Abrigado na mente



Nos arredores da cidade grande, existia uma casa diferente de todas as outras construídas naquela região. Ela já estava ali há gerações e nunca havia sido modificada. Claro que cada nova matriarca que se instalava na casa fazia suas alterações de decoração e disposição dos móveis, mas no resto tudo era igual. Quem via de longe imaginava que fosse uma daquelas mansões antigas sem proporção. Sem harmonia, tinha vários andares empilhados um em cima do outro, os quartos eram mostrados por janelas umas maiores e outras menores, sem qualquer sintonia. O terreno da casa era na verdade muito maior do que se imaginavam, os limites de território daquela família iam da velha estrada que levava do vilarejo trouxa até o riacho que corria rápido e solitário por entre o bosque de avelãs. No jardim, gnomos desesperados corriam em todas as direções, os pés de maçã e amora eram tratados com cuidado enquanto todas as outras árvores e plantas ao redor cresciam rebeldes, conferindo a casa um estranho sentimento de aconchego e beleza.


Naquela casa diferente, existia uma família tão incomum quanto. Descendentes de uma das mais nobres e antigas famílias bruxas, os Weasley viviam com simplicidade e bom humor sempre. Não ligavam para luxo, fama ou dinheiro, e faziam de tudo para que os outros se sentisse bem. Visitar a casa dos Weasley era sempre sinal de fartura e boas risadas. Arthur e Molly, os chefes dessa simpática família, tiveram mais filhos do que se espera de uma família bruxa de sangue puro. No total de seis filhos, cada um deles agregara características inconfundíveis, embora as personalidades de cada um fossem tão semelhantes como o sal e o açúcar.


Naquela manhã, quando o sol já despontava por detrás da colina que se erguia imponente de frente para a velha casa, um dos Weasley acordou exaltado com as roupas molhadas de suor.


- O que aconteceu Ron, querido – perguntou assustada Molly Weasley que invadiu o quarto do filho ao ouvir o grito.


Rony estava branco e olhava aterrorizado para a mãe


- O Harry mãe! Sonhei com ele – ele respondeu enquanto Molly passava a mão nos vastos cabelos vermelhos do garoto – ele estava sendo atacado na casa dos Dursley.


Molly olhava aflita para o filho que se levantava da cama a procura de suas roupas.


- Eu preciso ir mãe, tenho q ir atrás dele, o Harry pode estar com problemas e não tem ninguém que possa ajudar – Rony parecia angustiado com tudo o que havia desde que voltaram de Hogwarts – eu falei...desde o começo eu falei para todos que o que estavam fazendo com ele ia acabar mal!


Rony vestiu a calça jeans surrada por cima do pijama e enfiou no corpanzil uma camiseta encontrada enrolada embaixo de uma pilha de fotos de quadribol. No momento em que ia em direção a porta do quarto, Arthur e Remo apareceram tampando a passagem do garoto.


- Papai, professor... Eu preciso ir, aconteceu uma coisa terrível, onde está a Mione?


Lupin com a aparência cansada de sempre, segurou Rony pelos ombros fazendo com que se acalmasse.


- Rony, você não tem que sair atrás do Harry agora! – falou calmo enquanto os olhos de Rony se enchiam de lágrimas – vamos conversar lá embaixo, precisamos colocar algumas coisas a par de todos. Desça que a Molly lhe serve um café, algumas pessoas já estão aguardando.


Rony olhou alarmado para os pais que apenas sorriram desconcertados.


Rapidamente o ruivo desceu as escadas e encontrou a sala cheia de pessoas conhecidas. Uma reunião estava sendo aguardada ali e além da maioria dos membros que se mantinham firmes na Ordem, Hermione, Neville, Luna e Gina estavam sentados e sérios.


Desde a morte de Dumbledore, vários bruxos pertencentes a Ordem da Fênix haviam desistido da causa e fugido com a família para lugares distantes como a América do Sul e Oceania. Tanto para os membros da resistência quanto para qualquer pessoa sensata da comunidade bruxa, parecia acreditar que o motivo para que todo o mundo continuasse de pé, fosse a bravura e poder de Dumbledore.


Com isso, a Ordem da Fênix lentamente foi perdendo bruxos importantes. As coisas iam ficando mais difíceis. O Ministério da Magia parecia ter se valido da morte do diretor para assumir completamente as rédeas da resistência contra Voldemort, e apesar do esforço de muitos membros honestos do governo, a traição que existia dentro Ministério, aliado a corrupção de bruxos que passavam informações valiosas para o lado negro, ainda superava toda a luta que vinha sido travada.


