CAPITULO VII
CAPÍTULO VII
Lilian ficou imóvel.
— Oh, aí está você! — exclamou o duque.
— Eu... não esperava vê-lo, tio Septimus! — balbuciou Lilian.
O duque pareceu-lhe corpulento e poderoso e mais uma vez ela se encolheu assustada, pois a raiva que ele sentia impregnava o ar de vibrações maléficas.
— Certamente que não! Mas como eu e Petúnia estamos de partida para Inglaterra, viemos buscá-la.
— Me buscar?
— Estamos a caminho de Khevea e graças a Deus, há um navio inglês no porto, que nos levará de volta ao nosso paísem segurança. Vamos, depressa! Apronte-se! Não temos tempo a perder.
As últimas palavras do duque foram sufocadas por um grito de Petúnia.
Ela também havia entrado na sala, mas só naquele instante percebeu que a prima usava um de seus vestidos.
— Como ousa vestir minhas roupas? Tire tudo o que é meu! Imediatamente, está ouvindo?
Petúnia se encaminhava para Lilian, que então olhou para o duque.
— Eu... tenho uma coisa para lhe dizer, tio Septimus.
— O que é? — perguntou ele rispidamente.
— Estou casada!
Se esperava surpreender o tio, certamente foi bem-sucedida. O duque olhou para ela, atônito, sem querer acreditar no que ouvira.
— Casou-se? Com quem? E como pode ter-se casado em tão pouco tempo, desde que nos separamos?
— Agora sou esposa do general Potter.
O duque pareceu não compreender o que aquilo significava. Segundos depois, deu um grito que mais parecia um rugido. Sua voz ecoou pelas quatro paredes da sala.
— Potter? Aquele revolucionário? O homem que destronou o rei e mergulhou este país num mar de sangue? Ora, deve estar mesmo louca!
Lilian tremia tanto que não conseguiu responder. Ela não conseguia afastar os olhos do rosto congestionado do tio.
— Só posso acreditar que tenha sido forçada a casar-se com esse homem — disse o duque, relutante. — No entanto, surpreende-me que ele tenha lhe proposto casamento. Bem, seja lá como for, esta união não é válida! Você sabe muito bem que na sua idade, jamais poderia se casar sem o consentimento de seu tutor, e isso não lhe darei, nunca! Deixe tudo por minha conta e prepare-se. Vamos partir para a Inglaterra imediatamente!
— Eu... eu não posso ir com vocês... — disse Lilian com voz trêmula, tentando mostrar-se corajosa.
— Fará exatamente como estou ordenando, a não ser que eu precise usar argumentos mais convincentes.
— Ela está usando o meu vestido, papai! — gritou Petúnia. — Está usando outras coisas minhas também! Ela precisa ser castigada! Não tem o direito de agir dessa forma!
— Lilian será punida depois que sairmos daqui. Quanto a isso, não tenha dúvida! No entanto, se quisermos chegar a tempo ao porto, temos que partir depressa.
O duque puxou o relógio do bolso.
— Você tem vinte minutos para arrumar suas coisas...
— Também quero levar tudo o que é meu — interrompeu Petúnia. — Quero de volta tudo o que eu trouxe. E não se esqueça papai, a tiara de diamantes da mamãe ainda está aqui.
— Não me esqueci.
Ele guardou o relógio no bolso e viu que Lilian não se movera.
— Então, recusa-se a obedecer as minhas ordens, Lilian?
O duque falou devagar, mas ela sabia que aquela voz aparentemente calma era sinal de algo terrível.
— Eu... devo ficar com meu marido.
A frase foi pronunciada com dificuldade, numa voz quase inaudível.
O duque ergueu a mão e Lilian encolheu-se, cruzando os braços sobre o peito, tentando proteger-se do inevitável golpe na cabeça, como tantos já recebidos no passado.
De repente a porta abriu-se.
O major Black entrou e o duque abaixou a mão.
— Fico contente em rever Vossa Alteza — disse o major amavelmente.
— Seu nome é Black, não? — perguntou o duque.
— Exatamente. Creio que se lembra de que viajamos no mesmo navio para a Kavónia.
