Capítulo 1



 


 Ninguém entendeu quando saí daquela sala sem falar com ninguém, de cara fechada, e passei direto por todos. Ouvi meu pai me chamando, mas ele era a última pessoa que gostaria de ver naquele momento. Ouvi tia Bella falar alguma coisa e me segurei para não sacar a varinha e lhe enfeitiçar. A voz da minha mãe também pareceu surgir em meio a tantas vozes, mas estava irritado demais para dar ouvidos à ela, então simplesmente saí de casa e aparatei. Para onde? Nem eu mesmo saberia dizer ao certo.


 Finalmente não consegui mais controlar minhas lágrimas, que rolaram pelo meu rosto com intensidade. Limpei-as com as mangas negras das minhas vestes. Nevava pouco esse natal mas peguei um pouco da neve e passei pelo meu corpo, sujando minha roupa, então comecei a rir como um louco. Rir e chorar, sentado no chão; abracei meus joelhos e abaixei a cabeça, voltando a apenas chorar. Finalmente, já sem fôlego, ergui a cabeça que começava a doer devido ao choro prolongado. Levantei com toda a determinação que consegui reunir e arranquei o broche do peito, encarei-o com nojo e, reunindo minhas últimas forças, o joguei longe.


 - Não existe nada mais ridículo que essa família! Nada!


 Tudo que queria fazer era gritar o quanto odiava ser um Malfoy. Me joguei num banco qualquer e lá permaneci jogado até que uma voz fez com que eu erguesse meu rosto.


 - Malfoy?


 O que ela fazia ali? Usava um sobretudo bege, botas pretas... Devia estar com um vestido de festa por baixo, afinal era natal! Sua expressão era de confusão ao me encarar, mas eu não precisava DELA, não precisava de piedade.


 - Granger? O que faz aqui?
 - Quem deveria fazer essa pergunta sou eu! Moro no final da rua... Aqui é um bairro trouxa, se você ainda não percebeu!
 - É, percebi!
 - Toma, achei o broche dos Malfoy jogado lá atrás...
 - Se estava jogado é porque alguém o jogou, não deveria se meter nos assuntos dos outros!
 - Ora, já vi que não mudou nada desde que saímos de Hogwarts... Você estava chorando?


 Instintivamente, passei a manga das vestes pelo rosto. Não queria que Granger me visse chorando. Não queria que ninguém me visse chorando!


 - Claro que não!
 - E por que está todo sujo de neve? Andou rolando no chão? Caiu?
 - Vá cuidar da sua vida, Granger! Já tenho problemas demais e não quero uma sabe-tudo me importunando.
 - Você tem problemas? O filhinho de papai Draco Malfoy tem problema? O todo poderoso puro-sangue? Faça-me o favor!


 Ela saiu andando. Ainda segurava meu broche.


 - Ei, devolva meu broche! - quando percebi já estava em pé e via Granger se afastar.
 - Pensei que você queria que ficasse jogado por aí... - ela estendeu a mão para o lado e soltou o broche, sem ao menos se dar ao trabalho de olhar para mim.
 - Não devia esperar outra coisa de uma sangue-ruim!


 Ouvi um estalo e no instante seguinte ela estava colada em mim com a varinha encostada em meu peito. Me assustei e caí para trás, de costas num monte de neve fofa. Ela riu e guardou a varinha, então arrumou os cabelos que o vento tinha despenteado e me olhou, sorrindo com ironia.


 - Realmente não mudou nada, Malfoy!
 - E você mudou, foi?
 - Não me importo mais com seus insultos, mas continuo achando engraçado seu medo.
 - Não tenho medo! Pelo menos não de você.


 Novamente Hermione Granger riu de mim. Fiquei caído no chão olhando-a. Por que estava conversando com aquela garota?


 - Vamos, me dê sua mão!
 - O que?
 - Prefere ficar jogado aí no chão gelado?


 Nos encaramos por um momento, então segurei sua mão estendida e me levantei. Não agradeci, meu orgulho falou mais alto. Ela me examinava de cima a baixo, parecia pensar em algo para fazer comigo, como se eu fosse algum animal abandonado.


 - Venha, vamos até minha casa!
 - Sua casa?
 - Sim! Não temos nenhuma doença, sabe... E você precisa tomar algo quente, Malfoy. Ou pode até pegar um resfriado.
 - Não, vou voltar para minha ca...