Por ordem do Ministro da Magia, toda e qualquer ação realizada pelos bruxos agora liderados por Remo Lupin, deveria ser rechaçada com “força total” segundo nota dada ao Profeta Diário logo após a queda de Dumbledore. Com essa simples declaração, a população que esperava um sinal de esperança a que se apegar, concluiu que com a falta do mestre de Hogwarts, o Ministério da Magia era a melhor oportunidade de se ter sucesso na luta contra Voldemort. E assim, a Ordem da Fênix precisou ainda mais trabalhar e lutar secretamente.


O lado positivo de tudo isso, foi que com a implicância pesada do Ministério, curiosamente a Ordem da Fênix passou a ter alguns êxitos onde até então haviam falhado. Todos pensavam que a Ordem havia se desfeito e os próprios comensais de Voldemort, acreditavam que os poucos que haviam sobrado não se dariam ao luxo de interferir nos planos do mal. Acreditavam que todas as suas forças se limitariam a proteger o menino que sobreviveu.


 


 


 


Três meses atrás...


Quase uma estação havia se passado e Remo Lupin se via em meio as mais importantes decisões de sua vida. Havia assumido o comando da agora procurada Ordem da Fênix, e precisava mais do que nunca fazer com que as ações dos que ainda se mantinham fieis a luta, agissem sempre com o máximo de cautela possível. Além de toda a repressão por parte de um assustado e confuso governo bruxo, ainda havia Harry Potter. O menino que sobreviveu estava completando a idade em que a proteção mágica deixada por sua mãe na hora da morte terminaria, e o garoto estaria a mercê de Voldemort e seus comensais. Por enquanto Harry estava protegido, mesmo que Remo não fosse louco o suficiente para deixar a Rua dos Alferneiros sem uma guarda pessoal para o garoto.


As piores notícias chegaram em um dia propicio ao desespero. A chuva de outono despencava e castigava os antigos e desgastados telhados das antigas e desgastadas casas do Largo Grimmald. O parque que ficava de frente para a sede da Ordem, coberto de estrondosas árvores que agora pareciam sentir ainda mais os efeitos da chegada de um intenso inverno, fazia poças por entre as trilhas do pequeno bosque. Dentro da casa, Lupin estava entretido com os relatórios enviados como de costume, por todos os espiões que ainda possuía dentro do Ministério. Molly Weasley havia acabado de chegar e preparado o café da manhã para o homem que estava cada vez mais abatido. Remo não se alimentava direito devido as demandas e preocupações que a guerra trazia e se não fosse pela querida Molly, provavelmente o homem estaria estirado sem vida em algum cômodo da casa.


Enquanto folheava sem ânimo o recém chegado profeta diário, Remo sorveu um gole quente de chá pensando que deveria definitivamente aprender com Molly a receita daquela bebida de morangos silvestres que eram o seu preferido. Quando tomou mais um gole longo do chá, Remo viu um breve crepitar esverdeado da lareira e então a cabeça grande e careca de Kin Shacklebolt apareceu cuspindo fuligem.


- Bom dia Kin – cumprimentou Lupin com um sorriso cansado porem sincero por ver o velho amigo ainda bem. Em tempos como este, rever pessoas queridas diariamente era sempre um alívio.


- Olá Remo! – respondeu o auror que lutava para sair completamente da apertada lareira da sala de reuniões – Me desculpe por não avisar que estava vindo. Passei a noite em claro fazendo algo sem avisar a Ordem, mais confesso que não tive escolha meu amigo. Acabei de chegar e vim direto falar com você


Remo se levantou preocupado e serviu uma xícara de chá para o homem negro e enorme que tirava o resto de cinzas que haviam grudado em suas vestes lilás.


- Se acalme um pouco Kim – Remo lhe estendeu a xícara de chá que o homem apanhou agradecido – o que de tão sério aconteceu? Veio me trazer mais más notícias não é? – Kin bebericou lentamente o chá enquanto olhava para o quadro da antiga Ordem que ficava atrás da mesa que Lupin ocupava.


- Sinto muito meu amigo, mais acredito que nossas ações terão que ser alteradas depois daquilo que eu tenho a lhe dizer – os olhos dos dois homens se encontraram por um momento e se fitaram com seriedade. Kim não era o tipo de homem que se deixava levar por qualquer noticia ruim, mas como nos últimos tempos o que mais se ouvia na sede eram assuntos drásticos, urgentes e perigosos, não era de se espantar que a reação do homem fosse tão dramática. – Depois disso Remo, acredito que nossas ações futuras terão de ser reorganizadas. Novamente!


Harry despertou e sentiu a cabeça latejar como há muito tempo não acontecia. Não era dor em sua cicatriz, daquelas que sentia quando tinha contato com Voldemort. Era uma dor de desgaste físico e mental. Ele lembrava que alguma coisa muito ruim havia acontecido mais não conseguia saber o motivo.


