chapter 5

Eu acordei tão confusa quanto havia ido dormir. Aliás, não fazia nem idéia de como tinha conseguido dormir. Minha vista estava embaçada e minha cabeça latejava. Culpa da fome, claro. Dois pratos de batata frita há mais de doze horas atrás não faziam mais efeito algum. Sobre uma mesa havia uma bandeja com uma jarra com leite e um prato com biscoitos. Eu poderia jurar que a mesa não estava lá quando eu havia ido dormir. Ainda assim, de toda as coisas que haviam acontecido no dia anterior, o aparecimento de uma mesa com leite e biscoitos era o menor dos meus problemas.

- Pois bem. – Disse ao olhar a mesa posta. – Antes eu olharei e verei se está escrito “Veneno” ou não... – Parei de me dar esse conselho ridículo e revirei os olhos. – Eu preciso parar de ler livros infantis trouxas... Embora aquele livro não seja tão infantil quanto o vendedor me disse.

Sentei-me na mesa, comi todos os biscoitos, bebi todo o leite, procurei em meu malão minha escova de dente e me dirigi até uma porta que eu julgava ser o banheiro. Ao abrir a porta dei de cara com um gato sentado em uma mesa, olhando diretamente para mim.

- Certo, muitas semelhanças com “Alice in Wonderland”. – Falei. – Você vai dizer “Nós somos todos loucos aqui”? Porque eu provavelmente sei disso.

Em um salto o gato se transformou em uma mulher de aspecto muito sério.

- Essa foi a coisa mais legal que eu já vi até agora. – Falei um pouco assustada.

- Boa tarde senhorita Hayes. – A mulher disse. – Eu sou a professora Minerva McGonnagall.

- Muito prazer. – Falei.

- Digo o mesmo. – A professora respondeu. – O Diretor Dumbledore gostaria de falar com você.

- Eu posso escovar os dentes? – Perguntei mostrando-lhe a escova de dentes que eu segurava.

- A primeira porta da esquerda, ao lado dos armários. – Ela me disse.

- Eu já volto. – Falei sorrindo.

Escovei os dentes, lavei o rosto, prendi meu cabelo em uma trança, troquei a camisa completamente amassada pela minha noite de sono, calcei minhas botas e peguei minha bolsa, só então fui ao encontro da professora, que não havia se movido um milímetro do momento em que eu havia saído da sala em que havia encontrado até cerca de quinze minutos depois, quando voltamos a nos encontrar.

- Está pronta? – Ela me perguntou.

- Sim senhora. – Respondi.

- Então vamos. – McGonnagall disse e eu obedeci.

Hogwarts era bem maior que Durmstrang. Tantos corredores e quadros e escadas que se moviam... Todas aquelas coisas que no dia anterior eu não havia conseguido apreciar devido ao meu cansaço, e que naquele momento não faziam a mínima diferença: Não tinha notícias de Vitor, nem de Kathy e meu pai havia se suicidado. Mas eu já havia chorado o necessário e como Vitor disse, se Kathy não conseguisse se defender de Comensais, nós estávamos condenados. Logo ela estaria lá, sã e salva. E irritante.

Seguia a professora tão desatenta e imersa em meus pensamentos que mal percebi que finalmente estava no destino final: A sala do Diretor de Hogwarts, Dumbledore.

- Que prazer conhecê-la. – O velho disse, com um sorriso amigável.

- Eu digo o mesmo. – Falei séria.

- Coma um sapo de chocolate. – Ele me entregou uma caixinha de Sapos de Chocolate e eu fiquei confusa. – Vamos, coma.

E quem era eu para desobedecer. Abri a caixa e logo coloquei os sapos na minha boca.

- Sua tia logo chegará. – Ele me disse. – E acho que você gostaria de saber que seu amigo Vitor Krum está em casa.

- Essas são boas notícias. – Falei após engolir o chocolate.

- Sim, são. – Dumbledore me respondeu sorrindo. – Você me lembra muito...

