Surpresas
Os sonhos de Serena a perturbavam cada vez mais. Eles lhe mostravam a carranca de Snape, a morte de Alexandra, e um bebê: ela mesma. Sonhava com Hogwarts. Nesses sonhos, ela via passagens e corredores nos quais nunca tinha estado. Sonhara, certa vez, com um Snape de olhar ameaçador torturando-a quando bebê.
Nesse dia, acordara com os olhos molhados pelas lágrimas.
O desgosto por Snape crescia, a cada aula que lhe dava, mostrava-se mais intolerável, e parecia odiá-la acima de tudo. Os sonhos a influenciavam também. Toda vez que olhava para ele, Serena lembrava-se de seu prazer ao torturar o bebê de seu sonho.
Ela também era cada vez mais atrevida nas aulas de Poções, e testava mais ingredientes novos – e para o desprazer que demonstrava Snape, ela acertara todas as vezes.
Serena estivera, anormalmente, no Salão Comunal da Sonserina. Ela e Eliza fizeram os deveres que a professora McGonagall passara, e depois conversaram, ambas se deixando conhecer.
Geralmente Serena, ao fim das atividades do dia e do jantar, ia para seu dormitório e fechava as cortinas, lia, fazia os deveres e, vez em quando, admirava as estrelas. Mas Eliza a chamara quando ela estava prestes a cruzar a porta do dormitório, e elas caminharam juntas para o Salão Comunal.
Malfoy encarou-as com insatisfação. E Blaise olhou Eliza tentadoramente, fazendo Serena rir de leve.
Elas atraíram alguns olhares maldosos, e outros admirados, mas não pareciam notar.
Algumas horas depois, o Salão foi se esvaziando, e Serena e Eliza foram para o dormitório também.
Logo que Serena adormeceu, sua mente se encheu de imagens. Era um corredor. Depois, o que se seguia era ela, caminhando até chegar lá. E a voz de Alexia a chamava calmamente, como se chama uma crinaça.
Ela sabia o caminho. Tudo lhe era mostrado. Subindo até o terceiro andar, seguindo por um corredor de armaduras, virando a esquerda. Era a primeira porta. Estava aberta. Chamavam-lhe, imploravam-lhe para que fosse. E ela foi. Seguiu lentamente e quando se encostou à porta, alguma coisa lhe acordou.
Ela suava frio. Estava aflita, aquele sonho a deixara com uma sensação estranha.
Sentou-se na cama, e respirou fundo, tentando, em vão, se acalmar. Não se lembrava daquele corredor do castelo, não daquele ponto de vista. Os olhos estavam arregalados de medo e agonia, a voz soava ainda em sua mente.
Serena levantou-se, ainda sonolenta, e vestiu o robe verde e prateado. Afastou as cortinas, calçou os sapatos e saiu feito zumbi. Quando deu por si, já estava frente à porta do corredor no terceiro andar.
A porta estava fechada, e Serena, de repente, teve um calafrio. Encostou delicadamente a mão à fechadura. Teve receio de abri-la de imediato, lembrando-se conscientemente do sonho pela primeira vez.
Respirou e abriu-a rapidamente. A sala estava iluminada pelos archotes costumeiros, e havia um espelho, bem em frente à porta. Serena deu dois passos, e sua imagem refletida no espelho começou a se transformar.
Agora, ela dava lugar a uma moça de sorriso orgulhoso, e covinhas rasas. A mulher lhe estendia a mão e chamava seu nome. Ela tinha os braços abertos para Serena, como ninguém nunca teve. Tinha pequeninas sardas espalhadas pelo nariz, não muitas, mas em distribuição uniforme. Tinha olhos brilhantes, que iluminavam todo o seu rosto. Os lábios eram cheios e murmuravam ‘Serena’. O nariz era fino, como o dela próprio. E ela tinha cabelos cor de fogo.
Quando a imagem refletida começou a chamá-la, os olhos de Serena se inundaram com as lágrimas. Ela deixou-se cair de joelhos no chão, admirando a imagem e chorando silenciosamente.
Serena tentava alcançar a mão da mulher, mas era impossível. Seus dedos tocavam a superfície lisa e gélida do espelho, e não a mão que lhe era estendida, a qual a garota imaginava ser macia e quente.