Fez força para se levantar e viu que havia sido largado no chão frio de um corredor extenso e mal iluminado. “Mais é claro!” pensou o garoto “Como se eu fosse acordar em um quarto iluminado, em cima de uma cama confortável”. As paredes estavam repletas de quadros bruxos antigos que se movimentavam e murmuravam coisas sem sentido. Lentamente Harry foi caminhando em direção a única luz que se mantinha fraca e oscilante do final do corredor. A dor em sua cabeça era devastadora e ele cambaleou, apoiou-se em uma das molduras de um bruxo vestido de negro quando um flash de imagens se irrompeu em sua frente. Harry se viu sendo carregado por um homem grande que usava vestes claras e um longo rabo de cavalo. À frente vinham outras pessoas vestidas da mesma forma, enquanto caminhavam por um bosque claro e gelado. Logo adiante, a trilha que percorriam terminava em um magnífico portão de pedras brancas e lisas. Os muros que acercavam o portão eram feitos da mesma pedra e gárgulas gigantescas permaneciam imóveis e imponentes em cima a grande muralha. As pessoas que caminhavam a frente do gigante que carregava Harry pararam, alguns metros do portão e levantaram as varinhas. Aquilo tudo pareciam lembranças do que Harry já havia vivido no passado, e lentamente as imagens foram se apagando e voltando para o escuro corredor em que o menino que sobreviveu havia acordado.


Novamente Harry caminhou até a luz que permanecia oscilante a sua frente. Notou que a luminosidade densa vinha de traz de uma porta branca no fim do corredor. Receoso, colocou a mão na maçaneta que girou sem esforço deixando que a luz invadisse seus olhos. Quando se acostumou com a claridade no interior da sala, Harry se deparou com um amplo quarto repleto de prateleiras, todas entulhadas de livros de diversos tamanhos, cores e formatos. Ao centro, uma mesa completamente desorganizada e amontoada de pergaminhos, ampulhetas e penas. Um homem estava sentado de costas para Harry, com a cabeça abaixada e completamente absorto em pensamentos.


- Senhor – chamou Harry aproximando-se cuidadosamente – eu preciso de ajuda!


O homem levantou a cabeça despertando do que parecia ser um sonho que ele estava vivendo durante horas, a julgar pelo espanto como o homem acordou.


- Me desculpe senhor, mas eu preciso de ajuda. Eu não sei onde estou


Harry Potter viu enquanto o homem girava a cadeira em que permanecia sentado e quase desmaiou novamente ao ver a pessoa com que estava frente a frente


- Toda a ajuda que precisa está dentro de você Harry. Fique calmo e todas as respostas você vai descobrir em seu coração. – disse Alvo Dumbledore, sorrindo abertamente enquanto tirava com calma seus óculos de meia lua.


Aquilo não deveria esta acontecendo, pensou Harry, enquanto deixava lágrimas caírem copiosamente no chão branco da sala. Ele se aproximou mais e pode tocar as vestes do professor que continuava sorrindo. Num impulso, Harry se atirou em cima do velho bruxo que o abraçou com carinho. O garoto chorava dolorosamente, como se houvesse encontrado de novo o único homem capaz de fazê-lo se sentir seguro. O bruxo afastou seu pupilo com cuidado e com um piscar de olhos conjurou uma poltrona idêntica a que estava sentado e fez Harry se acomodar.


- Não me olhe assim Harry – falou Dumbledore recolocando os óculos – até parece que eu morri!


Harry não conseguia rir. Ele estava confuso, aquilo era definitivamente um sonho, então gostaria que nunca terminasse. Desejava ficar ali para sempre, ao lado de seu mestre, sem problemas, sem dor.


- Ah tudo bem! Já entendi que você vai continuar assim com essa cara de quem viu uma mandrágora fora do vaso. Então me diga Harry, por que me chamou?


- Professor...eu....como assim? – Harry tentava se acalmar e aproveitar o tempo que ainda tinha com Dumbledore, já que aquilo certamente iria terminar a qualquer momento – Eu não entendo, como é que...??


- Você realmente não sabe meu garoto? – Dumbledore permanecia sereno como Harry sempre se lembrou. Com aquele sorriso sincero e encorajador no rosto, sem nenhuma preocupação – Você realmente não sabe o que é isso que estamos vivendo?


- Um sonho? – perguntou Harry


- É muito mais que isso...


