CAPITULO VI
CAPÍTULO VI
—Não comeu nada, senhora — disse Marlene ao tirar a mesa do jantar.
— Não estou com fome.
— Mas devia estar. Não comeu quase nada ontem durante o dia e também à noite.
— Não estou com fome — Lilian repetiu.
A apreensão, o desapontamento e a tristeza pareciam impedi-la de engolir qualquer alimento. Levantando-se, ela dirigiu-se à janela.
Até dois dias atrás, sentia-se mal por permanecer fechada no palácio, e achava cansativo ficar olhando aqueles jardins formais. Agora, porém, o que mais desejava era continuar morando ali, ficar sempre ao lado de Tiago Potter, fazer parte dos planos que ela tinha para a Kavónia.
Quando Marlene saiu da sala, ela não se virou.
Lá fora o sol poente esparramava um clarão glorioso. Entretanto, para Lilian tudo parecia escuro e as trevas tomavam conta de seu coração.
Nos seus pensamentos, porém, permanecia insistente e nítida a lembrança do êxtase que o beijo do general provocara nela.
A recordação dele era suficiente para que ela sentisse a chama de um fogo inextinguível ardendo no seu interior, e seus lábios tremiam, ansiando pelos de Tiago.
— "Amo-o! Amo-o tanto! Mas jamais significarei coisa alguma para ele. Não passo de uma simples figura representativa."
Ao pensar que ele talvez ainda amasse a princesa Athena, sobre quem Marlene lhe havia falado, sentiu algo como uma espada traspassando-lhe o coração.
Como seria a princesa? Seria bonita? Talvez a mulher perfeita que ela uma pobretona, jamais conseguiria ser?
Ela imaginava Athena sendo uma linda mulher de puras feições gregas: quem sabe a perfeita Afrodite para Apolo.
Tiago certamente acharia que ela era a mulher ideal para ficar ao seu lado quando fosse coroado rei da Kavónia.
Esses pensamentos eram uma tortura, mas não saíam da cabeça de Lilian.
Pensando em seu casamento, concluiu que ele não passara de uma representação teatral e que Tiago havia sido muito hábil em substituir na lenda a figura de Petúnia pela dela. Vestida de noiva ela assemelhava-se a uma ninfa, o que levou aquela gente sofrida a pensar nela como a verdadeira representação da profecia.
O misticismo que a própria Lilian pressentira na gruta, quando rezava por Tiago parecia não mais existir.
Naquele momento, ela sentia-se arrasada, vazia e sem importância, como a tia sempre a descrevia, ou seja, "pouco mais do que uma criada".
O sol se escondeu.
Aquele era o momento maravilhoso do crepúsculo, quando as sombras pareciam cheias de segredos, e as estátuas, na brancura do mármore, ainda eram visíveis, apesar da escuridão invasora.
Lilian, porém, só enxergava o belo rosto de Tiago Potter, sua testa larga, seu nariz reto, o queixo másculo e os olhos dele fixos nela.
O que ele pensaria? O que sentiria por ela? Tiago era um enigma, um homem que talvez ela jamais compreenderia.
Uma forte batida à porta interrompeu-lhe os pensamentos. Seu coração saltou dentro do peito e ela quase perdeu a voz.
Afinal, conseguiu articular algumas palavras e mandou a pessoa entrar. A porta abriu-se, e Lilian viu o general. Sua felicidade foi tão grande que ela correu impetuosamente ao encontro dele.
Então, surpresa, viu os dois soldados que o seguiam.
Um deles fechou a porta e então permaneceram em posição de sentido, dentro da sala.
Lilian os fitou com um olhar indagador, sem conseguir esconder o espanto que a dominava.
Potter deu alguns passos, estacionando no centro da sala. Seu rosto tinha uma expressão indecifrável.
— Desejo falar com você.
— Estive esperando-o. Mas... por que os soldados o acompanham?
— Trouxe-os para que você se sinta segura.
— Segura? O que está havendo?
— Precisa proteger-se contra mim. Na noite passada abusei da confiança que você depositouem mim. Isso não acontecerá novamente.
— Não compreendo — ela disse, Lilian, sem ousar acreditar no que acabava de ouvir.
