ETERNA PRIMESSENCIA



Enquanto Harry procurava o Camaleão, em Azkaban Luc continuava a se torturar pela presença de Bianca. Ele agora a evitava mais e mais, mas ao mesmo tempo se sentia obcecado por ela, não passava um minuto de seu dia sem saber onde estava a jovem bruxa, sem vigiar o que ela estava fazendo... estava descuidando da prisão e ficava cada vez mais difícil desempenhar as tarefas simples. Ele estava irritadiço e cansado,  e pela primeira vez desde que despertara, começava a sentir a necessidade de uma  noite de sono.
 Além de não precisar dormir, toda vez que o fazia ele sonhava com seu irmão, Abel, que viera dois mil anos antes dele para o mundo dos homens, quando ele ainda era um menino. Ele nunca mais vira Abel, nem sabia o que fora feito dele, sabia apenas que por causa dele, que segundo os mais velhos, havia sido atraiçoado, é que o mundo dos Guerreiros da Luz havia dado as costas totalmente para o mundo dos homens, pois Abel jamais voltara.
 Em seu lugar, veio o sombrio. Ele cresceu com medo do sombrio, um ser obscuro e terrível que fez seu mundo mergulhar num reinado de mais de dois mil anos de escuridão. Até que sob o custo da própria vida, o mais velho dos guerreiros o expulsou como vingança para o mundo dos homens. Intimamente Luc achou aquilo muito injusto. Ninguém tinha provas que haviam sido os homens que haviam mandado o sombrio ou feito Abel desaparecer. Quando um bruxo abriu um portal e suplicou pela piedade de um guerreiro da luz, ele se viu impelido a seguí-lo.
 Sair de seu mundo foi como sentir mil agulhas furarem seus olhos, a última coisa que viu foi a densa planície das terras da luz e o rosto de sua mãe, a pitonisa que sabia que perderia dois filhos para o mundo dos homens. E ela lhe dissera que um dia havia de iniciar uma nova raça com uma mulher mortal, e disse a ele que um dia ele encontraria Abel... isso fora há tempo demais. Com o tempo ele perdeu a esperança de encontrar Abel, ele realmente sumira de forma inexplicada. Depois de prender o Sombrio, ele vivera dois milênios no mundo dos homens procurando, até que perdeu a esperança e resolveu adormecer... e de seu sono só despertou para matar os errantes.
 Agora, sentindo a brisa do mar que entrava pela pequena janela de seu quarto, pensava no perfume das flores negras, o perfume que não sentia desde que deixara o seu mundo. O perfume de Bianca Fall.

 Bianca por sua vez, sentia cada dia mais crescer a atração irresistível pelo Guerreiro. Era impressionante como podia sentir algo tão forte por alguém com quem não trocara mais que algumas palavras, todas elas sem o menor significado sentimental. Ela sabia que se ele deixasse, ela o amaria muito mais que amara Harry, com mais intensidade e calor. Porque pela primeira vez, desde que Harry entrara em sua vida, ele não era mais nada, apenas um pequeno espectro esquecido no passado. Nem sequer pensava mais nele.
 Ela sempre comparara os homens que conhecera com Harry, desde que se lembrava de tê-lo conhecido... e eles sempre saíam perdendo. Quando seus olhos viram Luccas Lux pela primeira vez e ela ouviu sua voz calma e baixa, ela não pensou em mais nada, nem se lembrou que um dia conhecera Harry Potter. Ela dali em diante só conseguia sentir, primeiro uma curiosidade intensa, depois, uma ansiedade por vê-lo, por olhar para aquele rosto via de regra sério e calado.
 E era triste constatar que ele a ignorava, ou antes a evitava. Ela chegara a conclusão que era muita pretensão achar que um dia o Guerreiro saísse de sua posição para sequer prestar atenção em uma condenada como ela. E aos poucos aquilo foi deprimindo-a, ela foi sentindo-se morrer por dentro. Uma tarde, achou que as coisas mudariam um pouco. Acabara de concluir uma bela bailarina mágica, que tocava uma música delicada, um brinquedo suave e diáfano que segurava na palma da mão. A bailarina dançava delicadamente e sorria para ela. Ele passava reto pelo salão de trabalho quando se deteve e veio na direção dela, sem hesitação.
‒ Eu gostaria de examinar esse brinquedo – ele disse, sério. Ela passou às mãos dele a pequena bailarina, feita com madeira mágica e tecidos magicamente conjurados, que ela precisara manipular com luvas para não afetar os braceletes. A bailarina dançou ao som de sua música nas mãos dele, que não pôde deixar de sorrir.