Confuso, Harry olhou ao redor esperando que a explicação viesse a ele, mais nada aconteceu. As prateleiras continuavam com seus imponentes livros coloridos, a mesa a sua frente ainda tinha livros, penas e pergaminhos amontoados e Dumbledore ainda se mantinha quieto a sua frente.


- Você despertou dentro de si, aquilo que eu considero a habilidade mágica mais complexa e interessante que existe Harry.


- Habilidade? – perguntou o garoto ainda perplexo – que habilidade professor?


Dumbledore se levantou e foi até a prateleira ao lado enquanto caminhava os olhos lentamente pelos inúmeros títulos enfileirados.


- Há muitos séculos atrás, um bruxo chinês que você não precisa saber o nome, até porque nem mesmo eu consigo pronunciá-lo – Dumbledore gargalhou como se tentasse reproduzir mentalmente o nome do mago – Enfim...esse bruxo despertou em si uma capacidade surpreendente de raciocinar e refletir de forme clara, calma e profunda! Tudo isso dentro de sua mente Harry! Incrível não acha? Confesso que eu dediquei alguns anos estudando esta habilidade mas não consegui aprimorá-la completamente.


- Desculpe professor mais eu não entendo – Harry também se levantou tentando conter sua exaltação – eu não consigo entender o que está acontecendo!


- Harry, você descobriu dentro de você a capacidade de se fechar dentro de sua mente! Claro que certamente isso aconteceu agora, porque você como de costume passou por alguma situação perigosa, mortal e desgastante. Sua mente o protegeu de sonhos terríveis e cansativos que você poderia ter, e lhe deu a oportunidade de ir para um ambiente calmo e livre de influências externas. Um lugar onde você pode pensar, bolar um plano para aquilo que está acontecendo “no mundo lá fora”, e certamente recuperar suas energias. As mentais pelo menos. Foi isso que o tal chinês descobriu! Ele passou a criar ambientes agradáveis, lugares seguros e tranqüilos onde pudesse se refugiar, “em sonhos”, para pensar, planejar e descansar, enquanto a realidade estivesse acontecendo lá fora, entende?


Na verdade Harry tentava colocar toda a informação que estava recebendo, dentro de uma já exausta e conturbada mente. Em um momento estava na casa dos seus tios, lutando pela vida e sendo resgatado por pessoas estranhas, e no outro, estava dentro de sua cabeça, tendo uma conversa confusa com um bruxo morto. Seus olhos divagavam pela sala iluminada enquanto Dumbledore parecia se contentar em admirar Harry com afeto e compreensão.


- Então é simples assim professor? Eu criei a capacidade de me fechar em pensamentos? E como eu faço isso voluntariamente?


Dumbledore sorriu ao ver o interesse de Harry sendo despertado aos poucos.


- Não é tão simples assim Harry – falou o professor – Você hoje teve uma demonstração acidental desta habilidade. A partir de agora você precisa compreender como isso funciona dentro de você. Precisa aprender como controlá-la e saber usar isso com prudência.


Dumbledore voltou a se sentar e puxou para perto de si um pergaminho que olhava sem muito interesse


- Professor?


- Sim – Dumbledore respondeu sem tirar os olhos do papel.


- E o que o senhor está fazendo aqui agora? Estamos dentro da minha mente não é?


O diretor gargalhou brevemente largando o pergaminho novamente em cima da mesa e encarando Harry nos olhos.


- Sim Harry, estamos – respondeu – o que está acontecendo aqui, é apenas uma maneira de sua habilidade se manifestar. Tudo indica que você tem a figura de seu professor, como um porto seguro, alguém que pode confiar e que deseja muito que estivesse sempre ao seu lado. Por causa disso, estou aqui.


- Então..... Isso não é real?!


- Não deixa de ser meu garoto. De certa maneira, a realidade de hoje pode ser considerada um tanto quanto diferente das demais. Seu coração precisava de tranqüilidade Harry, então sua mente criou o momento de realidade que você desejava. Eu não sei se isso vai acontecer novamente. Talvez me ter aqui ao seu lado, seja a maneira como o seu novo poder se manifesta em você. Talvez agora, todas as vezes que você conseguir embarcar nesta antiga magia, seja eu a pessoa que você terá para conversar e discutir suas possibilidades.


A sala em que os dois conversavam foi lentamente perdendo a luminosidade. Dumbledore parecia mais opaco e translúcido. O pensamento de Harry foi ficando mais devagar, era como se ele estivesse adormecendo sem estar sentindo o mínimo de sono.


- Chegou a hora Harry!


- Professor... eu quero vê-lo novamente! Por favor... Eu não posso continuar sozinho


Tudo se apagou de repente e Harry pareceu ser sugado para o vazio e sentiu o corpo sendo jogado contra a escuridão densa em que estava.

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