Quando desistiu de tentar tocá-la, a menina começou a acariciar a imagem do espelho. E ali ficou, caída e chorando, a observar Alexandra, tentando manter na memória todos os detalhes de suas feições.
A mulher tinha um olhar orgulhoso, e Serena pôde notar o quanto realmente se parecia com ela. Ao menos por seus cabelos negros.
Sua atenção estava toda voltada para Alexandra, com lágrimas abundantes, que nem sequer ouviu quando uma figura entrou na sala, tão perturbado quanto a garota.
De imediato, estacou na porta. Serena estava caída ao chão, a poucos passos dele, e alisava o grande espelho de fronte para ela. Por um minuto, se contentou. Mas logo lembrou-se que o que a garota via, era diferente do que ele via.
Ela chorava. E soluçava. Não podia deixá-la simplesmente daquele jeito.
‘-Serena’ – ele disse em tom de voz baixo – ‘Venha, levante-se’
Ele tentou erguê-la segurando debaixo de seu braço, porém ela afastou suas mãos com um gesto brusco, ainda sem deixar de encarar o espelho.
‘-Serena, levante.’ – disse, porém o tom gélido habitual não acompanhava sua voz.
‘-Venha.’ – ele disse, afastando-a do objeto e sentando-a numa cadeira.
As lágrimas ainda escorriam por seu rosto, tingindo-o de vermelho. Ela não o fitava, apenas tentava limpar seu rosto com as costas das mãos. Ele puxou uma cadeira e sentou-se perto dela, a uma distancia segura.
‘-Por que eu a estava vendo no espelho?’ – perguntou, passando a mão pelo próprio rosto.
‘-Este é o espelho de Ojesed’ – explicou ele – ‘Mostra-nos os desejos mais profundos do coração.’
Ela concordou e abaixou a cabeça, mirando os pés.
‘-Por que você está aqui, Snape?’
‘-Estava passando pelo corredor e ouvi um barulho vindo daqui. Cheguei aqui e te encontrei caída no chão.’ – disse, sem emoção.
‘-Dê-me a liberdade, senhorita, de perguntar o que estava a ver.’ – Severo falara no seu tom normal, gélido e desdenhoso.
‘-Quem, Snape! Quem será que eu estava vendo?!’ – ela bradou, levantando o rosto para encará-lo – ‘A única pessoa que me amou na vida!’ – mais lágrimas insistiam em escorrer enquanto ela falava alto - ‘E que deu a vida dela por mim.’ – disse a última parte mais baixo, respirando fundo e tentando se recompor.
‘-Serena, não chore.’ – disse, duramente.
A garota riu baixinho de deboche.
‘-Você não se importou de me ver chorar naquele dia. Não se importou de me mostrar o quanto você não gostava de mim. Por favor, não finja se importar agora.’ – ela disse, brava e magoada.
Ele mirou o vazio, sem parecer encontrar uma resposta coerente.
‘-Serena, não é nada disso.’ – disse com firmeza, mas sem o rastro gélido habitual – ‘Eu...’ – ele baixou o olhar.
‘-Você o que, Snape? Eu sei como você é. Já vi o suficiente por mim mesma, e se você não se importar, não quero ver de novo.’
‘-Você sabe em que sala estamos, senhorita?’ – perguntou, mudando de assunto e ignorando o comentário da menina.
‘-Não. Deveria saber?’ – perguntou, grossa.
Ele somente se levantou e foi até um armário de carvalho, e retirou o objeto de pedra. Então tudo fez sentido na cabeça de Serena.
‘-Estamos na sala da Penseira, no terceiro andar. Dumbledore decidiu guardar o Espelho aqui também.’ – ele deu de ombros, colocando a Penseira no balcão.
‘-E o que tem essa Penseira? Quer me mostrar o quanto sempre me odiou novamente?’ – disse, irritada e irônica.
‘-Não exatamente.’ – ele sorriu, com a mesma ironia – ‘Quero te mostrar mais algumas coisas. Você não sabe nada sobre mim, Serena, cuidado com o que fala.’
Ele puxou um fio prateado de lembrança e depositou no objeto, que girou.
Alexandra estava deitada na enorme cama de casal, no centro do quarto, lendo um exemplar antigo – porém bem conservado – de ‘Os Contos de Beedle, O Bardo’. Severo se encontrava em sua habitual poltrona verde escura, apreciando uma taça de vinho tinto e corrigindo alguns pergaminhos do quinto ano.