— Acho que compreende. E o que tenho a lhe dizer não tomará muito tempo.
Subitamente ela compreendeu. Ele referia-se ao beijo da gruta. Tinha vontade de chorar, e por isso rapidamente disse:
— Mande os soldados embora. Não conversarei com você enquanto eles estiverem na sala.
— Acha mesmo prudente?
Receando demonstrar seus sentimentos, ela foi até à janela.
— Diga a eles que saiam! — repetiu com voz trêmula. — A presença deles é para mim um insulto.
— Não foi minha intenção insultá-la.
Potter dispensou os soldados e, de costas, ela percebeu quando eles saíram e fecharam a porta.
Lilian continuou olhando o jardim, agora mergulhado nas sombras silenciosas. De certa forma, essa era a imagem de seu futuro e tal comparação pareceu-lhe triste e ameaçadora.
— Vim aqui para lhe dizer — começou o general — que há um navio ancoradoem Khevea. Uma carruagem estará a sua disposição dentro de uma hora, para levá-la ao porto.
Por um momento Lilian sentiu-se paralisada, mas, com esforço, virou-se encarando-o.
Jamais vira um olhar tão duro, a ponto de o rosto dele apresentar uma coloração quase cinzenta.
— Um... navio?
— Um navio inglês. Está indo para Atenas, e lá você poderá encontrar-se com seu tio e sua prima. Caso ela vá diretamente para a Inglaterra, chegará à sua pátria em segurança.
Era difícil para Lilian acreditar no que ouvia.
Acreditava que Potter não se importava com ela, mas jamais imaginara que ele quisesse ver-se livre dela tão rapidamente, pois deveria estar preparada para partir em uma hora. Os grandes olhos de Lilian fixaram-se no rosto do general. Da mesma forma que uma pessoa que está afogando-se, vê toda a sua vida passar diante dos olhos em poucos segundos, ela captou cenas cruentas do futuro que a esperava no castelo sombrio do duque onde, numa atmosfera de ódio, serviria e obedeceria aos tios o resto de sua vida.
Se antes tinha sido difícil suportar seu fardo, agora ele seria intolerável, pois seu coração ficava na Kavónia.
Permanecer ao lado de Tiago, sabendo que ele não a amava seria difícil, mas infinitamente pior seria viver longe dele, na Inglaterra, sem esperanças de vê-lo novamente.
Como se a voz dele viesse de muito longe, ela escutou-o dizer:
— Devo agradecer-lhe por tudo o que fez por meu país, mas acredito que estou agindo da maneira mais correta, mandando-a de volta ao seu país.
— Eu... eu pensei que... estivéssemos casados.
— Posso conseguir a anulação do casamento civil. Quanto ao religioso, embora leve tempo, também será anulado, pois posso provar que foi realizado contra a sua vontade.
"Ele pensou em tudo", disse Lilian a si mesma,em desespero. Percebendoque Potter estava prestes a se retirar, ela disse:
— Por favor... deixe-me ficar.
— Sabe que isso é impossível.
— Mas por quê? Não criarei nenhum problema. Não exigirei coisa alguma e poderei, talvez... trabalhar pelo povo.
— Não acho que seja uma boa sugestão — disse ele em tom severo.
— Enquanto não constroem o hospital, eu poderia cuidar das crianças doentes — argumentou Lilian, numa tentativa desesperada.
— O melhor para você será voltar para a vida que conhece. Não tem nem idéia das dificuldades e perigos que o futuro pode apresentar.
— Não tenho medo. Acompanhei-o ontem à noite.
— Reconheço que foi muita coragem de sua parte, mas na próxima vez nós poderemos não ter a mesma sorte.
— Próxima vez? Há chances de sofrermos novos ataques? Não posso acreditar. Temos os seus canhões, e os poucos soldados que restaram das tropas dele não serão ameaça para o Exército Popular.
— Eu não pensava nas forças do rei — respondeu Potter como se necessitasse dar explicações. — Há outras dificuldades.
— Diga-me quais são elas!
— Não adianta estarmos aqui discutindo. O tempo está passando e você precisa fazer as malas. Além disso, são duas horas de viagem até Khevea.
— Na verdade, não seria uma viagem longa demais, para ser feita a esta hora da noite? — perguntou Lilian desolada.