 Então lembrei o motivo de estar ali. Não queria voltar para minha casa, não queria encarar nenhum deles; não queria fingir para o meu pai que estava bem, fingir para minha mãe que o presente não tinha significado muito e que não estava chateado. Olhei para ela que me observava com aqueles imensos olhos castanhos, profundos. Suspirei antes de dar a resposta que talvez me fizesse ficar arrependido.


 - Certo, vou com você. Mas só por um momento!
 - Fique tranquilo, minha família não se importará de receber um puro-sangue em casa!


 Ela riu novamente. Dessa vez foi sarcástica pois sabia que, se fosse o contrário, nunca a levaria até minha casa. Mas não me importei, apenas a segui.


 Era uma casa simples de dois andares. Estava enfeitada e de fora podia-se ouvir as risadas vindo da festa natalina que acontecia ali dentro.


 - Por que você não está com eles?
 - Estava trabalhando... Não me olhe com essa cara, trabalho no Profeta Diário e sou uma grande repórter, se quer saber!


 Era verdade. Agora me lembro de, vez ou outra, ler um artigo assinado por Hermione Granger. Ela sempre defendia os mais fracos, tinha uma opinião forte, colocava suas ideias para fora. Ela era tudo que eu não era. Segui seus passos até a porta que foi aberta antes que qualquer um de nós pudesse fazer algum movimento.


 - Mione!


 Uma menininha que devia ter uns cinco ou seis anos pulou no colo dela. Ambas sorriram. Um senhor também apareceu à porta e nos puxou para dentro; naquele momento vi a família de Hermione Granger a recebendo com abraços e beijos, oferecendo-lhe guloseimas natalinas, rindo e conversando, cantando e tocando piano. Senti um vazio no peito, me senti um intruso.


 - Quem é esse?


 A mesma menina que pulara em Granger estava parada à minha frente e me apontava com o dedo gordinho. Não consegui sorrir para ela, não consegui mover um músculo. Paralisado ali, apenas encontrei os olhos de Granger, que sorriu e veio ao meu socorro.


 - Maria, é feio apontar! - ela abaixou a mão da menina e segurou meu braço, me fazendo dar um passo a frente. - Este é Draco Malfoy, um colega da escola. Ele não estava tendo um natal muito bom, e precisa trocar essas vestes...
 - Ah, mas deixe isso comigo!


 Um rapaz que aparentava ter mais ou menos a mesma idade que eu me conduziu para o andar de cima, nos fechando em um quarto. Fiquei parado, não ousava mover nem um fio de cabelo. O rapaz mexeu numa mala e tirou uma calça jeans, uma camiseta branca e um suéter vermelho. Roupas de trouxa.


 - Pode vestir essas aqui, estão limpinhas! A propósito, me chamo Luís, sou primo da Hermione.


 Ele saiu do quarto, me deixando sozinho. Olhei ao redor, tudo muito simples, tudo coisa de trouxa. Peguei o suéter nas mãos e suspirei. Pelo menos não era preto. Quando desci, fui recebido pelo mesmo primo que me dera as roupas no quarto; não sei muito bem como as coisas aconteceram, mas quando dei por mim já estava sentado num sofá ao lado de duas crianças, com um prato de bolinhos no colo e uma caneca de algo quente e doce, que chamavam de chocolate quente.


 - Seu cabelo é tão amarelo!


 Era a tal de Maria. Ela parou em minha frente e ficou me encarando, seus olhos pareciam olhos de águia a procura de sua presa. A encarei com a mesma intensidade e percebi a quantidade de pintas que havia em seu rosto.


 - E seu rosto tem tantas manchas!
 - Não são manchas, são pintinhas - não sei o motivo, mas Maria sorriu para mim. - Nunca viu pintinhas?
 - Já, mas não tantas em um só rosto.


 Maria saiu correndo e rindo, então me senti um idiota. Eu, Draco Malfoy, estava usando roupas de um trouxa qualquer, sentado no sofá da casa de Hermione Granger, no natal, com toda a família da garota reunida, um prato de bolinhos e chocolate quente no colo, e estava discutindo com uma garotinha sobre pintas e manchas! Definitivamente, as coisas não estavam boas para mim aquele dia.


 Coloquei o chocolate e os bolinhos na mesa de centro e levantei, subi para o quarto em que me trocara e encontrei minhas vestes penduradas numa cadeira. Saquei a varinha e as sequei, coloquei novamente minhas vestes negras e desci rapidamente. Quando já fechava a porta de entrada às minhas costas, ela se abriu violentamente.


