Quatro

Acordaram mais ou menos na mesma hora e começaram a arrumar tudo silenciosamente. Remus ficou com a tarefa de enterrar as cinzas da fogueira , Sirius de apagar os rastros deles como cão, jogando algumas folhas e apagando pegadas e do acampamento, enquanto James empacotava tudo nas mochilas.

Caminharam até o cume da colina e ficaram combinados desta forma: Sirius desceria pela encosta da clareira e esperaria Remus e James, que iriam pelos fundos da casa, virada para o outro vale. Sirius então se aproximaria da casa e começaria a latir, atraindo Hofundur. Assim que o homem saísse da casa, Sirius daria um jeito de atraí-lo para o vale, dando tempo assim para James e Remus vasculharem a casa e matarem qualquer coisa que parecesse perigosa ali. Sairiam assim que pudessem e abririam a porta da frente da casa como sinal para que Sirius entrasse na mata e encontrasse os dois rapazes na entrada da pequena cidade.

O moreno se tornou cão e fez como combinado, descendo silenciosamente até a diagonal da casa de Hofundur, de um lugar onde conseguia ver a porta da frente da casa. Assim que Remus e James lhe deram o sinal com o apito canino, o rapaz aproximou-se da casa e começou a latir ruidosamente.

- Mas o que é que... Que diabos é você?! Vá embora! – Um homem de curtos cabelos negros, barrigudo, pequeno e enrugado, vestindo roupas de moda antiquíssima, as peças sujas e surradas, sai da casa bradando com uma bengala contra o cão negro na sua porta.  – Esses aldeões e suas criaturas nojentas, agora elas vem sujar o meu quintal! Vai embora!

Sirius viu aquela bengala como sua melhor oportunidade. Latiu mais algumas vezes e pulou sobre os degraus que davam nivelamento do chão para a varanda da casa, mordendo a bengala de madeira e correndo na direção contrária ao homem, em direção à base do morro. O homem soltou alguns xingamentos e saiu andando rápido com grande dificuldade, a barriga pesada quicando dolorosamente a cada passo mais rápido que dava.

James e Remus ouviram o barulho dos passos do homem se afastando na grama baixa, e se esgueiraram rapidamente para dentro da casa. A casa era de madeira, tinha telhado escuro e a pintura branca já estava bem descascada, dando uma aparência sombria ao local. Pularam a janela da sala, levando alguns instantes para se acostumarem com o aposento escuro, assim como toda a casa. Assim que se acostumaram, se depararam com uma sala, cortinas avermelhadas, tapete, cadeiras estofadas com motivos florais. Certamente aqueles eram os móveis da casa antiga do homem, que conservavam o toque feminino que a esposa consagrara na Islândia.

Vasculharam sala, cozinha, hall de entrada, quartos. Parecia uma casa normal, um tanto suja e empoeirada até nos locais onde ele deveria ficar. Era como se ninguém morasse ali.

- Ele deve passar os dias em outro aposento – Remus diz voltando para a sala, onde James apalpava uma estante de livros pacientemente.

O de óculos se larga no chão sentado, suspirando.

- Não há nada aqui, Remus. Não podemos ter nos enganado. – Potter protesta e Remus o puxa pelo braço.

- Vamos, nós vamos achar alguma coisa. Tem que ter alguma coisa aqu... – Um sinal da mão de James e Remus se cala. Tem os olhos fixados em uma porta da cor da parede, que quase passara despercebida, se não fosse pela fresta aberta dela. Não tinham notado de início pois estava fechada, mas com a abertura da janela, o vento a empurrou para frente, o que deu o vislumbre ao rapaz sentado de algo que não tinha visto antes, mas que certamente prendeu sua atenção.

Ele ficou de pé, sem piscar uma vez sequer, e dirigiu-se à porta. Fascinado, atordoado, hipnotizado, Remus começou a ficar com medo da reação do amigo enquanto este abria a porta devagar, revelando uma pequena saleta clara, cheia de estantes brancas. Logo de frente para a porta, ao fundo da sala, havia uma figura sobre uma cadeira de balanço branca.

Ela estava parada, muito parada, apesar de a cadeira balançar infinitamente. Piscava pouco, os olhos fixados em alguma coisa além deles mesmos, que já estavam na frente dela. A garota tinha face inexpressiva, o rosto inclinado para o lado, apoiado sobre o ombro. Sua pele era alva, com algumas sardas pequenas, seus olhos verde-claros, límpidos, e seus cabelos ruivos, puxados para o vermelho, levemente encaracolados. Vestia um vestido branco simples e, pela estrutura de face e corpo, com seios bem formados, cintura fina, pernas esguias e quadris largos, deveria ter a idade deles.