— Um pelotão da Cavalaria, sob o comando do major Black, seguirá a carruagem.
Não havia o que responder diante de tanta firmeza.
— É claro que virei despedir-me assim que você estiver pronta — disse Potter, encaminhando-se para a porta.
— Não posso ir! Por favor, deixe-me ficar! Há tanto o que fazer aqui!
— Não!
O monossílabo soou tão áspero, que ficou ecoando pelas quatro paredes da sala.
— Já não lhe disse que não causarei problema algum. Não vou viver no palácio, se você não me quer aqui. Mas deixe-me ficar na Kavónia!
— Não!
Lilian sentia estar perdendo o controle. As lágrimas enchiam seus olhos, sua garganta se apertava cada vez mais.
Tiago se encaminhou para a porta e, desesperada, Lilian percebeu que ele estava saindo de sua vida para sempre. Com ele sairia a luz, e seu destino seria viver na escuridão.
Ele girou a maçaneta.
— Tenho algo... para lhe pedir.
A voz dela soou pouco mais alto do que um murmúrio, e ela receou que ele não a tivesse ouvido.
— O que é?
Lilian não podia acreditar que fora Tiago quem respondera naquele tom tão frio, distante e indiferente.
— Para eu ter algo de que me lembre, poderia dar-me... um beijo... de despedida?
Por um momento Lilian pensou que ele fosse recusar, e quando ele se virou não pôde ver a expressão do seu rosto, pois as lágrimas turvavam-lhe a visão.
Vagarosamente, passo a passo, ele foi caminhando em direção a ela. O coração de Lilian batia descompassado e freneticamente. Seus lábios tremiam, antecipando a glória de ser novamente beijada por ele.
Infelizmente, era um beijo de despedida, o último que ela conheceria, a única felicidade que teria para recordar nos anos futuros.
— Por que me pede isso? — perguntou Tiago Potter.
Seu tom de voz agora era outro.
Lilian que se encontrava a poucos passos dele, tentou olhá-lo, mas foi impossível.
Fechando os olhos e erguendo o rosto, ela murmurou:
— Por favor, beije-me... por favor...
Era uma súplica que vinha do mais profundo de seu ser, e como ele não se movesse, Lilian pensou que ele a rejeitava. Então, subitamente, ele se aproximou dela e tomou-lhe a mão.
— Venha! — disse.
Tiago puxou Lilian, pela sala afora, passou pela porta e pelos guardas, saindo apressadamente pelo corredor, em direção à grande escadaria.
Tiago não soltava a mão de Lilian, e ela se viu obrigada a levantar a cauda do vestido, para descer a escada sem risco de cair. Quando passaram pela porta da frente, os guardas fizeram continência.
Sem soltar a mão de Lilian, ele desceu para o pátio, onde a esperava uma carruagem aberta.
Tiago ajudou-a a subir na carruagem, entrandoem seguida. Deuuma ordem ao cocheiro e os cavalos partiram a passos velozes, mal ela se recostou no assento.
O que estava acontecendo? Por que aquele comportamento? Estaria Tiago Potter levando-a pessoalmente para o navio, assim como ela se achava, sem ao menos trocar de roupas ou portar qualquer bagagem?
Tinha vontade de perguntar a ele o que se passava, mas sua garganta continuava apertada, e as lágrimas pareciam prestes a transbordar de seus olhos.
Era verdade que Tiago estava próximo dela, todavia não a beijara, conforme ela havia pedido.
"Foi muita insolência de minha parte solicitar tal coisa" pensou.
Recusando o pedido dela, Potter fechara as portas do céu diante do rosto de Lilian.
"Não há mais nada que eu possa fazer", pensou.
Ela havia implorado a ele que a deixasse ficar na Kavónia mas falhara. Pedira-lhe que a beijasse, e ele recusara esse último momento de felicidade.
Agora a estava mandando embora, e ela nada mais tinha a dizer. Nenhum apelo poderia ser feito.
Subitamente, a carruagem parou. Lilian abriu os olhos, piscou diversas vezes e viu que se encontravam em uma propriedade muito bonita, cercada de ciprestes e jardins. A carruagem estacionou diante de uma casa grande, e mesmo na penumbra podia-se ver que era muito bonita. Na verdade, era uma villa.
