As Cartas de Ninguém
Apesar das cinco semanas sem jantar, como insistissem em dizer que não sabiam o que ocorrera, Harry e Ash também ficaram no castigo de escola-armário, armário-escola; nem sequer podiam transitar pela casa.
Na altura em que lhes foi permitido sair do armário, já eram férias de verão. Que bom, dois meses longe de Duda e sua turma certo? Errado, eles continuavam visitando Duda e perseguindo os gêmeos durante as férias, de forma que assim que se viram livres do castigo Harry e Ash adquiriram o hábito de andar no parque da cidade onde não eram atacados por haverem muitas pessoas por perto.
Num desses passeios, Harry e Ash brincavam na gangorra do parque.
- Como é que alguém como Duda pode ser líder de qualquer coisa, mesmo de uma turminha idiota? - perguntou Ash, se referindo à turminha de Bullyes de que Duda era líder, e essa turminha era a responsável por perseguir os irmãos.
- Deve ser porque ele é maior.
- E mais burro.
Os dois caíram na gargalhada.
Nos últimos dias o consolo dos gêmeos em relação às visitas da turma de Duda fora saber que agora só os aguentariam nas férias. Duda iria para a Smeltings, uma escola particular da cidade, e Harry e Ash para a escola secundária. Era o fio de esperança que eles tinham: fazer amigos. Ninguém na escola nova sabia da existência de Duda ou da turma deles e talvez assim Harry e Ash conseguissem ter uma infância legal.
Lá pelo meio das férias Duda começou a achar graça no fato de Ash e Harry irem para a escola secundária e resolveu tirar sarro disso. Mas a tirada que ganhou de volta não teve preço:
- E aí priminhos? Fiquei sabendo que na secundária os veteranos metem a cabeça dos novatos no vaso no primeiro dia de aula. Querem praticar?
Ash deu um sorrisinho maldoso: esperara a vida inteira para tirar sarro com Duda.
- Não obrigado. - disse Harry. - O vaso é muito pequeno.
Duda fez uma cara de quem não entendeu. Ash resolveu explicar:
- É que o coitado do vaso nunca recebeu nada tão grande e ruim como a sua cabeça, é capaz de passar mal.
Os gêmeos riram e se afastaram antes que Duda entendesse a piada.
Depois desse sarro, Harry e Ash se viram mais empolgados para a nova vida que começava, como se tivessem levado uma injeção de ânimo, literalmente. Nada os deixou para baixo, nem mesmo quando os Dursley saíram para comprar o uniforme novo de Duda e deixaram os gêmeos com Ms. Figg, afinal, quando ela quebrara a perna fôra por causa de um de seus gatos: tropeçara neles, e parecia não gostar deles tanto quanto antes. Deixou Harry mexer à vontade na televisão e ensinou Ashley a fazer tricô.
Pela noite, Duda desfilou com seu uniforme novo da Smeltings pela sala: casaco marrom-terra-vermelha, calças laranjas, sapatos marrons lustrosos, chapéus de palha e carregavam bengalas de madeira. Ash logo pensou que Duda ia achar um jeito de bater nos alunos com aquela bengala quando os professores não estivesses olhando.
Os comentários mentais de cada um foram:
Válter: "Ah, lá vai ele para a melhor escola de todos, exatamente como o papai aqui..."
Petúnia: "Me lembra Vernon com essa idade... Ah, bons tempos."
Ashley: "Quanta breguiçe... Se eu tivesse que me vestir assim iria presa por violar no mínimo uns vinte códigos de moda..."
Harry: "Obrigado Senhor por me mandar para outra escola e não me obrigar a vestir uma coisa dessas... Eu ficaria muito ridículo..."
- Filho... O papai está tão orgulhoso...
Harry e Ash sentiram como se tivessem partido costelas só pelo esforço para não rir (ou melhor, gargalhar) da situação. Duda parecia um espantalho de tão ridículo, e a pose com o peito estufado deixava a situação ainda mais idiota.
Pelo dia seguinte, Ash e Harry levantaram-se com um cheiro tenebrosamente horrível no ar. Ao chegar na cozinha, encontraram Petunia mexendo uma grande caldeira com tecidos e uma água cinza.
- O que é isso? - perguntou Harry. Como sempre que os gêmeos Potter lhe faziam perguntas, Petunia franziu o cenho e contraiu os lábios.
- O uniforme novo de vocês.
