Passado



Harry desabou no sofá de sua cabine, seu coração batia tão rápido que parecia querer saltar para fora do peito, assim como a cor havia feito de seu rosto.


Calma! Ele gritou para si mesmo.


Havia sido apenas sua imaginação.


Era o que Harry queria acreditar.


Ele não ouvira a voz do garoto em sua mente, nem vira chamas queimarem em seus olhos quando ele o encarou. Havia sido tudo uma peça da sua imaginação.


Não, não havia. Harry tinha certeza disso tanto quanto que Voldemort havia voltado.


Decidido a não pensar no calafrio que percorria a sua espinha, o garoto passou o olhar nos outros que estavam na cabine.


Hermione estava sentada ao seu lado, pálida, uma mão em seu ombro, com um olhar estático em algum lugar além da gola da camisa de Harry. Neville e Rony tinham a mesma aparência.


Gina estava encostada à porta corrediça, olhando atentamente para Harry, alguma coisa intraduzível em seu olhar, como alguém que procura algo. Harry fez uma busca atrás de algo estranho pelo seu corpo e voltou a olhá-la.


- O que houve? – Ele perguntou à ruiva.


Ela hesitou por um instante.


- Você… Você não sentiu, não foi, Harry?


Nesse instante todas as cabeças pareceram virar para o rapaz, surpresas.


- Sentir? Não, eu não senti nada. Vocês sentiram alguma coisa?


Hermione abriu a boca para falar algo, mas desistiu e em seguida tomou coragem.


- Você não sentiu nada quando aquela luz apareceu?


Harry balançou a cabeça. De fato ele não havia sentido nada durante todo o processo, havia apenas visto a luz.


- Harry. – Hermione continuou. – Quando aquela luz apareceu, todos nós sentimos como se... – Ela prendeu um soluço que subia pela sua garganta. – Como se fôssemos morrer.


Os olhos do moreno se esbugalharam e Neville se encolheu mais no banco, ao lembrar a sensação.


- Nos sentimos sem saída. Desesperados. Sim, essa é a palavra correta, nós sentimos desespero. – Hermione pensou um pouco, ela ainda não tinha certeza, mas apostaria tudo que estava certa. – Eu não tenho certeza… mas, eu acho que…


- O quê? – Harry segurou a outra mão da garota, esperando que ela completasse a frase.


- Eu li sobre uma coisa parecida, mas eu não tenho certeza.


Todos prestavam atenção agora.


- O que era? – Rony se aproximou da amiga.


- Uma magia antiga e poderosa, mais poderosa que qualquer outra coisa. Nem Dumbledore ou Você-Sabe-Quem seriam capazes de usá-la.


Os cinco adolescentes dentro da cabine se entreolharam, procurando compreensão no rosto dos amigos. Mas nenhum sabia o que estava acontecendo.


Tinham todos a mesma pergunta no rosto.


O que acontecera ali


...


- VOCÊ É LOUCO!! – Kate gritou depois de fazer o feitiço anti-escuta na porta da cabine.


- Relaxe, ele vai ficar bem. – Peter se jogou relaxadamente no sofá, pondo as mãos atrás da cabeça.


- Ficar bem?! Você usou a Luz de Desespero num bruxo jovem e acha que ele vai ficar BEM? Que tipo de cretino é você? Queria matar todos ali?


- Sim, queria sim. É a coisa que eu mais quero desde que entrei neste trem, apenas não concluí essa façanha porque você estava lá para me impedir, então fique feliz, não tem ninguém morto aqui.


Kate resistiu à vontade de jogar o irmão pela janela.


- Agora nós temos menos tempo ainda, com o pulso de magia que você criou com aquele feitiço, todo o mundo deve ter percebido que estamos aqui agora. O Conselho agora vem diretamente até nós, não vão precisar procurar.


Peter fez silêncio. Não havia o que argumentar.


- Sugar energia mágica dessa maneira pode acabar nos trazendo problemas, devolva a energia do Malfoy. – Ela apontou com o queixo para o bolso do casaco do irmão.


Peter pôs a mão lá, tateando atrás de algo. Quando seus dedos tocaram a forma esférica ele deu um sorriso.


- Por quê? Ainda não, eu quero me divertir um pouco antes de devolver a magia do garoto. Ele me irritou de verdade. – Tirando a esfera do bolso, ele aproximou-a para perto do rosto. Era um pouco maior que uma bola de gude e bem mais transparente, parecia feita de cristal, dentro dela uma luz intensa brilhava. – É engraçado. Eu poderia destruí-la com um único movimento e nunca mais ele faria uma magia decente. Ou eu poderia engoli-la e assumir todo o conhecimento mágico que ele possuía, mas seria inútil, ele não devia ser grande coisa. Não, eu vou mantê-la, quero brincar um pouco com esse garoto, depois nós veremos o que vamos fazer. Concorda?


Katherine balançou a cabeça negativamente, suspirando.


- Você me dá nojo, Peter. Mas um dia você vai pagar por tudo que tem feito e eu aposto que será da maneira mais dolorosa possível para você. – Pensando melhor, ela falou: - Quem sabe você não acabe se apaixonando por uma bruxa, eu adoraria ver sua cara ao sentir seu coração bater mais forte pela raça que você mais despreza. Seria um dia digno de feriado.


