Segredo Familiar



Certo, certo. Tenho certeza de que as mães de plantão seriam as primeiras a gritar “O que você está fazendo? Ele é um estranho!”, inclusive a minha, mas tecnicamente ele não é um estranho, já que sei o seu nome, seu lugar de origem e que ele fala terrivelmente mal o italiano. Mas, eu sei que não deveria sair andando por ai com uma pessoa que conheci por acaso e que talvez possa me fazer mal, porém, quando eu olhava para aqueles olhos incrivelmente verdes, todos esses pensamentos maldosos sumiam da minha cabeça. Eram olhos muito doces. Quase impossível imaginar que uma pessoa dessas pudesse me fazer mal.


   - Então, agora vou ter que dar uma de guia pra você, é? – Fingi uma indignação ante o trabalho proposto por ele.


   - Bom, tecnicamente, sim. – ele sorriu pra mim - e quem sabe, se seu trabalho me agradar, mais tarde posso arranjar um jeito de te pagar. – o sorriso aumentou.


   - Ah, não sei se você tem alguma coisa que me interesse – Brinquei, rindo.


  - Nossa, assim você me magoa!  Tudo bem, porque estava pensando em comer uma pizza em qualquer lugar.


  - Soa interessante! – Nunca resistia a uma pizza. – Mas quem me garante que você é um golpista, um aproveitador, que corre atrás de meninas inocentes pra fazer com elas sabe lá Deus o quê?


   - Eu realmente pareço um desses caras? – Ele pareceu se magoar de verdade, e seus olhos ficaram mais doces e inocentes que nunca.


   Eu sorri, hipnotizada.


  - Não, eu estava só brincando.


  - Mas só peço que corte o papo histórico da coisa, está bem? Ou terei que fugir de você também...


  - Espera ai, mas você não tinha se perdido?


  - Sim, me perdi, depois de ter fugido da minha família e seu guia contratado. – Ele caiu na risada com a minha cara de indignação – Eu sei, não deveria ter feito isso, mas, vamos lá. Meu irmão mais velho, Tiago, já tinha fugido, sabia que ia ser chato, mas eu resolvi dá um crédito. Perda de tempo, te digo. Pra estudar história eu vou à aula, estou mais interessado em desbravar todos os cantos dessa cidade maravilhosa, não quero perder tempo com esse blá blá blá medieval.


   - A história de Siena é bem legal.


   - Tenho certeza que é, não quero ofender. Mas, história a gente aprende a qualquer hora, já conhecer essa cidade linda com uma companhia igualmente maravilhosa, me parece mais agradável. – Aquele sorriso não se desfazia do seu rosto. Dá pra resisti a isso?


   - Então, quer dizer que foi tudo premeditado? Você estava me seguindo? – Inquiri, fingindo revolta.


   Ele gargalhou de mim.


   - Se fosse premeditado, não teria saído tão perfeito. Sabe como é, não sou bom em seguir planos.


   Seguimos, sem interromper o papo, e passamos assim a tarde inteira. Mostrei a ele alguns pontos turísticos, além daqueles que ele já havia visto, depois partimos a desbravar as ruelas de Siena, com o meu cuidado de não nos perdemos.


    Após algumas horas, depois de ter visitado uma parte considerável da cidade, paramos e nos sentamos em uma das escadarias da cidade.


    - Meus pés estão dormentes – Disse caindo na gargalhada e se reencostando em um degrau.


    - Ah, deixa de frescura, nem andamos tanto assim


    - Estamos andando a mais de quatro horas! Como assim não andamos muito?


    - Ta, tudo bem, andamos um bocado – Ri dele – Mas pelo jeito esse seu preparo físico não vale de nada.


    - Ei! Nem vem, eu malho muito, mas não estou acostumado com uma maratona tão intensa assim


   - Preferia ter ficado com o guia da sua família?


   Seus olhos se tornaram intensos e ele sorriu sinceramente para mim


  - Definitivamente, não.


   Sorri de volta, completamente aliviada.


   - Então, está anoitecendo e não achamos seus pais, o que pretende fazer?


   - Vou para o hotel.


   - Sabe como chegar lá?


   - Não tenho a mínima idéia – Ele gargalhou


   - Sabe pelo menos o nome?


   - Tenho anotado. Vai me levar lá? – o sorriso se alargou.


   - Não posso, tenho que voltar para casa agora ou minha mãe vai ter um ataque. Tem dinheiro pro táxi ai?


   - Tenho sim


   - Então vou chamar um taxista amigo meu e pedir pra te deixar lá.


   - Obrigado.


   Peguei o celular e liguei pro Tito e em poucos minutos um táxi parou perto de nós. Descemos em direção ao carro, mas ele parou alguns passos antes de chegarmos e segurou em minha mão.