James não tinha consciência de estar respirando. A garota era linda, com uma franja delicada sobre sua testa, emoldurando o rosto belo, o nariz fino, os lábios cheios. Ele estende a mão para tocá-la, mas não consegue. Remus, um tanto espantado, olha em volta, vendo as estantes brancas cheias de frascos transparentes tampados. Dentro destes frascos, inúmeras criaturas magicamente diminuídas lutavam contra o vidro, uma mais estranha e bizarra que a outra. Em outros desses vidros, pastas, espinhos diminuídos, ervas, coisas que pareciam “materiais” para criação de monstros.

O loiro toca o ombro de Potter, que levou alguns instantes para conseguir tirar os olhos da garota na cadeira de balanço. Olhou espantado em volta, um tanto desesperado com a quantidade de criaturas daquela sala.

- Se quebrarmos os potes, as libertaremos – Remus declara sua conclusão um tanto desesperada ao amigo, que prende a respiração.

- O que faremos, então? – O moreno indaga, a varinha bem presa por entre os dedos.

- Fogo – Uma voz doce, aguda e inexpressiva chama a atenção dos rapazes, que dirigem seus olhos para a ruiva na cadeira de balanço. Ela repete mecanicamente. – Fogo.

- Parece que ela foi enfeitiçada para dizer o que querem. Hofundur deve tê-la feito sua companhia, para não se sentir solitário. Sabe-se lá o que esse homem fez com essa garota para que ela ficasse assim... – Remus diz, mas James já estava procurando algo na sala. Logo deita os olhos em uma mesinha perto da porta, que tinha um porta retrato e uma vela branca simples sobre ela.

- Fogo... – James repete e repentinamente sabe o que fazer. – Remus, pegue a garota e tire-a daqui. Eu vou virar a vela no chão e queimar esse lugar, assim parecerá que o vento a derrubou, e tudo se tornará um grande acidente. – O loiro assente ao ouvir o plano do amigo e pega a garota no colo. Caminha rapidamente para a janela da casa, conseguindo sair pela maior janela aberta da sala, mas mesmo assim acaba caindo de bunda no chão com ela por cima, sem um arranhão, felizmente.

James, dentro da casa, soprou a vela de perto com força no mesmo ângulo que o vento batia, fazendo a vela cair. Com um feitiço, então, fez o fogo aumentar rapidamente, ouvindo os guinchos baixos dos animais diminuídos por dentro dos potes, alguns deles morrendo rapidamente devido ao calor, outros, mais resistentes, sendo mortos por parte de vidro derretido ou deformado pelo calor. James então pula pela janela e dá rapidamente a volta na casa para abrir a porta da frente, para então voltar aos fundos, achando Remus com a garota no colo na orla da Floresta.

O moreno pegou a garota do colo de Remus, decidido, e eles se seguem à entrada da cidade. Duas horas depois, Remus está sentado na grama e James tem as costas apoiadas na árvore, a garota apoiada em seu peito, sobre seu colo. Sirius aparece pela rua principal da vila, como cão, parecendo cansado e sedento.

Ele se deixa cair deitado na grama, voltando a ser humano, mas mantendo a língua para fora para arfar. Remus ri e joga um cantil de água para o amigo, que recebe com gratidão.

- Ele começou a tentar me efentiçar – Diz por entre arfadas de ar, olhando para o céu. Dá uma risada e vira-se de bruços. – O despistei quando ele viu o fogo na casa dele. Bela jogada – Cumprimenta Remus, só então notando James alguns passos mais afastado, uma garota no colo. – Quem é essa aí?

- Não sabemos. Estava na casa de Hofundur, junto das criaturas dele. Só Merlin sabe o que Hofundur fez com essa garota para que ela ficasse assim. Parece uma boneca de pano, e só balbucia algumas palavras desconexas. – Remus explica, observando com alguma preocupação James tirar o cabelo dos olhos dela, que se fechavam apenas quando ela se encostava ao peito do amigo.

- Ele pode tê-la sequestrado. Transformado em algum brinquedo dele, ou companhia – O moreno comenta e os dois amigos assentem.

- Temos de levá-la conosco para que descubram quem é e de onde veio. Diremos que a encontramos perto de minha casa – James diz erguendo-se do chão com ela no colo, fazendo aquilo parecer extremamente fácil, mesmo que não fosse tão forte quanto Sirius, batedor.