— Sim, recordo-me — assentiu o duque, meio sem graça. — Mas... não compreendo por que ainda se acha nesta país.
— Tudo será explicado se ambos me acompanharem até o palácio. Tenho uma carruagem esperando aí fora.
— Também temos a nossa carruagem — replicou o duque.
— Oh, sim! Acredito que estão a caminho de Khevea.
— Isso mesmo.
— Bem, Vossa Alteza virá comigo, não? — o tom do major soou bastante autoritário.
— Acredito que temos tempo para isso — admitiu. Olhou novamente para a sobrinha e disse: — Faça o que lhe ordenei. Se não estiver pronta quando eu voltar, será pior para você.
Ele virou-se e seguiu o major, enquanto Petúnia aproximou da prima e sussurrou-lhe com voz ferina:
— Tire o meu vestido imediatamente! E se está usando também as minhas anáguas e as minhas meias, tire-as! Como ousou ao menos pensar que poderia roubar minhas roupas?
Depois de uma pequena pausa, prosseguiu em tom vingativo:
— Prometo-lhe que não só papai, mas também mamãe irá puni-a severamente pelo modo com tem agido. É uma vergonha!
Virou-se e saiu furiosa da sala, sem esperar qualquer resposta de Lilian.
Vendo a prima, em seu lindo traje de montaria, sair tão precipitadamente, Lilian levou as mãos aos olhos.
Como pudera pensar que a felicidade de ser esposa de Tiago e poder ficar na Kavónia fosse durar para sempre?
Ela deveria ter imaginado que os momentos maravilhosamente mágicos vividos na noite anterior estavam fadados a ser apenas uma alegria passageira.
Era chegado o momento de enfrentar a realidade e suportar os castigos que fatalmente viriam.
Se antes era humilhação e agonia ser surrada pelo homem desumano que era o tio, agora, depois de ter conhecido a felicidade verdadeira e completa, seus castigos seriam insuportáveis.
O pior, no entanto, não seriam apenas os maus-tratos, a miséria e a escuridão que a esperavam na Inglaterra. Muito mais desesperador do que isso era separar-se de Tiago.
O duque não mentira quando dissera que o casamento dela não era válido sem a permissão dele, seu tutor.
Lilian sabia que o tio, logo que tivesse oportunidade, contaria a Tiago quem fora o pai dela, e ele se convenceria, de fato, que ela não era a pessoa adequada para ser sua esposa.
Mesmo acreditando que Tiago lutaria por ela, sabia que o general não poderia fazer frente ao poder e à influência que o duque tinha na Inglaterra. Além disso, seu tio sabia ser implacável, quando queria.
Lilian não duvidava de que o duque de Wellesbourn se empenharia para tornar as coisas muito difíceis não só para Tiago Potter, mas também para Kavónia, no setor diplomático.
Quem mais sofreria seria ela. Continuando sob a tutela do tio, sabia que ele a castigaria de todas as formas. Vingaria na sobrinha a vergonha que passara pelo casamento plebeu da irmã, sua mãe, e pelo que considerava uma perfídia de Richard Evans.
— “Oh, papai! Oh, papai! Ninguém poderá salvar-me!”, lamentou.
O tempo passava rapidamente. Lilian caminhou em passos ligeiros até o quarto, pensando encontrar Marlene ali. Então lembrou-se de que a criada devia estar no palácio naquele momento.
Abrindo o guarda-roupa, viu o vestido cor-de-rosa que havia usado na noite anterior e um roupão branco, de mangas largas, ambos de Petúnia.
Vagarosamente e com alguma dificuldade, Lilian tirou o lindo vestido que pusera naquela manhã, esperando que Tiago a admirasse quando a encontrasse, à hora do almoço. Como a prima havia suspeitado, também lhe pertenciam as anáguas de seda pura e as demais peças íntimas, todas ricamente bordadas e enfeitadas com renda, que naquele instante Lilian despia.
Por último ela tirou as meias de seda, compradasem Bond Streete, naturalmente, caríssimas.