Ela levantou-se e se aproximou da porta.


- Vou sair. O ar aqui está muito pesado. Preciso comer alguma coisa também.


Dizendo isso, fechou a porta atrás de si.


Peter pensou em segui-la. Se ela fosse falar com o Potter poderia acabar havendo problema. Mas ele havia sido avisado, e também não queria irritar a irmã, não depois de tudo que havia feito com ela. Não, ele preferiu ficar refletindo sobre a praga que sua irmã lhe jogara.


- Se apaixonar por uma bruxa. Hunf. Nem que o fogo dos dragões congelasse.


Nesse momento, quase que por mágica, uma estrela cruzou o céu escuro da Inglaterra. Ninguém a viu, Ninguém a percebeu. Mas ela estava ali e havia capturado as palavras ditas naquela conversa


... 


Como ela podia ser irmã daquele monstro?


Enquanto andava no corredor, Kate foi vendo o estrago que seu irmão havia feito. Muitos alunos estavam encolhidos em suas cabines, os rostos assustados, pálidos, alguns vomitavam.


Peter havia usado muito poder mágico. E, ela reparou, aqueles alunos doentes eram alguns dos que estavam mais longe, haviam sofrido apena danos sentimentais e um pouco de dor, mas e o garoto Malfoy? Ele fora atingido diretamente e sua magia não se recuperaria como a dos outros. Ela precisava ser devolvida.


Coitado. Ela só podia ter pena.


Os meninos que o Malfoy chamara de Crabbe e Goyle estavam parados no corredor, um pouco mais a frente dela. Seus rostos gorduchos estavam brancos como papel e os olhos esbugalhados estavam fixos nela.


Quando avançou um passo no corredor os outros dois saíram correndo na direção oposta, entrando numa cabine mais à frente.


Eles estão com medo de mim!


Ela fechou os olhos, cerrando o cenho e os punhos, com raiva.


Não era culpa dela e isso a irritou, muito.


- Tudo bem? – Ela mal reconheceu a voz até que abriu os olhos e se deparou com olhos verdes. Harry Potter.


- Estou ótima. – Ela revirou os olhos, tentando esquecer os dois garotos.  – Você está bem? Parece que todo mundo ficou um pouco abalado por causa do meu irmão.


Harry demorou um pouco antes de responder.


- Eu estou bem. Você não gostaria de me explicar por que os outros estão assim? Você deve saber, certo? Foi seu irmão quem usou a magia.


E agora?!


- Desculpe... Harry, não é? Sim, Harry. Pois bem, desculpe, Harry, mas eu acho que eles só estão um pouco atordoados porque a magia que meu irmão usou saiu do controle... Um pouco. Era para ser um malefício fraco, uma brincadeira. Mas acho que ele acabou se excitando demais e a magia fugiu do controle dele, só isso.


O garoto não parecia muito convencido com a história. Droga, quem mandou ela não saber mentir. Desse jeito iria acabar piorando a situação.


- Ele não usou varinha, como conseguiu?


- Bem... Nós treinamos bastante antes daqui. Acabamos aprendendo a fazer magia sem varinha, aprendemos a canalizar nosso poder mágico nas mãos.


Harry olhou por cima do ombro da garota, depois voltou a olhá-la.


- Eu posso odiar o Malfoy bastante, mas o que seu irmão fez com ele, seja lá o que foi, destruiu alguma coisa dentro dele. Ele não está conseguindo fazer certos tipos de magia e se sente fraco. É reversível?


O coração de Kate batia tão rápido que ela podia escutar seu sangue pulsando atrás da orelha.


- É sim.


- Você pode reverter?


- Só quem fez a magia pode revertê-la.


- Diga ao seu irmão que é melhor ele revertê-la logo, não vai ser bom se o pai do Malfoy descobrir o que aconteceu. Ele trabalha para o ministério e vai fazer de tudo para acabar com a vida do seu irmão.


Ela assentiu, sua boca seca. Não precisava ficar assim, não havia por que.


- E, Katherine, se ele fizer uma magia dessas com algum dos meus amigos, eu vou atrás dele.


Ela assentiu novamente e o garoto saiu, decidido.


Era a primeira vez que sentia o que ela estava sentindo agora. A sensação de algo voltando do fundo de sua mente para se instalar no coração.


Se ela não tinha certeza antes, agora sabia. Peter tinha razão, ele realmente era muito parecido com um alguém em especial. Parecido até demais.


O apito do Expresso tocou, avisando que era hora de se vestir, pois já chegavam perto do colégio.


Ela suspirou.


A sua nova vida começaria em minutos e dessa vez ela prometia ser bastante conturbada.


De novo.


...


Infelizmente já não havia saída. Peter havia finalmente entrado no castelo. Toda e qualquer chance que ele tinha de fugir havia ficado lá fora, junto com a penumbra da noite.


O corredor de pedra parecia querer sufocá-lo. Ele tocou lentamente na parede, deixando seus dedos correrem e se ferirem pela pedra lascada. Não era a primeira vez que atravessava aqueles corredores, provavelmente não seria a última.


Os passos da professora que os acompanhava ecoavam nas paredes, reproduzindo um som rítmico, quase hipnótico.


