Fuga
Capítulo 8. Fuga
Meus sentimentos por você aumentaram, minhas tristezas transbordaram.
Adeus meu amado, nunca poderei esquecer você...
Ter tudo e acabar com um "adeus" simplesmente é muito triste.
Adeus meu amado, eu não quero que o nosso amor acabe...
- Sayonara, Saikano ED Single
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O clima do enterro dos Priuet não poderia ser mais pesado, mesmo em se tratando de um enterro. Todos já estavam relativamente acostumados com assassinatos e mortes em meio a duelos. Mas o extermínio de uma família inteira era algo novo - novo e chocante.
Os alunos de Hogwarts acima do terceiro ano foram autorizados a comparecer ao enterro no cemitério de Hogsmead. Molly Weasley, a única filha de Marjory e Edgar Priuet que sobrevivera ao massacre por não morar mais com a família, chorava desconsolada no ombro do marido, rodeada pelos cinco filhos do casal. Os McKinnon chegaram fazendo muito barulho numa carruagem puxada por um par de quimeras. A matriarca andou o tempo todo apoiada no braço da neta, Marlene Mckinnon.
Remo Lupin e Sírius Black chegaram aparatando, assim como quase todos os bruxos maiores de idade presentes. Tiago Potter chegou em sua vassoura, junto com Dumbledore e seu irmão, Aberforth. Professores de Hogwarts e integrantes do Ministério da Magia compareceram em massa e Bartolomeu Crouch tomou a palavra, proferindo um longo discurso sobre endurecer a guerra contra "esses terroristas desumanos".
A morte daquela família fez com que toda a comunidade bruxa tomasse consciência do que a guerra estava fazendo com suas vidas. O medo se espalhou, todos ficaram subitamente paranóicos com a segurança e a simples menção do nome de Voldermot passou a ser motivo de alarme. As pessoas passaram a se referir a ele como "O-que-não-deve-ser-nomeado".
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- Lily?
A jovem de cabelos ruivos estava ocupada em reenvasar mudas de salgueiros-lutadores. Fazia isso muito metodicamente, qualquer movimento brusco e a pequena planta atacaria com uma série interminável de socos e chicotadas que, se não eram capazes de machucar muito, dificultariam bastante o trabalho.
- Shhh... - fez ela. - Fale baixo.
- Por que alguém se dá ao trabalho de plantar uma coisa dessas? - perguntou Tiago, fazendo uma careta para uma muda que retorcia os galhos.
- Foi idéia de Remo. Você sabe, as mansões de bruxos são cheias de saídas secretas. Essas plantas são um bom jeito de se proteger - respondeu ela, usando todo o peso do corpo para fazer uma planta particularmente agitada entrar no vaso.
- Sei... Eu preciso falar uma coisa com você.
Lílian suspirou longamente e sacudiu a terra das vestes. Tirou as luvas de couro de dragão e murmurou:
- Melhor irmos para a sala. Coloca esses vasos na janela pra mim?
Tiago fez como ela pediu e, minutos depois, estavam os dois sentados no chão da sala.
Ela sabia que estava sendo metodicamente observada e fez um esforço sobre-humano para sustentar a expressão calma. Não queria ter que falar nada, não por enquanto. Porque sabia que acabaria falando sobre os sonhos que vinha tendo, e também porque sabia que não era sobre isso que ele queria falar.
- Olhe pra mim... - ela ouviu a voz de Tiago.
Não, Lílian não queria olhar para ele.
- Não posso, tenha paciência.
- O que... como você sabia sobre os Priuet?
Lílian fechou os olhos e respondeu:
- Tive uma visão.
Por um instante, Tiago sorriu, como se ela estivesse tentando enganá-lo. Mas logo em seguida percebeu que ela falava sério e indagou:
- Uma visão? Como aquela coisa de folhas de chá e bolas de cristal? Não sabia que você gostava dessas coisas.