‒ Parabéns – ele disse, ficando sério novamente – ninguém nesta ala trabalha como você.
Ela sentiu uma alegria enorme com esse elogio, mas nada além disso aconteceu. Os dias se passaram e ela voltou a ficar triste. Ela não sabia o quanto ele se censurava por ter feito aquilo, por ter se aproximado dela novamente. “Eu não posso, eu não posso...” ele pensava furiosamente. Mas ela não lhe saía mais do pensamento, e eram as noites, quando ele se aplicava em ouvir-lhe a respiração durante o sono, quando o perfume dela adormecida lhe chegava mais fortemente às narinas e os suspiros dela durante o sono o enlouqueciam é que ele se culpava mais e mais pelo que sentia.
Uma noite, ele estava deitado em seu catre, como fazia agora cada vez mais freqüentemente, porque perdera o prazer de sentir o ar da noite, porque não conseguia mais nem sentar em seu rochedo em paz e não queria afastar-se mais ainda dela, ele levantou-se de um salto. Ouvira um ruído inconfundível, e esse ruído vinha direto do quarto de Bianca, que adormecida, não sentia que uma aranha grande e mortal patinhava horrivelmente próxima à sua mão, caída do leito onde estava deitada de bruços. Ele saiu correndo do quarto, sempre atento ao som da aranha... ele tinha que chegar antes que acontecesse algo, ele imaginava que pelo som, a aranha estava muito próxima a ela...
 Quando ele estava perto da porta da cela, ele ouviu que Bianca se mexia no sono e ouviu o barulho terrível das presas da aranha cravando-se nos dedos dela. Correu os metros que faltavam e abriu a porta da cela num repelão, ouvindo do leito a respiração da moça, já agonizante. Ele aproximou-se e com uma mão, esmagou a aranha que estava grudada à mão dela, atirando longe o bicho. Rapidamente pôs-se a sugar pela ferida o veneno mortal, mas sentia pelo calor febril que irradiava do braço dela que já era quase tarde demais.... ela ia morrer.
 ‒ Não! – ele disse rouco e espalmando a mão direita sobre o coração. Agora, não pensando sequer no que fazia, ele simplesmente gritou: ‒ Eterna Primessencia! – ele não se lembrava em seu mundo ou nesse de ter sentido de uma vez tanta dor. Seu coração parou de bater e ele sentiu que parte da vida era arrancada violentamente do seu corpo. Então, seu coração voltou a bater, e sobre sua mão ele sentia um calor vivo e pulsante, que depositou sobre os lábios dela, que achou tateando seu rosto. Aproximou seu rosto do dela, e , tocando-lhe os lábios com os seus, soprou a batida de seu coração para ela... um violento espasmo sacudiu seu corpo, e ele sentiu que ela voltava à vida... – Viva... por favor, viva. – ele murmurou junto aos lábios dela, imediatamente encostando o ouvido no seu peito para ouvir-lhe o coração, que agora batia no mesmo compasso que o seu. Ele sorriu e perdeu a consciência.
 Não soube quanto tempo passou até que voltou a si, com ela lhe acariciando os cabelos e dizendo palavras tristes e desencontradas, chorado uma tristeza que ele ficou ouvindo calado.
 ‒ Porque? Porque você me deixou viver? Era realmente melhor que eu morresse! Agora, como vou viver? Como vou viver te vendo e tão distante, depois que você esteve perto de mim? Tão perto de mim?
 Ele ergueu-se e ela se sobressaltou. Ele ficou um segundo hesitante, sentindo a respiração dela, sentindo o calor do corpo dela próximo ao dele. Não, agora não tinha mais volta... agora ele já a escolhera. Ele estendeu a mão  e disse-lhe:
‒ Venha comigo. – saíram da cela e ele levou-a pela mão até o rochedo mais alto de Azkaban. A noite ia alta, ainda era pouco mais de meia noite, um vento frio soprava pelo o oceano, varrendo a superfície com ondas que quebravam ruidosamente nos penhascos lá embaixo. Ele tocou com a ponta dos dedos os grilhões dela, que desapareceram na mesma hora, assim como a gargantilha. Então, ele deu um alto assobio e Fidias surgiu, vindo de sua caverna. Bianca ficou boquiaberta com a beleza daquele dragão luminoso como a lua. Ele subiu na sela e estendeu-lhe a mão, ordenando:
‒ Suba. – ele permaneceu com a mão estendida que ela hesitante segurou, então ele puxou-a e sentou-a na sua frente, atravessada na sela do dorso do dragão, abraçando-a com firmeza antes de dizer a Fídias – vamos. – O dragão alçou vôo e ele ficou um minuto sentindo-a em seus braços sem dizer absolutamente nada. Ela também ia muda, o coração aos saltos, sem saber dizer o que pensava. Ele começou a falar:
‒ Desde que você chegou eu sabia que era você... Eu senti seu perfume de flores negras horas antes de você chegar, quando você ainda estava a quilômetros daqui... eu estive fugindo disso desde que você chegou, eu estive me enganando e me escondendo até esta noite. O destino me obrigou a fazer uma escolha, Bianca Fall... ou eu te perdia ou te fazia quase igual a mim... e eu não posso ficar sem seu perfume, eu não posso ficar sem sua voz, porque eu te amo como eu nunca amei ninguém, e eu te amo porque eu te espero desde que cheguei neste mundo, há quatro mil anos...eu te amo, Flores Negras.