- Não sabia que tinha que ser tão molhado. Ou cozido. - disse Harry. Ash girou os olhos em desaprovação.
- Não seja burro Harry! Ela está fervendo para tirar a sujeira.
- Não e não. Estou tingindo de cinza umas roupas velhas, vão ficar iguaizinhas às dos outros quando eu terminar.
Os gêmeos tinham sérias dúvidas a respeito, mas acharam melhor não discutir e se assentaram para tomar café. Harry ficou pensando em como seus planos de fazer amigos poderiam ser arruinados ao chegar na escola parecendo que usava a pele de um bebê elefante, quando de repente o barulho da portinhola indicou que haviam chegado o correio.
- Apanhe o correio Duda. - ordenou Vernon.
- Mande a Ashley pegar.
- Apanhe o correio Ashley.
- Mande o Harry pegar. - Harry fitou a irmã com uma expressão incrédula, enquanto ela comia uma maça e lia um livro qualquer que achara nos descartes da biblioteca.
- Apanhem os dois.
- Mande o Duda pegar. - disseram os gêmeos juntos.
- Cutuque-os com a bengala da Smeltings, Duda.
Os gêmeos se levantaram e foram até a porta fugindo da bengala. Com o livro debaixo do braço e segurando a maça com a outra mão, Ashley se abaixou para pegar o correio e foi passando as cartas até...
Ms. A Potter
O Armário Sob A Escada
Rua dos Alfeneiros 4
Little Whinging
Surrey
O coração dela pulou. A carta estava endereçada em verde e tão perfeitamente que não tinha como ser para outra pessoa além dela. Seu rosto se iluminou: nunca na vida recebera uma carta, nem mesmo cobranças da biblioteca, sempre entregara os livros no prazo.
Pegou sua carta. Harry ao passar pelas cartas descobriu que também havia uma para ele:
Mr. H Potter
O Armário Sob A Escada
Rua dos Alfeneiros 4
Little Whinging
Surrey
Os gêmeos assentaram na mesa cheios de expectativa, porém, no exato instante em que rasgavam o envelope...
- OS GÊMEOS RECEBERAM CARTAS! PAI, MÃE, ELES RECEBERAM CARTAS!
O caos reinou. Duda tentava a todo custo descobrir do que se tratava e pegar uma das cartas para ler. Petunia e Válter se desesperaram ao ver o brasão que lacravam as cartas e tentavam pegá-las, e Harry e Ash lutavam para ficar com suas correspondências. Depois de muitos berros, puxões de cabelo, mordidas, socos, chutes e pontapés, os Dursley adultos seguravam as cartas no alto. Petunia entregou a que estava com ela para Vernon e pôs os três para fora, trancou a porta e fim.
Do lado de fora começou uma batalha visual entre os três para espiar pelo buraco da fechadura. No fim, Duda ganhou, Harry se colou no chão para ouvir pela fresta entre o chão e a porta e Ashley grudou a orelha na porta. E ouviram:
- Ah Válter, o que vamos fazer?
- Eu não sei! Não sei, estou pensando...
- Nós batalhamos tanto para que isso não acontecesse...
- Já sei! Devemos ignorá-las, fazer de conta de que não estamos interessados... Entende?
- Não estou muito certa com isso... Essa gente faz cada coisa...
- Decidido!
Válter abriu a porta e foi até a sala com as cartas na mão. Os três se puseram em seu encalço, mas sem sucesso. Ao chegar no cômodo, ele acendeu o fogo elétrico e jogou as cartas lá.
- Foi engano. - disse o homem. E saiu, deixando Harry e Ash desolados.
Mais tarde, os dois discutiam o assunto assentados na cama de Harry, dentro do armário:
- Não foi engano Harry! Estava perfeitamente endereçada!
- Eu sei! Mas porque será que os Dursley não querem nos deixar lê-las? Será que é de algum parente desconhecido...
- Talvez. Como saber?
- Será que vão tentar entrar em contato de novo? Temos que ficar de olho.
- Eu sei e...
Nesse momento bateram na porta do armário. Harry abriu, era Vernon.
- O que quer? - perguntou Ash, rude.
- Sabem, Petunia e eu estamos pensando e... Bem... Vocês dois... Estão crescendo. Estão grande demais para um armário. Vão se mudar para o segundo quarto de Duda. Imediatamente.
E ele saiu.