Marlene não apareceu, mas, achando que ela chegaria a qualquer momento, Lilian enrolou-se no roupão e sentou-se, esperando-a.
Imaginava que ao chegar ao palácio, Marlene recebera ordens do duque para arrumar a bagagem da filha, essa a razão da demora.
Assim que acabasse o serviço, a criada levaria para Lilian os vestidos horrorosos, fora de moda e sombrios que a tia escolhera para ela, considerando-os ainda bons demais para uma dama de companhia.
Aquelas roupas eram simbólicas: representavam a feiúra, a escuridão e a crueldade reservadas a ela pelo resto da vida.
Se o duque já a odiava pelo desgosto do passado, agora esse ódio assumia proporções ainda maiores.
Casando-se sem a permissão do tio e tutor, aos olhos dele cometera um crime infame, pelo qual teria que pagar. Isso significava insultos, repreensões severas e surras enquanto durasse sua infeliz existência na terra.
"Não poderei suportar!", ela pensou.
Sabia que seu corpo frágil sucumbiria aos castigos físicos, mas a dor da separação era algo pior. Sem Tiago não valeria a pena continuar vivendo.
Lembrou-se de que ele lhe dera uma pistola e que ao pegar a arma, ainda na gruta, pensara que "se algo desse errado", a usá-la contra si mesma. Poderia fazer isso agora.
“É melhor morrer! Não suportarei a vida no castelo. Ah, sou uma covarde... uma covarde!"
O silêncio pesava no quarto. No entanto, para ela era como se seu tumulto interior enchesse o ambiente de um barulho terrível, de exércitos em luta.
Lilian sentia-se dividida.
Um lado de sua mente lhe dizia que deveria continuar vivendo, mesmo que tivesse que enfrentar todo tipo de sofrimento; o outro lado repetia-lhe que a morte era infinitamente preferível a uma vida sem amor.
Levantou-se e tocou a sineta. Depois de um tempo que lhe pareceu longo demais, alguém bateu à porta.
— Chamou, senhora?
Era Remo, o velho criado que lhe servira o café da manhã no pátio.
— Sim. Poderia arranjar-me uma pistola?
— Uma pistola, excelência?
— Deve haver alguma na Villa.
— Não tenho certeza, senhora, mas vou procurar.
— Obrigada, Remo.
Embora se surpreendesse com o estranho pedido, Remo era um criado bem treinado e muito discreto para questionar qualquer ordem.
Ele saiu e Lilian sentou-se, imaginando se teria oportunidade de dizer adeus a Tiago.
Talvez o tio já tivesse relatado a ele a verdade sobre seus pais e, sendo um príncipe, quem sabe Potter achava melhor se livrar da esposa.
Bem que tivera intenção de contar ao marido quem era ela, mas as palavras que vieram aos seus lábios foram sufocadas pelos beijos de Tiago. Então ela se esquecera de tudo, rendida à magia e ao êxtase do amor.
O simples pensamento de ter sido possuída por Tiago fê-la estremecer. Reviveu aqueles momentos de glória, sentindo que era desesperador saber que ele jamais a teria novamente.
"Amo-o tanto! Oh, meu Deus como o amo!"
Bateram à porta. Remo entrou, com a pistola.
— Esta foi a única que consegui encontrar, senhora.
— Está bem, Remo.
Ao pegar a arma, viu que era antiga, bem mais pesada do que a que Tiago lhe dera na gruta.
— Precisa de mais alguma coisa, senhora?
— Por enquanto não, obrigada.
Remo deixou-a a sós e Lilian ficou segurando a arma. Ao sentir a frieza do aço, ficou imaginando se teria mesmo coragem de puxar o gatilho.
Em algum livro ela vira um homem tentando suicidar-se. Ele segurava a arma à altura da cabeça.
Ela, porém, não procederia assim. Não suportava a idéia de que seu rosto ficasse desfigurado; não queria que Tiago guardasse dela uma impressão feia.
"Vou atirar no coração", disse para si mesma. "Só peço a Deus que eu tenha morte instantânea."
Olhou para o relógio sobre uma cômoda do quarto. O prazo de vinte minutos dado pelo tio estava se esgotando.