Eu estava certa que ele iria dizer “sua mãe”.

- Seu pai. – Ele disse por fim. - Até a forma um pouco agressiva como você fala.

Eu ia dizer que eu não falava de forma agressiva, mas ele era Dumbledore e eu tinha consciência de que eu era apenas uma garota de quinze anos que achava que sabia bem mais do que realmente sabia.

- Queria saber como qualquer pessoa conhece meu pai melhor do que eu. – Falei. – Deve ter a ver com o fato de que eu simplesmente não o conheço.

- Talvez. – Ele me disse. – Mas não sejamos pessimistas. – E ele disse isso para mim, rainha do pessimismo. – Nunca é tarde.

Eu fiquei em silêncio por um tempo analisando aquela frase. Era tarde, ele havia se suicidado e não havia tido nem a decência de fazer isso depois do meu aniversário. Ou pelo menos depois de me dizer aquelas coisas que pais dizem para as filhas, coisas como “Você é a coisa mais importante para mim” ou “Eu te amo”.

- Você deve estar pensando em porque eu te chamei aqui. – Dumbledore disse.

- Sim. – Respondi, apesar de aquele não ser meu pensamento no momento, eu estava curiosa.

- Bem, você deve saber que aqui em Hogwarts os alunos são divididos em casas. – Ele começou a me explicar.

- Eu sobre isso em “Hogwarts – Uma História”. – Falei.

- Ótimo! – Ele prosseguiu. – Então você está familiarizada com o Chapéu Seletor.

- Familiarizada não é a palavra que eu usaria, mas... – Eu comecei a dizer.

Quando percebi, estava sentada, com um chapéu na cabeça que praticamente cobria meus olhos e falava.

Se eu não soubesse melhor eu poderia dizer que Lewis Carroll tinha algo a ver com isso. Ou que ele pelo menos havia lido “Hogwarts – Uma História”. Toda a minha família havia ido para a Corvinal, mas sinceramente, meu único medo era cair na Sonserina... Pelo que Vitor me contou, grande parte dos sonserinos eram como os alunos da Durmstrang. Não precisava dizer mais que isso.

Então o Chapéu começou a falar as coisas de forma extremamente prolixa.

“Pequenos fragmentos... Fortes o suficiente para te fazer seguir um caminho que não é seu. Hm... Devo, portanto, escutar seu coração. Grifinória!”

- Vou pedir para os elfos levarem suas coisas para o dormitório da Grifinória. – Ele disse enquanto tirava o Chapéu da minha cabeça e coloca de volta onde estava quando eu entrei na sala. – Você devia dar uma volta por Hogwarts. – Ele sugeriu.

- Uma volta por Hogwarts? – Perguntei sem entender.

- Sim. – Ele disse. – Todos os alunos do quinto ano já conhecem bem a escola e você está em desvantagem.

- Eu aposto que estou. – E eu não estava falando da minha falta de conhecimento geográfico de Hogwarts, mas sim das várias coisas estranhas que haviam acontecido comigo naquele curto período de tempo.

- Então vá, vá. – Ele foi me empurrando para fora da sala dele. – Qualquer dúvida pergunte aos quadros. Ou aos fantasmas.

- Tudo bem... – Eu disse meio contrariada e saí da sala.

O silêncio dos corredores foi quebrado pelos meus passos. Eu não sabia para onde ir, então vaguei sem rumo até que encontrar uma saída.

Aquela era provavelmente a coisa que eu mais amaria em Hogwarts: o frio não era insuportável quanto o de Durmstrang e haviam árvores e gramado verde. Resolvi desfrutar do silêncio daquele lugar, logo outros alunos chegariam e silêncio lá seria apenas uma lembrança.