 - Onde vai? - era Granger.
 - Para minha casa! - desci as escadas de entrada, enquanto isso ela fechava a porta e descia atrás de mim.
 - Já?
 - Achou que eu fosse ficar para o almoço de natal?
 - Achei que pelo menos teria educação e falaria com as pessoas...
 - Uso minha educação com quem merece Granger, e não com um bando de sangue-ruins!


 Pude ver que agora havia ofendido. Afinal, falara também da família dela.


 - Não sei o que deu em mim para te convidar... Você é escroto, Malfoy!
 - Você sabe que só vim porque precisava beber algo, e me arrependo muito por isso.
 - Tenho pena de você, sabe. Está na cara que não quer voltar para sua casa.
 - Qualquer lugar é melhor do que este pulgueiro onde você mora!


 Dessa vez fui eu quem deu risada. Parecia que o bom e velho Malfoy estava de volta. Sem drama, sem sentimentalismo, sem se importar com nada e nem ninguém. Dei uma última olhada para a cara dela e aparatei, mas não antes de ver a pequena Maria correr para fora da casa e tentar vir atrás de mim.


 Ao abrir os olhos depois de aparatar reconheci o jardim. Tudo parecia muito normal por ali; andei calmamente até a porta de entrada e entrei esperando toneladas de perguntas, mas não havia ninguém.


 - O menino Malfoy voltou...


 Dobby estava parado à minha frente e fez uma reverência. Fui até a sala onde meus presentes deveriam estar, mas não havia mais nada lá, muito menos os restos do presente de minha mãe. Voltei até o elfo.


 - Onde estão minhas coisas? E todo mundo... Onde estão meus pais?
 - Os convidados foram embora, meu senhor. Seus presentes de natal estão em seu quarto e o Sr. e a Sra. Malfoy estão trancados no quarto principal.


 Trancados no quarto? Isso não era bom sinal. Subi correndo as escadas e também corri pelo corredor; derrapei na primeira virada, mas segui correndo e só diminuí o passo próximo ao quarto deles. Cheguei perto o suficiente para ouvir vozes alteradas, principalmente a do meu pai.


 - Pensei que fosse dar algo que presta ao garoto!
 - O que tem demais em dar algo da infância à Draco?
 - Não teria nada demais se fosse algo de valor! Você é a única sentimental dessa casa, Narcissa!
 - Tenho certeza que Draco...
 - O garoto teria destruído tudo mesmo que eu não o tivesse feito!


 Esbarrei numa estátua do corredor e antes que pudesse ir embora dali, meu pai abriu a porta.


 - Ah, que bom que ele está aqui! - fui puxado bruscamente para dentro do quarto. Meu pai me segurou pelo braço e pude ver algo que parecia loucura em seus olhos. - Diga, Draco! Fale para sua mãe que aquele lobo velho não tinha valor nenhum! Conte à ela que a única coisa que sentiu foi a perda do cristal, mas que valeu a pena pois não se dá algo de coração a um Malfoy. Ande, diga o que realmente achou!


 Foi então que percebi o motivo do meu presente ter sido destruído. Tudo que importava era o dinheiro, os status, o valor das coisas... Aquele lobo velho? Meu pai tinha razão, aquilo era lixo! E o cristal realmente era algo valioso, mas um Malfoy não guarda coisas que contenham qualquer tipo de sentimentalismo. Olhei nos olhos de minha mãe, estavam vermelhos e inchados. Olhei novamente para meu pai e foi como se olhasse para um espelho, nós éramos iguais e dávamos valor as mesmas coisas. Ele estava certo, ela não.


 - As vezes você envergonha o nome Malfoy, mãe!


 A expressão chocada dela permanecerá na minha memória para o resto da vida, mas não houve nenhuma lágrima. Minha mãe ergueu a cabeça, abriu uma gaveta e tirou alguns pergaminhos; consegui ver que um deles era um desenho de criança, provavelmente meu, e deduzi que os outros continham mais ou menos a mesma coisa. Como meu pai fizera, ela acenou com a varinha e os pergaminhos pegaram fogo, então nos encarou com superioridade.


 - Vocês tem razão, sentimentalismo foi feito para pessoas fracas que não conseguem ter o que desejam!


 Meu pai sorriu e olhou para mim.


 - Onde está o seu broche, Draco?


 E então, como se um balde d'água tivesse caído na minha cabeça, percebi a besteira que havia feito nesse natal. Esquecera meu broche na casa da sangue-ruim da Hermione Granger.

 

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