- Não gosto - interrompeu Lílian. - É só algo que não posso evitar... essas visões... queria nunca ter tido nenhuma.
- Você... hum... já teve alguma antes daquela?
Lílian mirou o marido indecisa entre contar ou não. Talvez ele apenas dissesse que ela andava imaginando coisas. Talvez acreditasse e se desesperasse. Talvez achasse que tudo era culpa dela.
- Eu... vi o nosso casamento quando ainda estávamos na escola... - Tiago sorriu divertido. - E também vi Harry - ela completou, desviando novamente os olhos.
- Harry?
- Nosso filho.
Tiago franziu a testa parecendo pela primeira vez genuinamente preocupado.
- Como você sabe que é menino? Tínhamos decidido que ia ser surpresa.
- Eu sei - Lílian passou a mão delicadamente pela barriga. - Tudo bem, você está achando que eu estou maluca, que essa guerra afetou meu cérebro.
- Eu só quero entender. Você é vidente, é isso?
- Você... não acredita em mim? - Lílian se sentia fraca, transparente como um vidro no qual os presságios ruins incidiam e atravessavam. Convivera com seu Dom a vida inteira, mas nunca tinha sido tão difícil. Provavelmente, era a tensão da guerra que a estava tornando mais vulnerável. Ou talvez fosse o mundo que tinha mudado e não restavam mais muitos presságios bons pra se sentir.
- Eu não disse isso - falou Tiago, por fim.
- Porque seria fácil pra você duvidar. Você não tem que ouvi-lo à noite - sussurrou ela.
- Ouvir?
- Ele... sua risada... você não ouve aquela risada noite após noite!
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- Pontas, nós NUNCA perdemos uma lua cheia desde o quinto ano!
- Shhh! - fez Tiago para a imagem de Sírius num pequeno espelho de moldura de latão. - A Lílian pode acordar. Cuide das coisas por mim, ok? Prometo que na próxima eu vou sem falta.
- Lílian está se sentindo mal?
- Não sei exatamente. Só acho que... ela precisa de mim aqui.
- Está bem, cara. Até a próxima então - a imagem de Sírius desapareceu do espelho e Tiago mirou o próprio reflexo.
Movendo o espelho para a esquerda, ele pôde ver Lílian, dormindo encolhida sob as cobertas, os olhos apertados como se estivesse sonhando e os braços cruzados sobre o peito. Começou a se despir para colocar o pijama, quando viu a esposa sentar na cama de um salto com os olhos arregalados, murmurando palavras desconexas:
- Não! Por favor, o Harry não... por favor.
Ele a observou por um instante, até perceber que a expressão de seu rosto era de intenso terror.
- Lílian - chamou, sacudindo-a pelos ombros. - Lílian, acorde, foi só um pesadelo.
- O Hary... ele o matou... e também Tiago... - ela agora chorava compulsivamente e ele a abraçava, sem saber bem o que fazer.
- Foi só um pesadelo, eu estou aqui.
- Harry... - ela piscou confusa, como se só agora percebesse onde estava. - Tiago... você está aqui!
- Estou... foi só um pesadelo.
- Mas foi... foi real, eu senti... eu senti toda a dor de te perder, eu não quero... - ela o abraçou com força e chorou na blusa do pijama que ele acabara de vestir por muitos minutos até se convencer de que nada fora real.
- Não pense mais nisso. Estamos muito seguros aqui.
Lílian fechou os olhos, deixando o ar da noite penetrar seus pulmões, o ritmo cardíaco diminuindo aos poucos. À medida que o susto ia passando, ela ia ficando envergonhada de seu pavor repentino, e se soltou dos braços de Tiago limpando os olhos desajeitadamente com as costas das mãos.
Ela suspirou longamente e levantou o rosto para Tiago e esboçou um sorriso.
- Me prometa... me prometa que nós vamos ficar juntos. Que nada, nem ninguém vai tirar você de perto de mim - seus lábios tremeram por um momento - Por favor, eu preciso ouvir, Tiago.
