A Sala Precisa



Acordei no dia 30 de janeiro com um sol batendo impertinente na minha cara. Aquele sábado amanhecia claro, e o resto da neve já estava derretendo pelo chão.


Abri os olhos. Trinta de janeiro. Eu estava completando 18 anos. Eu agora era oficialmente uma maior de idade no mundo trouxa.


Era estranho eu estar ficando velha. Parecia ontem mesmo o dia em que embarquei no Expresso de Hogwarts para meu primeiro dia de aula, quase oito anos atrás.


Mas coloquei o pé direito para fora da cama quando fui assustado por um grito.


- Parabéns! – gritaram Maria e Alice ao mesmo tempo com a voz alta o bastante para acordar o castelo inteiro. Elas pularam em cima de mim.


- Ai! – fingi estar sufocando. – Vocês precisam urgentemente de um regime.


- Engraçado, muito engraçado. – Maria riu com sarcasmo e então me entregou um embrulho fino e quadrado. – Seu presente.


Eu abri o pacote, curiosa, e então revelou um porta-retrato de mim abraçando Tiago, no último jogo de quadribol da Grifinória.


- Você não me disse que tinha tirado uma foto! – falei, surpresa.


- Não fui eu quem tirou. Foi Jason Bayer, da Corvinal. Ele adora sair por aí fotografando tudo. Eu achei a foto ótima. Você gostou?


- Adorei Maria, obrigada!


- E este é o meu. – Alice estendeu o dela para mim. Era um livro. Eu pensei que seria um livro de poções, que é minha matéria preferida, mas na verdade o livro estava intitulado: Como ser uma boa bruxa no lar.


- Alice? – perguntei pasma. – O que você pretende me dando um presente desses?


Maria sufocou o riso, mas Alice não se deu ao trabalho.


- Quando você se casar com Tiago, já saberá fazer praticamente tudo.


- Casar? Eu não pretendo me casar!


- Você diz isso agora. – riu Alicie, acompanhada de Maria. – Espere só pra ver daqui a algum tempo.


- Você enlouqueceu. – murmurei folheando o livro. Tinha porções de feitiços de limpeza, culinária e até mesmo como tratar de bebês.


- Um dia você vai me agradecer.


Fingi não escutar e comecei a abrir os outros embrulhos na grande pilha de presentes.


Minha mãe me mandara uma grande safra com os bolinhos que só ela sabia fazer; meu pai me mandara cem libras para eu gastar com o que quiser, tanto com artigos bruxos ou não. Dougie me dera uma grande caixa com vários doces da Dedosdemel, Almofadinhas me mandara uma corça de pelúcia (que eu achei muito engraçado pois dela saía uma voz feita por magia que vivia repetindo "É Evans!"). Aluado me mandou um livro de feitiços muito úteis que inclusive ele sempre me ensinava; Rabicho me mandou sapos de chocolate e – pra minha surpresa – Sev me mandara uma carteira de pele de briba. No final de todos os presentes havia uma carta minúscula do Tiago:


Meu presente prefiro entregar pessoalmente.


- Hummm... – murmurou Maria maliciosa lendo a carta por cima do meu ombro. – Sinto cheiro de romance no ar.


- O que será que ele vai te dar? – perguntou Alice.


- Não faço a mínima idéia. – falei, guardando os presentes no malão e com um aceno de varinha fiz desaparecer os papéis rasgados do chão. – Só sei que estou morrendo de fome.


Nós três descemos para o Salão Principal, onde o céu encantado finalmente achava-se claro.


- Olá gente! – cumprimentei animada, sentando junto aos meus amigos marotos.


- Olá grande aniversariante! – cumprimentou Almofadinhas com uma falsa reverencia.


- Parabéns Lílian. Felicidades. – desejou-me Aluado, seguido por um sorriso de Rabicho.


- Obrigada gente. – respondi, me servindo. Acabei notando a falta de alguém ali. – Onde está Tiago?


- Deve estar andando por aí.


Tiago não apareceu ao resto da refeição e esse mistério todo começou a me intrigar.


Sev me desejou os parabéns enquanto eu saia para os jardins a convite de Maria. Ela fez uma cara de ódio para Sev relutantemente.


Não pude deixar de perceber em como Sev estava mudado quando se dirigiu a mim. Ele estava educado até demais; me perguntei se o motivo disso tudo fosse pelo fato do que aconteceu em Hogsmeade aquele dia.


Eu e Maria visitamos Hagrid, que quase me quebrou por inteira me dando um abraço de parabéns e me dando mais doces da Dedosdemel. Depois descemos para a beira do lago, já líquido, que a fraca luz do dia reluzia sobre ele.


