entre segredos e confissões
Aqui estou eu novamente. Finalmente consegui um tempinho livre para escrever sobre os últimos dias. Até dois dias atrás, nada de diferente havia acontecido. A volta dos alunos à Hogwarts foi o suficiente para que, como previsto, fosse constatado o fim do meu sossego.
Pela janela da Torre de Grifinória, eu pude ver os jardins se encherem de alunos rumando à entrada do Salão Principal. A saudade de minhas amigas era grande. Havia muita conversa a ser colocada em dia. Não da minha parte, afinal, eu imaginava que nem Marlenne ou Alice e muito menos Liza iriam se interessar em saber quantos livros eu havia lido nos últimos dias. No máximo, perguntariam sobre as lições com a intenção de copiá-las.
Alguns minutos depois o retrato da Mulher Gorda iniciou um abre e fecha sem fim. Os alunos entravam aleatoriamente. Juntei meus livros em uma pilha em cima da mesinha que eu estava, perto da lareira. Afinal é inverno e a sala, quando vazia, parecia ser mais fria do que o de costume.
Antes que pudesse encontrar alguma das meninas, surgiu, pela passagem, a figura de Potter e seus amigos. O desânimo invadiu meu rosto na proporção inversa com que surgiu um sorriso em sua boca. Preocupei-me em voltar à poltrona a fim de desviar a atenção da minha minúscula e quase imperceptível pessoa. Mesmo assim pude sentir Potter se aproximando pelas minhas costas.
"Oi, Lily, como passou o feriado?", ele se debruçou na poltrona como se realmente lhe interessasse a minha resposta.
"Estava ótimo até então", respondi sem me preocupar em olhá-lo.
Potter criou uma defesa quanto à minha frieza. Percebo que ela já não mais o atinge. Se, na primeira vez que o cortei, pude contemplar a face desorientada, com o passar do tempo, ela desapareceu. Aliás, não me lembro mais de vê-lo igualmente confuso. Ao invés disso, passou a encarar meus foras sempre com aquele já mencionado sorriso insuportavelmente exagerado.
"Sentiu saudades minhas?"
"Na mesma proporção que senti falta da minha irmã."
Segurei-me para não rir a cara de confuso de Potter como se estivesse questionando se eu havia feito um elogio ou se seria mais uma grosseria.
Imagino que Potter seja suficientemente inteligente para saber que elogios da minha parte referindo a sua pessoa estavam fora de cogitação.
Para a minha felicidade, Marlenne, Liza e Alice apareceram pelo retrato. Indiferente com a presença de determinado ser, corri em direção a elas, abraçando-as de uma só vez.
"Que falta vocês me fizeram", confessei.
"Ei, Lily, eu também estava fora todo esse tempo. Não mereço um abraço? Vai me dizer que não está feliz em me ver?"
"EVANS para você, Potter. Jamais se esqueça disso. E eu estaria realmente feliz se você tivesse ficado preso entre as plataformas sem possibilidade de resgate."
Evitei olhar para Potter depois disso. Dei-lhe as costas em direção ao dormitório feminino, acompanhada das outras três. Uma por vez relatou como foi seu feriado. Marlenne passou com a família em Londres. Ela também é nascida trouxa. Alice comentou ter ido a um banquete junto de seus pais na casa dos Longbottom, cujo filho único, Frank, estuda com a gente e, se não me engano, divide o quarto com Potter e companhia limitada. Já Liza relatou que não resistiu e mandou uma coruja a Sirius. "Pobre Liza", pensei. "Não tem idéia de onde se meteu!"
"E quanto a você, Lily", foi a vez de Marlenne perguntar. "Como é que foi o feriado?"
"Tranqüilo", respondi sem empolgação, afinal, nada de interessante havia acontecido nos últimos dias.
"Deve ter sido realmente tedioso esse castelo sem as declarações mútuas de carinho entre você e o Potter". As três uniram-se numa gargalhada debochada que me proporcionou um súbito mau-humor.