Um criado correu para abrir a posta da carruagem, e Tiago Potter desceu.
Depois estendeu a mão para ajudar Lilian a descer, e ao contato dele, ela estremeceu.
Tiago a conduziu para o interior da casa, e ao passar rapidamente pelo hall, Lilian pôde observar as paredes brancas e a iluminação suave que vinha das luminárias de alabastro.
Ainda sem dizer uma palavra, ele levou-a para uma sala de estar com janelas muito altas, que se abriam para um jardim.
Ali também a luz era suave, e a sala toda branca, parecia muito fresca.
Mas Lilian não se pôs a examinar outros detalhes da sala, pois seus olhos prendiam-se irresistivelmente ao homem que a acompanhava.
Aporta fechou-se atrás deles. Então, Tiago soltou a mão de Lilian, enquanto a olhava, tão de perto, que ela tremia de emoção com aquela proximidade.
Como Tiago permanecia calado, apenas fitando-a perguntou com a voz trêmula.
— Por que me trouxe aqui? Onde estamos?
Ela sentia-se perturbada pelas emoções por que passara.
Ao mesmo tempo, sentiu uma agonia indescritível por saber que a experiência maravilhosa que vivera chegara ao final.
Os lábios de Tiago estavam tão próximos dos seus, que Lilian ficou esperando, ansiosa, pelo toque mágico, embora não , tivesse forças para pedir novamente a ele que a beijasse.
— Por que queria que eu a beijasse? — ele perguntou.
A pergunta parecia vir de muito longe, de um outro mundo.
— Eu o amo... — ela sussurrou. — Por favor... deixe-me ficar na Kavónia!
Os braços dele envolveram-na repentinamente com tanta forca que me doeu o corpo, enchendo-a de felicidade.
— Pensa mesmo que eu poderia deixá-la partir?
— Mas estava mandando-me embora.
— Somente porque não merecia a confiança que depositava em mim.
— Não compreendo...
— Quando lhe propus casamento, dizendo-lhe que a cerimônia se realizaria apenas no civil para salvar as aparências, eu já sabia que seria um tormento para mim não poder tocá-la, não poder fazê-la minha. Acreditei, porém, que me controlaria.
Tiago fez uma pausa e suspirou.
— Creio que sou muito impulsivo e descontrolado, tão indigno de confiança como aquele soldado que tive de matar por tentar violentá-la.
— Você... você me queria... mesmo antes de nos casarmos? — perguntou Lilian, incrédula.
— Amei você desde o primeiro instante em que a vi!
— Mas olhou para mim com desprezo!
— Isso foi porque a associei às pessoas com quem estava. Mas isso não me impediu de achá-la a mulher mais linda que eu já vi na minha vida.
— Não pode ser verdade! — exclamou Lilian lembrando-se de como devia estar horrível com o traje de viagem que a tia escolhera para ela.
Tiago estreitou-a ainda mais em seus braços.
— Quando nós dois carregamos a criança para o interior daquela casa, já sabia que algo estranho acontecia comigo. Não foi somente a sua beleza que me fascinou, mas seu espírito, que Parecia tão semelhante ao meu. Quando fugi dos soldados, eu levava comigo a certeza de voltar a vê-la de alguma maneira.
— Você esperava encontrar-me no palácio? Ou achou que eu tinha ido embora com meu tio e Petúnia?
— Fiquei atônito quando a vi, e ao mesmo tempo senti uma felicidade tão grande que superou qualquer outro sentimento até mesmo a exultação que me invadia por me sentir tão forte a ponto de comandar uma revolução conta os austríacos!
— Nunca pensei, nem em sonhos, que você poderia me amar.
— Mas agora sabe disso?
Sem esperar resposta, ele procurou os lábios dela, e ambos se entregaram à emoção de um beijo longo, louco e sequioso. A sala parecia rodar e nada mais contava, a não ser uma luz ofuscante, uma luz que vinha do próprio Apolo.
Nos braços de Tiago, Lilian era transportada para muito longe, para um mundo de maravilhoso, onde não havia necessidade de se usar palavras, onde se vivia na glória que pertencia aos deuses.