Tiago aproximou-se dela, o olhar preso nos olhos verdes. Tocou o rosto de Lily com delicadeza, como se tivesse medo de fazê-la chorar mais. Ela continuou encarando-o, ao mesmo tempo em que tentava reter as lágrimas.
- Eu prometo - Tiago sussurrou, abraçando-a.
Tiago não foi capaz de dizer mais nada. Sentia nela uma perturbação crescente e o mais desesperador era o fato de que ele não podia fazer nada, e simplesmente porque ela não queria. Mas esse sentimento era pequeno se comparado a outro muito mais grandioso que começava a surgir dentro dele. Raiva por causa da impotência, por não poder ajudar a pessoa mais importante pra ele no mundo.
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Era ainda de madrugada quando a porta do número 21 foi aberta. Por ela saiu uma figura encapuzada, andando sem muito equilíbrio. Vagarosamente, ela subiu a rua, evitando as partes da calçada iluminadas pelos poste de luz.
Da esquina da rua ela mirou a casa de onde saíra e murmurou baixinho:
- Me perdoe... não tenho o direito de impor meu destino a você.
Por um momento, ala achou que Tiago fosse irromper por uma janela pára impedi-la de partir. Mas ele não veio. Afinal, aquilo não era um filme romântio em que, no momento final, quando a mocinha está quase entrando no avião ou se casando com outro, o homem aparece, lhe dá um beijo e a traz de volta, entre o letreiro "fim" e todos sabem que, a partir dali, todos vivem felizes para sempre.
Mas agora ela sabia, nem todo amor é capaz de trazer felicidade. Alguns amores consistiam na renúncia. E esse era o seu caso.
- Pare de olhar pra trás, Lílian, você já se decidiu.
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O velho solar dos McKinnon se erguia como único recanto civilizado em um raio de mais quarenta quilômetros, exceto por uma pequena vila próxima. Ali, camponeses que resistiam ao apelo cosmopolita há muitos séculos cultivavam as mais diversas histórias sobre os estranhos moradores da construção medieval.
Dizia-se que eram vampiros, que caçavam meninas para rituais de magia negra, que eram na verdade espíritos imortais, que eram espiões russos preparando um ataque à família real - e por aí ia.
Esses rumores muito tinham de imaginação e pouco de realidade. A verdade era que mal se sabia na vila se o solar era realmente habitado, visto que nunca nenhum dos McKinnon se dera ao trabalho de ir à vila alguma vez, a não ser nas antigas lendas, que falavam de bruxas cruéis montadas em dragões cuspidores de fogo fazendo compras no armazém local.
Assim, todos estranharam quando aquela jovem assinou o livro do hotel como Marlene McKinnon. Mais estranho foi o fato de ela querer um quarto com lareira, quando o verão estava prestes a entrar. E, se isso não fosse suficiente para atiçar a curiosidade da vila inteira, a jovem se recusava a tirar a capa preta com capuz mesmo durante as tardes abafadas e trazia na bagagem uma vassoura e um caldeirão.
Também não permitia que a arrumadeira entrasse no quarto e aparecia e desaparecia no povoado como se precisasse apenas piscar para chegar onde quisesse. Era gentil com as crianças, ensinara-as a fazer gaivotas e balões de papel e, mesmo que ela nunca abaixasse o capuz, dizia-se que tinha um sorriso encantador.
Começou a correr o boato de que ela seria herdeira do velho solar e que estaria preparando tudo para se mudar. Ela nada dizia para acreditar ou desacreditar as fofocas. Em verdade, falava muito pouco com adultos, embora parecesse gostar de ouvir os rumores dos povoados vizinhos. Pareceu se divertir quando lhe falaram que o solar era habitado por vampiros.
Marlene também recebia visitas esquisitas. Um velho em vestes coloridas, botas de salto e fivelas douradas. Uma senhora que uma garota jurava ter visto se transformar num gato. Um rapaz que vinha sempre, usando vestes puídas e muitas vezes parecendo adoentado.
