abanar o rabinho para a namorada, Narcisa, que rapidamente assumiu seu posto ao lado de Bellatrix).

Iniciou-se então uma confusão digna de programas de auditório, daqueles que a Petúnia assiste e que envolvem intruncadas discussões familiares: Andrômeda debatia sabiamente, orbitando ao redor do motivo principal para o início da desordem: seu namoro com Ted.

Todos os habitantes de Hogwarts tem plena consciência da situação delicada em que a pobre garota está envolvida. Assim como Sirius, ela trava sérias discussões com a família graças á sua ideologia, aos seus trejeitos, enfim, ao seu modo de ser. Se tudo já era terrivelmente preconceituoso dês do dia em que ela se tornara membro de Corvinal, não posso nem imaginar como as coisas ficaram depois que a coitadinha começou a namorar o meio-trouxa Ted Tonks,de Lufa-lufa. Quero dizer, eu estou totalmente á favor de Andrômeda! Afinal de contas, eu não só repudio artes das trevas como também sou meio-trouxa!

Mas acho que estou perdendo o fio da meada: ao que me parece, Bellatrix e Narcisa tinham desgosto de ver a irmã em público com Ted, e não puderam suportar um beijo ao vivo que foi trocado pelo casal, daí o tabefe. O mais irritante de se ver nem era tanto a injustiça que recaia sobre os ombros da pobre menina (que tinha como aliado apenas o menosprezado namorado), mas também o fato de que mais da metade dos sonserinos metidos ali não tinham nada a ver com o ocorrido. Foram-se agrupando muitos seguidores de Salazar Syltherin dispostos á avacalhar Andrômeda, ou nem isso: dispostos á mostrar do que eram capazes aos olhos de Lúcio Malfoy, que dava suporte à discussão entre sua futura noiva e a irmã. Quando a situação começou a ficar crítica toda a platéia de fora começou a entoar aquele débil coro de “Porrada! Porrada!” a fim de atiçar o problema, o que me deixou extremamente irritada.

Eu estava uma pilha de nervos. Uma gritaria infernal assolava meus ouvidos, ora vindo da multidão abelhuda, ora do montinho ao redor do casal Black e Tonks, e mais tarde da mesa dos professores, que provavelmente foram atraídos ao Salão graças á desconjuntura do local. Mal pisquei meus olhos e percebi, atordoada, que Sirius Black se enfiara na confusão, disposto á tomar o partido da prima e de Tonks. Seu irmão mais novo (um dos piores sonserinos que conheço) logo bateu o pé e foi degladiar-se com ele, que também contava com a companhia de (adivinhe só?) James Potter, Remus Lupin e Peter Pettigrew.

Pronto.Com a intromissão do quarteto o clima esquentado decididamente iria se vulcanizar. Vi muitas pessoas começarem á apelar para as varinhas na falta de argumentos, ao mesmo tempo em que nossa consagrada professora, Minerva McGonagall, dava um basta autoritário da mesa dos professores (lugar que ela estava prestes á abandonar, fuzilante,como se quisesse pendurar alguém pelos cabelos).

Era melhor eu sair dali e ir logo para minha aula de Aritmancia antes que o teto enfeitiçado caísse sob nossas cabeças, o que com certeza iria acontecer no próximo milésimo de segundo, se levado em conta o fato de que até mesmo os fantasmas estavam zarpando para longe dali (McGonagall, pelo que eu entendi ébriamente, acabava de cuspir uma leva de detenções para no mínimo cinco alunos, de uma só vez).

Bah...foi bem feito!

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