No jardim, os rouxinóis cantavam.
Pela janela aberta, Lilian podia ver a lua, a mesma lua que na noite anterior brilhava sobre o vale e que ela contemplara enquanto rezava pelo sucesso da batalha.
Suas preces tinham sido ouvidas, e agora ela se encontrava ali, feliz como jamais alguém poderia sentir-se na face da terra.
— Amo-a, minha adorada!
A voz profunda de Tiago fê-la virar-se e olhar para o marido, que lhe beijou a testa e depois o rosto.
— Não podia acreditar que alguém pudesse ser tão perfeita, tão delicada, tão doce! Ainda me ama?
— Amo-o tanto que as palavras são pobres para dizer o quanto o adoro. Quando me beijou pela primeira vez, pensei que fosse impossível sentir algo mais arrebatador do que a emoção que eu sentia, mas... agora...
— Agora...
Ela escondeu o rosto no peito dele.
— Tenho medo! — ela murmurou.
— Medo do quê?
— De estar sonhando... de acordar e não encontrá-lo ao meu lado.
— Prometo-lhe que isso não acontecerá. Você é minha, Lilian você é minha esposa, e ninguém jamais irá nos separar.
— Você me ama de verdade?
— Nem que eu viva uma eternidade, o tempo será insuficiente para dizer o quanto a amo! Você é tudo o que eu sempre sonhei... É a mulher ideal por quem ansiei, é a mulher sagrada que eu trazia entronizada em meu coração e que pensava ser impossível existir, acreditando que fosse ilusão.
Ele falava com tanta emoção na voz profunda, que Lilian suspirou.
— Não deve dizer coisas tão maravilhosas. Isso me faz sentir.. da mesma forma que me senti quando os soldados beijavam minha mão e as mulheres a bainha de minha roupa... Sinto-me tão pequena... e indigna...
— Isso não é verdade!
— Como pode dizer isso com tanta segurança?
— Você é a ninfa que surgiu da espuma, e assim que nos vimos sabíamos que tínhamos sido feitos um para o outro, não apenas através dos olhos, mas com nossas almas e corações.
— E como poderia ter desejado que eu partisse?
Mesmo sabendo que pertencia a Tiago Potter, a voz dela ainda revelava sua mágoa.
— Agora envergonho-me do meu comportamento. Porém, eu pensei tê-la decepcionado e chocado. Sendo assim, o melhor para você seria mandá-la de volta ao seu país, embora isso me doesse demais.
— Não tenho casa na Inglaterra... — ela começou.
Lembrou-se então de que nunca havia falado a ele a respeito de seus pais, e que havia tanto a dizer, tantas explicações a serem dadas.
Quando se dispôs a contar tudo sobre sua vida ao marido, Potter tocou-a novamente, e ela estremeceu ao sentir sensações jamais sonhadas.
— Amo-a, Lilian! Amo-a tão apaixonadamente, tão desmedidamente, tão loucamente que é difícil concentrar-me em tudo o que preciso fazer pelo povo, pois meu pensamento está sempre com você.
Foi impossível Lilian responder. Mais uma vez ele a beijou, e chamas ardentes lhe percorreram o ser, enchendo-a de desejo e Paixão, fazendo-a sentir uma necessidade incontrolável de pertencer totalmente a Tiago.
— Você é para mim como Apolo — ela murmurou. — Foi o que pensei quando o vi pela primeira vez. Agora sei que você é mesmo o deus da luz.
Tiago cobriu-lhe o pescoço de beijos, e ela disse, com a voz ofegante:
— Meu pai me dizia que Apolo conquistava pelo poder de sua beleza... e de seu amor.
— Acha que foi assim que a conquistei?
— Sim! Oh, sim!
Não havia necessidade de palavras.
Lilian acordou tendo sonhado que Tiago a beijava, e constatou que isso era realidade.
Ele debruçou-se sobre ela, e seus lábios se uniram.
O quarto estava totalmente iluminado pelo sol da manhã. Lá fora os pássaros cantavam e uma fonte jorrava suavemente. Depois de alcançar as alturas, suas águas caíam sobre uma bacia de pedra.
— Está tão linda a manhã, minha querida — disse Tiago, que já se vestira.