Marlene não poderia arranjar a bagagem de Petúnia em tão pouco tempo, mesmo com a ajuda de outras criadas. As roupas trabalhadas e caras da prima, certamente tomariam bem mais de vinte minutos para serem arrumadas e cuidadosamente guardadas.
As cômodas do quarto de Petúnia estavam cheias de roupas de baixo, e não se podia esquecer dos sapatos, bolsas e chapéus que seriam colocados em baús, chapeleiras e malões. A bagagem dela era tanta, que certamente encheria uma cabina do navio.
"Mas o que estou esperando? Quando eles voltarem para me buscar já estarei morta."
Olhou a arma em sua mão, sabendo que iria cometer um grande pecado.
Pensou em Tiago, que a havia considerado corajosa. Agora iria desprezá-la por ter cometido um ato tão covarde.
Com os olhos cheios de lágrimas, murmurou:
— Não posso evitar meu querido! Não suportarei viver sem você! Se eu estiver morta, pelo menos meu corpo e meu coração ficarão na Kavónia.
Pensou ter ouvido alguém se aproximar. Então Lilian ergueu a mão e apontou a pistola para o próprio peito.
A porta abriu-se. Ela fechou os olhos e tentou puxar o gatilho, mas este estava mais duro do que ela supunha.
Ouviu uma exclamação e sentiu que uma mão firme lhe arrancava a arma. Tiago envolveu-a em seus braços.
— Em nome de Deus, o que está fazendo? Minha querida, minha adorada, o que aconteceu?
Lilian estava em prantos, mas conseguiu dizer entre soluços:
— Eles vão me levar embora... Terei que deixá-lo. Não adianta, deixe-me morrer! Não posso viver sem o seu amor!
Tiago beijava-lhe os cabelos e a apertava carinhosamente. Com sua voz profunda, ele disse:
— Como pode ser tão tola? Tão absoluta e completamente ridícula, minha doce mulherzinha? Pensou realmente que eu iria deixá-la partir?
Lilian ergueu o rosto, acreditando não ter ouvido bem. Então ele beijou-lhe a boca, depois as lágrimas do rosto e, por último, os olhos.
— Como pôde pensar, ainda que por um segundo, que eu permitiria que alguém a separasse de mim?
— Tio Septimus disse que nosso casamento não é válido sem a permissão dele.
— Nosso casamento é válido, e, de fato, seu tio também me deu permissão, se é que precisamos dela.
As lágrimas cessaram de repente, e Lilian abriu os olhos, espantada.
— É mesmo verdade?
— Verdade absoluta. Mas como pôde tentar algo tão perverso, e hediondo, se você pertence a mim?
— Pensei que não iria mais querer saber de mim.
— Ousou duvidar do meu amor? — perguntou ele em tom severo e magoado.
No entanto, estreitou-a nos braços, beijando-a com paixão. Lilian agarrou-se a ele, mal acreditando que tudo aquilo realmente estava acontecendo.
— Quer ouvir o que aconteceu? — ele perguntou.
Antes que Lilian pudesse responder, vendo que ela usava apenas um roupão, indagou:
— Por que tirou suas vestes.
— Petúnia ordenou-me que lhe devolvesse tudo o que lhe pertencia.
Tiago olhou para a esposa e sorriu.
— Bem, para mim isso é muito conveniente. Eu estava mesmo pensando que seria ótimo fazer uma sesta.
Carregou Lilian nos braços até a cama. Então tirou sua túnica e deitou-se ao lado dela, beijando-a com sofreguidão, ate ela quase não poder mais respirar.
— Por favor — disse Lilian quando pôde falar. — Conte-me o que aconteceu.
— Primeiro diga que me ama — ele ordenou.
— Adoro você! Amo-o tão loucamente... tão desesperadamente, por isso que pensei em não acompanhar meu tio de volta à Inglaterra.
— Não se separará de mim. Espero que tenhamos a sorte de nunca mais encontrarmos o duque.
— Ele já partiu?
— Está a caminho de Khevea.
Tiago respondeu com ar de satisfação, e puxou a esposa para junto dele.