Ela era alta e velha e usava um vestido verde-esmeralda, com um chapéu pontudo e óculos na ponta do nariz. Sua Essência Mágica tinha um cheiro de, como ele poderia dizer aquilo... Mudança, um estranho cheiro de Mudança.


- O professor Dumbledore pediu para que esperassem por ele em sua sala. Logo, Logo virá buscá-los para a Seleção, porém ele gostaria de falar-lhes por um instante antes disso. – A professora se aproximou de uma gárgula aparentemente irrelevante que se escondia num nicho na parede. – Língua de Dragão!


A gárgula girou, dando lugar a uma escada em espiral.


- Entrem.


Peter revirou os olhos por um instante. Língua de Dragão. Que piada. Dumbledore mantinha o mesmo humor que possuía da última vez que havia vindo a Hogwarts.


Kate e Peter subiram lentamente as escadas, deixando a professora atrás deles, com uma surpresa constrangedora no rosto. De todas as pessoas no mundo, aqueles dois eram as únicas que ela esperava não ter de ver novamente.


- Língua de Dragão. Hunf. – Peter externou seu pensamento, enquanto subia vagarosamente cada degrau.


- Você vai ficar resmungando por muito mais tempo, ou vai aprender a parar de me encher o saco? Eu adoraria que escolhesse a segunda opção, derramaria menos sangue. – Ela sorriu por cima do ombro para seu irmão, que bufou.


Peter grunhiu alguma coisa incoerente em referência ao comentário da irmã.


A porta para a sala do diretor surgiu quando eles venceram o último degrau. Katherine pôs a mão na maçaneta e se virou para o irmão para fazer um breve comentário, antes de qualquer coisa.


- Peter, não diga nada grosseiro ao Dumbledore e tente ser amigável, ou eu quebro seu pescoço. Lembre-se que nós devemos mais a ele do que a muitos de nossa espécie. – Seu olhar severo encontrou as pupilas ofídicas do irmão por um instante. – Eu estou falando sério.


Por um instante, um frio pareceu correr pela espinha do moreno, junto com o choque que os olhos azuis de sua irmã haviam lhe causado.


Como quiser. Seus dentes apareceram por trás de um sorriso maléfico e enigmático. Prometo não dizer nada, mas não me responsabilizo pelos meus atos.


Ela balançou a cabeça e revirou os olhos, abrindo a porta.


Por um instante tudo estava certo. Toda a excentricidade de Dumbledore estava em seu devido lugar, tirando o Chapéu Seletor, que havia sido levado pra o Grande Salão. A fênix de Dumbledore - Fawkes, se não falhasse a memória de Katherine. - estava empoleirada em cima da mesa do diretor, que estava abarrotada de papéis e penas e tinteiros. No instante seguinte havia algo definitivamente errado. Uma cadeira, posicionada bem em frente à Fawkes estava ocupada. Madeixas negras e onduladas estavam caídas por sobre a cadeira.


Katherine ficou estática por um segundo, olhando as costas da garota sentada em frente à mesa e em seguida abriu a boca para falar, mas foi detida pelo seu irmão, que tocou sua mão, mandando uma mensagem para sua mente.


Uma única frase.


Que mudou tudo.


Sinta esse Poder.


Foi então que ela percebeu. Havia algo definitivamente errado. Aquela sensação, aquele poder monstruoso que emanava da garota. Não era possível. E mesmo que fosse... Não, definitivamente era impossível. Deveria ter alguma explicação plausível.


Peter... É impossível! A voz da garota estava assustada.


Peter assentiu, seu rosto duro como rocha.


- Desculpem. Vocês são Peter e Katherine Draconiam? – Uma voz gentil chamou por trás deles.


Peter deixou a mão da irmã ir, e acenou com a cabeça para a garota, assentindo, sem prestar muita atenção em seu rosto.


- Ah! Que bom! O professor Dumbledore pediu para que eu esperasse aqui e os avisasse que ele chegaria em instantes, assim que a Seleção começar, para falar com vocês.


Katherine sorriu, simpática.


- Obrigado. Nós aguardaremos. Qual o seu nome?


A garota se levantou da cadeira, deixando o cabelo negro cair por sobre os ombros.


- Meu nome é Monique McFusty, muito prazer.


Um pensamento estalou na cabeça de Peter. Mas no momento seguinte ele esqueceu, pois olhou para a garota.


Era ela. Ele tinha certeza, assim como tinha certeza sobre o Potter. Era completamente impossível e inviável, mas era verdade. Os mesmo cabelos negros, o mesmo tom de pele, as mesmas feições. E os olhos. Os olhos sem cor e ao mesmo tempo com todas se contorcendo numa dança perfeita. Como as flores faziam na primavera. Aqueles olhos eram perfeitos, ao menos na sua concepção de perfeição, demonstravam amor, felicidade e gentileza ao mesmo tempo, mas, se necessário, seriam sarcásticos e maus. Por um instante ele pensou que a praga de sua irmã fosse se concretizar, mas entendeu, balançou o rosto e lembrou o óbvio.


Não é ela, Peter, é só mais uma bruxa nojenta tentando manchar a sua memória. Ele tinha cada vez mais motivos para odiar a raça bruxa.  Ela foi embora, está morta. Você a matou.