"Qual é, Lily, não aceita mais brincadeira? Se dói, é porque a ferida é funda."
"Claro, Liza. Antes que isso aconteça, eu já estarei internada no St Mungus para garantir a minha sanidade mental."
Foi bastante difícil dispersar a conversa para outro assunto, uma vez que marotos, mais especificamente Black, era o assunto favorito de Liza. Recriminando a minha felicidade em sair daquele papo extremamente desinteressante, me despedi alegando ter uma reunião da monitoria. Ainda nas escadas pude ver Remo também descendo para o mesmo compromisso.
"Oi, Remo!", sorri de forma sincera. Eu já comentei como ele é uma boa pessoa?
"Olá, Lílian, como passou o feriado?"
"Como todos os anos!", afirmei sem muita empolgação.
Não me recordo ao certo quando foi que Remo e eu passamos a nos tratar informalmente. Referíamo-nos um ao outro sempre pelo primeiro nome desde que nossas conversas passaram a se tornar freqüentes quando nos tornamos monitores juntos. Imagino que seja por esse motivo que Potter tenha enfiado naquela cabeça oca de que poderia me chamar de Lílian também. Inúmeras foram as vezes que a Sala Comunal se tornou palco de nossas rotineiras discussões por ele se referir a minha pessoa simplesmente como Lily. Sim, porque as nossas brigas haviam se tornado um hábito tanto para nós quanto para os demais alunos que provavelmente devem se divertir demais com toda a situação. Isso quando ele não me aparecia com os variados apelidos que ele insistia em se referir a mim. Minha ruivinha, minha bruxinha, princesa e mais diversos nomes que agora eu não me recordo já foram motivos suficientes para deixar Potter com furúnculos por todo o rosto e com os cabelos verde-sonserinos.
Quanto à reunião: nada de grande utilidade. As mesmas formalidades de sempre. A reunião não demorou mais do que meia hora. Eu estava começando a ficar cansada, me imaginando deitada em minha cama confortável, amparada pelo meu travesseiro macio e as colchas deliciosamente quentes para espantar o inverno. Mal pude acreditar quando finalmente me deitei. Estava cansada. Desgaste de feriado. O fato de não ter nada para fazer me proporcionou horas de estudos com a intenção de passar o tempo. E, enquanto todos voltavam recuperados para o próximo trimestre, eu já me imaginava na próxima folga.
Quer saber? Bem feito para você, Lílian Evans. Você e essa mania em tentar resolver todos os problemas na biblioteca.
Ultimamente, tenho aprendido que o melhor remédio para afastar pensamentos indevidos é dando atenção integral aos livros. A preocupação em decorar cada linha afastava pensamentos alheios. Pensamentos que andavam me assombrando de maneira assustadora sem ao menos entender por quê. Para ser sincera, eu poderia imaginar a razão e era tudo culpa daquele maldito Baile de Inverno, dias antes do recesso do Natal, contrariando todos os costumes da Escola. Baile na época do Natal? Sempre admirei Dumbledore, mas o que teria dado nele para promover um Baile?
Na ocasião ele havia mencionado que devíamos nos divertir sempre que pudéssemos pois a diversão poderia fazer falta em nossas vidas.
Lembro-me bem de não estar interessada em participar. Havia dispensado uns dois convites para ir acompanhada ao Baile. Na verdade, foram três, se considerar a medíocre insistência de Potter. Bom, então eu diria que foram aproximadamente seis ou sete convites, já que Potter fazia questão de me lembrar, sempre que passava por mim, de que eu ainda poderia ter (des) prazer de acompanhá-lo naquela mesma noite. Depois do décimo "Vá se danar, Potter" do dia, eu me retirei da sala comunal para ir me trocar para o Baile. Atrasei-me propositalmente para que minhas amigas se sentissem tentadas a me abandonar no dormitório. Para meu pesar, Marlenne me conhecia bem demais para me deixar sozinha no dormitório e de lá não arredou o pé até que estivesse pronta. Liza e Alice já haviam descido.