- Vamos voltar para o castelo. – falei, depois de um tempo que ficamos tomando uma sombra em uma árvore próxima.


- Ah, não. – disse Maria, com a voz anormalmente fingida. – Aqui está bom.


Na verdade não estava nada bom. O sol estava nos fazendo suar por baixo das roupas negras de Hogwarts.


- Vocês estão aprontando alguma coisa? – perguntei, mesmo sabendo que qual fosse a resposta dela eu estava com a razão.


- Não, não. – ela apressou a dizer. Maria as vezes mentia muito mal. – Estou cansada de ficar presa no castelo.


- Então tá. – falei me pondo de pé e tirando algumas folhas de cima da roupa. – Eu vou chamar Dougie para te fazer companhia, porque eu cansei de ficar aqui.


- Ah Lílian, qual é! Hoje é seu aniversário e quero dedicar esse tempo à minha amiguinha querida.


- Aham, sei. – falei com sarcasmo. – E como pedido de aniversariante eu desejo imediatamente voltar para dentro do castelo.


Eu lhe dei as costas, rindo por dentro, e comecei a caminhar.


- Mas você é uma CDF mesmo! – reclamou Maria aborrecida, seguindo-me. – Não consegue ficar longe da escola nenhum minuto!


- Eu quero ver o Tiago. E também já está quase na hora do almoço.


O incrível era que o dia inteiro eu não vi Tiago em nenhum lugar; não o vi na sala comunal, no Salão Principal, nos jardins, e nem nas salas vazias.


- Maria, posso saber onde se encontra meu namorado sumido? – perguntei, já impaciente, depois da janta. – Sinceramente, eu não vi ele o dia inteiro e hoje é meu aniversário!


- Calma Senhorita Estressada que andou perdendo o namorado. – ela riu. – Já que ele aparece.


- Eu sei que vocês estão aprontando alguma coisa. – acusei.


- Sério, Lílian. – interveio Dougie. – Ele não deve demorar pra chegar.


- Isso é muito estranho. – repeti pela qüinquagésima vez.


Tentei me distrair de outra forma. Comecei a ler Estudo Avançado do Preparo de Poções apesar de não entender muita coisa do que eu lia.


A sala comunal aos poucos foi se esvaziando e e por fim só restou eu, Maria, Dougie e outros quintanista.


- Bom, eu vou dormir. – falei, perto de meia-noite. – Boa noite pra vocês.


- Não! – gritaram os dois ao mesmo tempo. Ergui as sobrancelhas.


- Tudo bem Lílian. – Maria disse com um suspiro. – Tiago mandou avisar pra você esperar por ele aqui.


- E porque eu faria isso?


- Voce não leu o recado não? "Meu presente prefiro entregar pessoalmente."


- É melhor irmos dormir. – falou Dougie para Maria antes que eu pudesse responder.


- Tem razão.


Eles se levantaram, se despediram e novamente deram parabéns a mim e então subiram pra seus respectivos dormitórios.


Decidi esperar cinco minutos. Caso ele não aparecesse eu iria dormir e fim de papo.


Não foi preciso. Pouco depois da despedida de Maria e Dougie ali estava Tiago passando pelo buraco do retrato com sua cara de bobo.


- Oi.


- Oi. – respondi, esperando uma explicação.


Ele continuou a me encarar, provavelmente esperando por meu interrogatório. Fiquei calada; ele que deveria começar, é claro.


Nosso joguinho mudo foi interrompido por um forte trovão lá fora; não acredito que depois do dia claro de hoje ia começar a chover.


- Vai ficar aí parado olhando para minha cara? – respondi, cedendo.


- Ganhei. – ele riu, considerando a minha teoria do 'jogo'.


- Ok. Aí vai. – eu disse suspirando. – Onde você estava? O que estava fazendo?


- Vou responder todas as perguntas que voce quiser se voce me acompanhar.


- Pra onde? Se voce não sabe, eu sou monitora-chefe e não vou ficar passeando a noite com o senhor.


- Ninguém vai ver a gente. – ele disse com os olhos brilhando. – Vamos ou não?


- Tá. – respondi, novamente cedendo, revirando os olhos. Tiago 2, Lílian 0.


Passamos pela Mulher Gorda.


- O que estão fazendo fora da cama uma hora dessas? – perguntou ela, sonolenta.


- Eu não estou passando bem. – falou Tiago com a voz repentinamente fingida como se fosse vomitar. – A monitora-chefe está me levando para a ala hospitalar.


A Mulher Gorda olhou descrente para ele e então viu meu distintivo no peito.