- Muito prazer e muito obrigada. – Katherine disse enquanto Monique se afastava em direção a porta.


- O prazer é todo meu. – A garota disse, com a mão já pousada sobre a maçaneta, em seu rosto, um sorriso se estendia. – Até mais.


Kate virou-se para o irmão depois que a garota saiu, um ar de preocupação se fez presente entre ambos.


- O que houve, Peter? – Ela perguntou ao ver o irmão tremendo. Você parece abalado...


ESTOU ÓTIMO. Ele passou pela irmã rapidamente, torcendo para que ela não prestasse atenção em seus olhos. Se pudesse, faria tudo para esquecer a garota que acabara de ver.  Não vamos falar sobre isso. Deve ter sido apenas um erro de leitura.


Ele sabia que estava errado e que estava mentindo para si mesmo. Mas era melhor assim.


 Nós nunca erramos numa leitura... O que você tem?


Ele ficou quieto, parado próximo à mesa. Suas mãos tremiam irritantemente. Por que simplesmente não podia se controlar? A aparência dela podia não querer dizer nada. NADA.


Um sorriso se estendeu nos lábios de Katherine, entendendo a mensagem que o irmão queria passar.


Você lembrou! Achei que depois de tudo teria apagado completamente essas lembranças de sua memória. Engraçado, agora você sabe como eu me sinto em relação ao Harry.


CALE-SE!!!!!!! Peter deixou a irmã assustada por um instante. Ela já havia presenciado alguns de seus ataques de memória, quando alguma coisa lembrava o seu passado, ou algo que ele queria esquecer, mas aquela fora forte demais, ela era idêntica. Só então percebeu que poderia estar machucando o irmão. Por mais que ele merecesse... Ela não gostava de vê-lo assim.


Peter eu... Ela aproximou-se do irmão, sua mão estendida em sinal de desculpas.


Peter bateu forte na mão dela, afastando-a para o lado. Esqueça. Ele fechou os olhos, irritado. Seu coração batia mais rápido do que julgou um dia ser possível. Eu estou ótimo, não é uma bruxa idiota qualquer que vai me tirar de campo.


O olhar de piedade que Kate lhe lançava deu a ele nojo, por um instante, fazendo-o virar a cabeça para o outro lado, para um nicho na parede, onde algo como uma bacia cheia de líquido, ou um gás, estranho e prateado repousava. Em sua lateral runas haviam sido feitas.


Ele aproximou-se olhando o movimento incessante daquela substância. Os olhos verdes e abatidos logo foram substituídos pelo rosto cínico e sarcástico de sempre.


Eu estou ótimo. Ele sorriu, esquecendo por aquele instante o que havia causado sua raiva.


Seus dedos tocaram lentamente a superfície do líquido prateado e hipnótico.


Você se lembra disso, Kate?


A penseira. É óbvio que eu lembro. O que você pretende?


Lembrar-me da nossa primeira vez por aqui, talvez eu acabe encontrando algo interessante.


Kate deu de ombros à medida que seu irmão levou o dedo indicador à têmpora, puxando de lá um fiapo prateado de pensamento. Uma lembrança íntima.


Peter viu hipnotizado enquanto a lembrança caía na penseira, fazendo o líquido prateado brilhar e se mover mais rápido. Num segundo ele já não olhava mais para a pequena bacia rasa e rústica, olhava para uma paisagem, como se estivesse entre as nuvens de um céu noturno, vendo tudo que acontecia na terra. Ele olhou para a irmã.


- Vem comigo?


Ela balançou a cabeça negativamente. O passado era algo que deveria ficar intocado.


Peter suspirou, antes de se inclinar na direção da penseira, tocando o nariz no conteúdo frio e deixando-se cair sem se preocupar com o fundo. Então aconteceu. Ele foi tragado por um tipo de redemoinho negro, que parecia sugá-lo para baixo em direção à noite fria e chuvosa de muitos anos antes.


 ...


A chuva batia em seu rosto com força, fazendo-o abrir os olhos lentamente. A queda. Ele não se lembrava da sensação de cair dentro da penseira. Não lembrava que se não prestasse atenção poderia acabar desmaiando. Ele esquecera muita coisa. Mas exatamente por isso estava ali, dentro da lembrança.


Passando a mão pelos cabelos molhados e sujos ele percebeu como o lugar era real. A chuva, o frio, a dor. Tudo, como se estivesse ali de fato.


Ele levantou-se e olhou ao redor. A noite estava escura demais para seus olhos, agora humanos. Estava à margem da Floresta Proibida, olhando diretamente para o castelo que se erguia à sua frente, mas especificamente para os dois seres parados à porta do castelo.


Os pingos de chuva acumulados em seu cabelo escorriam lentamente pelo rosto, descendo pelo nariz e delineando o sorriso que despontava.


Ele estava livre ali, naquela memória. Poderia fazer o que quisesse, como quisesse. Se livrar da casca em que estava aprisionado havia sido a primeira coisa em que pensara, mas a magia para voltar a ela era dolorosa demais. Fechou os olhos, deixando seus instintos virem à tona.


O som dos pingos batendo contra a copa das árvores, dos trovões ressoando na distância, o vento frio correndo pelos campos, o aroma noturno... A saudade pareceu tomar o seu peito por um instante. O que ele não daria para se libertar da sua forma humana e voar mais uma vez, naquela noite chuvosa?