Eu me sentei na grama e tentei “ficar de luto”. Eu me sentia meio culpada e estar mais com raiva de ele te morrido do que triste. Que tipo de pai te visita duas vezes ao ano e, nas visitas apenas dorme e tem uma refeição com você? O meu. Que tipo de pai não tem a decência de te dizer por que ele te deixou na casa de sua avó e desaparecido? O meu. Eu tinha cinco anos e eu apenas o conhecia por fotos...

Meu estômago interrompeu meus pensamentos. Resolvi sair em busca de qualquer comida.

Embora grande, não era fácil se perder em Hogwarts. Pelo menos não para mim e, depois de algumas voltas que eu devo ter dado, acabei no Salão Principal, onde o jantar estava sendo servido.

Meus três novos não-amigos estavam lá. Eu revirei os olhos após ver que Hermione estava me chamando para sentar perto deles.

“Vitor disse para ser educada” eu me lembrei mentalmente. Caminhei para perto deles e me sentei.

- Boa noite. – Disse educada.

- Boa noite. – Eles responderam.

Comecei a colocar tudo que eu via pela frente no meu prato. Aquele almoço de leite e biscoitos não era realmente um almoço... Então era claro que eu estava faminta. Os três me olharam assustadas.

- Primeira refeição do dia. – Expliquei.

Eles sorriram em resposta.

- Ficamos sabendo que você foi selecionada para a Grifinória. – Hermione disse.

- Ficaram sabendo? Por quem? Pensei que nós éramos os únicos aqui... – Falei sem entender.

- Vi seus malões entrando no Salão Comunal da Grifinória. – Ela explicou.

- Ah... – Respondi. – É, Grifinória.

Eu enchi minha boca com comida antes que eles me perguntassem mais alguma coisa.

- Nós somos da Grifinória. – Ron prosseguiu a conversa. – Nós três.

- Eu sei. – Eu respondi com a boca cheia. – Vitor me contou.

- Gostou da casa que o Chapéu te colocou? -

- Eu estava esperando ir para a Corvinal, é uma coisa de família, mas está tudo bem. – Falei. – Eu estou apenas contente de não estar na Sonserina...

Eu não sabia por que estava falando aquilo. Poderia dizer, talvez, que fosse pelo fato de eu falar demais e de não ter com quem conversar. Heathcliff não conta.

- Nós te entendemos. – Hermione prosseguiu sendo simpática comigo.

Eu sabia que ela estava fazendo isso a pedido do Vitor e aquilo estava me irritando. Ela até fez com que os dois amigos dela esperassem eu terminar de comer para que todos nós fossemos juntos para o Salão Comunal da Grifinória. E eu até admito, que foi legal da parte dela, mas essa boa vontade dela para cima da “recém órfã amiga do Vitor” que era eu não colava.

O Salão Comunal da Grifinória era muito legal, e eu estava contente por ter uma lareira lá. Eu gosto de lareiras e lustres por motivos ainda não identificados.

- Onde é o dormitório. – Perguntei.

Nunca que eu ia ficar lá, no Salão Comunal, dividindo meus problemas com eles.

- Subido aquelas escadas. – Hermione me respondeu.

- Boa noite. – Falei e nem esperei resposta.

Subi rapidamente as escadas e entrei no quarto. Minhas coisas já estavam lá, inclusive Heathcliff, que dormia calmamente sobre uma cama. Eu abri minha mala, peguei meu pijama e fui até onde era o banheiro.

Eu tomei um banho demorado. Eu acabei chorando, o que eu odiava fazer, mas ocasionalmente era inevitável e até mesmo necessário. Estavam acontecendo tantas coisas que eu não podia controlar que a minha única coisa que me restava era chorar. Fora que os machucados da minha mão, agora que estavam sendo lavados, estavam ardendo. Eu não posso reclamar disso, pelo menos a dor física me fez esquecer toda aquela confusão.

Até que Kathy chegasse, a única coisa que eu poderia fazer era tentar ocupar minha cabeça com meus livros, que tinham começo, meio, fim e todas as perguntas eram respondidas.

E eu resolvi ler “Alice in Wonderland”.

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