Alexia, uma vez, rira baixinho, exclamando depois:
‘-Ah, Severo!’ – disse feliz – ‘Minha mãe costuma contar essas histórias a mim e a Olivia quando éramos pequenas!’ – ela riu novamente, fazendo o ventre proeminente tremer ligeiramente – ‘Você ouvia as histórias de Beedle quando era criança?’
‘-Não.’ – olhou para cima e respondeu seco, voltando a encarar o pergaminho.
‘-Eu quero que nosso bebê as conheça.’ – disse, séria, colocando o pequenino livro de lado e olhando para o marido – ‘Tive uma amiga, Claire, que as foi conhecer somente no quarto ano de Hogwarts. E é tão triste! São histórias para dormir. E para serem contadas pelos pais às crianças pequenas.’ – ela disse, com pesar – ‘Severo? Está me ouvindo?’
‘-Sim, Alexia.’ – respondeu sem olhar para ela – ‘Concordo contigo, e tenho a certeza de que você lerá esse livro para a criança.’ – disse a contragosto, fazendo alguns rabiscos e anotações no dever de casa que corrigia.
Antes que pudesse pegar novamente no livro, Alexandra exclamou colocou a mão no ventre, atraindo um olhar assustado de Severo.
‘-O que foi, Alexia?’ – perguntou, receoso.
‘-Nada, querido.’ – ela sorriu, ainda alisando o ventre – ‘O bebê está chutando. Muito.’ – ela completou, feliz.
Depois de acariciar a barriga mais um pouco, levantou a cabeça e perguntou:
‘-Ponha a mão, querido.’ – ela pediu, chegando mais perto – ‘Não quer sentir?’
‘-Não.’ – respondeu prontamente, e seco, resmungando coisas sem sentido depois.
Alexia tentou esconder o olhar de decepção com um sorriso, mas não conseguiu. Seus olhos falavam por ela, não havia outro jeito.
Enquanto a lembrança exibia Alexandra se trocando para dormir, e Severo a terminar de corrigir as tarefas, Serena perguntou, com receio, porém curiosa.
‘-Não estou entendendo seu propósito ao me mostrar isso, Snape. Eu lhe avisei que não queria mais ver seu desgosto por mim. Tenho plena ciência disso.’ – disse, categórica.
‘-Espere, senhorita, e verá. Você não tem paciência alguma.’ – ‘exatamente como sua mãe’, completou mentalmente.
Serena assumiu um semblante de desgosto, e abriu a boca para retrucar quando viu que a imagem começara a mudar.
Alexandra agora ressonava de leve, dormindo profundamente. Ela ficava mais linda quando dormia, relembrou ele. Ela se mexeu ligeiramente e mudou de lado, ficando de frente para Severo, ainda acordado.
Ela se aconchegara nele, e ele lhe afagara os cabelos ruivos. Ela ressonara novamente, trazendo um pequeno sorriso aos lábios do marido.
Ele simplesmente não conseguia dormir. O abajur do seu lado da cama ainda estava aceso, e o sono não vinha.
Até que sentiu alguma coisa tremer próximo ao seu abdômen. Era a criança. Ele olhou para Alexia, e viu que a barriga dava pequenos sinais de que havia algo se movendo ali dentro.
A curiosidade era grande, mas havia também o receio. Quando a curiosidade venceu, ele estendeu a mão e tocou de leve o ventre da esposa.
De repente sua mão parecia grande demais. Mesmo assim, deixou a mão se estender e tocar realmente. O bebê mexeu, e chutou, rapidamente. Parecia corresponder ao seu toque, saber quem ele era.
Severo sorriu, sinceramente, como não fazia a ninguém a não ser Alexandra.
Teve medo de acordá-la. Então, recuou. A mulher virou-se de costas para ele, e Severo passou a abraçá-la, dormindo logo depois.
Serena não escondeu a surpresa com aquela lembrança, mas estava mais surpresa ainda de Snape tê-la mostrado para ela.
‘-Por que o senhor me mostrou isso, Snape?’ – perguntou, ligeiramente confusa.
