Capítulo 7
Harry olhou para a nova cozinheira do rancho como se ela fosse um ser de outro planeta, como se não bastasse a surpresa de descobrir que cometera um terrível engano, ainda tinha de lidar com o sentimento de traição, com a decepção por ter sido enganado. Mas... por que estava desapontado? Nunca confiara nela!
— Deve estar pensando que menti para você, mas a verdade é que nunca me perguntou o que eu fazia. Preferiu acreditar em suas próprias hipóteses — ela disparou quando entraram no carro.
A ambulância havia partido, e o grupo decidira seguir para o hospital a fim de obter notícias mais concretas de Billy Joe.
Harry não respondeu. Estava furioso, e sabia que não podia confiar no próprio julgamento quando perdia a razão. Sendo assim, permaneceria em silêncio até que pudesse raciocinar novamente. Tinha um pressentimento de que o mundo ficaria livre de sua voz por algum tempo...
No hospital, enquanto Draco conversava com o médico de plantão, um ex-mercenário chamado Micah Steele, Harry decidiu ir direto ao assunto que o incomodava.
— Por que não me falou sobre sua profissão naquele dia em que Draco foi para o hospital? Se tirei conclusões erradas sobre você, não fui o único culpado.
— Desculpe, Harry, mas falar sobre o meu trabalho estaria a um passo de revelar os motivos que levaram meu pai a beber. Tudo ainda é... muito recente. Seis meses... As lembranças são terríveis.
Inesperadamente, ele segurou suas mãos no corredor deserto.
— Conte-me sobre o que houve.
— Ainda não. Um dia... mais tarde... Ainda não posso.
— Tudo bem. Mas gostaria de saber ao menos como aprendeu a atirar.
— Aprendi tudo que sei com meu irmão Rony. — Queria esconder o rosto no peito forte e chorar. Não contara com ninguém para confortá-la por ocasião da tragédia, nem depois dela. O pai se retraíra e começara a beber, e ela só tivera o trabalho para manter-se equilibrada. Não conseguira viver o luto de maneira normal.
Harry segurava as mãos dela e ia aos poucos encaixando pequenos fragmentos de lembranças, dados e informações que se uniam para formarem um panorama maior.
— Rony. Rony Weasley. O melhor amigo de Dino, nosso primo, e conhecido de Draco. Ele morreu...!
Meredith tentou escapar, mas os braços que a enlaçavam eram fortes, quentes e acolhedores. Cercada pela sensação de segurança e conforto, ela escondeu o rosto e chorou.
Harry afagava suas costas.
— Houve um assalto a um banco em Houston — ele lembrava. — Rony era policial e estava na agência com a mãe. Era seu dia de folga, mas ele levava o revólver no bolso da jaqueta. — Os soluços pareciam rasgar seu coração. — Rony sacou e atirou numa reação automática, e um dos assaltantes revidou com um rifle automático disparando em todas as direções. Ele e sua mãe morreram no local.
Gina continuava soluçando, e ele a abraçava com força como se assim pudesse protegê-la de todo sofrimento.
— Os dois bandidos foram presos. No Texas, ninguém escapa ileso depois de matar um tira. Os assaltantes foram julgados há um mês, e você e seu pai testemunharam contra os réus. Foi quando seu pai realmente perdeu o juízo, não foi? Quando teve de ver as fotos da autópsia?
Micah e Draco retornavam e, intrigados, logo perceberam o estado em que Gina se encontrava. De repente ela empalideceu, fechou os olhos e dobrou os joelhos, e teria caído se não estivesse entre os braços fortes de Harry.
Mais tarde, quando recuperou a consciência em uma das salas de emergência do hospital, Gina começou chorar de maneira descontrolada, quase histérica, e alguém providenciou uma injeção que a fez dormir. Ela acordou no rancho, no apartamento sobre a garagem.
Ao abrir os olhos, viu Harry sentado ao lado da cama, ainda com as mesmas roupas que usara para ir ao clube de tiro. Coberta até a cintura, ela também mantinha a calça e a camisa que vestira antes de sair.
— Que horas são? — perguntou com voz rouca.
— Não importa. Você dormiu por cinco horas, graças ao calmante aplicado por Micah. Não costuma dormir muito, não é?
Gina suspirou.
— Não. Quando durmo, tenho pesadelos horríveis. Acordo suando frio e os vejo novamente caídos no chão, exatamente como naquelas fotos da cena do crime. As pessoas parecem muito frágeis quando perdem a vida. Como bonecos... E as pessoas olham para os corpos...