Separei-me de Marlenne quando ela se encontrou com Diggory perto da entrada para o Salão Principal. Adentrei sozinha. Mais uma vez, o salão estava impecavelmente decorado. Confesso que fiquei bastante satisfeita por não ser a única pessoa sem par naquela noite. Procurei um assento vazio para que eu pudesse ficar tempo necessário, afinal, eu era monitora e devia estar presente. Sem encontrar um lugar sequer vazio, fiquei a rodar pelo Salão durante umas quatro músicas consecutivas. Só então me passou pela cabeça sair até os jardins, onde finalmente encontrei um lugar para me sentar.
A noite estava realmente tediosa. Eu só queria subir para minha torre e dormir. Enquanto a maioria das meninas se preocupara em decidir como se vestir e os meninos, com quem sair, eu passei o dia estudando. Era normal esse desgaste. No fundo, eu havia estudado tanto para ter uma desculpa para sair mais cedo da festa.
"Você é realmente teimosa, Evans!"
Não precisei me virar para saber quem havia se aproximado.
"Agora não, Potter. Não estou com cabeça para suas gracinhas."
"Deve estar sendo realmente chato ter que ficar aqui fora enquanto todos estão se divertindo lá dentro."
Potter sentou-se ao meu lado. Contrariando a minha vontade de evitar sua presença, o encarei. Ele estava realmente perto. A essa altura, o traje já não estava mais impecável. A gravata estava desatada sobre os seus ombros.
"Não é da sua conta", respondi com rispidez.
"Deveria ser se você não tivesse insistido em recusar meus convites. Agora está aí, sem ter uma companhia."
"Imagino que você tenha alguém te esperando então não se incomode, ou melhor, não ME incomode com a sua presença".
"Eu não estou acompanhado!", Potter disse sem cerimônias, como se não se importasse.
"Não é? E a quem devo atribuir esse milagre?", ri sarcasticamente.
"A você!", respondeu sem se importar.
"Poupe-me das suas investidas, Potter. Não vai funcionar."
"Infelizmente é verdade, Evans! Eu fiquei esperando até o último momento, achando que você finalmente aceitaria sair comigo e, quando vi, já estava em cima da hora."
"Antes que isso acontecesse, Potter, pode acreditar que eu estaria saindo com um trasgo."
"Qual é o seu problema, Lily?", me perguntou dando sinal de aborrecimento.
"Não, eu que pergunto: QUAL É O TEU PROBLEMA POTTER?", excedi a voz violentamente. "JÁ NÃO SE CANSOU DE LEVAR FORAS DA MINHA PESSOA? EU JÁ NÃO DEIXEI CLARO O SUFICIENTE QUE VOCÊ PODE PEDIR QUANTAS VEZES QUISER PARA SAIR COMIGO QUE EU IREI RESPONDER NA MESMA QUANTIDADE DE VEZES QUE EU NÃO SAIRIA COM VOCÊ NEM QUE MINHA VIDA DEPENDESSE DISSO. EU NÃO SOU MAIS UMA DESSAS GAROTAS IDIOTAS QUE CAI NO SEU PAPO MEDÍOCRE E PRESUNÇOSO, POTTER. AGORA, PELO AMOR DE MERLIM, QUER FAZER O FAVOR DE ME DEIXAR EM PAZ? E QUANTAS VEZES EU VOU TER QUE REPETIR QUE EU NÃO QUERO OUVI-LO ME CHAMANDO DE LÍLIAN, NEM LILY NEM NADA QUE SEJA DIFERENTE DE EVANS. OUVIU BEM? EVANS!"
Potter agia com indiferença ao meu chilique. Já estava acostumado, assim como todos que passavam por perto. Foi a vez de Potter me responder, mas, dessa vez no mesmo tom. Eram raras as vezes que eu conseguia tirá-lo do sério e definitivamente essa foi uma delas.