‘-Você me disse que já tinha visto o suficiente por si própria. Discordo. Estou lhe mostrando coisas que você não sabe, Serena.’ – ele disse, comas mãos cruzadas nas costas, encarando a Penseira – ‘E agora escolhi esta lembrança, em especial, porque foi quando nos conhecemos, fisicamente. Tivemos nosso primeiro contato físico, quero dizer.’ – disse, com o gelo tomando conta da voz, sem conseguir mostrar os reais sentimentos.
A verdade era que aquele foi mais do que o primeiro contato físico. Para Severo, também fora o primeiro contato emocional. Quando começara a se deixar afeiçoar pelo bebê, e a se acostumar com a idéia de uma criança.
Antes desse momento, Snape não encarava aquele bebê como uma pessoa, alguém. Era apenas uma ‘coisa’ que ele desgostava, tinha implicância e até mesmo nojo.
Mas foi ali que apercebeu-se que a criança estava viva, reagia ao carinho. E foi ali que ele entendeu o quanto Alexandra amava Serena.
Serena nada disse. Ela ainda estava tentando assimilar tudo.
Snape, então, puxou outra lembrança e deixou cair.
Madame Pomfrey acabara de sair correndo e deixara a pequena Serena Snape nos braços do pai. Alexia estava inerte no catre, branca demais, sem as bochechas normalmente rubras.
Severo respirava fundo tentando se acalmar para não derrubar o bebê.
Ele saiu da Ala Especial atormentado. Não acreditava que isso tinha acontecido. Mas tinha que ser forte, e decidir o futuro do bebê.
Ao chegar na Ala Hospitalar, sentou-se. Ainda trazia o bebê no colo. A garotinha estava acordada, mas não se mexia, parecia prestar atenção ao rosto do homem que a carregava.
Então, pela primeira vez, deu-lhe a devida atenção. Era tão pequena! Tinha poucos cabelos, e bochechas gorduchas. Ela respirava rapidamente, no mesmo compasso em que o seu coraçãozinho batia.
Ele prestava atenção a cada detalhe dela. Teve remorso por não lembrar direito à cena de Alexia e Serena juntas. Esteve tão preocupado com a esposa que nem reparou o quanto o bebê lembrava Alexandra.
A criança começou a resmungar baixo e se mexer. Snape levantou-se e embalou-a. Serena ficou mais relaxada e começou a fechar os olhos, sonolenta. Olhou para cima, e não foi Alexandra quem viu. Fez menção de chorar, mas Severo segurou-a mais forte e murmurou um ‘está tudo bem’. Mesmo não estando.
Se Serena ficou surpresa com a outra lembrança, com esta ela estava abalada.
Snape estivera cuidando e ninando o bebê. Isso não combinava de forma alguma com o professor de Poções amargurado que ela conhecia. Snape olhou de relance para ela, mas ninguém disse nada, então ele adicionou a terceira lembrança.
Dumbledore estava nos aposentos de Snape e Alexia. Serena dormia no berço conjurado.
‘-Eu sinto muitíssimo, Severo.’ – disse o diretor – ‘Alexandra foi uma das melhores pessoas que já conheci. E uma das melhores professoras também. Não é fácil fazer grifinórios e sonserinos gostarem de uma mesma pessoa, em especial se for um professor.’ – ele sorriu fraco.
Severo concordou com a cabeça, abalado.
‘-Faremos o velório próximo ao salgueiro, está bem para você?’
‘-Sim.’ – foi a única coisa que respondeu.
‘-Ela será enterrada em Hogsmeade?’ – perguntou, com cautela, Dumbledore
‘-Sim, naquele pequeno cemitério.’ – disse, como se doesse em cada parte de seu corpo.
‘-Vou providenciar, tudo, Severo, não se preocupe. Cuide do bebê, ela precisa de você agora.’ – Snape acenou positivamente – ‘E sobre ela, professor? O que fará? Se quiser tirar uma licença por alguns meses, não haverá problema algum.’
‘-Não, professor Dumbledore.’ – ele disse sério, as feições de repente assumindo uma dor inigualável – ‘Eu a mandarei para um orfanato, na Londres Trouxa.’
‘-Severo, aqui ela tem a você, que é pai dela. E tem tudo o que precisa, e se precisar de algo mais, providenciaremos. ’- disse, convicto – ‘Uma criança precisa, mais do que tudo, de amor. E garanto que ela não terá lá. ’
‘-E como posso garantir que terá se ficar aqui, Alvo?’ – perguntou, a voz amarga – ‘Talvez eu também não possa dar isso a ela.’