— Ei, ei, os responsáveis por isso estão presos. Foram condenados à prisão perpétua sem possibilidade de recurso ou apelação. Pagarão pelo crime que cometeram.
— Sim, mas isso não vai trazê-los de volta. E sabe o que dizem sobre os motivos do crime? Foi uma aposta. Duas pessoas inocentes mortas por causa de uma aposta estúpida!
— Eles também arruinaram as próprias vidas e as de seus familiares.
Gina encarou-o com ar de espanto.
— Nunca pensou nisso? Os criminosos também têm famílias. Muitos deles têm pais amorosos que os educaram e ensinaram, pessoas que sofrem por se culparem pelos erros de seus filhos. Deve ser horrível saber que um filho tirou a vida de um ser humano e culpar-se por isso.
— Nunca considerei esse aspecto da questão.
— Quando estava no colégio, um de meus melhores amigos foi preso por assassinato. Ele havia matado um vizinho quando tentava roubar sua carteira. A namorada dele havia ficado encantada com um colar de diamantes, e ele queria comprar a jóia para dar de presente à garota, mas não tinha dinheiro. Meu amigo imaginou que, sendo velho, o vizinho não precisava de dinheiro, e que ele poderia usá-lo melhor. É claro que mais tarde ele se arrependeu de tudo, mas nunca imaginou que acabaria matando ou sendo preso.
— Ele era um bom amigo?
Harry segurou a mão dela e olhou para os dedos entrelaçados.
— Éramos companheiros desde o primeiro ano. Ele não era tão inteligente quanto os outros garotos, mas tinha uma natureza pacata. Pelo menos era essa a impressão que tínhamos. Os pais dele tinham sempre a casa cheia com as crianças da vizinhança. Os dois ficaram devastados quando Joey foi preso. Até os filhos do vizinho morto sentiram pena deles.
— É estranho... Nunca pensei em como seria ser pai, filho ou irmão de um infrator. Acho que também me sentiria culpada.
— Muitos são bem-educados, mas alguns têm traços de rebeldia que ninguém consegue controlar, outros são incapazes de conter impulsos. Muitos são deficientes em algum sentido. Em resumo, ninguém vai para a cadeia porque quer.
— Nunca imaginei que fosse um homem sensível.
— Quem? Eu? Paro para recolher as minhocas que entram na garagem para não feri-las com os pneus da caminhonete, e você me acusa de ser insensível?
Gina levou alguns segundos para compreender o significado das palavras, e então riu. Riu muito.
— Assim é melhor — aprovou Harry. — Você vai ficar bem. Passou por muitas experiências traumáticas recentemente, mas vai superá-las.
— Espero que sim. Quanto a você, devia agradecer ao céu pela sorte que teve.
— Eu? Por quê?
— Porque, se houvéssemos sacado aquelas armas, eu teria destruído seu ego. Meu apelido no clube de tiro de Rony era olho de lince.
— Ah, era? Veremos do que será chamada no meu clube de tiro.
Harry sorriu, e ela teve a sensação de que sua presença era familiar, quase necessária. O sentimento despertou a ideia de voltar para Houston imediatamente, em pânico.
— Ele a acertou de verdade. — O hematoma era apenas sombra amarelada em seu rosto, mas ainda podia vê-lo. — Bêbado ou não, um homem não deve jamais agredir uma mulher.
— São os resquícios do homem primitivo — Gina tentou justificar com um sorriso triste.
— As mulheres são o berço da vida. Que tipo de homem tenta destruir um berço?
— Você tem um jeito único de colocar as coisas.
— Somos descendentes de espanhóis, homens do velho mundo, conquistadores, aventureiros... Um deles veio para o Texas e recebeu uma grande extensão de terra envolvida em um tratado espanhol. Ele foi recompensado por serviços prestados à coroa da Espanha. Conhece a lenda de Cid?
— Sim! Ele foi um grande herói espanhol. Cid é originário do árabe Sidi, que significa senhor.
— Bem, nosso ancestral não era El Cid, mas lutou para abrir caminho entre vizinhos hostis e apoderar-se de sua terra. Ele defendeu sua propriedade enquanto viveu. Nossa família ainda é dona desse mesmo território, graças a um tio já falecido que nos deixou a herança valiosa.
— Quer dizer que o rancho é a concessão original?
Exatamente. Não é tão grande quanto era há cem anos, mas também não é uma fazenda de veraneio. Não notou o antigo serviço de prata na sala de jantar?
— Sim, e tive receio de tocá-lo.
— Aquelas peças vieram de Madri e têm mais de dois séculos de existência.
— Uma herança!