Fizeram o caminho de volta um tanto mais relaxados e brincalhões que antes, e tentaram conversar, tirar alguma coisa da garota, que não respondia a menos que perguntassem em voz alta a solução para algum problema, mesmo que bobo.

- Como vamos para sua casa agora? Estou com fome, quero chegar lá rápido – Sirius resmungou sob um telhado na chuvosa Londres, protegido da chuva com os dois amigos e a garota, que só ficava de pé apoiada em James. Este se tornara o principal protetor da garota, ajudado pelos amigos.

- Homem de verde – Ela balbucia, atraindo a atenção dos três. No instante seguinte um homem gordo de casaco verde passa caminhando rápido na frente deles, com dificuldade. Remus olha para Sirius, que arrisca:

- Olá – Chama a atenção do homem, que para e sorri, simpático. – Nós estávamos fazendo compras, mas somos menores e agora não podemos ir para a casa com toda essa chuva. O senhor pode nos dar uma carona? – O rapaz hesita, vendo o homem grisalho olhar para cada um dos quatro com atenção.

- Onde estão indo? – Ele indaga suavemente.

Sirius indica o endereço, causando ao homem uma gargalhada espontânea e alta.

- Deram sorte! Meu hotel é logo depois de onde vocês vão. Vamos, estou com um carro alugado aqui perto. Sou francês, vim para um congresso, talvez vocês possam me ajudar a me achar nessa cidade enorme! – O homem declara com um leve sotaque francês, caminhando rápido sem esperar que os rapazes o seguissem.

Eles o seguem rapidamente, chegando a um carro preto estacionado na rua, onde James depositou a garota, sentou-se e Remus ao lado deles. Sirius sentou-se na frente junto do senhor simpático.

- Eu sei que meu hotel fica logo depois, mas não sei exatamente como chegar lá. Sou francês – Explica, sorrindo. – Devem ter notado meu sotaque. Vim aqui apenas para um congresso. Mas não se preocupem, sou muito familiarizado com a mão inglesa! – Dá uma risada ligando o carro, onde nenhum dos quatro teve coragem de comentar nada.

Sirius fez as indicações ao homem, que comentou ser um professor na França e estar namorando uma senhora sua vizinha – olhando pelo retrovisor para observar James, que tinha um braço sobre o ombro da garota ruiva, sustentando-a e apoiando-a.

Ele os deixa perto do portão da casa dos Potter, onde já não chovia, apesar de o chão ainda estar úmido. Eles dão algumas indicações para o homem, que agradece gargalhando, e segue com o carro pela estrada ruidosamente.

Os rapazes entram em casa cansados, largando bolsas e tudo no hall de entrada.

- O que faremos com ela, Pontas? – Sirius indaga, vendo a menina sentada no sofá.

- Vou pedir às elfas para a banharem e vestirem, e darei de comer a ela. Ela dormirá aqui esta noite, e amanhã, quando meus pais chegarem, direi que a achamos atordoada na rua e a trouxemos para casa. – Os dois amigos do dono da casa assentem com a cabeça.

Eles arrumam as coisas que tinham levado cada uma em seu lugar para não levantar as suspeitas dos Potter. Tomam seus banhos, vestem-se, jantam e, quando se cansam de jogar qualquer coisa, se ajeitam, Remus e Sirius no quarto de hóspedes, James ao lado deles e a ruiva no quarto da frente, para que, se precisasse ou acontecesse alguma coisa, estivessem perto para ajudá-la.

Durante a madrugada, por outro lado, James observou na garota a terceira ação de vontade própria que ela executava, quando sentiu o próprio colchão afundar pouco. Acendeu o abajur ao lado da cama e se deparou com dois olhos verdes, inexpressivos, quase assustadores o fitando.

- Algum problema? – Indaga pondo os óculos, sem entender nada. Ela avança mais sobre a cama, engatinhando com a desenvoltura de um felino até o lado do moreno.

Quando ela deitou-se, a cabeça apoiada em seu peito, ele sentiu-se um pouco estranho. Entendeu que ela o identificava como Hofundur, ou melhor, como a autoridade a quem ela devia obedecer, responder. Ela repetia mecanicamente as ações que devia praticar com o homem, como dar respostas aos seus problemas e abandonar-se a seus cuidados submissamente. Por outro lado, algo em seu peito ordenava-lhe imperativamente que cuidasse dela.

Deitou a cabeça no travesseiro, sentindo a fragrância que exalava dos cabelos dela, e apaga o abajur com uma mão, tendo imensas dificuldades para dormir durante toda a noite. 

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