Tempo
Se um dia fores embora
Te amarei bem mais do que esta hora
Me lembrarei de tudo que eu não disse
E de tudo quando havia tudo que existe
Quando choramos abraçados
Quando caminhamos lado a lado
- Música Ambiente, Legião Urbana
Tiago,
Quando você receber essa carta, eu provavelmente não estarei mais aqui. Você tem se alimentado direito? Aposto que esqueceu de comprar leite de novo. Eu sei, não tenho direito de me preocupar com você depois do que fiz.
Mas saiba que eu sinto muito por ter deixado as coisas irem tão longe, mesmo quando sabia exatamente como ia acabar e quanto sofrimento isso nos traria. Me perdoe e, por favor, volte para sua família. Provavelmente, eles estão precisando muito de você agora. Foi bom ser sua esposa enquanto durou. Eu passei por um monte de coisas na vida, mas nunca vou te esquecer, eu te amei muito.
Se você por acaso tiver a chance de voltar a Hogwarts, tenho um último pedido a lhe fazer. Diga a Gweena que finalmente entendi o que ela quis me ensinar.
Lily.
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Tiago andava de um lado para o outro do quarto tentando entender que tipo de furacão acabara de devastar sua vida. Acordar sem Lílian ao seu lado fora terrível. Mas nada se comparava ao que estava sentindo depois de ler aquela carta.
Deixou o pergaminho tombar, fitando a cama vazia, o quarto vazio e a sucessão vazia e infindável de dias através dos quais, de algum modo, teria de aprender a viver sozinho.
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- Calma, Tiago!
- Como a senhora quer que eu fique calmo! Minha esposa grávida desapareceu deixando apenas um bilhete que não faz o menor sentido e ninguém sabe onde ela está! - Tiago falava alto, sua voz ecoando nos corredores do velho castelo de Hogwarts.
Minerva sacudiu a cabeça de impaciência e apenas falou:
- Mas sabemos onde ela está. Marlene nos escreveu hoje de manhã avisando que Lílian está com ela.
- Com a Marlene? - Tiago piscou confuso.
Provavelmente Minerva não entendia o que estava acontecendo. Não sabia como Lílian andava estranha e achava que aquilo tudo não passava de uma briga de casal.
Mas ele não tinha ânimo de explicar. Saiu da sala da professora e se deixou ficar vagando naqueles corredores que ele conhecia tão bem.
- Tiago Potter? - Tiago ouviu uma voz rouca às suas costas.
Virou-se para encarar uma mulher idosa, sentada numa poltrona roxa em frente a uma mesa de chá. Aparecera do nada no meio do corredor e mexia tranqüilamente o conteúdo de um bule com a colher.
- Como sabe o meu nome?
- Aceita uma xícara de chá? - perguntou a mulher, ignorando a pergunta do rapaz.
- Quero que responda a minha pergunta.
- Não me reconhece? - a velha senhora levantou o rosto e Tiago reconheceu a vidente com quem Lílian vinha tendo aulas nos últimos meses.
Ele nunca levara a sério aquelas aulas. Brincava, dizendo que Lílian nunca ia se acostumar a ficar longe dos professores por isso inventara essas aulas. Nunca lhe passara pela cabeça que aquilo fosse destruir seu casamento.
- O que você está fazendo aqui? - perguntou ele, bufando.
- Ensinando, eu suponho - respondeu a velha, servindo chá em duas xícaras. - Sou professora de Adivinhações. Como está sua esposa?
- Ela desapareceu - falou, entre dentes. - Partiu ontem de madrugada sem dizer nada.
- E você? Como se sente? - a senhora lhe estendeu uma xícara.
Tiago se sentiu subitamente cansado demais para continuar de pé. Conjurou uma poltrona e recebeu a xícara. Ficou longos minutos em silêncio até suspirar:
- Estou exausto. Me sinto dentro de um furacão.
- Resista. Você é importante para ela - falou Gweena, sacudindo a xícara já vazia e virando-a em seguida no pires.
- Você sabe aonde ale foi?
- Não se culpe - respondeu a vidente, virando a xícara para si a fim de contemplar a borra.
Tiago a observou franzir a testa se concentrando.
- É mesmo verdade que a senhora pode ver o futuro? - perguntou.
