Capítulo 8
O som de passos urgentes do lado de fora atraiu a atenção de Harry, e ele ergueu o corpo. Irritado, levantou-se e foi até a janela para olhar pela fresta entre as cortinas, e ainda estava lá quando a porta se abriu e Draco entrou com uma bandeja. Nela havia café, açúcar, creme e sanduíches de salada de galinha.
— Achei que podia estar com fome — Leo comentou sorrindo enquanto colocava a bandeja sobre suas pernas.
— A sra. McGonnagal veio preparar o jantar, e pedi a ela para fazer os sanduíches.
— Obrigada. Estava mesmo me sentindo... vazia.
Draco olhou para o irmão.
— Algum problema com você?
— Dor de estômago — Harry respondeu com tom seco. — Comi chilli com pimenta no almoço, e a azia está me matando.
— Devia ir tomar um antiácido e beber um copo de leite.
— Tem razão. — Harry preparou-se para sair. A caminho da porta, ele olhou para Gina . — É bom saber que está melhor.
— Obrigada por ter ficado e conversado comigo.
De repente, o rosto de Harry perdeu a cor e ele arregalou os olhos. Ele a encarava intensamente, como se estivesse chocado com alguma descoberta recente.
— Você está bem? — ela perguntou num impulso.
Gina era linda. E bondosa. Esforçada, honesta...Pusera a própria vida em risco para salvar um estranho. Seu irmão.
— Draco deve a vida a você. Mesmo assim, é horrível saber que se arriscou para salvá-lo.
— Não teria feito o mesmo?
— Talvez.
— Está vendo? Você tem potencial como marido. É rico, sexy, dirige um carro potente e gosta de animais. Perfeito!
Vermelho, Harry encarou-a com ar furioso.
— Não quero me casar.
— Não se preocupe com isso. É perfeitamente normal um solteirão resistir à ideia do matrimônio. Mas você vai acabar por aceitá-la. Se me der um anel, prometo deixar você ver minha coleção de embalagens de goma de mascar e tampinhas de garrafa.
Harry não respondeu.
Draco riu.
— Eu adoraria ver sua coleção de embalagens. Pensando bem, acho que vou começar uma para mim agora mesmo!
Harry olhou para o irmão como se quisesse enxergar através de seu corpo e, ao mesmo tempo, algo congelou dentro dele.
— Talvez até pense nessa sua proposta de casamento — continuou o caçula.
Gina riu.
— Lamento, querido, mas tem de ser Harry. Meu coração o escolheu. Pena que não possa trocar de irmãos...
Harry sentia-se mais furioso a cada segundo. Mais uma vez, o irmão tentava superá-lo no campo afetivo.
— Devia pensar melhor, Gina. Harry não sabe cozinhar e tem um temperamento pior do que uma cobra queimada pelo sol. Não vai conseguir domesticá-lo. Ele usa as esporas à mesa do jantar.
— Você também! — explodiu Harry.
— Tenho uma postura mais ereta do que a sua. Sou mais gentil, bem-humorado...
— Vá para o inferno!
Harry já estava no corredor, mas ainda podia ouvir as gargalhadas no interior do apartamento, e o som o enfurecia ainda mais.
Draco estava disposto a conquistar Gina, e a ideia provocava sentimentos perigosos. Seu irmão era a praga das empregadas domésticas da região, mas também era o mais simpático dos irmãos e sabia ser sedutor. Harry nunca havia aprendido a usar o charme como arma de conquista. Sempre dava a impressão de estar incomodado quando sorria. Especialmente com mulheres como Gina , tão tímidas e ingênuas. Não estava acostumado com esse tipo de mulher. Mas, pior do que tudo era a sensação de vertigem que experimentava quando olhava para ela. Não sentia nada parecido desde Cho, a única, além de Gina, que conseguira alterar sua respiração com um único beijo.
Gina o atraíra quando era apenas a cozinheira. Agora que tinha conhecimento da inteligência e da capacidade sob a aparência simples, estava fascinado por ela. Aquela era a mulher dos sonhos de qualquer homem.
