-Corvo 3-



Corvo 3-



"Avada Kedavra" -eu disse a mim mesmo quando percebi aquela serpente subir ao céu ofuscando completamente a luz das estrelas. Suas escamas despontadas em meio ao céu livre de nuvens, suas presas esganiçadas cada vez mais alto, tornando a noite cada vez mais venenosa.

Aquela cena era-me estranhamente familiar. Meus olhos subiam àquele réptil com extrema rapidez enquanto meus instintos procuravam afastar-me daquele instante maldito.

Continuei encarando-a, peçonhenta majestosa, até que ela desapareceu. Talvez o pesar dos meus olhos lhe fosse incômodo.

Continuei observando o vazio, meus olhos focalizando cada vez mais alto, enquadrando aquilo como uma pintura grotesca. Minha lembrança forçando-se a pintar aquela criatura no quadro para completar a paisagem.

Permaneci inerte naquele instante o qual já havia terminado, quando de repente pesaram sobre meus tornozelos uma presença fria, a qual subiu minha espinha em poucos segundos. O medo que eu sentia acabara de agarrar meu pescoço e eu estremeci. Tamanha era a força com a qual ele me prendia, que por um instante achei que logo meus pés deixariam o chão.

Meu coração acelerado tentou escapar-me à boca, porém fiz o possível para impedi-lo. Foi quando o gosto do sangue subiu-me à garganta que pensei que talvez não fosse agüentar. Tentei engolir, porém não consegui. Ao invés disso deixei com que me escorresse ao queixo, caminhando suavemente até meu peito, onde fugiu do vento gélido, escorreu-me calafrio.

Meus pulmões estavam engasgados, impedindo a entrada do ar terminantemente, morrendo sufocados, inflando-se vazios. Lutei incansavelmente contra os braços odiosos que apertavam minha garganta, até que eles desistiram e eu pude sentir novamente a brisa de Hogsmead invadir-me por dentro.

Assim que arregalei os olhos ao notar a imagem da serpente martelando-me enraivecida, assisti ao quadro de paisagem vazia o qual eu anteriormente pintara. A razão tomando conta de mim, o medo confundindo a minha idéia de fuga. Desesperei-me e cheguei a desistir de permanecer parado. Minha vontade de alcançar aquela serpente parecia ter desaparecido. Raciocinei rapidamente, o castelo não estava muito distante. Ergui meu pé o qual não queria largar o chão que, por sua vez, parecia erguer-se junto a ele impedindo-me de andar. Forcei meus joelhos para cima, e ao sugerir um passo forçado percebi que eu estava voltado para o lado errado. Ao invés de correr para a segurança, rumei involuntariamente na direção oposta. Motivei-me o quanto pude a voltar e esquecer tudo aquilo, porém desisti quando notei que meus largos passos já tinham decidido pra onde ir.

O céu mantinha-se apagado, as luzes das ruas de fato não ajudavam muito. Minha mente se agarrava nas asas emplumadas que flutuavam despercebidas do peso que carregavam nas costas. Pairei no ar em segredo, aquela ave voava excepcionalmente tranqüila. Tranqüilidade que entediava. Tranqüilidade pavorosa. Voava despercebido, o silêncio quebrado apenas pelo ruído da minha respiração.

Silencio o qual não me agrada, pois apesar de ajudar-me a perceber os arredores não gosto dele. Sempre que está por perto cada presença me persegue quebrando até meus pensamentos mais obscuros.

O medo que ainda me mantinha em posse fez questão de assegurar que eu soubesse que ele ainda estava lá. Agarrou-me com aqueles braços gélidos enlaçados em meu rosto garantindo minha mudez. Tentei me esquivar, porém ele agora estava muito mais forte. A ave que pareceu notar esse conflito, pousou formosamente. Seu corpo enegrecido pelas trevas as quais pareceram ser atraídas naquele momento, jogaram-se sobre ela, a qual desapareceu.

Parado dentre sombras que passeavam no escuro, minha respiração alta ressoava como batidas de um relógio. O calafrio sendo engolido desesperadamente pelo mecanismo que mal podia esperar para alertar as doze horas.

Sombras arrastavam-se pelo asfalto deserto, agrupavam-se desajeitadas, dançavam à música de som nenhum.

Observei-as. Passos sem pés, coreografia sem dança, existência inexistente. Indecisão confusa, minha cabeça talvez pensasse em não pensar.

Aquele silêncio era-me estranho.

Eu sabia. Assassinos obviamente não trariam pessoas até si. Sempre tive um certo problema com informações claras.

Meus pensamentos desinteressaram-se pela melodia que carregava as sombras em seu véu de céu azul.

Melodia a qual eu fiz questão de destruir.

Vencendo temporariamente o medo, dispersando automaticamente os dançarinos coreografados ao cessar da música que jamais tocara.

Foi quando um grito de socorro tomou conta de meus ouvidos.

Música.

Novamente as sombras se reuniram, as trevas envolveram-nas majestosas, as plumas daquela ave aconchegando aquelas presenças malditas. O medo apoiando-se cada vez mais sobre mim, o sangue ardendo-me insuportavelmente, até que aquela vóz emudeceu de súbito.

Percebi-me sozinho, exceto pela presença do medo, meus olhos acentuados em direção àquele chamado amedrontado.

Uma estranha sensação me invadiu juntamente com a comparação de memórias passadas.

Aquela voz... Eu reconhecia aquela voz.

Só que... Eu... Já vi isso em algum lugar... Mas...

Não sei porque, sei a quem pertence essa voz.



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Berros.

Abri os olhos, minha cabeça rodopiava. Não me lembrava ao certo do que havia acontecido, porém os vários copos vazios ao meu lado no balcão me deram uma idéia remota.

Espiei pelo meu ombro. O local antes quase vazio, agora encontrava-se completamente vazio. O barman mostrava-se irritado, sua tentativa de abrir a portinhola do balcão certamente não fora bem sucedida.

-Ora, seu...!!! -ele gritava furioso, seu rosto parcialmente inchado, suas veias saltando-lhe da pele.

Olhei para a direção oposta e achei muita graça no bichano que brincava com pedaços de papel jogados ao chão.

A cena continuava intacta, o barman a ponto de arremessar qualquer coisa que estivesse em suas mãos no animal.

Baixei a cabeça, meus olhos lacrimejavam à luz do sol que nascia no horizonte, e então pedaços de vidro voaram sobre meus pés. Voltei a contemplar a cena cômica. O barman acabara de arremessar um copo no felino, o qual pareceu não se importar muito com isso. Ele pulou sobre uma cadeira próxima a mim, enroscou-se confortavelmente, e de repente passou a demonstrar uma estranha admiração em minhas vestes. Tornei meus olhos na direção dos dele, e percebi que meu bolso brilhava um laranja irritante.

Rapidamente levei minhas mãos ao objeto, escondendo-o da vista curiosa que continuou a me observar. Encarei-o por alguns instantes. Laranja. Ele tinha a mesma cor irritante que quase me denunciara.

Comensais... Será que estavam por ali?

Encarei-o pensativamente, meus olhos não mais prestavam atenção nos dele. Até que o saleiro fora arremessado naquela direção.

O barman estava explodindo de desgosto. O gato correu bar a fora.

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