— Vai me deixar?
As palavras de Lilian soaram como um lamento.
— Tenho que ir trabalhar minha adorada. É isso que dizem os homens, no mundo inteiro, pela manhã as suas amadas. Para mim o trabalho hoje será verdadeiramente árduo.
— Por que não me acordou ao levantar-se?
— Você dormia como uma criança. Não a chamei porque eu a contemplava e jamais vi algo tão suave e encantador quanto seu lindo rosto.
Lilian ergueu os braços para puxar os cabelos para trás. As cobertas escorregaram, e ela lembrou-se de que estava nua. Puxou os lençóis depressa, ficando corada.
— Não tenho roupas!
— Marlene vai trazer-lhe algumas peças — disse Tiago sorrindo —, mas prefiro você assim como está!
— Não fique me olhando desse modo... Fico encabulada!
— Você é minha esposa. Além disso, as ninfas usam pouquíssimas roupas.
Ele puxou os lençóis e beijou os seios de Lilian, um após o outro. Depois tomou-lhe os lábios, e ela viu o fogo do desejo nos olhos dele.
— Quero-a tanto! Só Deus sabe o quanto a desejo! Mas se eu não sair agora, minha gente vai pensar que seu soberano é um preguiçoso.
Levantou-se e continuo a olhar para ela.
— Se eu pudesse escolher, ficaria aqui o dia inteiro fazendo amor com você, dizendo o quanto você é maravilhosa, e perfeita. Mas hoje tenho que escolher o ministério e indicar muitas pessoas para cargos de responsabilidade.
Com esforço, ele virou-se para sair, mas Lilian segurou-lhe o braço.
— Dê-me apenas mais um beijo — ela pediu.
Tiago beijou-a intensa e apaixonadamente e sentiu que ela respondia com o mesmo calor, que seu corpo estremecia de prazer. Beijou-a então nos olhos e disse:
— Não me tente, Lilian! Você nem imagina como é difícil para mim deixá-la. Assim que tudo estiver organizado, faremos nossa lua-de-mel. Vou levá-la para a minha cabana nas montanhas, onde vivi todos esses anos. É um lugar rústico, mas lá ficaremos a sós, só nós dois.
— O que mais quero é ficar sozinha com você! Poderemos ir mesmo para a cabana?
— Assim que eu puder minha adorada, minha mulherzinha perfeita e maravilhosa.
Ele encostou-a nos travesseiros e caminhou resoluto para a porta.
— Quando poderei vê-lo?
— Ao meio-dia. Até o homem mais ocupado tem direito a um intervalo para o almoço.
Lançou-lhe um sorriso irresistível e saiu do quarto, deixando-a inundada de felicidade.
Olhando pela janela, ela lembrou-se do que Tiago lhe relatara na noite anterior.
A villa pertencia à família de Sirius Black. Quando Potter e sua mãe foram exilados da Kavónia, os Black recolheram do palácio real os tesouros dos Potter e os guardaram em sua villa.
Logo que o rei Ferdinand chegara à Kavónia, o pai de Sirius salvara a vida dele de um atentado de um grupo anarquista.
Uma bomba fora lançada na carruagem, e o coronel Black conseguira atirá-la longe, fazendo-a explodir na estrada, sem machucar ninguém.
O rei Ferdinand ficou imensamente grato. Quando os oficiais e os que ocupavam cargos importantes na Kavónia foram substituídos por austríacos, Black continuou em seu posto, sendo que mais tarde seu filho Sirius tomou seu lugar. A família Black gozava de privilégios no palácio, o que não acontecia com outros naturais do país.
Com o tempo, os Black ficaram horrorizados com a maneira como o rei Ferdinand governava.
O coronel afastou-se então do cargo, alegando estar muito velho para continuar no Exército. Mas o filho, por insistência do próprio Potter, que nessa época havia voltado ao país secretamente, aceitou continuar como oficial a serviço do rei, pois, permanecendo no palácio, poderia ajudar a Kavónia a recuperar sua liberdade.
— Amanhã mostrar-lhe-ei vários tesouros de minha família, que vêm sendo acumulados há muitas gerações — dissera Tiago a Lilian, na noite anterior.
— Adoraria vê-los — ela respondera.