— Diga-me... como conseguiu convencer meu tio?
— Na verdade, devo tudo a Sirius Black. Sabendo que o duque e a filha haviam voltado e se dirigiam para cá a sua procura, Sirius contou-me como era seu tio e como a maltratara no navio em que se encontravam. Minha vontade era jogá-lo num calabouço e tratá-lo com uma boa dose do seu próprio remédio.
— O que foi que fez?
— Como Sirius me disse que o duque era um esnobe, um autocrata, que respeita apenas as pessoas que se cercam de pompa e de formalidade, resolvemos, eu e o major, fazer uma encenação.
— E o que fizeram?
— Sirius levou o duque e a filha até a sala de estar da rainha. Eu já havia me preparado e o major disse, com pompa, ao duque: "Sua Alteza, o príncipe Tiago, soberano da Kavónia, irá conceder-lhe uma audiência!"
Tiago deu uma risadinha e retomou a narrativa.
— Sirius disse-me depois que o duque ficou surpreso, mas antes que tivesse tempo de se recuperar, foi conduzido, acompanhado de lady Petúnia, para a sala de estar dos aposentos do rei.
— E você os esperava?
— Sim, coberto de condecorações. A maioria havia pertencido a meu pai e as outras, admito, haviam sido deixadas pelo rei Valter! Posso garantir-lhe que eu era uma figura impressionante! Fiz questão de ter dois ajudantes-de-campo, um de cada lado, também enfeitados com o que puderam encontrar. Sirius anunciou-os: "Sua Alteza, o duque de Wellesbourne, e lady Petúnia Bourne!" Eu estava assinando uns papéis, e levei propositadamente alguns segundos para levantar-me e cumprimentar os dois, que tiveram de atravessar toda a sala para chegar a minha escrivaninha.
— O que aconteceu então? — perguntou Lilian, lembrando-se de que a sala de estar do rei já era, em si, impressionante.
— Num tom de voz muito diferente daquele que eu esperava, o duque perguntou-me se era verdade que eu havia me casado com você, e de que forma a cerimônia fora celebrada.
— Casei-me com sua sobrinha de acordo com as leis deste país, e com as bênçãos de Sua Excelência Reverendíssima, o arcebispo.
— O casamento não é legal sem a minha permissão — replicou o duque.
— Nas circunstâncias, foi-me impossível pedir sua autorização.
Tiago fez uma pausa significativa, então continuou:
— O major chamou-me de "príncipe". Então seu tio quis saber se de fato eu herdara o título.
— Olhei para ele como se considerasse aquela pergunta um insulto, e ele disse:
— Eu estava imaginando se na verdade o senhor não seria algum parente do rei James V da Kavónia, que foi um Potter.
— Vejo que Vossa Alteza andou lendo sobre a nossa história! O rei James V foi meu pai, e meu avô James IV.
— Eu não tinha a menor idéia sobre isso!
— Portanto, como pode ver nada mais justo do que eu retomar o governo de meu país. Na verdade, um estrangeiro usurpou o trono da Kavónia por doze anos.
— Tio Septimus deve ter ficado atônito! — exclamou Lilian.
— A surpresa fez com que ele ficasse por um momentoem silêncio. Depois disse:
— Com certeza não sabe a verdade sobre a minha sobrinha. Considero minha obrigação dizer-lhe que ela não é uma mulher à altura de ser sua esposa.
Lilian deu um grito desesperado.
— Eu tinha intenção de lhe contar! Eu juro... Quis lhe contar tudo, mas não tive oportunidade!
— Isso não tem a menor importância — Tiago disse com indiferença.
— Acha mesmo que não tem importância?
Ela fitou-o como se não o tivesse ouvido corretamente.
— Claro que não! Para dizer a verdade, quando seu tio acabou de me relatar o que havia acontecido há tantos anos, eu disse:
— É uma pena que o Sr. Richard Evans não esteja vivo. Eu iria pedir-lhe que me ajudasse a criar uma universidade aqui na Kavónia!
— Não se importa mesmo com o fato de ele não ter sido famoso e, além de tudo, não ter sangue azul?!
