Sete
Remus foi visitá-los na semana seguinte. Observou a dinâmica entre os dois amigos e a garota ruiva, achando-a realmente encantadora. Pelo pouco tempo que estava ali, ainda não pudera se fascinar pela menina como os outros dois estavam, mas algo lhe dizia que ficaria daquela forma se tivesse mais tempo.
Algo também lhe dizia que a amizade entre James e Sirius tinha mudado. Eles ainda se entendiam por um olhar, sem dúvida alguma, mas não se tocavam mais, não se jogavam um sobre o outro, não conversavam sobre travessuras. Aliás, todo assunto se resumira a amenidades ditas na sala de estar, onde os dois morenos procuravam se sentar o mais afastado o possível um do outro. Parecia uma espécie de pacto de paz silencioso entre eles. Mas pactos vinham apenas resolver desavenças ou impasses, e Remus queria saber que impasse era aquele entre os dois, que sempre foram unha e carne, sem cutícula para separar.
Deixou os dois darem boa noite para a garota, que sorria daquela forma adorável, e fecharem a porta para cruzar os braços e fita-los com severidade. Quase se arrependeu ao perceber quanto da vivacidade aquele problema, que ainda não sabia do que se tratava, tinha sido tirada de ambos. Seus olhos pareciam opacos, seus atos, mecânicos e sem vida.
As coisas se encaixaram com um “clic” em sua cabeça. Carrega os dois amigos para a cozinha pelas golas de seus casacos, e imediatamente eles pareceram um pouco mais normais, parecendo zangados com o amigo.
- Ela é um monstro – Remus declara de supetão, interrompendo qualquer protesto que eles pensassem em fazer.
- Do que está falando, Remus? Nos puxa até aqui do nada e vem falando de monstros… parece que enlouqueceu – James diz ajeitando a gola do casaco, agora amassada.
- Ela é um monstro, James. Vocês viram zumbis do lado dela, e não é por nenhuma suposta rivalidade entre vocês, como presumo que esteja pensando – Os dois morenos se entreolham como se negassem, mas o leve rubor no topo de suas bochechas disse o oposto ao loiro. – Eu vi como agem com ela, não sou burro. Mas isso é feitiço, ela é um dos monstros de Hofundur!
O rapaz de óculos e o de olhos cinzas se sentaram nos bancos da cozinha, tentando absorver aquilo. Parecia algum tipo de teoria conspiratória, mas certamente possuía um fundo de verdade.
- Está ficando louco, Remus – Sirius ainda tenta argumentar, tenta tirar a razão dele, mesmo no fundo sentindo que era verdade.
- Você sabe que não. Os dois estão apaixonados por ela em poucos dias e já não agem como vocês mesmos. Ela suga toda atenção de vocês a todo tempo, e suga a vitalidade de vocês. Parecem zumbis, Sirius – Remus repete, fazendo os rapazes se sentirem em um beco sem saída, os corações um tantinho mais tensos.
- O homem da loja disse a sua mãe que era linda… que tinha os olhos mais lindos que ele já tinha visto – James constata e suspira, a verdade caindo como um bloco de concreto sobre sua barriga. Fecha os olhos e esfrega as pálpebras, dando um gemido baixo. – Como é que não vimos isso antes? Era tão… óbvio.
- É para isso que eu existo – Remus comenta com as mãos na cintura, fazendo os outros dois rirem.
- Mas ela é uma garota, James. Nós sabemos que ela é uma garota – O garoto Black argumenta, o coração apertado. – Por que minha mãe faria um monstro com formato de garota, uma garota bonita e inofensiva como ela? – Parecia inconformado. Infelizmente para seu querido fiapo de esperança, Remus detinha a resposta para aquilo.
- Para separar você e James, Sirius. Vocês não brincam mais, não se falam mais. Separar vocês os deixa fracos – Com a resposta do licantropo, o moreno levanta-se do banco e tem ímpetos de jogá-lo no chão, assim como tudo na cozinha. Os olhares dos outros dois são compreensivos.
- A Senhora Black não deve ter contado com vocês dois gostando dela, certamente. E ela não parece estar pronta, pela forma como não consegue falar direito, ou fazer certas coisas da maneira correta. Mas com certeza era para um de vocês se apaixonar por ela e abandonar o outro, como você estava se sentindo abandonado em minha casa, Almofadas – Lupin tenta alcançar o amigo para consolá-lo, mas este se desvencilha.
- Se sentindo sozinho na casa de Remus? Sentiu minha falta, Síria? – James brincou e riu, o que fez o moreno perceber o quanto a teoria de Remus era verdade. Se sentia vazio sem a amizade dos dois, mas principalmente a de James, que era tão parecido consigo mesmo. Não que gostasse de um mais que do outro, mas certamente James ocupava uma parcela maior de seu tempo, e sentia a presença do amigo como a própria, algo natural, um enxerto de sua própria carne. Pelo modo como ele o olhava, sabia, mesmo por trás daquele óculos redondo ridículo, que ele sentia a mesma coisa. E, por algum motivo, o que sentia por aquela estranha garota ruiva tinha abafado isso, posto isso sob uma máscara sombria, e todo o resto fora preenchido por aquela paixonite boba. Não precisavam dizer mais nada, sabiam. Se perdoavam, se entendiam.