— Sim, como o próprio rancho. — Harry parou e refletiu sobre tudo que acabara de lembrar. — Agora entendo. Seu pai não era um homem violento até participar do julgamento dos criminosos.
— Não. Ele era doce, amoroso... Naquele dia, papai pediu a Rony para levar mamãe ao banco, porque ele tinha provas para corrigir e estava atrasado. Eu havia sido chamada para trabalhar em uma clínica que meu chefe mantém na comunidade hispânica. A enfermeira titular havia ficado em casa cuidando de um filho doente, e eu tive de ir substituí-la. Podia ter me recusado a trabalhar, porque aquele também era meu dia de folga, mas... Enfim, meu pai e eu somos culpados.
— Porque estão vivos, e eles morreram?
— Não!
— Gina, está sendo irracional! Sabe que os sobreviventes de acidentes aéreos também têm essa reação? E os de acidentes com automóveis, embarcações, armas de fogo... E uma resposta normal que se torna ainda mais intensa quando as vítimas são amigos próximos ou parentes.
— Onde aprendeu isso?
— Pansy Parkinson me contou.
— O nome é familiar...
— Já falamos dela. Pansy é filha de um rancheiro vizinho e psicóloga. Ela ainda é muito jovem, mas já concluiu o curso por ter iniciado os estudos ainda muito cedo. Pansy sempre foi brilhante.
— Oh!.
— E ela também é muito bonita. Pansy mora com o pai, Draco e eu temos um convite permanente para jantar. Podemos aparecer sempre que quisermos.
— Nesse caso, se Pansy souber fazer biscoitos, vocês não terão problemas quando eu partir.
— Bem, ela não pode cozinhar.
— Por quê?
— Pansy não tem noção de tempo. Ela esquece o forno ligado, e os pães congelados que deveriam ser apenas aquecidos acabam sempre pretos e queimados. E não vou nem mencionar o que acontece com a comida que ela tenta cozinhar sobre o fogão! Mesmo assim, talvez um dia ela pudesse se casar.
— Talvez? Por que diz isso? Você mesmo falou que Pansy é bonita...
— Oh, ela é! Tem cabelos castanhos mais longos que os seus, olhos escuros e um corpo proporcional, mas está sempre dizendo que sabe tudo sobre todas as coisas, e nenhum homem suporta essa atitude numa mulher.
— Então, não se casaria com ela?
— Não me casaria com ninguém. Amo minha liberdade.
Gina suspirou e sorriu.
— Eu também. Acho que jamais me contentaria com fraldas e panelas. Não com minha formação. Passei anos na universidade me preparando para ser uma profissional competente e...
— É estranho. Nunca pensei que uma enfermeira tivesse de estudar tanto.
— Não sou apenas enfermeira. Também me formei em ciências.
— O quê?
— Química, biologia, genética... coisas desse tipo. Depois cumpri os créditos adicionais do curso de enfermagem, e assim obtive dois diplomas. Saí da faculdade direto para a clínica onde trabalho até hoje, e às vezes tenho a impressão de que deveria ter mais dois pares de pernas e braços para dar conta de tudo que faço. O stress é terrível.
— Agora entendo porque disse que cuidar da casa era divertido.
— Sempre gostei de cozinhar. Ia para a cozinha com frequência mesmo quando minha mãe ainda era viva. Ela detestava as tarefas domésticas, e eu cuidava da casa e preparava o jantar quando voltava do trabalho.
— Li alguma coisa sobre o tipo de trabalho que você faz — ele comentou, lembrando os artigos que lera num jornal de domingo sobre enfermeiras especializadas. — Somente o médico está acima de você na hierarquia de um hospital. A única coisa que não pode fazer é receitar remédios sem supervisão.
— É verdade.
— Tantos anos estudando... Depois o trabalho, a casa, a família... Nunca namorou?
— Oh, sim! Mas não pude me dar ao luxo de manter um relacionamento sério. Meu pai fez muitos sacrifícios para sustentar meus estudos, e até Rony colaborou quando eu estava na faculdade. Teria sido uma enorme irresponsabilidade pôr tudo isso em risco para ir às festas e beber com os outros estudantes.
— Você é a mulher mais intrigante que já conheci.
—Mesmo agora, depois de ter revelado todos os meus segredos?
— Nem todos... — Harry inclinou-se e beijou-a.
Gina queria afastar-se, mas era impossível. Como se tivesse vontade própria, seu corpo buscava o dele e aceitava o contato como algo natural, quase necessário. Não queria pensar, ver ou ouvir. Só queria permanecer nos braços de Harry e sentir as mãos dele em seu corpo, em locais nunca antes tocados por outro homem.
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