 Ele a beijou com força e paixão, e ela agarrou-se a ele, sentindo o ar da noite que escapava por entre as asas do dragão, ele a queria tanto quanto ela a ele, e para ela aquilo era a felicidade como nunca sentira, era mais importante que estar condenada, que estar em Azkaban, que ter perdido toda vida que vivera antes. Era a redenção, era o amor, que finalmente chegava a ela na mesma intensidade que ela sentia. Ele então a abraçou e mostrou a ela por onde ele e Fídias voavam quando ele saía de Azkaban, falando com a voz rouca no seu ouvido o que ele ouvia e sentia para cada paisagem que ela via, enquanto ela falava para ele o que via para cada perfume que ele sentia.  Eles riram muito, suas risadas ecoando no silêncio da noite sobre o mar. E foi muito depois que eles voltaram a Azkaban e ele a levou para seu quarto, prometendo que dali ela não sairia mais.
 Mas quando o dia amanheceu, ela levantou-se e disse
‒ Eu não posso ficar aqui. Isso prejudicaria você. Devo voltar à minha cela. Devolva meus grilhões.
‒ Mas...
‒ Não, Luc. Devolva. Eu sou uma condenada. Não posso te prejudicar... eu continuarei te amando em segredo, mas temos que fingir até minha pena acabar.
‒ Tem algo que você não sabe, Flores Negras.
‒ O quê?
‒ Quando eu te salvei... eu não apenas te salvei.
‒ Como assim
‒ Eu te fiz imortal, Flores Negras. Neste mundo você jamais morrerá, assim como eu.
 Bianca sentiu o baque da informação. Abriu a boca, mas não conseguiu dizer nada. Ele ficou mudo, pensando se fizera o certo, até que ela disse:
‒ Então, por mim está bom... mas ninguém pode saber disso por enquanto. Para quem é eterno, quatorze anos devem passar mais depressa.
 Ele sorriu. Naquele momento ele teve certeza que era por ela mesmo que esperara durante quatro mil anos.

 Durante o dia, eram estranhos, à noite, amavam-se como nunca duas pessoas haviam se amado dentro dos limites daquele rochedo. Os elfos guardiões protegiam esse amor: quando às oito e meia soava o toque de recolher, e eles a acompanhavam e a cobriam com uma capa de invisibilidade, levando-a até ele, que a esperava ansioso e feliz. E nunca se viu o guerreiro da luz tão feliz quanto nestes dias em que ele e sua “Flores Negras” se amaram.
Ela descobriu que não sentia mais necessidade de dormir, que em muito seu corpo se modificara como o dele, necessitando de cada vez mais menos sono, ele dissera a ela que em alguns anos ela seria como ele, capaz de ficar meio decênio sem dormir. E as noites eram deles, que voavam livres no dragão, indo cada vez mais longe, além dos mares, acima de onde os homens podiam vê-los, e essa liberdade era melhor para Bianca que a que jamais tivera.
 Conforme se conheciam, o inevitável aconteceu: Ele perguntou a ela porque afinal ela estava ali. E sentindo seu peito se esvaziar de angústias, ela contou a ele toda sua vida, desde o momento em que descobrira que seu pai fizera brinquedos perigosos ao  momento em que fora presa em Hogsmeade. Ele não a julgou ou repreendeu, mas sentiu-se triste por ela ter se sacrificado de tal forma.
‒ Hoje eu vejo que era esse meu destino.. – ela disse, os lábios colados ao ouvido dele – jamais teria te conhecido se não tivesse vindo para cá... estaria mais infeliz que estou presa...
Ele então decidiu contar a ela sua história, e falou de Abel, seu irmão, de como ele desaparecera sem explicação ou vestígio e de como o Sombrio ocupara seu mundo, tentando apagar a luz perene de seus campos para governar e escravizar os Guerreiros da Luz. E como o líder deles morrera abrindo um portal para que o Sombrio fosse solto no mundo dos homens, onde espalhou uma era de trevas e medo, que ele veio finalizar.