- Tenho um dom e procuro ser digna dele - falou Gweena, sem tirar os olhos da xícara.
- Então a senhora pode entender o que acontece com a Lílian.
- Sim... - suspirou a vidente. Pousou a xícara sobre a mesa, parecendo muito cansada e então completou: - Ela está com medo.
- Mas a Lily... sempre foi tão corajosa.
- E ela é - Gweena começou a arrumar a bandeja de chá. - Já terminou? - perguntou, apontando para a xícara de Tiago.
- Hum... sim, mas.
- Ela não tem medo de lutar, nunca foi às batalhas com medo de morrer - a vidente arrancou a xícara e o pires das mãos do rapaz e arrumou-os na bandeja. Depois, com um leve toque de varinha fez a bandeja e a mesa desaparecerem. - Mas tem medo de perder você. Tem tanto medo que se sente inútil e covarde.
- Eu amo a Lílian.
- Ela também te ama. Mas a questão é que o amor é muito propenso a idiotices. No caso dela, a obriga a se afastar de você. Ela sabe que vocês nunca terão paz juntos, sabe que se insistir vão sofrer muito, você e ela.
- Não entendo. Você está dizendo que ela previu o nosso futuro?
- Você não pode entender - suspirou Gweena. - Pra você, o tempo é algo dinâmico e imprevisível. Quer lutar ao lado dela, fazer com que a história de vocês se torne lendária. Você ainda acredita que o amor pode vencer qualquer coisa.
- Não pode? O amor não pode vencer? - Tiago mirou Gweena com tanta intensidade que a vidente chegou a se incomodar.
- Pode. Mas só na hora certa e pelas mãos da pessoa certa.
- Eu amo a Lílian. E não preciso esperar pela hora certa para deixar esse amor vencer.
- Então salve-a - falou a professora, se erguendo da poltrona.
- O que eu posso fazer?
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Lílian observava, postado na margem de um lago, um jovem de cabelos escuros que arrepiavam para trás contra uma luz que irradiava de sua varinha. Lentamente, os pontos prateados se condensaram formando uma silhueta informe de luz. Dois raios luminosos avançaram em direção ao alto, se ramificando como galhos de uma árvore, e dois globos ofuscantes surgiram mais abaixo, revelando a face de um animal que ela rapidamente reconheceu como um cervo. A criatura fez um movimento na direção do garoto e avançou sobre as águas escuras em direção à outra margem, mas quando Lílian tentou ver o que se passava lá, a imagem se dissolveu.
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- Lílian!
A jovem foi abrindo os olhos bem devagar. Estranhou a claridade do quarto e sentiu falta de algo que não podia saber exatamente o que era. Esticou a mão para o lado esquerdo e estranhou não encontrar nada.
Virou-se na cama, assustada. Só então lembrou eu não estava em casa e que Tiago não dormia mais ao seu lado.
- Lílian - ela ouviu a voz de Marlene do outro lado da porta do quarto da pensão.
- Entra - respondeu, se erguendo da cama, ainda zonza de sono, procurando os chinelos.
Marlene entrou com um sorriso forçado no rosto. Era sempre assim que a amiga acordava desde que chegara ali - forçando sorrisos como se estivesse fazendo todo o esforço do mundo pra não falar alguma coisa.
- Tem alguém aqui que quer te ver.
Lílian lançou um olhar impaciente à amiga, que rapidamente ergueu as mãos e tranqüilizou-a:
- Não, não é o Tiago.
- Está bem - suspirou Lílian, indo para o banheiro. - Me troco em um minuto, pode deixar entrar.
Marlene fechou a porta e ficou esperando Lílian se aprontar.
- Eu... eu queria que você me dissesse o que aconteceu - falou a jovem, quando Lílian saiu do banheiro, já vestida numa larga capa cinzenta de mangas compridas.
Lílian fechou os olhos, como se estivesse tentando pensar - ou como se esperasse que, quando os abrisse, Marlene já não estivesse lá esperando uma resposta.
- Mês responda, Marlene - ela falou, finalmente - se você soubesse que está prestes a morrer o que faria com seus últimos meses de vida?
- Lily, pare com isso, não vai acontecer, nós...
- Não é isso. É que... você sabe que isso pode muito bem acontecer. E, talvez... talvez essa seja a única solução.