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- Estranho... esse lugar definitivamente não se parece com você - fez uma voz debochada às costas de Marlene.
A jovem se apressou em fechar as cortinas e trancar a porta, lançando um olhar de desagrado ao rapaz em vestes desgrenhadas que acabara de sair da lareira, espalhando fuligem por todo o tapete amarelo do quarto.
- Já não lhe disse pra não aparecer aqui? O que custa aparatar na mata fora da cidade e vir até aqui andando?
O rapaz sacudiu os cabelos sem corte definido para se livrar do pó e lançou à Marlene um sorriso maroto:
- É que aparecendo aqui sempre me arrisco a ver algo que não deveria.
Marlene bufou impaciente e se virou para o caldeirão que flutuava no meio do quarto. Com um gesto de varinha, um fogo mágico começou a crepitar sob o caldeirão e a seu conteúdo azulado começou a borbulhar. Ela puxou de dentro das vestes um frasco minúsculo e dele retirou com um conta-gotas uma pequena quantidade de líquido vermelho-sangue que, acrescentado à poção, tornou-a amarronzada, enchendo o lugar com um cheiro de ovos podres e repolho passado.
Ignorando a careta do rapaz, ela se apressou em conjurar uma concha, que usou para encher uma pequena garrafa, lacrando-a em seguida com um feitiço.
- Basta agora colocar um pedaço da pessoa em quem você quer se transformar... - resmungou Marlene, estendendo a garrafa para Sírius.
- O que? Você quer que eu ponha uma orelha ou um dedo aqui dentro?
- Eu estava pensando num fio de cabelo.
Sírius guardou a garrafa num bolso interno da capa e olhou ao redor mais uma vez. Não é que o hotel fosse ruim. Na verdade, podia até ser considerado bom, levando-se em conta o número de visitantes que a vila costumava receber. Mas aquela austeridade toda simplesmente não combinava com alguém que tinha crescido no ambiente de alta-sociedade como Marlene.
- Como é? Tem mais alguma coisa?
- É só que... Por que você preferiu ficar aqui?
A pergunta pareceu irritar a bruxa. Ela apagou o fogo mágico com um violento movimento de varinha, que esbarrou no caldeirão e entornou a poção.
- Aí, satisfeito? Agora quer ir embora, por favor? - ela apontou para a lareira, onde, instantaneamente, alegres chamas alaranjadas se puseram a crepitar, sem que houvesse qualquer lenha a ser queimada. - Tenho uma bagunça pra arrumar.
Mas Sírius não recuou. Apenas voltou a sorrir e insistiu:
- Teve problemas com as suas tias? Pensei que depois que Tia Elladora morreu vocês tivessem.
- Não que seja da sua conta, Black, mas eu realmente me importo com a segurança das pessoas à minha volta. Além do mais... - suas feições se abrandaram sensivelmente, assumindo um ar cansado, ou mesmo melancólico - não agüento ouvir dia após dia minha avó resmungando que vai morrer sem ter bisnetos se depender de mim.
Sírius revirou os olhos sem se convencer, mas não insistiu. De um vaso no console da lareira tirou um punhado de pó-de-flú, atirou-o ao fogo e sumiu nas chamas.
Marlene suspirou nervosa e apontou a varinha para o carpete sujo:
- Limpo!
Mas nada aconteceu. A poção parecia estar reagindo com alguma coisa que fazia seu cheiro piorar consideravelmente. Por fim, ela conjurou um balde e um esfregão e começou a limpar ao modo trouxa.
Foi quando ouviu as chamas da lareira estalarem.
- O que você quer ago... Lílian?
A capa azul molhada, cheia de fuligem, uma pequena mala na mão, os olhos verdes brilhantes de lágrimas, Lílian apenas olhou para a amiga e sussurrou:
- Posso ficar com você... por uns dias?
(continua...)
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