‒ E como você o venceu? – perguntou Bianca, olhando os olhos cegos dele que ainda assim faíscavam de raiva quando falava no inimigo de seu povo.
‒ Quando cheguei a esse mundo, eu estava desorientado... cheguei só e desarmado para lutar contra um ser mau e poderoso... o grande feiticeiro que me trouxe conjurou armas do metal roubado dos elfos superiores, e eu sentia o poder delas, mas era pouco... Eu havia trazido comigo apenas um bem do reino da luz: o ovo de um dragão da luz, escondido nas minhas vestes. Mas mesmo que fosse um Dragão adulto, seria impossível enfrentar o Sombrio em pé de igualdade. Então confiei o ovo ao bruxo e resolvi aprender a me mover neste mundo sem contar com minha visão, que ficara no meu mundo... e em um ano, eu sabia sentir quem se aproximava, aprendi a escutar o coração de uma ave a milhas de distâcia, a ouvir o suspiro de uma mulher mesmo estando de costas para ela – ela sorriu – a sentir o calor, o frio, e todas as sensações que antes apenas eram sensações, e agora eram ferramentas de sobrevivência.
‒ No dia que atravessei uma floresta desconhecida sem tropeçar e sabendo onde sair com mais segurança, eu soube que estava pronto. Era hora de enfrentá-lo... e eu o desafiei.
‒ Como ele era?
‒ Frio, gelado... como se estivesse morto. Quem o viu disse que ele escondia o rosto sob uma máscara. Ele não falava, nem em meu mundo ele nunca disse nada, apenas obrigava quem estava em seu caminho a fazer o que ele queria, ele possuía um artefato mágico capaz de  parar o coração de qualquer ser mortal, tornando-o um morto vivo, um escravo do sombrio, e ele tinha mais de quinhentos deles... o artefato não podia me atingir, mas de alguma forma, a bruxa que se aliou a ele sabia meus pontos fracos.
‒ Você tem pontos fracos?
‒ Tenho. O canto do corvo me ensurdece... o cheiro de enxofre queimado me desorienta, torna meu sentido de olfato inútil... e fazer com que eu leve à morte um mortal pode me deixar vulnerável... é a única forma de poder me matar neste mundo: cravar em mim uma arma que eu tenha usado contra um mortal. Ela usou as duas primeiras coisas contra mim, e desorientado, me pôs diante de um mortal, fazendo-me acreditar que era o sombrio... no último segundo, porém, recuperei minha audição e ouvi a respiração dele...  eu fugi e resolvi me preparar melhor.
‒ Como?
‒ Eu não era páreo em força para ele sozinho, quanto mais sendo ajudado por uma bruxa das trevas. Com a minha magia, tornei o bruxo que me trouxera temporariamente invulnerável com um escudo, ele então a desarmou e prendeu. O Sombrio avançou para nós, eu corri até uma armadilha que eu havia preparado, com ele em meu encalço, atirei-me em um buraco que levava ao fundo de um lago subterrâneo num caverna, que se ligava atraves de canais ao lago da planície, e assim que ele entrou atrás de mim, o bruxo selou a entrada, que ficava sob o pavilhão onde a bruxa criava seus corvos.  Eu corria pelos corredores da caverna com ele atrás de mim, tentando chegar rapidamente à água. Acontece que desde a época em que ele estivera em meu mundo, eu sabia que o Sombrio não enfrenta duas coisas diretamente: o sol e a água. Eu atirei-me na água e nadei, pelos canais subterrâneos até sair no lago da planície onde quase mil anos mais tarde ergueram Hogwarts.  E ele ficou preso entre a água e a tampa mágica protegida por sete feitiços secretos que meu amigo conjurou. E lá está até hoje. Meu conhecimento sobre o sombrio valeu mais que minha força. E depois dele, nunca mais enfrentei ninguém que fosse tão poderoso. Naquele mesmo ano, eu comecei a treinar Fídias, que era um filhote, nunca houve um dragão como ele aqui, nem no meu mundo. E eu lutei até cansar de lutar, por mil anos... então, quando me deparei com os errantes, me prontifiquei a proteger a planície mágica deles... e estive morto para o mundo por mil e duzentos anos – ele sorriu – mil e duzentos anos de sono sem sonhos.
‒ E agora?
‒ Agora... só o agora importa somos nós dois– ele disse, abraçando-a, mas ao mesmo tempo prestando atenção no movimento que começava a sentir em algum lugar ao leste, onde uma força maligna começava a se mobilizar.

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