Sentiu quando a vibração da magia começou a tomar conta de seu corpo, liberando todas as algemas que regulavam seu poder. Deveria se controlar, mas sabia que não conseguiria. Sua imprudência sempre fora mais forte que sua sensatez.


Ajoelhando-se na lama escura sob seus pés ele deixou que a transformação ocorresse.


Uma a uma as algemas foram sendo retiradas, deixando a magia, antes concentrada, correr livremente pelo seu corpo. A sensação era incrível, mesmo que dolorosa. O corpo, desacostumado com tanto poder, pedia clemência, tremendo, rasgando, deixando filetes de sangue prateado escorrer pela pele suja de lama.


Tomado por uma felicidade enlouquecedora, ele urrou de prazer, sentindo o corpo humano ceder perante a magia. Sabia que não poderia ir muito longe, mas ao menos queria poder voar novamente.


Seu peito começou a pulsar, uma dor lacerante percorreu suas costas, como contrações. Ele sentiu a dor das asas cortando as costas, reabrindo caminho através de seu esqueleto. Desfazendo e refazendo ossos inexistentes e sobressalentes. A dor da pressão o fez abraçar o próprio peito, gritando de agonia e felicidade.


Ele havia esquecido que era assim. Que era a dor mais próxima à morte que ele poderia experimentar. Era gratificante saber que conseguia passar por aquilo. Deixava-o mais forte, mais corajoso. Nada poderia ser pior. E ainda viria mais.


Lentamente, como para aumentar o sofrimento, as asas rasgaram a pele que faltava para a liberdade, a carne se desfazia e queimava ao mesmo tempo, cauterizando os ferimentos. Era como se fogo corresse através de suas veias. Seu coração estava prestes a explodir, seus pulmões estavam em chamas. Parecia não haver mais ar ao seu redor.


A sensação em seu pulmão se agravou, as chamas subiam e voltavam pela sua garganta. Como ele sentia falta do sabor das chamas em sua garganta. Mais uma vez ele faria o que sabia fazer de melhor.


Com mais um impulso de liberdade, as asas cortaram sua pele, lançando-se para o ar frio da noite, manchadas com o sangue prateado que corria pelas escamas negras. A dor em suas costas cessou, embora ainda ardesse em demasia.


Mas não a dor em seu peito. O fogo que consumia seu busto precisava ser liberado. Peter riu feliz, quase louco, e gritou para os céus, deixando as labaredas escaparem por entre de seus dentes antes de abrir a boca e criar uma coluna de fogo que lambeu as nuvens chuvosas do céu inglês.


Agora ele estava pronto.


O calor em sua boca foi se contendo enquanto o fogo voltava para se aconchegar em seu peito.


A transformação não estava completa - seria bem mais dolorosa se o estivesse - mas daquele jeito estava ótimo. Poderia voar.


Ele se levantou, os olhos fechados e o sabor das chamas ainda brincando em sua língua. Ele estava vivo. Mais que isso, ele se sentia completo.


Peter bateu as asas, retirando de cima delas o resto de sangue que grudara. A lua brilhou por um instante em algum lugar, iluminando as asas negras.


Os olhos foram abrindo, revelando um olhar frio, sádico e impiedoso. O verde vinha sendo consumido por um vermelho sangue que tomava conta das bordas da pupila. Agora ele podia ver na escuridão noturna, tudo estava perfeitamente delineado e ajustado à sua visão. Ele podia ouvir o som dos trovões bradarem a muito longe e sentir a mudança de temperatura de maneira mais aguçada.


Toda a dor valera à pena.


Ele deu um passo à frente, em direção ao castelo, fazendo as asas baterem. Cada vez mais rápido elas bateram, e então ele sentiu o pé começar a se desprender do chão.


Ele alçou vôo o mais rápido que pôde, subindo alto, acima das nuvens, escapando dos pingos, olhando as estrelas. Voou rápido, devagar, fez desenhos no céu. Pela primeira vez em muitos anos suas asas estavam sendo utilizadas, o que as deixava com certa rigidez, mas ainda assim, magníficas.


Ele jamais se cansaria de voar.


Fazendo um rasante, ficando no nível das nuvens, ele observou os dois seres que ainda se mantinham parados à porta do castelo.


Um rapaz e uma moça. De sua idade aparentemente, sem muita coisa de especial por baixo dos sobretudos que usavam. Era essa a sua aparência no início. Era exatamente assim que ele se lembrava de ser no passado.


Ele ainda lembrava-se do dia em sua mente, mesmo não tendo ocorrido muita coisa de importante, aquele dia o marcara. Eles haviam andando muito e tinha sido exatamente um mês depois de terem sido atacados por Caçadores. Sua irmã dissera que seria um bom lugar para ficar enquanto não conseguiam tirar os Caçadores de sua cola.


Ele aguçou um pouco mais os ouvidos e ouviu a voz da sua irmã dizer, por entre o barulho dos trovões, da chuva e do tudo o mais:


- Confie em mim, Peter. Ao menos dessa vez.


O olhar que ele lançara à irmã naquela noite. O desprezo que sentiu quando ela dissera que Hogwarts era uma das poucas soluções viáveis. Ainda conseguia lembrar a maneira como o corpo gracioso dela tremeu de medo.


