Gaunt.




NOTA: Esta capítulo é muito importante para a compreensão do enredo. Leiam atentamente e mil vezes, se necessário, pois é a partir daqui - com alguns mistérios solucionados - que a história realmente começa!


 


* * *



Hermione passara a ver a Sala Precisa como uma espécie de lar, doce lar. Adotara uma rotina diária simples ao longo dos últimos meses, o que a tornara mais centrada em seus objetivos e - infelizmente - mais distante dos amigos. Tornara-se comum ver Luna se aproximando com alguns biscoitos docemente embrulhados, procurando uma brecha para conversar trivialidades, ou Ron buscando por ajuda nas tantas matérias em que ele encontrava dificuldade. Nisso, Hermione jamais mudaria: estava sempre apta a auxiliar.


Porém, lastimava, a amizade com Ginevra nunca voltara a ser como antes. Na verdade, não voltara a nada. Se resumia a descaso, indiferença e uma massa de ar gélido que se apoderava do local quando os olhares se encontravam por algum motivo. Seja lá por que fosse, Harry deixara de ser não-partidário e se unira a namorada, praticamente abandonando Hermione. E, bem, ela não podia se queixar. E não o faria mesmo, pois estava muito entretida com o passado de Voldemort.


A essa altura, ela já vira muita coisa. Em meses, seu campo de pesquisa fora resumido unicamente ao livro misterioso que tinha em mãos, o qual lhe fornecia um imenso material - muito valioso, por sinal -, ainda que ela nem mesmo sonhasse com as origens de tudo aquilo. E era essa dúvida que lhe martelava a mente. Até aquele dia.


Ao contrário do que se possa pensar, não foi um dia de clima diferente ou de acontecimentos fora do normal. Pelo contrário, estava tudo totalmente idêntico a rotina fiel de Hermione Granger e, por isso, ela ficara tão surpresa.


Portanto, ela passara pelos mesmos corredores nos mesmos horários. Os livros nos braços também eram os mesmos, assim como as vestes de inverno da Grifinória, que lhe caíam bem melhor agora que perdera alguns quilos. Afinal, as horas que gastava observando cenas nítidas diante dos seus olhos lhe custavam importantes refeições do dia. Mas valeria a pena no final, ela tinha certeza disso.


Assim, quando se sentou na confortável cama que instaurara como dormitório na Sala Precisa - que a essa altura do campeonato já jazia cheia de pertences pessoais da grifa - e abriu o livro em seu colo, algo totalmente imprevisível ocorreu.


Hermione sentiu o mesmo resfolegar, que já não era tão intenso quanto no começo, mas ainda lhe causava desconforto. Porém, ao abrir os olhos, ela enxergou apenas o vazio e isso a fez estremecer. Não havia luz. Havia apenas Hermione Granger e sua voz produzindo eco na escuridão que lhe cercava, enquanto ela pedia por ajuda desesperadamente. Teriam acabado as memórias para visualizar? Bem, isso não fazia sentido algum. Ou talvez fizesse, considerando qual fora a última memória que ela vira.


 


Tom já era um homem completo, em seus cerca de 20 anos, habituado ao conforto do lar que erguera com muito custo junto da jovem esposa. Sim, Morgana conseguira conquistar o seu lugar ao lado dele, como sonhara. Porém, não imagine que isso seja bom, porque não fora. Hermione não conseguira ser capaz de entender aquilo, o que lhe custara um imenso aborrecimento pelo fato, mas desvendaria o mistério assim como desvendara todos os atos de Voldemort desde o primeiro encontro de ambos. O que ela não imaginava é que seria Morgana Gaunt, em pessoa, a lhe explicar tudo.


Uma voz soara em resposta as súplicas de Hermione, após alguns minutos. Em contrapartida, ela demorara mais alguns para entender o que lhe era dito em tão baixo volume. Era uma voz calma. Conhecida. Mas mesmo assim, era irreconhecível o rosto que lhe acompanhava.


 


— Quem é você? — Questionara a voz com clareza, cada vez mais próxima. Pelo tom que era usado na pronúncia, Hermione conseguia imaginar um sorriso a acompanhar.


— Hermione Granger. — Ela respondera temerosa, tendo a varinha em punho.


 


Então aquela figura doce e ingênua surgira diante dos olhos dela. Morgana Gaunt, a própria. Idêntica à jovem que fora vista na última memória. Teria ela morrido? Estaria Hermione maluca?


 


— Prazer em conhecê-la, Hermione. — Respondera a jovem, ainda sorridente. Era difícil não se sentir confortável na presença dela e isso estava dificultando a concentração de Hermione em se manter à salvo diante do possível perigo que a rondava naquele momento. — Desculpe-me caso a tenha assustado. Eu sou Morgana Gaunt.


— Você é a garota das memórias que eu vi. — A grifa transformou seus pensamentos em palavras soltas no ar.


— E você é aparentemente uma garota de raciocínio rápido. — Ela rira baixinho. — Há coisas que eu gostaria de lhe dizer, Hermione.


— Eu gostaria muito de ouvi-las, caso isso sacie as incógnitas que tenho trazido comigo ao longo dos meses.


— Meses? — Morgana franziu o cenho ao questionar. Parecia completamente alheia a tudo aquilo. — Em que data estamos? Nem parece que eu a vi pela primeira vez há tanto tempo, perdoe-me.