Harry e Ash precisaram apenas de uma viagem para mudar todas as suas coisas para o andar de cima, e Ash rapidamente se ocupou em redecorar o local colocando toda a tralha de Duda para fora e arrumando as camas no lugar, essas coisas. Ela tinha um pendor para tudo que envolvesse cozinha e transformações, então o quarto foi de depósito de bagunça para quarto super bem decorado em minutos.
Harry se largou em uma mesa brincando com uma bolinha de meia.
- Sabe Ash, sempre admirei sua facilidade com tudo que envolve mudanças. Você se adapta com facilidade.
- Em compensação sou péssima com coisas práticas. Não sei nem varrer a casa.
Eles riram, mas não estavam tão felizes quanto queriam. Até um dia atrás dariam tudo para estar ali, mas agora preferiam continuar no armário com as cartas do que ali em cima sem elas.
Pela manhã, Harry e Ash desceram para a cozinha e encontraram a porta fechada, Duda do lado de fora e a mesma discussão.
- O que aconteceu? - perguntou Harry para o primo.
- Mandaram outras cartas para vocês dois.
Os irmãos começaram a esmurrar a porta e a berrar, mas logo pararam para ouvir a discussão:
- ... e agora endereçada ao "Menor Quarto da Casa"! Estamos sendo vigiados Válter!
- Acalme-se, nada de desespero, nada de... Vamos continuar ignorando.
E agora as cartas foram queimadas no fogão.
Pela noite, os gêmeos voltaram a discutir o assunto:
- Nos escreveram de novo! - começou Ashley.
- Sabem que não lemos as primeiras cartas...
- Sabem que nos mudamos para o quarto.
- Então com certeza sabem que também não lemos estas.
- Vão tentar de novo. Temos que fazer algo!
Harry sorriu:
- Eu tenho um plano.
Às seis da manhã o despertador soou baixinho, mas alto o bastante para por Ash de pé. Ela cutucou Harry até que ele também se levantasse e eles descerem como gatos no escuro, e de meias para não fazer barulho nenhum.
Pretendiam esperar o carteiro do lado de fora da casa, receber primeiro a correspondência e ler na rua mesmo. Porém, no caminho, Harry pisou em algo - algo vivo - que berrou e agarrou os tornozelos de cada um deles. Válter dormira no capacho para impedi-los de fazer exatamente o que pretendiam.
O homem os mandou para a cozinha, onde Ashley foi terminando o café e Harry lavando a louça. Meia hora depois o correio foi entregue bem no colo de Válter e ele foi até a cozinha, onde rasgou nada menos que seis cartas, três para cada, bem na frente deles e levou os pedaços para o vaso sanitário.
Neste dia Válter ficou em casa ao invés de ir trabalhar. Pregou a portinhola do correio, resmungando coisas como "se não puderem entregar as cartas vai estar tudo resolvido". Petunia parecia discordar, mas achou melhor não discutir.
Ela estava certa, no dia seguinte doze cartas para cada um foram enfiadas pelas frestas das portas, janelas e até mesmo por um buraco de rato.
Válter ainda mais irritado fechou toda e qualquer greta que havia ligando a casa ao mundo de fora e ligou o ar condicionado para que não se sentissem abafados.
A situação ficou realmente desesperadora quando o leiteiro entregou confuso quatro duzias de ovos para Petunia pela janela da cozinha, e ao quebrá-los para fazer uma omelete ela viu saírem cartas de dentro deles, enroladinhas, uma em cada ovo. Ash adentrou a cozinha bem a tempo de ver a tia picotar os pergaminhos no processador de alimentos.
Harry e Ash mal se aguentavam de nervosismo, a garota tivera um ataque de ansiedade e como sempre fazia quando ansiosa começou a cantarolar músicas por todo lugar para onde ia, e balançava a perna direita freneticamente ao se assentar. Harry comia a toda hora e assaltava a geladeira durante a noite. Nenhum dos dois dormia direito.
No domingo, Válter se assentou muito sorridente no sofá da sala.
- Hoje é um dia muito bom. Muito bom mesmo. Sabem por quê?
- Porque domingo não tem correio. - resmungou Harry cutucando um buraco no carpete da sala.
- Exatamente. Nada de cartas. Nada de correspondências. Nada de endereços verdes escritos "O Menor Quarto Da Casa". Nada. Nadinha de na... - nesse instante um ruído começou a sair da lareira e ao se aproximar, Vernon levou uma enxurrada de cartas na cara.