— Tudo teria sido destruído se não fosse a bondade de meus amigos.
— Pretende recompensar o major Black?
— Minha intenção é deixá-lo encarregado do treinamento do Exército. Apesar de ele ser muito jovem, posso confiar nele. E embora eu sonhe com um longo período de paz para o meu país, precisamos estar preparados para defender-nos.
— Não suporto pensar que você possa correr risco de vida novamente.
— O único perigo que corro no momento é de amá-la tanto e ser tão possessivo, que logo você ficará enjoada de mim.
— Isso jamais acontecerá. O que mais desejo é estar perto de você.
— Ficaremos juntos todos os dias. À noite você dormirá em meus braços.
— Aqui?
— Este será o nosso lar.
— Pensava nisso quando me trouxe para esta villa ontem à noite? Não compreendi por que quis tirar-me do palácio.
— Não poderia fazer amor com você, nem beijá-la num lugar que foi construído com as lágrimas e a miséria do meu povo. Uma coisa está decidida: jamais moraremos no palácio real!
— Eu prefiro viver aqui.
— A família Black faz questão de que moremos na villa deles até que eu possa construir uma casa para nós. Mas talvez eia melhor comprarmos esta propriedade.
Ele a apertara em seus braços e dissera em seguida:
— No momento isso não é importante. O principal é termos este lugar maravilhoso e aqui poderemos nos amar.
Suspirando, Lilian lembrou-se de que após essas palavras, Tiago a beijara com renovado ardor.
— Quando será proclamado rei? — havia perguntado a ele mais tarde.
— Nunca!
— Nunca?
—Acredito que este país já teve monarcas durante muito tempo. A Kavónia será um país independente, uma República.
— E qual será seu cargo?
— Serei o presidente, um presidente democrático. Acho que o mundo atual precisa desse tipo de governo.
Ele fez uma pausa e, olhando para a esposa, perguntara:
— Importa-se de não se tornar uma rainha, minha adorada?
— Meu único desejo é ser sua esposa.
— Você é e sempre será a esposa que eu adoro!
Depois de tê-la beijado, Lilian indagara:
— O que fará com o palácio?
— Uma de suas alas será transformada em hospital, até que tenhamos recursos para a construção de um prédio próprio para esse fim. Na outra ala funcionarão os gabinetes dos ministros. Sua parte central será reservada para receberem os visitantes e autoridades de outros países. Poderemos oferecer alguma recepção ocasional e mais tarde, quando o país estiver próspero, realizaremos ali alguns bailes.
Puxando Lilian para perto de si, Tiago continuara:
— Adoraria dançar com você, minha querida mulherzinha, mas por enquanto, contento-me em tê-la apertada em meus braços, assim, tendo nossos corpos bem unidos e como música das batidas de nossos corações.
Lilian sentou-se na cama, e as palavras ditas na noite anterior pelo marido ainda soavam nítidas em seus ouvidos. Colocou o vestido cor-de-rosa, que se encontrava sobre uma cadeira, depois as sandálias e por último as peças íntimas que estavam tiradas no assoalho.
Corou ao lembrar-se do modo como aquelas peças miúdas haviam sido arrancadas em meio ao ardor, ao delírio, à urgência que seu corpo e o de Tiago tinham um do outro, a ponto de afastarem completamente o bom senso, para dar vazão ao fogo que os consumia.
"Adoro Tiago!", pensou Lilian. "Obrigada, meu Deus, por esse amor! Obrigada por permitir que eu gozasse momentos de tão perfeita e inexprimível felicidade!"
Uma batida à porta interrompeu as divagações e as lembranças de Lilian. Em seguida, Marlene entrou.
— Já está acordada, senhora!
Lilian sorriu.
— Estou acordada, Marlene, e muito, muito feliz!
—Achei que a senhora ficaria mesmo felicíssima, quando soube que o general a trouxera para esta villa.
— É um lugar tão lindo! E é muito diferente do palácio!
O contraste entre a villa e o palácio era, de fato, marcante.
O quarto onde Lilian se achava era todo branco, assim como a cama, que não possuía pesados dosséis, como as do palácio. Esta tinha a cabeceira ricamente entalhada em cupidos e delfins, com arremates de prata.