Tiago olhou para a esposa carinhosamente e sorriu.
— Acha minha adorada esposinha, que eu poderia deixar de admirar seu pai e de honrar-lhe a memória?
Lilian soltou um suspiro que veio das profundezas de seu ser, e Tiago continuou:
— O duque ficou tão atônito que nem teve palavras, e eu aproveitei a oportunidade para conversar com sua prima:
— Pelo que me informaram não mais se casará com o rei Valter.
— Um rei sem trono? — disse ela. — No momento ele não tem ao menos onde deitar a cabeça, e essa é uma perspectiva nada animadora.
— Não, claro que não — admiti.
— E por essa razão que estou voltando para a Inglaterra! — ela continuou. — Quero levar a tiara que pertenceu a minha mãe e as roupas do meu enxoval.
— É muito fácil atender ao seu primeiro pedido, Petúnia — respondi. — Olhei para um dos ajudantes-de-campo e ele trouxe a tiara, em sua caixa de veludo. Entreguei-a a lady Petúnia, e ela exclamou:
— Fico muito feliz em ter minha tiara de volta!
— Tenho certeza de que ela imaginou que a jóia tinha sido roubada — comentou Lilian.
— Na Kavónia ninguém rouba nada! — exclamou Tiago sorrindo. — Exceto corações!
— Você roubou o meu — ela murmurou.
Ele olhou carinhosamente para Lilian e ela pediu:
— Conte-me o resto.
— Depois de entregar a tiara a sua prima, iniciei uma negociação com o duque.
— Você negociou com meu tio? — perguntou Lilian, sem esconder sua surpresa.
— Sim, eu estava tentando ficar com as roupas de lady Petúnia para você, minha adorada. Acho maravilhoso vê-la assim, mas tenho a impressão de que seria embaraçoso demais se a minha esposa tivesse que usar tão pouca roupa.
Ao dizer isso ele puxou o roupão de Lilian, fazendo-o deslizar. Descobriu seus ombros e então os beijou.
— Você conseguiu algo de tio Septimus?
— Convenci o duque e, claro, a sua prima, de que o enxoval que ela havia trazido era próprio para ser usado na Kavónia.
— Quando lady Petúnia voltar para a Inglaterra — eu expliquei aos dois com muita convicção. — Ela poderá escolher um marido entre os príncipes herdeiros do trono da Suécia, Noruega, Dinamarca ou mesmo da Prússia. Nesse caso, as roupas trazidas para usar aqui no nosso clima serão leves demais para lugares mais frios.
— O que está sugerindo? — perguntou-me o duque.
— Então ofereci ao seu tio uma soma em dinheiro pelo enxoval de Petúnia!
— Como pôde fazer uma coisa dessas? — gritou Lilian.
— Sirius me dissera que seu tio era avarento e mesquinho. Como não se realizara o casamento de sua prima com Valter, achei que ele gostaria de receber ao menos uma parte do que gastou com a filha. Resolvi jogar com essa possibilidade e fui bem-sucedido.
— Então comprou os vestidos de Petúnia... para mim? — perguntou Lilian, incrédula.
— Acho que seu tio ficou muito contente com o negócio!
— E Petúnia... o que ela achou disso tudo?
— Ela insistiu num ponto: queria ter roupas suficientes para usar no navio, até que chegassem a Marselha.
— Você concordou com isso?
— Claro! Chamei Marlene e disse-lhe quais peças deveria colocar nas malas de sua prima.
— Isso tomou muito tempo?
— Não muito. Assim que o baú foi arrumado, eles partiram rapidamente para tomar o navio em Khevea.
Lilian deu um suspiro, aliviada.
— Não queria que gastasse tanto dinheiro comigo — disse humildemente. — As roupas de minha prima são caríssimas.
— Para que você não fique preocupada com isso, nem sinta remorso, antes eu havia sido informado de que um comerciante de arte se achava no palácio para comprar as telas dos ancestrais dos Dursley, para vendê-las em Viena.
— Oh, fico contente em saber que vai se livrar delas!
— Eu também fico feliz por me ver livre da imagem daqueles afetados. Espero nunca mais ver aquelas telas!