- Preferia ser pego pelos Caçadores a ter de passar uma noite nesse castelo. – A Lembrança cuspiu no chão, próximo aos pés dela. – Perto dessa escória.


Ela balançou a cabeça, inconformada. O irmão teria de melhorar, um dia.


A porta do castelo rangeu no momento que ela abria a boca para replicar a fala do irmão. Um homem, calvo, alto e magro apareceu para recebê-los. Não era um bruxo, pelo que sua Lembrança percebera, era pior que isso. Um aborto. A escória dentro da escória.


- Quem são vocês? – O homem falou em sua voz arrogante.


- Peter e Katherine Draconiam... Somos convidados do diretor Dumbledore. – A garota se adiantou antes que o irmão dissesse qualquer coisa.


Filch avaliou a moça por um instante, os cabelos negros dela caiam pela cintura, por cima do sobretudo negro que escondia o corpo esguio.


- Entrem.


Ele entrou então no castelo, mas aos seus pés, uma gata miúda e mesquinha, ficou parada, os olhos fixos no rapaz de cabelos negros.


O Peter da penseira ficou estático por um instante, olhando a gata observá-lo.


Madame Nora” Peter, o original, sorriu. “Mova-se, idiota” Ele disse a si mesmo, descendo até o chão e entrando no castelo.


Madame Nora moveu a cabeça e Peter pensou por um momento que ela havia percebido sua presença.


Não, era impossível. Ele estava numa lembrança, não poderia alterá-la, a não ser que quisesse.


Suas asas molhadas pingavam no chão do castelo, molhando o tapete vermelho que estava estendido até a escadaria que levava aos demais lugares.


Atrás dele vinham o outro Peter e a sua irmã, logo atrás de Filch, acompanhados de perto pela gata. Se ele não estivesse enganado, o próprio Dumbledore desceria pela escada em segundos, ladeado pela professora McGonagall e um rapaz, um quintanista, se não se enganava o nome dele era James...


Impossível!” Ele gritou, para si mesmo. “Esteve na minha frente e eu não percebi!


Passos ecoaram.


Três pares de olhos se fixaram nas lembranças atrás dele, um par de olhos azuis – que pareceram olhar através dele, mas não necessariamente sem vê-lo –, um par de olhos castanhos e um par de olhos verdes.


Descendo a escada lentamente, Dumbledore fez um sorriso aparecer em seu rosto, fazendo tanto Peter quanto sua Lembrança tremerem. Havia algo em Dumbledore – nada tátil ou perceptível, mas apenas algo. – que fazia com que Peter, não temesse, mais receasse aquele bruxo.


McGonagall segurava James Potter pelo ombro, como que segurando um garoto detento por alguma brincadeira irregular durante a aula, embora, dado o horário em que se encontravam, era provável que o problema fosse que ele estivesse andando por entre os corredores no meio da noite.


Ele sorria, embora tentasse se desvencilhar da mão da professora e colocar um pergaminho mal dobrado dentro do coldre do casaco ao mesmo tempo.


- Obrigado Filch. – Dumbledore acenou com a cabeça para o zelador, que pôs a se afastar, mancando. – Ah! Se puder, passe no terceiro andar, o Sr. Black e o Sr. Potter fizeram... Uma bagunça, se assim posso ser mais delicado. – O diretor deu um risinho, enquanto Filch saiu resmungando algo sobre antigos meios de detenções e torturas para alunos mal-comportados.


Katherine deu um passo à frente, estendendo a mão para o bruxo, que a apertou delicadamente forte.


- Senhorita Draconiam, que prazer. Fiquei encantando e assustadoramente perturbado quando sua carta chegou às minhas mãos.


- Estou igualmente perturbada com relação ao meu futuro e ao de meu irmão se continuarmos vagando da maneira que estamos. Existem pessoas atrás de nós como eu o informei, professor, e Hogwarts, é o único lugar que nós proporcionaria uma noite de sono sem perturbações.


Dumbledore maneou a cabeça lentamente, olhando o porte altivo da garota. Mesmo vestida da maneira como estava, ele não conseguia deixar de imaginá-la com um vestido longo e uma coroa pousada sobre sua cabeça. Sua voz, o brilho de seus olhos, a maneira como se movia com graciosidade, tudo mostrava nela o talento para a nobreza, a diplomacia e a política.


Em contrapartida, como Dumbledore pôde observar, seu irmão era o completo oposto.


Ele estava parado alguns passos atrás do grupo, escondido pelas sombras, que pareciam se agrupar ao seu redor, atraídas pela maldade em seus olhos, a única parte que o diretor era capaz de ver com clareza – O verde-esmeralda brilhava, como duas jóias incrustadas no rosto de mármore. Ele havia ouvido as histórias, é claro, e sabia que todas eram verdade. Histórias sobre o filho de um rei, treinado para a guerra, que havia crescido sem coração e sem piedade, que havia assassinado todos os que se puseram entre ele e seus objetivos. O filho de um rei que aprendeu tão bem suas lições das guerras que foi banido por seus semelhantes por causa de sua crueldade. Ele ouvira todas as histórias, acreditara nelas e agora tinha a própria lenda, viva, na sua frente para comprovar que era verdade.