   - Te verei amanhã?


   Olhei-o com a felicidade explodindo dentro de mim.


   - Vai estar na Itália amanhã?


   - Sim, mais dois dias.


   - Mas e seus pais? Como vai fazer com eles?


   - Não se preocupe, dou um jeito nisso. Então, poderei te ver?


   - Tudo bem, mas não arranje confusão com seus pais por isso. Vou te esperar na mesma praça que nos conhecemos e no mesmo horário.


   - Não se preocupe, não vou arranjar confusão. Estarei lá – Ele sorriu, visivelmente feliz, me deu um beijo demorado na bochecha e entrou no táxi.


    Meio aturdida, dei as instruções para Tito e esperei o carro partir e finalmente tomei o rumo de casa.


 


   Cheguei em casa com a intenção de ir direto para meu quarto. Mas não foi tão fácil assim.


   - Onde você estava? – Disse minha mãe tentando controlar a irritação que sentia, mas ela não era tão boa nisso.


   - Por ai.


   - Por ai? Cecília! Sabe o quão duro demos pela sua segurança? Deveria pelo menos nos dar alguma satisfação quando some assim!


   - E pra quê? Mãe, vocês deveriam saber que nunca estarei segura completamente! Por Deus! Sou um ser humano, e se não sabem disso, um dia vou morrer como qualquer outra pessoa então me deixe viver um pouco! Não sou feita de porcelana, sei me proteger.


   - Você não sabe... – ela respirou fundo e eu via a sua raiva crescer como se fosse algo sólido – Você não tem a mínima noção do perigo que corre...


   - Suzana ... – Meu pai segurou seu braço, como a avisando.


   - Não pai, deixa ela continuar. Que tamanho perigo é esse que me impede de viver minha vida? Eu mereço saber!


   - Talvez seja melhor contá-la. Ela já é grande e madura o suficiente pra saber. – Minha avó estava sentada do lado oposto da sala, olhando a situação com um olhar de cumplicidade para comigo.


   - Cecília, vai para o seu quarto. – Meu pai manteve o ar calmo o tempo todo.


   - De jeito nenhum.


   - Como é que é? Vai me desrespeitar agora?


   - Desculpe pai, mas o meu direito de saber a verdade é maior do que qualquer formalidade familiar.


   - Não tem nada para você saber, não existe uma verdade. Vá para o seu quarto agora!- Ele estava perdendo a sua tão longa paciência.


   - A mentira já virou parte dessa família. Vou para o meu quarto sim, mas se querem saber onde estava eu respondo: Estava vivendo o melhor momento de toda a minha vida, o momento mais livre, mais louco e mais inteiro de todos. – E sai, sem nem esperar pela reação deles.


 


  Acordei no dia seguinte sentindo uma certa culpa pela discussão do dia anterior, mas eu sabia que tinha razão, então, tentei esquecer o sentimento e fui tomar banho. Poucos minutos depois já estava irrompendo pela porta da cozinha sem as cerimônias de sempre. Sentei-me à mesa puxando um pão para o meu prato e me servindo de leite.


  - Isso vai continuar até quando? – Minha mãe parecia cansada. Pelos olhos inchados tinha chorado a noite toda.


  Meu coração doeu, não queria ter causado tanta dor a eles. Mas não podia me deixar levar por isso ou nunca descobriria a verdade.


  - Que tal até me contarem tudo?


  - Isso não vai acontecer Cicília. Não até você está pronta – Meu pai nem se deu ao trabalho de me olhar. Também parecia cansado, mas se esforçava para não mostrar.


  - E quando vou estar pronta?


  - Quando fizer 18 anos – Minha avó acariciou meu rosto e me olhou com sua doçura de sempre


  - Antônia.


  - Eu não disse nada Amaury!      


  - Por que 18? Por que não agora?


  - Cecília, chega. Toma seu café.


  - Não, obrigada. Perdi a fome.


  Levantei, dei um beijo em minha avó e alarguei os passos até a sala.


  - Aonde você vai menina?


  Não me dei ao trabalho de responder. Peguei minha bolsa no mesmo lugar onde tinha deixado e fui em direção à porta.


  - Não deixa de atender seu celular, me ouviu! – Minha mãe gritou.


 


  Depois de passar toda manha vagando sem destino, parei para almoçar em um restaurante barato e na hora combinada fui para a escadaria da Piazza Del Campo .Para minha surpresa e felicidade Alvo já me esperava.


  - Você veio!


  - Eu disse que estaria aqui, não disse?


  - Sim, mas cheguei a pensar que não viria.


  - Então pare de pensar um pouco.


  Entrelaçou sua mão à minha e me puxou para uma caminhada como se fizesse alguma noção de onde estava indo. Mas nenhum de nós dois se importou com isso.

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