‘-Você pode Severo, sei que pode.’ – ele ameaçou interromper, e o diretor o calou com um gesto – ‘Se não pudesse, não estaria pensando nada dessas coisas. Você está tentando decidir o que é melhor para ela. Isso só mostra que a ama.’
‘-Mesmo assim, diretor. Ela não pode ficar aqui.’
‘-Não vejo o porquê. Nos adaptaremos ela, se necessário. Ela precisa do pai, acima de tudo, essa é minha opinião, Severo.’ – ele disse calmamente.
‘-Ela nunca estará segura comigo, Dumbledore.’ – disse, pesaroso, como se tivesse pensado muito naquilo – ‘Se Alexia estivesse viva, talvez. Continuaríamos fingindo que a criança era só dela. Mas agora ela se foi.’ – ele engoliu em seco, evitando chorar – ‘O senhor, mais do que ninguém, sabe que nosso casamento não era escondido somente por discrição. Lorde das Trevas não poderia jamais saber sobre ela. A usaria contra mim na primeira oportunidade, e ela sabia que não pudemos assumir nosso relacionamento por proteção a ela. E agora a situação é a mesma, senão pior.’ – desabafou.
‘-Mas estar perto da sua filha não vale o risco, meu caro?’ – perguntou, calmo, ajeitando os óculos.
‘-A vida dela não vale risco algum. É mais importante que qualquer coisa.’ – suspirou.
‘-Severo, Voldemort está foragido. Sem poderes, desaparecido.’
‘-Você viu o que ele fez com os Potter. Ele desapareceu, mas não sumiu. Ele ainda está em algum lugar, fraco, mas vivo. E sei que, logo que voltar, mandará me chamar, para ver se estou mesmo ao seu lado. E nessa hora ele usufruirá de todo e qualquer recurso. Não quero que Serena seja mais um deles.’
‘-Deixe-a num Lar bruxo, Severo, onde você possa vigiá-la. Não há razão para deixá-la na comunidade trouxa.’
‘-Lá ela estará mais bem protegida, diretor. Você-Sabe-Quem nunca desconfiaria que ela fosse para um Orfanato Trouxa. Acharia que eu sou orgulhoso demais para isso.’
‘-E não é, meu caro? Nunca pensei que você algum dia deixaria um filho seu com trouxas.’ – disse, até um pouco divertido.
‘-Não quando se trata de Serena. Eu a protegerei, sempre.’ – disse, firme.
‘-Faça o que seu coração mandar, Severo. Você é o pai dela. Mas lembre-se que é uma decisão da qual não se pode voltar atrás. E você corre sério risco de não vê-la nunca mais, ou de ser odiado por ela, quando a menina crescer, ou até mesmo de que ela nunca fique sabendo do parentesco entre vocês. Você está disposto a esses riscos?’
‘-Estou, Dumbledore. Quero que ela esteja bem, mesmo que longe de mim.’
‘-Sentiremos falta dessa pequena no castelo. Ela nasceu hoje, mas já fazia parte da casa.’ – ele sorriu, olhando o berço em que ela dormia – ‘Espero que dê um jeito para que ela esteja de volta logo, Severo, cursando o primeiro ano aqui.’
‘-Eu tomarei as providencias, diretor.’
Dumbledore deixou os aposentos e Severo passou a mirar o pequenino embrulho que ressonava. Era a coisa mais bonita que ele já havia visto. Ela acordou, de súbito, e ele pegou-a cuidadosamente. Ela ameaçou chorar, mas ele ninou-a e ela dormiu novamente.
Ele ficou a mirá-la, e o carinho parecia emanar dele todo.
Serena chorava em silêncio quando a lembrança acabou. Como tudo aquilo mudara? Como ele a odiava tanto agora? As perguntas a deixavam confusa. Ela não queria ver mais nada.
Afastou-se da bancada e de Severo. Sentou-se na cadeira em que ele a colocara e abaixou a cabeça, pensativa. Algumas lágrimas ainda escorriam por seu rosto. Ela não estava entendendo nada.
Ele sabia que seria difícil. Sempre soube. E Dumbledore sempre o lembrara disso. Mas ela valia a pena. Ele se aproximou dela vagarosamente, a postura ainda rígida.