Ela não o queria, sabia disso, mas aquele discurso sobre casamento o perturbara. Sua liberdade era como uma religião. Não queria se casar. Oh, não!
Mas era natural pensar em Gina com filhos. Podia imaginá-la fazendo biscoitos todas as manhãs e embalando um bebê à noite, enquanto assistiam à tevê sentados no sofá. Podia quase vê-la brincando de esconder com um garotinho no quintal, ou colhendo flores com a ajuda de uma menina delicada e linda. Gina seria uma mãe maravilhosa. E como se não bastasse tudo isso, ela ainda possuía um diploma universitário.
Harry também fizera um curso superior. Era formado em administração de empresas com pós-graduação em marketing. Era o cérebro por trás das decisões de negócios, o coordenador dos esforços de trabalho e o diretor de marketing da cooperativa de gado dos irmãos. Julgara Gina inferior a ele em termos de conhecimentos, e agora que descobrira a verdade, seu respeito por ela crescera.
Ela salvara Billy Joe no clube de tiro e soubera como agir com Draco na noite em que o encontrara caído. Devia a vida de seu irmão caçula àquela mulher. Competente, confiante, bonita... Definitivamente, uma mulher de muitas qualidades.
Mas não queria se casar com ela. Draco, por outro lado...
De repente Harry lembrou-se de como os dois haviam conspirado. Draco sabia de toda a verdade. Era evidente que ele e Gina haviam conversado muito desde a chegada da mulher ao rancho, porque o irmão não se surpreendera ao vê-la em ação para salvar a vida de Billy Joe.
Por que não notara antes? Draco chamara por ela ainda no hospital. Sentia-se atraído por ela. Talvez tivesse até um interesse mais sério em Gina. Enquanto se dirigia ao celeiro para conversar com alguns empregados,Harry teve o pressentimento de que Draco havia falado sério quando propusera casamento a Gina . Estaria ela desesperada, sozinha e assustada a ponto de desistir do emprego e aceitar a proposta de casamento só para livrar-se do pai?
O medo ameaçava sufocá-lo. Não suportaria viver numa casa onde Gina fosse a esposa de seu irmão. Preferia atirar-se de cabeça em um misturador de cimento!
Mas... Não. Draco devia ter brincado. Ele estava sempre brincando! Harry tentou respirar com normalidade e parecer relaxado. Não precisava temer a competição. Ela não existia.
Vários dias mais tarde, Gina foi ao galinheiro recolher os ovos, como fazia todos os dias. Apesar de estar no rancho fazia algum tempo, aquele era o momento mais tenso do dia, porque sempre entrava na área cercada com passos vagarosos, olhando para todos os lados, temendo encontrar uma cobra.
Nervosa, foi se aproximando lentamente do ninho, mordendo o lábio inferior, e alguns passos antes de alcançá-lo ela parou. Havia mesmo uma serpente ali. Enrolada em torno de alguns ovos, ela brandia a língua bifurcada como uma arma poderosa.
Gina foi sacudida por um arrepio de pavor, mas não deixaria aquela criatura estúpida transformá-la em motivo de piadas mais uma vez.
Havia um bastão longo e fino em um canto do galinheiro. Sem desviar os olhos da serpente, ela deixou o cesto no chão e foi pegar o graveto.
— Tudo bem, minha amiga — disse. — Só vou tirar você daí. Não quero machucá-la.
Enquanto falava, ela inseriu o pedaço de pau sob os anéis do corpo invertebrado e levantou-o com cuidado. A cobra estava quieta, movendo apenas a cabeça e emitindo silvos curtos. Até ali tudo bem. Tinha o animal na ponta do graveto.
Ao tirá-la do ninho, percebeu que ela era muito longa, diferente daquela outra que Harry havia levado para o celeiro. Esta possuía um lindo padrão marrom nas costas e a barriga branca. Mas, como ela não se preparava para atacá-la, não tinha com o que se preocupar.