Repentinamente, a carta começou a ser invadida por cartas: elas entravam pela lareira, arrebentaram as gretas das janelas, a caixa de correio... o chão estava coberto com centenas delas, e Harry e Ashley tentavam apanhá-las, mas Petunia agarrou a garota por trás e Válter segurou Duda e Harry, um com cada mão, enquanto berrava:
- AGORA CHEGA! FOI A GOTA D'ÁGUA! NÓS VAMOS EMBORA IMEDIATAMENTE! JÁ!
Minutos depois, Válter vigiava as três crianças dentro do carro e Petunia ia voltava com mochilas de poucas roupas para os cinco. Válter dirigia resmungando e vez ou outra fazia uma curva repentina ou mudava de direção, para "despistá-los". Pela noite, todos se viram dividindo um quarto de hotel.
De manhã, ao pagar a conta Dursley recebeu a notícia:
- Alguns de vocês são Mr e Ms Potter? Eu tenho centenas destas na recepção... - e brandiu uma carta.
- Eu pego a correspondência. - disse Válter, pegou todas as cartas e jogou no primeiro lixo que achou.
Eles continuaram viajando. Duda começou a entrar em colapso, não costumava ficar tanto tempo assim longo de sua televisão:
- Hoje é segunda! Quero ver o Grande Humberto se apresentar, quero estar em algum lugar que tenha televisão!
Harry e Ash sentiram os estômagos revirarem. Se era segunda, e dava para confiar que Duda soubesse os dias da semana por causa da televisão, o dia seguinte era terça-feira e aniversário dos gêmeos.
Não que fosse interessante, eles geralmente ganhavam cabides e meias velhas, mas não é sempre que se faz onze anos.
Depois de mais um bom tempo, o crepúsculo pairava no céu e uma fina chuva caía. O moço do rádio prometera uma tempestade para a noite, o que não era nem um pouco animador. No momento, Petunia, Harry, Ash e Duda estavam parados no meio de um matagal. Válter saíra para comprar algo há muito tempo e ainda não voltara.
Depois de mais um longo tempo, o homem apareceu na janela do carona.
- Saiam, achei o lugar perfeito para nós, e comprei algo para comermos depois.
Em poucos minutos eles se viram na beira do mar, em frente a um casebre miserável em uma ilha que parecia prestes a ruir.
- Um senhor teve a bondade de nos emprestar seu barco a remo.
- Papai enlouqueceu, não foi mamãe?
Logo se viram acomodados no casebre. Válter largou cinco pacotes de papel na mesa, um para cada um e um outro fino e comprido. Os pacotes continham uma embalagem de cereal e uma banana para cada um. Válter tentou acender a lareira com as embalagens de cereal, mas não conseguiu.
- E então, aquelas cartas viriam a calhar agora, não?
Estava de muito bom humor, crente de que ninguém os encontraria lá. Internamente, os gêmeos foram obrigados a concordar.
Mais tarde, Válter e Petunia haviam se acomodado na cama encalombada, Duda no sofá e Harry e Ash dividiam um lençol ralo na parte mais macia do assoalho.
- Ei Harry, olhe. - disse Ash, indicando o mostrador do relógio de Duda. Faltavam dez minutos para a meia noite.
- Eu queria saber o que está havendo. Por que estão escondendo simples cartas de nós?
- Nem gostam da gente. Se for um parente qualquer querendo nos levar embora, deviam simplesmente deixá-lo nos levar e acabar com tudo de uma vez.
- Vai ver quando voltarmos a casa vai ficar entupida de cartas e vamos conseguir surrupiar uma.
- É. Quem sabe.
Eles ficaram mais um longo tempo em silêncio. Quando faltavam dois minutos, Ash desenhou um bolo na poeira do chão e Harry fez as velinhas e escreveu "Happy Birthday". Eles cantaram parabéns e exatamente quando faltavam dois segundos...
- Faça um pedido. - eles disseram juntos. Ambos pediram a mesma coisa. A carta.
Assim que sopraram as velas um barulho enorme aconteceu do lado de fora. Alguém batia na porta.
Ash se abraçou a Harry com um pouco de medo, meio trêmula.
- Feliz aniversário Ash...
As batidas se tornaram mais intensas.
- Feliz aniversário Harry.
A porta levou uma batida muito forte, as dobradiças se soltaram e ela desabou.
O queixo dos irmãos desabou ao ver quem estava no portal.
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