- Voltem logo, estou tentando tirar um cochilo. – respondeu simplesmente e voltou a fechar os olhos.


- Mas que desculpinha mais esfarrapada essa. – falei, balançando a cabeça, caminhando pelo corredor. – Sinceramente, não sei como ela acreditou nisso.


- Anos e anos de mentira nos deixam experientes.


- O que o torna mais arrogante. – respondi rindo. – Onde esta me levando?- indaguei quando já estávamos no quinto andar.


- Você verá. – ele respondeu simplesmente, com um sorriso torto.


- Olha aqui Tiago Potter. – eu parei de andar. – Se você está aprontando alguma...


- Calma, Lílian Evans, só estou querendo te dar seu presente.


- E precisa subir o castelo inteiro para isso?


- É claro.


- E onde é?


- Repito que você logo verá.


Lancei um último olhar desconfiado a ele e voltei a segui-lo.


Chegamos ao sétimo andar, quando de repente ele parou de andar.


- O que foi? – perguntei surpresa.


- Quero que você use isto. – ele disse, me estendendo um pano preto.


- Pra quer que use vendas nos olhos?


- Tudo parte da surpresa.


Suspirei alto. Com cuidado ele amarrou o pano nos meus olhos e tudo se escureceu. Eu realmente fiquei muito desconfortável com isso.


- Pronto. Pegue minha mão.


Tateei o ar a procura dele.


- Você tá de brincadeira né? – perguntei irritada. Ele ria.


- Desculpe. É engraçado. – ele disse segurando minha mão e me conduzindo. A outra mão livre eu tateava ao redor, com medo de esbarrar em alguma coisa.


- Sem dúvidas foi muito engraçado. – falei sarcástica. – Onde é que eu estava com a cabeça quando fui aceitar essa idéia maluca sua, Potter?


- Você não resisti a mim.


Eu bufei.


Ele parou abruptamente e eu esbarrei ele.


- Aviso prévio, por favor. – reclamei.


- Espere um pouco. – ele disse e escutei seus passou pra lá e pra cá. Pensei que ele tinha ido embora, mas eu sentia ele perto de mim.


Escutei um clique. Tiago me puxou pela mão e abriu uma porta.


Na mesma hora que eu entrei senti um perfume floral e me senti totalmente aquecida, apesar de não estar frio.


- Onde estamos?


Senti ele desamarrar o nó feito com o pano e minha visão voltou.


Estávamos numa sala ampla, mas não deixando de ser aconchegante. Havia uma mesa baixa no centro cheia de velas reluzentes e acho que comidas. As cortinas vermelhas desciam com charme até o chão. Em um canto ou outro havia poltronas e pufes.


- Que lugar é esse? – perguntei abobada. – Eu nunca tinha visto ela antes aqui no castelo.


- É a Sala Precisa, ou a Sala Vem e Vai, voce quem decide.


- Sala o quê?


- Sala Precisa. Ela sempre se transforma no que a gente precisa. Eu e Almofadinhas a descobrimos no meio de nossas andanças.


- Mas porque recebe esse nome?


- Porque sempre se transforma num lugar que a gente precisa.


- Eu nunca... tinha ouvido falar, eu...


- Quase ninguém sabe da existência dela.


Votei a admirar o lugar; era incrivelmente lindo e digamos, muito romântico. Madame Puddifoot iria a falência se um lugar como esse abrisse em Hogsmeade.


- É linda! – exclamei.


- Que bom que gostou. Eu não sabia o que te dar, e talvez um jantar anti-Madame Puddifoot acho que serviria.


Eu ri, andando ao redor da mesa. As velas tremeluziam sobre frutas organizadas sobre o pano branco. Uvas, morangos além de chocolate e outras coisas.


- Eu acho que... a gente tinha que ter um tempo sozinhos. – ele comentou, sentando na numa almofada, defronte a mesa.


Eu sentei também, meio tremula. O que ele queria dizer com "um tempo sozinhos"?


- Sinceramente, eu não sei nada sobre meu namorado. – eu disse, com um falso suspiro derrotado. – Dá pra você fazer uma lista?


- Certo. Mas participe também, ok? – ele falou abocanhando um morango. - Primeiro: cor preferida?


- Amarelo.


- Azul.


- Comida preferida?


- Doce de abóbora.


- Humm... Já que sapo de chocolate é um doce, fico com a Pizza.


- O que é isso? – ele perguntou surpreso.


- Deixa pra lá. – apressei a dizer. – Time?


- Chudley Cannons, como se voce não soubesse. – ele disse olhando pro teto. – E o seu?