Sirius avançou sobre James, que se pôs em posição defensiva, recebendo apenas um abraço. Riram e bateram um nas costas do outro até gemerem de dor com a brincadeira. Planejavam fazer o mesmo com Remus, que já tinha notado o plano dos dois, quando uma figura clara apareceu na porta.
A garota ruiva estava ali de pé, os lábios em um bico gracioso, uma lágrima cristalina descendo pelos olhos. Surpresos, todos os três rapazes tentavam se conter para não caírem naquela atração quase irresistível que ela colocava sobre eles, mesmo inconscientemente. Ela estava descalça, vestia uma camisola de mangas branca da mãe de James. Este apertou o ombro de Sirius, lembrando-o e a si mesmo de como que lidavam.
Os olhos claros estavam sonolentos e um tanto tristes. A mão alva passa pelo rosto, secando a face molhada pela lágrima.
- Parece que tem algum tipo de programação nela – O loiro observa, apesar de pressentir o perigo na espinha. – Vocês descobriram a função dela, agora ela tem que resolver o problema de outra forma. – Prende a respiração quando ela dá um passo em sua direção, os olhos verdes muito vivos com uma tempestade em suas águas rasas e cristalinas.
Ela pega a mão de Remus nas suas e a observa, palma e costas. O rapaz se sente trêmulo, tentando manter em mente que aquilo fazia apenas parte do feitiço que ela carregava como essência. A ruiva encosta a mão dele ao seu rosto, os olhos fechados, parecendo muito frágil e bonita.
- Solte ele – James declara o mais firmemente que pôde, dando um passo a frente sem soltar o ombro de Sirius, como se aquilo o mantivesse na terra. Sirius, por outro lado, não mais se movia. James sabia o que estava acontecendo com ele, aquela desgraçada raiva o dominando, o ciúme corroendo suas veias. Apertou-o mais e fechou os olhos, cansado de lutar. - Solte-o.
A ruiva pareceu realmente magoada, naquele momento. Fitou-o como se não pudesse fazer o que ele pedia. Ele desejou mais do que tudo que ela pudesse falar, explicar para que tinha sido feita e como poderiam consertar aquilo.
- O que faremos com ela? – Sirius indaga por entre os dentes, engolindo em seco.
- Eu acho… eu acho que temos que entrega-la ao Ministério. Ou mata-la – A voz do loiro sai em um fio, sua respiração tão fraca.
- Não… querer… mal – Ouvem a voz da ruiva tão baixa quanto a de Lupin, que parecia triste, arrependida. A menina se aproxima do balcão, tocando-o. – Ser… obrigada.
- Sabemos que não é sua intenção – Black se adianta, evitando a vontade de abraçá-la. – Não é culpa sua. – Ela pareceu mais tranquila com aquela declaração, sorrindo levemente.
- Eu… Voltar… Pai? – Ela indaga baixinho, erguendo de novo o olhar aos rapazes. A descoberta parecia diminuir o efeito do feitiço dela, ou ela mesma teria aquele poder e o fazia naquele momento.
James nega com a cabeça e o sorriso dela se alarga, parecendo aliviada.
- Você está controlando seu… encanto? – Remus questiona sem rodeios, abruptamente. Ela assente com a cabeça. – Te faz mal?
- Dor – A mão dela vai sobre o próprio peito. Sob o olhar espantado deles, sorri. – Pequeno – A menina dá uma risada rápida, fazendo-os entender que era pouca dor, apesar da dificuldade de expressão dela.
Sirius se sentou na bancada, se sentindo confortável, sem aquele peso da angústia no peito. Remus sentou-se ao lado dela, conversando com o amigo, os dois ouvindo e rindo das intervenções difíceis, mas inteligentes dela, que apesar da dificuldade de expressão. Os dois a tratavam normalmente, agora que o feitiço dela tinha sido contido, conversando com ela como conversariam com uma amiga.
Apenas James ainda sentia o coração um tanto inchado ao olhar para ela, como se quisesse ocupar mais espaço do que poderia. Apenas James continuava sentindo aquelas borboletas voando no estômago, deixando-o com as mãos suando, sentindo-se eufórico como se estivesse em queda livre.
Apenas James Potter continuava sentindo-se insanamente atraído pela garota-monstro, e apenas ele notou quando ela ergueu os olhos para si como se soubesse de algo, os lábios avermelhados se curvando em um sorriso que fez todo o ar de seu corpo escapar por seus pulmões.
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