Não havia muitas coisas no mundo que Dumbledore pudesse dizer que temia. Esse rapaz era uma delas.


- Se não se importa, professora, leve o seu aluno para sua sala e aplique o castigo que melhor convier, embora nós dois saibamos que de nada adiantará e amanhã ele se encontrará em sua sala novamente. – James sorriu, brincalhão. - Agora, eu devo ir até minha sala, acertar os ponteiros dos meus relógios com meus dois convidados, se não se importa.


A professora Minerva assentiu e, dando uma ultima olhada de relance para o garoto que se escondia nas sombras, subiu as escadas rapidamente, agarrada ao James pelo braço, sumindo ao virar à direita no segundo lance de degraus.


Agora estavam sós.


- Se não se importam. – Dumbledore começou a subir as escadas, embora no segundo lance de degraus ele tenha tomado a esquerda e não a direita.


Os dedos de Peter deslizavam pelo corrimão da escada, sentindo a pedra arranhar a ponta de seus dedos à medida que ele subia os degraus, acompanhando o movimento dos outros.


Os corredores pareciam estreitos agora que ele possuía asas.


Olhando atentamente, nada mudara, ou nesse caso, mudaria. Hogwarts parecia a mesma.


Ele tentava se concentrar no objetivo principal: procurar pistas sobre o Arkanum Maleficarum. Mas a cada momento estava mais interessado em relembrar aquele dia, simplesmente seguindo os passos de Dumbledore, quando ele entrou em sua sala, ficando  alheio a tudo que dizia respeito ao verdadeiro motivo dele estar ali. Foi como se ali, dentro do Escritório de Alvo Dumbledore, ele tivesse perdido toda sua massa e passado a se tornar apenas um espectador do que fora, a pouco tempo, um dia qualquer em sua vida.


- Sentem-se. – Dumbledore ofereceu as cadeiras em frente à sua mesa. – E expliquem-me o porquê exatamente vieram à minha escola.


Katherine sentou-se graciosamente em frente à Dumbledore, seus olhos azuis piscaram por um instante, procurando as palavras certas. Aquela conversa seria difícil.


- Precisamos de sua ajuda, Alvo. – Ela começou, um certo tremor de indecisão tremeu em sua voz. Peter bufou por um momento, ainda em pé, próximo à porta, ao ouvir a palavra “ajuda” sair da boca da irmã. – Já faz uma semana que nós saímos da Alemanha, pois não havia onde se esconder mais, procuramos abrigos na França, Espanha e Portugal, nem mesmo na Grécia, nossa terra natal, conseguimos proteção. Os Caçadores estão nos seguindo e um, em especial, é muito persistente, decidiu que a realização da vida dele seria fazer uma armadura das escamas do meu irmão e se embebedar com seu sangue.


Peter sorriu quando o diretor o encarou com horror nos olhos. Estranhamente ele se imaginou morto, caído aos pés daquele Caçador miserável. A imagem se pulverizou em menos de um segundo em sua mente. Ele achou graça e riu baixinho, o barulho mais parecia um rugido.


Dumbledore piscou e voltou sua atenção para a garota, ainda atônito.


- Entendo, mas... O que o conselho achou da idéia de vocês virem até aqui?


Kate suspirou, os problemas dela começariam ali, naquele ponto.


- Como eu expliquei na carta: Nós fomos banidos, o Conselho Draconiano mal se importa com a nossa pele. Não sei se você lembra, mas foi nosso pai quem nos baniu, e bem... Ele é o sumo líder do Conselho, ele dá a última palavra. Nós quebramos todos os vínculos com nossa Terra, agora a única coisa que nos prende a eles são as Regras.


Foi a vez de Dumbledore suspirar.


- Regras que já foram quebradas uma vez, se não me engano.


Os braços da garota congelaram e suas costas afundaram na cadeira, sua boca permaneceu aberta, em surpresa. Como...? Ele não deveria saber daquilo.


Peter se remexeu inconscientemente aproximando-se mais da irmã, pondo uma mão em seu ombro.


- Seu irmão matou um bruxo alguns anos atrás. Estou errado?


Ela balbuciou algumas palavras incoerentes, ainda assustada com o fato de aquele bruxo saber tanta coisa. Quando finalmente havia encontrado as palavras certas, seu irmão foi mais rápido.


- Sim, eu matei. E não me arrependo de nada, mesmo que ele não merecesse. E ele não merecia. Mas ele cometeu um erro imperdoável. – Peter apertou o ombro da irmã, um pouco mais forte, calando-a de suas tentativas inúteis e ininteligíveis de argumentar contra a confissão do irmão. Se eles teriam realmente que passar um longo tempo naquele lugar, melhor que Dumbledore, soubesse exatamente com o que estava lidando. – Eu sou um assassino, fui criado para isso, vivi por isso e meu sangue grita por isso. Não há nada no mundo que me deixe mais feliz do que ouvir os últimos momentos de um ser agonizando em minha frente. Não vou mentir, eu gosto de matar e faria qualquer coisa para ver cada bruxo que anda por sobre essa terra exterminado. Eu não ficarei chateado se não me quiser nesse lugar, ao contrário, vou sair daqui pulando de felicidade. Mas minha irmã já sofreu demais por minha causa. Deixe-a. Ela não lhe fará mal, Bryan.