- Não tenho time, porque alias não entendo muito de quadribol. Perfume?


- O seu.


Corei levemente e soltei um pigarro, enquanto ele sorria.


- Um sonho? – perguntei, comendo uma barra de chocolate.


- Ser um auror e... – ele parou, pensando. – Ter uma família.


- Um ídolo?


- Mark Grower, apanhador dos Cannons. E o seu?


- John Lennon, dos Beatles.


- Lenom do quê?


- É uma banda trouxa. Uma mania?


- Mexer no cabelo.


- Corar.


- Eu sei. – ele respondeu sorrindo. – Um livro?


- Poções: o guia do preparador.


- Quadribol através dos séculos. Um professor?


- Slughorn.


- McGonagall.


- Um amigo?


- Tenho três, mas fico com Almofadinhas.


- Maria. Um medo?


- Morte das pessoas que eu amo. – ele disse, pensativo.


- Digo o mesmo. Uma irritação?


- Ranhoso.


- Petúnia.


- Uma fruta?


- Morango.


- Morango. Um alguém? – ele perguntou, divertindo-se.


- Minha mãe.


Ele fez um beicinho.


- Tudo bem. – respondi, rindo. – Você.


- Você. – ele falou satisfeito. – Uma parte do corpo que voce mais gosta em voce?


- Isso é pergunta que se faça?


- Abrindo o jogo aqui, senhorita Evans.


- Ok, os olhos.


- Acho que os braços. – ele disse. Não pude deixar de concordar. – Um nome que acha bonito?


- Raquel. – respondi. Sempre achei esse nome bonito; Rachel Georgia era o nome da autora do primeiro livro de Hogwarts que tive.


- Harry.


- Porque Harry?


- Acho legal. Alguém que teme?


- Você-sabe-quem. – respondi com um leve tremor.


- Óbvio. O que voce gosta em mim?


- Tiago, estamos aqui pra falar da gente e não do que um acha do outro.


- Mas isso faz parte de nós mesmos, não é? Saber o que um pensa do outro.


- Tá. – falei, suspirando. – Apesar de você ser um arrogante, hipócrita, sem graça e desalmado, eu te acho um cara legal e cavalheiro.


- Isso é uma injustiça. Tem mais defeitos do que qualidades aí.


- Se isso realmente importasse eu não estaria namorando você.


- Isso é verdade.


Paramos um pouco para comer e tomar um pouco de cerveja amanteigada (que surgiu do nada, para o meu espanto).


- Acabou o interrogatório? – perguntou ele.


- Acho que com o tempo eu vou aprendendo mais alguma coisa sobre você.


- Isso é bom. – disse ele, dando a volta na mesa, a fim de ficar do meu lado. – Eu estava me perguntando... quanto tempo voce pretende ficar comigo?


- Não é pra pensar nisso, Tiago. – falei piscando. - Esqueça do futuro e viva o presente.


- Isso é bom. – ele falou, e então me beijou. Minha cabeça rapidamente se afastou dali. Merlim, ele beijava muito bem, não dava pra negar. E, é claro, eu sempre estou ali para estragar o momento. Acabei caindo de costas no chão, e por pouco meus pés não derrubaram a mesa. Mas Tiago pareceu não ligar; ele continuava a me beijar, agora por cima de mim.
Eu sabia onde isso ia chegar, assim que ele começou a beijar meu pescoço.


- Tiago. – falei, tentando o empurrar pra longe. Ele parou.
- O que foi? – ele perguntou, a expressão surpresa. Ele se sentou, e eu fiz o mesmo.
- Eu não... quero precipitar as coisas desse jeito... – falei, sem graça. – Eu... sinto...
- Shhhhh. – ele falou, colocando seus dedos na minha boca. – Não precisa se desculpar de nada. Eu te entendo e te respeito.
Olhei pra ele, procurando algum sinal de desapontamento ou raiva; mas ele estava calmo e visivelmente esperava pela minha resposta.
- Obrigada. – eu disse simplesmente.
- Vem aqui. – ele disse. Eu deitei a cabeça em seu colo, e pelo resto da noite ficamos assim, ora falando de coisas bobas, ora falando da aula de Poções ou jogo de quadribol, enquanto ele acariciava meu cabelo.
É claro que muitas dessas questões já passaram pela minha cabeça, e é claro eu esperava por isso algum dia. Mas eu não queria agora. Não agora; ainda mais dentro duma escola. E agora eu sentia que Tiago é mesmo especial. O Tiago arrogante, hipócrita, sem graça e desalmado era, afinal, a pessoa que agora eu mais amava.

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