- Você quer dizer magia primitiva? - Marlene ergueu as sobrancelhas finas. - Mas isso é tão difícil de fazer.
- Eu sei, mas... pode ser o único meio de vencer.
- Não é o único meio! Nós estamos lutando pra que não seja, não lutaríamos assim se achássemos que não há futuro.
- Sim, está certo... - concordou Lílian. - Mas se você fosse eu, e não tivesse mais nenhuma esperança, o que você faria?
- Eu... eu iria ficar perto das pessoas de quem mais gosto - respondeu Marlene, após uma longa pausa.
Por um momento, Lílian achou aquilo meio estranho. Pensara que a amiga fosse dizer que ia lutar, trabalhar, viajar, aprender coisas novas. Mas, pensando bem, ela tinha razão. No final, era só mesmo isso que contava: as pessoas.
Foi quando Marlene se dirigiu para a porta, abriu-a e colocou a cabeça para fora. Falou algo a alguém que esperava no corredor e abriu caminho para que a pessoa entrasse.
Lílian provavelmente nunca tinha tido uma surpresa tão grande quanto aquela que teve quando viu Gweena Tirésias atravessando a porta de seu quarto na pensão.
- O que a senhora está fazendo aqui? - Lílian não conseguiu se conter, ao que foi repreendida pela amiga com um olhar. - Digo... quem falou pra a senhora que eu estava aqui?
Gweena sorriu condescendente, o que deixou a situação ainda mais estranha. Por algum motivo, Lílian a achou mais viva, como se tivesse recuperado a postura.
- Precisava conversar com você. Não consigo ver alguém fazendo coisas estúpidas e ficar calada.
Lílian olhou para o chão, sem querer discutir com Gweena. Afinal, fora aquela vidente que provocara tudo. Se não tivesse forçado Lílian a ver todas aquelas coisas ela nunca teria desistido de Tiago.
- Bem... - fez Marlene - tenho que ir, Moody está me esperando. Até mais tarde.
Lílian não respondeu, apenas observou a amiga desaparecer no corredor. Gweena fechou a porta e caminhou até a jovem.
Segurou-a pelos ombros com ternura e a fez se sentar na cama.
- A senhora veio aqui por que Tiago pediu? - perguntou Lílian, com um fio de voz.
- Não - respondeu a vidente, áspera, se sentando numa poltrona verde-musgo, diante da lareira cheia de cinzas. - Já disse, vim porque uma das minhas alunas está fazendo uma idiotice e, eu sei, ela não é idiota.
- A culpa foi sua... você me ensinou a ver aquelas coisas, eu simplesmente não suportava mais olhar pro meu marido e pensar que ele ia ser muito infeliz se continuasse comigo.
- Não tenha tanta pretensão de pensar que compreende o que o destino significa e aonde ele pode conduzi-la - falou Gweena. - Eu nunca disse que o que você via era o futuro. Ninguém pode fazer isso. Eu só queria que você fosse capaz de perceber a verdade.
- Que verdade? - perguntou Lílian.
- Não existe futuro.
- Não existe futuro?
- Quando você finalmente perceber isso, verá que não é o futuro que precisa ser visto, e sim você mesma.
Lílian soltou um muxoxo de impaciência, ao que a vidente respondeu com um gesto com as mãos, acendendo alegres chamas avermelhadas na lareira do quarto. A luz imprimiu sombras cadavéricas em seu rosto ossudo.
- Quantas vezes eu vou ter que te dizer pra não tentar entender as coisas que eu digo com a mente?
- Se você me explicasse como eu posso entender...
A vidente manteve-se calada por uns bons minutos, até se levantar e atravessas o pequeno espaço que a separava da cama onde Lílian estava sentada com uma agilidade que a jovem não acreditava ser possível para uma velha entrevada.
- Deixe-me mostrar a você - falou, pegando a mão de Lílian e, à força, abrindo seus dedos para revelar a palma.
Por algum motivo, Lílian não excitou. Apesar dela mesma já ter tido visões, nunca acreditara que métodos como a quiromancia pudessem prever algo de verdade.
- O que você quer que eu procure? - perguntou Gweena, traçando lentos círculos com o dedo indicador na mão de Lílian.
- Ve-veja... - gaguejou a jovem - veja algo sobre meu filho.
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