— 23 de Março de 1995. — Hermione respondeu sem muita expressão, julgando que aquilo era algo sem muito significado diante do contexto da conversa.


— Oh sim... Já faz tanto tempo. — Dissera com suavidade, parando por um breve momento. E então os seus olhos azuis ganharam um brilho novo, quase como saudade em forma de lágrimas. — Ele ainda está vivo?


— Sim, mas já não é o Tom que você conheceu há 50 anos atrás. — Hermione sorriu sem real emoção, se sentindo mal em ter de dizer aquilo para uma garota eternamente apaixonada. Ela nem mesmo sabia como terminara a história daquele casal conturbado.


— Eu sei. Quando o vi pela última vez, já jazia daquele modo deplorável. Meu pobre Tom.


— Srta. Gaunt, se importaria em me dizer o que é tudo isso? — Hermione questionou sem medo de parecer ignorante. Os dedos já jaziam leves em torno da varinha e ela não se sentia mais ameaçada.


— Oh, obrigada pelo senhorita. — Morgana rira quase como uma criança, tampando ocasionalmente a boca enquanto o som escapava por seus lábios. — Posso dizer-lhe que já tenho quase cem anos.


— E como consegue manter-se assim tão jovem? — Dessa vez foi a Grifinória que franziu o cenho.


— Eu já não existo mais no mundo físico. Toda a minha vitalidade foi sugada com minhas tentativas de armazenar nestas páginas as memórias que você viu. E eis-me aqui, jovem, apenas mais uma memória. — As palavras foram ditas com naturalidade, deixando Hermione amedrontada. — Quase assim como você.


— Como assim? Eu apenas as vi. — Foi a resposta equivocada. — Eu apenas vi as memórias de Tom Riddle!


— Acho que você está equivocada, Hermione. Essas memórias são apenas minhas. Eu as coloquei aqui através de magia negra e meu querido Tom nada tem a ver com isso.


— Isso... Isso não faz sentido, srta. Gaunt.


— Me chame de Morgana. Vou lhe apresentar minha história, não há porque tratar-me com tanta burocracia. — Ela sorriu e de repente a antiga cadeira de balanço se fez presente diante de si, na qual ela pousou confortavelmente. E logo deixara de ser a visão da jovem Sonserina para dar lugar a uma senhora num dia de tempestade.


— Eu nasci em 1927, na antiga casa dos Gaunt. — Ela começou a dizer e seu olhar se tornou vago, como se ela conseguisse ver tudo aquilo. — Eu era prima de Tom, mas nunca o vira até chegar em Hogwarts, visto que sua falecida mãe era considerada um motivo de desgraça na nossa família por ter se apaixonado por um trouxa.


 


E então Hermione descobrira a razão do ódio de Voldemort pelos nascidos trouxas e mestiços: Ele fazia parte de tudo aquilo. E, pior, esse fora o motivo que o fizera sofrer tanto. Simplesmente por ser diferente.


 


— Tom nascera fruto de um amor tempestuoso, amor que fora criado através de Amortentia. Ele sofreu por isso eternamente. Fora abandonado em um orfanato até que estivesse em tempo para ir à Hogwarts, onde já se via nele imensa tristeza e reclusão. — Morgana disse, pausando aos poucos entre as lágrimas que começavam a deslizar pelo seu rosto envelhecido. — Bem, o que houve a partir de então já é do seu conhecimento, eu suponho.


— Eu sinto muito. — Hermione limitou-se a dizer, ainda chocada pelas informações que recebera. Tudo ia muito além do que ela vira nas memórias. Ali eram apenas cenas, ela nunca conseguiria ver os pensamentos, sentir as emoções presentes.


— Eu também, querida. E foi por isso que decidi utilizar de magia negra nesse livro, tornando minhas memórias visíveis para quem o lesse.


— O que isso implica?


— Você parece ainda não ter notado, Hermione, mas aos poucos deixou de pertencer a sua realidade para fazer parte da que eu vivi. Você agora é parte de 1939. De Hogwarts. Da Sonserina. — Ela sintetizou em palavras aquilo que Hermione temera ouvir.


— Não, isso não é possível.


— Isso é tão possível, que já se tornou real. Aceite e veja. — Morgana lhe apanhou a mão com urgência. — Eu vivo dentro deste livro através de magia poderosa, Hermione, e através desta mesma você retornará a época em que eu estive em Hogwarts com Tom. Esse livro foi feito com um único desejo do meu coração: Fazer alguém conhecer a verdade, criando afeição por Tom Riddle como eu criei. É através disso que você o salvará, simplesmente por não vê-lo mais como um monstro.


— Voldemort se tornou o que é por vontade própria, eu não posso mudar isso. — Hermione apanhou a mão da senhora chorosa, lutando para não entrar em choque diante daquilo que lhe era apresentado pelas palavras sérias de Morgana.


— Faça o seu melhor. — A senhora disse antes de lhe soltar as mãos, passando a se distanciar progressivamente. — Por Tom, que merece uma chance de escolher o caminho certo.


E sumiu, deixando Hermione perdida no vazio até que caísse ao chão, tendo a visão enegrecida e a cabeça a girar. Tudo estava se concretizando, assim como Morgana desejara. Apenas aquela Grifinória seria capaz de salvar o Sonserino.


 


* * *



 

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