Dumbledore piscou. Ele o chamara... De Bryan. Fazia quanto tempo que não era chamado assim? Muito mais do que ele pudesse contar nos dedos, sem dúvida. Aquele jovem, que sabia possuir muito mais anos que ele, fixou os olhos nos olhos do diretor que sentiu um arrepio percorrer toda a sua espinha, eriçando os pêlos de seu braço, acelerando os batimentos em seu peito.


Eu não tenho medo de você. Ele ouviu as palavras ribombarem em sua mente como um trovão. Não era a voz de Peter, era uma voz que foi regurgitada de sua mente, de muitos anos antes. Não importa quem você é, o quão poderoso é ou o que pode fazer. Eu posso mais. Eu sou mais. Eu sou o Lorde das Trevas.


A voz de Tom Riddle morreu.


A semelhança era enlouquecedora.


A crueldade nos olhos era a mesma. A frieza nas palavras também. O ódio por toda uma raça.


Mas o que mais temeu não foi o fato do rapaz parecer muito com Voldemort, foi o fato de ele se parecer muito mais com o próprio Dumbledore. Eles eram mais parecidos do que Alvo seria capaz de imaginar, principalmente nos pontos mais sutis.


Balançou a cabeça, espantando o pensamento que agora o incomodava.


- Eu deixarei que fiquem, mas preciso de garantias que nada ocorrerá com meus alunos. – Ele fingiu estar muito interessado numa pena de pavão negra que pousava sobre a mesa. – Não deixarei que você os machuque. Garanta-me que não fará nada. Se necessário faremos um feitiço da Fidelidade.


 Peter balançou a cabeça, um risinho escapou de seus lábios.


- Assim como não posso garantir que amanhã a lua subirá ao anoitecer, também não posso garantir que não farei nada com seus preciosos alunos. A certeza não pode ser garantida nunca, a não ser que já tenha acontecido algo do qual tenhamos certeza de alguma coisa.


Dumbledore ponderou sobre as palavras.


- Kate. – Era a voz de Peter.


A garota assustou-se ao ouvir seu nome, até então intocado.


- Nos dê licença, por favor. Preciso falar com o diretor a sós, se não se importa. – Ela abriu a boca para replicar, mas ele falou num tom mais severo. – Agora.


Ela se levantou, delicadamente e acenou para Alvo com uma graciosidade impar. A porta se abriu antes que tocasse a maçaneta e se fechou às suas costas, sem que ela se virasse.


Pela terceira vez Alvo arrumou uma pilha de cartas que estavam já arrumadas em cima da mesa. Ele estava nervoso.


Não, não era nervosismo, era um sentimento ainda mais raro em Alvo Dumbledore.


Era medo.


- Não tenha medo. – O rapaz disse, arrogante. – O cheiro do seu medo me enoja. – Peter puxou uma cadeira mais para perto da mesa e se sentou. – Eu não vou fazer nada com você... Ainda. Não que eu não queira, mas respeito minha irmã, na medida do possível. Eu não sei o que ela vê em você, mas sei que não vejo o mesmo. Pedi que ela saísse, pois gostaria ao menos que você ficasse sabendo algumas coisas a respeito do que penso em relação a isso. – Ele tomou ar. – Eu sou o Príncipe dos Dragões, embora eu mesmo tenha jogado o trono de lado e por isso tenha sido expulso da Colônia; Eu fui o principal General da Guerra Bruxo-Draconiana e fui o que sobreviveu por mais tempo, perdi apenas por causa da flecha de Ravenclaw e da espada de Griffindor, que é o único bruxo que tenho a infelicidade de dizer que conseguiu me derrotar. Eu não temo nem mesmo a própria morte e daria meu próprio pai aos Caçadores se fosse para alcançar meu objetivo. Quebrei as Regras uma vez, milhares de anos atrás, quando ainda não havia vestido essa casca humana, por ódio a essa raça à qual você pertence. Não hesitaria em quebrar de novo. Bryan... Sim, eu sei que você está surpreso por alguém chamá-lo assim. Lembre-se, eu não hesitaria em pôr esse castelo embaixo de chamas se fosse necessário, ou se eu achasse necessário. A única coisa que quero de você, é que dê proteção à minha irmã, pois eu não preciso disso. Eu quero ficar apenas para ter certeza que ela ficará bem, pois não confio em você. Se não fosse isso eu estaria lá fora, caçando o desgraçado que acha que pode me derrotar e iria fazê-lo beber do próprio sangue.


Dumbledore tremeu mais uma vez diante da ultima frase. A convicção e sinceridade na voz do dragão o assustavam. A maneira fria como as palavras eram pronunciadas pareciam ter diminuído a temperatura no ambiente de maneira desoladora.


Peter ergueu-se calmamente, aceitando o silêncio do professor como uma boa resposta ao seu discurso. Parou à porta, abrindo-a vagarosamente. Virou a cabeça lentamente para trás, olhando o diretor por cima do ombro. Então falou, sua voz sombria e cheia de sarcasmo.


- Que bom que pudemos nos entender, professor, vai poupar as feridas de brotarem do seu corpo. – E então ele riu, saindo para o corredor


E aquilo ainda era apenas uma lembrança.

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