Quais vestidos teria Marlene colocado no baú de Petúnia?
Lilian esperava que o seu vestido de noiva não tivesse entrado na bagagem, pois gostaria de conservá-lo, como a um tesouro.
— Vou contar-lhe um pequeno segredo. Para que seu tio e sua prima não entendessem, conversei com Marlene na nossa língua. Imagine! A jovem que pretendia ser rainha deste país, não entende uma palavra sequer do nosso idioma!
— Sim... mas o que você disse a Marlene?
— Mandei-a colocar no baú todas as roupas que você havia trazido. Só aquelas, nenhuma outra mais!
Lilian soltou uma exclamação de espanto e olhou para o marido, não escondendo sua incredulidade.
— "Minhas" roupas? Você deu a Petúnia aqueles vestidos horríveis? Oh, Tiago ... como pôde fazer uma coisa dessas?
" Se lady Petúnia quiser, poderá usar a tiara com aqueles vestidos! — Ele falou num tom sério, mas seus olhos revelavam um brilho travesso.
Lilian percebeu então que o marido se divertia com o que fizera.
Ela podia imaginar a fúria, o ódio, de Petúnia ao abrir o baú, já tendo o navio se afastado do porto, e deparar com horrendos vestidos de merino marrom, de batista cinzento ou com a capa de viagem barata, tudo escolhido pela própria duquesa.
Tiago começou a rir, e ela riu com ele. O som feliz daquele riso pareceu mesclar-se com a luz do sol que penetrava pelas janelas.
Ele puxou-a para bem junto de si, dizendo:
— Já percebeu, minha linda esposinha, que antes eu nunca tinha visto você rir? Agora eu quero que você ria com bastante freqüência.
— Mas eu não devia estar rindo disso. Não foi nada bondoso de minha parte. No entanto, não pude evitar!
— Neste país somos todos muitos alegres e rimos muito, quando nos sentimos felizes. Além disso, gostamos de brincadeiras. O que fiz não passou de uma peça que preguei em sua prima.
— É mesmo muito engraçado... para nós. Mas será que eles partiram mesmo?
— Partiram mesmo — ele repetiu. — E agora trate de me dizer o que a magoou e por que não confiouem mim. Como pôde imaginar, ainda que por um instante, que eu iria perdê-la ou que poderia deixá-la partir com seu tio, sendo minha esposa?
— Perdoe-me... por favor, perdoe-me — ela murmurou.
— Só a perdoarei se me prometer que jamais fará algo tão errado como o que você ia fazer.
O tom severo do marido fez com que Lilian sentisse o rosto arder e um súbito rubor tomou conta de suas faces.
— Eu prometo...
— Felizmente o velho Remo tem muito bom senso. Teria sido muito difícil pôr fim a sua vida com aquela velha pistola sem balas!
— A arma não estava carregada?
— Claro que não, minha adorada tolinha! Essa foi outra brincadeira!
Lilian deu uma risada trêmula.
Ainda não era possível acreditar que o pesadelo terminara: que a escuridão sumira e que ela se encontrava em meio à ofuscante e mística que sempre parecia irradiar de Tiago.
— Amo-o tanto, meu querido! Por favor, ensine-me a não ser tola a não ter medo e a não cometer erros...
— Vou ensiná-la a confiar em mim e, lembre-se: eu nunca desisto. Mais cedo ou mais tarde sou sempre vitorioso!
— Precisamos conquistar este país inteiro com amor.
— Faremos isso juntos, você e eu!
— É tudo o que desejo.
— Neste instante só quero conquistar alguém que foi muito perversa, mas que agora está arrependida acredito.
Seus lábios encontram os de Lilian. Ele puxou o roupão dela, jogando-o para o lado. Ao contato daquelas mãos ela estremeceu.
Os beijos e carícias do marido despertavam sensações maravilhosas no corpo de Lilian, que se sentia queimar de desejo.
Seus corações pulsavam no peito, muito juntos um do outro. Tiago e Lilian não eram duas pessoas. Naquele momento eram um só corpo, uma só alma, na perfeição do amor.
FIM
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