‘-Por que?’ – ela disse quando ele chegou perto – ‘Por que tudo isso, Snape? Não estou entendendo absolutamente nada. Do que você queria me proteger? Voldemort? Por que ele estaria atrás de você?’
‘-Calma, Serena.’ – disse, sem emoção – ‘Fui um seguidor de Você-Sabe-Quem, um Comensal da Morte’ – Serena espantou-se com isso – ‘e ele está atrás de mim desde então. Eu fui um espião de Dumbledore, esse tempo todo, porque uma vez que se está do lado Dele, nunca mais poderá deixá-lo.’
‘-Por que isso?’ – ela disse, sem gostar da idéia.
‘-Eu me tornei Comensal porque era jovem, e não tinha idéia realmente do que era o ser. Mas depois teve Alexia. Ela me confessou uma vez que gostava de mim, mas que não chegaria perto enquanto eu ainda fosse Comensal. Então fui falar com Dumbledore, e ele me sugeriu que fosse agente dele, lutando com a Ordem da Fênix. E então Alexia aceitou ficar comigo.’
Ela calou, não conseguia falar mais nada. Se falasse, choraria novamente.
Quando se recompôs, perguntou:
‘-Por que você vem me tratando desse jeito, Snape? O que eu te fiz?’
‘-Nada, Serena.’ – ele respondeu, frio e seco – ‘Dumbledore me disse que o tempo sem Alexia e você me deixou amargo, e mais rude ainda.’
‘-Mas eu estou aqui, Snape. E você me trata da pior maneira possível.’
‘-É involuntário. É quem eu me tornei depois que Alexia se foi, e que te deixei naquele lugar.’
‘-Depois que você se livrou de mim, Snape?’ – ela deu um sorrisinho torto, ainda magoada.
‘-Eu nunca me livrei de você, Serena.’ – ele disse, mirando a janela.
‘-Você nunca vai me amar, Snape. Não de novo. Por que você não me conhece. O pouco tempo que ficamos juntos, eu era um bebê. Mas eu cresci e tudo mudou. Não sou mais aquele bebê que foi seu. Sou uma adolescente insuportável.’ – disse, mirando os pés.
‘-Não muda nada.’ – ele disse, percebendo naquela hora o quanto era verdade o que estava dizendo – ‘Senti a mesma coisa que senti por você no dia em que você nasceu quando você adentrou o Salão Principal. E soube que era você.’
‘-Você não me odeia, Snape?’
‘-Não, Serena.’ – ele supirou, a fala ainda fria – ‘Você me trouxe lembranças que eu quero esquecer, mas nada disso é culpa sua. Você me lembra demais Alexia, e herdou características minhas demais.’ – ele sorriu torto e fraco – ‘Eu nunca soube lidar com isso. Não é nada com você, sou apenas eu, e meus problemas. A morte de Alexia foi dolorosa demais.’
‘-Você fez tudo errado, Snape. Desde que eu cheguei aqui.’ – ela disse, mirando a bancada, sabendo que ele iria aborrecer-se.
‘-Eu sei.’ – foi somente o que ele respondeu.
Snape ameaçou a falar novamente, mas a porta foi aberta repentinamente. Flich adentrara a sala, acompanhado de Madame Nora.
‘-O que está acontecendo aqui?’ – perguntou ele, desconfiado.
‘-Encontrei esta senhorita perambulando pelos corredores, Flich. E ela receberá uma detenção à altura do feito.’
‘-Não prefere que eu a leve comigo, professor?’ – perguntou, com um pouco de animação – ‘Tem uns troféus no quarto andar que precisam ser polidos.’
‘-Não, não, Flich. Como diretor da Casa dela, aplico-a eu mesmo. Tenho também coisas que preciso que a menina faça.’ – ele sorriu fino à Flich, puxou Serena e esperou o zelador sair, então fechou a porta – ‘Vá, Srta. Serena, e lembre-se que quero você na minha sala às 8 horas no domingo, depois do jantar.’ – e Snape acompanhou Flich, enquanto Serena seguia para as masmorras.
Serena chegou aflita ao seu dormitório. Estava mais confusa do que nunca, não sabia o que pensar, nem ao certo o que sentir. Não queria encontrar Snape tão cedo. Ela se jogou sobre a cama e deixou-se chorar. Nada mais cabia em seu peito, as emoções estavam oscilando muito. Adormeceu, finalmente, ainda soluçando baixo.
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