Lilian tinha certeza de que tal obra de arte, assim como os tapetes de fundo branco e lindos desenhos coloridos, semelhantes aos padrões gregos, que se encontravam espalhados pelo assoalho, eram obra de artesãos locais.
Também tecidas à mão, as cortinas mostravam cores alegres.
Os cômodos da villa pareciam uma extensão dos jardins floridos que a cercavam, com suas janelas amplas.
O perfume das rosas e dos lírios era embriagador. Marlene ajudou Lilian a pentear-se e disse-lhe que o café seria servido ao ar livre, no pátio para o qual se abria a sala de estar dos aposentos que ela ocupava.
— Espero que você tenha trazido um belo vestido para eu usar — dissera Lilian, enquanto vestia a roupa de baixo.
— Trouxe um dos mais lindos e mais frescos, senhora. Trarei os outros mais tarde.
— Estou tão feliz por morar aqui!
— A Villa é muito pequena, comparada ao palácio, mas é fácil de manter. Os criados sentem-se orgulhosos em servi-los.
Sentada no pátio, à sombra de um toldo, Lilian não poderia sentir-se mais feliz!
Tudo o que ela desejava era viver ao lado de Tiago, cuidar dele, saber que ambos se pertenciam e que não mais ficaria sozinha.
Depois de tudo o que sofrerá, de toda miséria que enfrentara, aquela nova vida era como ter saído das profundezas do inferno e entrar no céu. Era estimulante saber que se tornara esposa daquele homem maravilhoso e que precisava dele, da mesma forma que ele dela.
"Devo ajudá-lo em todos os sentidos", pensou. "Posso fazer inúmeras coisas pelas mulheres e crianças da Kavónia."
Assim que estivesse com o marido pedir-lhe-ia permissão para visitar a garotinha que se machucara no acidente da carruagem. Desejava saber também a respeito das crianças que haviam estado no palácio.
Não havia dúvida de que suas mães as teriam apanhado, mesmo assim ela queria saber se as mesmas estavam bem ou se precisavam de cuidados médicos.
"Quero tomar esses assuntos sob minha responsabilidade, já que Tiago terá coisas muito mais importantes a preocupá-lo."
Terminado o café da manhã, Lilian foi conhecer os jardins. Achou-os mais lindos que os do palácio, que eram enfeitados demais com estátuas.
Rododendros de cores brilhantes enchiam de vida os canteiros. Lírios brancos lembravam a santidade da catedral, enquanto lindas orquídeas, de diferentes formatos e cores, cresciam naturalmente em árvores e arbustos.
Uma pequena cascata artificial precipitava-se do alto de uma pedra e vinha cair em um tanque, cuja superfície estava quase toda coberta pelas folhas achatadas dos nenúfares, sob as quais nadavam peixinhos dourados. No centro do tanque destacava-se um chafariz.
"Este é um lugar perfeito para o amor", pensou Lilian, percebendo que andara pelos jardins durante muito tempo.
Devia ser quase meio-dia. Seu coração deu um salto só de pensar que Tiago deveria estar voltando para ela.
Assim que ele aparecesse correria para seus braços com o mesmo ímpeto que tivera na noite anterior, no palácio, mas que não pudera concretizar por ele estar acompanhado de soldados.
Sentiu um calafrio ao lembrar-se de que, se tivesse que obedecer às ordens de Lilian, não estaria ali, mas a caminho de Atenas num navio inglês, indo encontrar-se com o tio e Petúnia.
Nada mais precisava temer de agora em diante.
Ela pertencia a Tiago e, como Apolo, ele trouxera a luz para a escuridão de sua existência. Em seu ser agora brilhava como dizia seu pai, "uma chama dançante e tremeluzente".
Lilian voltou para o interior fresco e agradável da casa, dirigindo-se à sala de estar, cujas paredes, mostravam telas pertencentes à família Potter. Iria observá-las atentamente mais tarde, mas enquanto aguardava o marido, apreciaria ao menos algumas delas. Entretanto a porta da sala se abriu e um criado anunciou:
— Um cavalheiro deseja vê-la, senhora.
Lilian virou-se e sentiu o chão sumir de sob seus pés.
O duque entrou na sala seguido de Petúnia.
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