"E não passa pela sua cabeça que eu não queira desistir, Evans? Se eu estou sendo humilde o suficiente para engolir todos os foras que você me dá, talvez seja porque eu realmente esteja interessado em sair com você. Devo lembrá-la que muitas garotas sairiam duelando pelos corredores para estar no seu lugar."
"Cuidado para não explodir junto com o seu superego Potter. Agora, se me dá licença, eu vou dormir."
"Não vai, não. Eu ainda não terminei de falar."
Potter havia me segurado quando ameacei me distanciar fazendo com que me desequilibrasse e me aproximasse de forma perigosa de sua pessoa. Ele então se calou e ficou a me fitar por detrás das lentes de seus óculos. Suas mãos ainda me seguravam próxima ao seu corpo. Seus olhos caíam de forma pesada sobre mim. Ele sequer piscava. Senti como se alguém tivesse lançado um feitiço para me petrificar ali.
Eu não tentava me desvencilhar das suas mãos.
"Vamos, Lílian, fale alguma coisa!"
Eu não tentava me afastar.
"Qual é o seu problema? Qualquer coisa, fale qualquer coisa!"
Eu sequer conseguia quebrar a ligação entre nossos olhos.
"Merlim, eu nunca na minha vida permaneci tanto tempo na presença de Potter sem insultá-lo."
Senti então sua mão escorregar de meus braços até minha cintura. Uma onda gelada subiu pela minha espinha.
"Vamos, Lílian, empurre esse idiota para longe de você"
Potter foi se aproximando sem quebrar a ligação entre nossos olhares. Era como se ele soubesse que aquilo estava me mantendo atada a ele. Segundos depois senti os lábios de Potter grudados aos meus.
Estranhamente, ao contrário do que havia imaginado, seu beijo não me deu enjôos. Ao contrário, era gostoso. Terrivelmente gostoso. Sentia suas mãos passearem pelo meu corpo enquanto me apertava contra o seu próprio. Eu, ao contrário, me mantive estática, sem movimentos, como se ainda não acreditasse estar cedendo às suas investidas.
Foi quando eu ouvi um "Dá-lhe, Potter" que eu finalmente voltei ao meu discernimento normal e fui capaz de empurrá-lo para longe de mim.
"Qual é o seu problema, seu idiota? Nunca mais se aproxime de mim!", gritei antes de me afastar. Ainda pude ouvi-lo gritar alguma coisa, mas já estava relativamente perto do salão e ficou impossível de entender.
E foi isso o que aconteceu naquele maldito baile. Potter finalmente havia riscado de sua lista a única garota que havia lhe dado um fora. Jurei para mim mesmo que aquela noite seria um segredo que eu levaria para o túmulo. Se ninguém ficasse sabendo, então eu poderia fingir que não havia passado de um pesadelo. Por mais frustrada que eu estivesse, imaginei que, considerando o lado positivo da história (se é que fosse possível), com sorte, Potter nunca mais se aproximaria para torrar minha frágil paciência.
Se acertei? Pois digo que errei ferozmente. Se pude evitar aquele infeliz até o feriado, com o fim do mesmo, essa tática passou a se tornar bastante difícil, visto que Potter tinha a sua própria estratégia se estar sempre às vistas, tornando, para o meu desespero, os últimos dois dias um verdadeiro pesadelo.
....
Lembro-me de Tiago ter comentado sobre o baile. Naquela noite, eu o encontrei com a afeição mais idiota que já tinha visto o meu amigo. Não pude acreditar quando ele me contou o que havia acontecido minutos antes naquele mesmo lugar. Pobre Pontas. Ele realmente imaginou que, depois daquela noite, sua ruivinha estaria mais acessível. Foi frustrante ouvi-la gritar "EVANS, POTTER!" no café da manhã do dia seguinte, quando Pontas tentou uma aproximação amigável. Ele soube esconder a cara de desgosto quando Lílian saiu batendo os pés, segundos depois, mas ele não me enganava. Podia enganar a todos, menos a mim. Foi quando eu percebi que meu amigo Tiago Potter poderia estar realmente se apaixonando por Lílian Evans.
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