Segurando o pedaço de pau bem longe do corpo, Gina saiu do galinheiro. Ao ser atingida pela luz do sol, a cobra tentou descer do graveto, aparentemente aborrecida com toda aquela movimentação.
Gina continuou caminhando para o celeiro, através do terreno. Um dos peões estava parado ao lado de uma caminhonete, observando seu comportamento. Boquiaberto, ele a encarava com os olhos arregalados, talvez por nunca ter visto uma mulher segurando uma cobra.
— Bom dia — ela o cumprimentou ao passar.
O homem não respondeu. Gina encolheu os ombros e seguiu em frente.
O celeiro estava vazio. Fardos de feno formavam pilhas que ocupavam toda uma parte da estrutura, e do outro lado havia centenas de espigas de milho esperando para serem descascadas na máquina instalada em um canto.
— Aqui estamos, minha amiga — Gina anunciou satisfeita enquanto deixava a cobra sobre o milho.
O animal encolheu-se, assumindo uma postura ameaçadora, e emitiu um som característico.
Gina não deu importância à atitude hostil da serpente. Concluíra sua tarefa, e agora podia deixá-la ali e voltar ao trabalho. Satisfeita, saiu do celeiro assobiando e retornou ao galinheiro, orgulhosa por não ter corrido, gritado ou se deixado paralisar pelo pânico.
O peão que havia estado ao lado de uma caminhonete desaparecera, e Gina devolveu o pedaço de pau ao seu lugar de origem e pegou o cesto para ir recolher os ovos. Depois de enchê-lo, deixou o galinheiro para ir preparar o almoço, a mente ainda ocupada com o gesto de coragem. Mal podia esperar para contar tudo aos dois irmãos e...
— Gina!
A voz urgente e aflita a deteve. Gina virou-se e viu Harry correndo em sua direção acompanhado pelo peão que estivera ao lado da caminhonete.
— Olá — ela o cumprimentou intrigada. — Aconteceu alguma coisa?
O homem parecia assustado. Parado diante dela, segurou-a pelos ombros e examinou seus braços e mãos, arfante como se houvesse percorrido uma longa distância correndo.
— Foi picada?
— O quê?
— A cobra! Ela a atacou?
— É claro que não! Eu a peguei com uma vareta e a levei ao celeiro, como você havia feito, e a deixei sobre o milho.
— Vá buscar minha Winchester — ele ordenou ao peão. — Carregue-a e traga-a para mim. Depressa!
— Para que precisa de uma arma? — perguntou Gina.
— Meu bem... — Harry abraçou-a e beijou-a sem se importar com uma eventual platéia. — Meu bem...
Não tinha ideia do que estava acontecendo ali, mas adorava o tremor nos braços que a enlaçavam, a maneira como ele a beijava, como se estivesse tomado pelo desespero, a voz rouca com que a chamava de meu bem.
Suspirando, correspondeu ao beijo até que Harry se afastou.
— Desculpe. Deve ter sido o choque. Fiquei tão apavorado, que nem parei para pegar meu chapéu quando Whit foi ao escritório para avisar-me...
— Do que está falando?
— Não tem ideia, não é?
— Não.
Whit voltou com a arma.
— A trava de segurança está acionada — avisou.
— Obrigado, Whit. — Harry afastou-se de Gina. — Vou matar a serpente.
— Matá-la? Mas... não pode! — protestou ela. — A cobra vai comer os ratos e proteger o milho que está no celeiro. É inofensiva e...
— Meu bem, você usou um pedaço de pau para transportar uma cascavel.
— Oh!, sim? Uma cascavel?
— Uma das espécies mais venenosas e agressivas de que se tem notícia.
— Ah...
Parada, ela o encarava e sentia o coração bater mais depressa. Carregara a cobra peçonhenta num pedaço de pau e ouvira seus silvos! Tinha a sensação de que o sangue escoava de sua cabeça para as partes mais baixas do corpo. Segundos depois estava caída no chão de terra. Felizmente, ela não despencou sobre o cesto de ovos ao perder os sentidos.
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