Trevas



A pele de Richard Hallow estava de um tom esverdeado e Mary não saberia dizer se aquela cor na face do seu pai se deveria a raiva de Lupin, medo de uma explosão da mulher ou simples indisposição causada pela viagem. Tal como a filha, também Richard não gostava muito de Aparatar em longas distâncias.

Jane Hallow, por seu turno, estava mais do que nunca incrivelmente parecida com a irmã, Molly, afogueada, com as bochechas vermelhas como as dela, apesar de ser mais magra, mais baixa e de ter o cabelo mais claro. Se quisessem negar o parentesco, seria impossível, inclusive no jeito de falar e de agir.

Ao encarar a filha, imediatamente correu para abraçá-la, enquanto Richard se deixava ficar para trás, recuperando as suas cores normais.

- Então, filha, como é que você está? - quis saber Jane, olhando a filha de alto a baixo e esboçando um esgar de desagrado. - Você está tão pálida e tão magrinha... Com certeza não anda se alimentando direito! O que é que a Molly está pensando para te deixar passar fome? - acrescentou indignada.

- Pára com isso, mãe! - pediu Mary sem jeito, murmurando para si mesma - Magrinha é uma coisa que eu nunca vou ser, ao contrário da maioria dos vampiros... - cumprimentou o pai com dois beijos e inquiriu - Porque foi que vocês resolveram vir até aqui?

- Bela pergunta! - suspirou Richard, revirando os olhos, com ar de quem não concordava com nada do que estava acontecendo, mas não podia fazer outra coisa a não ser ficar do lado da mulher. - Acho melhor você perguntar para a sua mãe. Foi ela quem fez questão de vir.

- Mas é claro! - exclamou Jane, com impaciência. - Eu quero conhecer pessoalmente esse... esse lobisomem!

Mary estacou, sem reação. Porque raios quereria a mãe conhecer Lupin, assim, de repente? Iria ofendê-lo? Destratá-lo? Forçá-lo a terminar o noivado? Ou simplesmente resolvera aceitá-lo como genro? Ainda poucos dias antes tinha recebido uma coruja de Jane pedindo para ela esquecer “o lobisomem” de uma vez por todas e voltar para Portugal, senão iria acabar tendo que ir buscá-la pessoalmente… Seria isso? Não… Não podia ser…

- Porquê? – perguntou apenas, a medo, o coração quase saindo pela boca.

Contudo, a Srª Hallow limitou-se a replicar:

- Você não acha normal que eu queira conhecer o homem com quem você quer se casar? – Não esperou a resposta da filha; apenas a segurou por um braço e, fazendo sinal ao marido e à própria Mary (confusa e assustada), os três Desaparataram, indo aparecer com o ruído de um estalo bem no meio da sala do número 12 do Largo Grimmauld.

Molly Weasley, que estava entrando na sala com uma bandeja cheia de suco de abóbora para servir os membros da Ordem presentes deixou cair a bandeja no chão, com o susto, empapando os tapetes com suco.

- Dessa vez, não fui eu! – Deixou escapar Tonks, para se arrepender logo em seguida, perante o olhar fulminante que Molly lhe lançou. – Expurgar! – acrescentou, em jeito de pedido de desculpas, fazendo com que toda a sujeira desaparecesse.

- Jane? Richard? – Quase gritava a Srª Weasley, enquanto olhava pasmada para a irmã e o cunhado na sua frente.

- Olá, Molly! – exclamou Jane, com um largo sorriso, abraçando a surpreendida irmã. – Como é que você está? E o Artur? E os meninos? Como está tudo? Você não tem alimentado direito a minha Mary?

Não houve tempo para que Molly Weasley respondesse fosse o que fosse, porque, naquele momento, Remo Lupin desceu as escadas até a sala e não foram precisas apresentações para que ele e Jane reconhecessem um ao outro. As fotos que Mary sempre carregava para onde quer que fosse, fotos dos pais e do noivo, tornaram obsoleta qualquer apresentação.

Um avançava para o outro e Mary não pode deixar de se lembrar dos velhos filmes trouxas que os seus vizinhos assistiam em Portugal, em que, no velho Oeste americano, sempre havia uma cena de duelo em que um cowboy avançava perigosamente para outro, empunhando uma arma e não se surpreenderia, por isso, se Remo e Jane empunhassem as varinhas de repente, embora no seu íntimo soubesse que eles jamais fariam tal coisa.

Richard estava de novo verde, com o rosto grave e um silêncio sepulcral reinou na sala. Tonks saiu de mansinho, levando Carlinhos, Gui e os gêmeos atrás dela. Estavam acostumados a discussões familiares, mas não tinham a menor vontade de assistir a mais uma, que se adivinhava terrível.

Também Molly rumou para a cozinha, levando atrás de si um Artur distraído, ansioso por cumprimentar os cunhados.

Foi Jane Hallow quem quebrou o silêncio, olhando Lupin da cabeça aos pés e perguntando desnecessariamente:

- Então é você o lobo?

- Mãe! – Quase gritou Mary, indignada. – Pelas barbas de Merlim, isso é jeito de falar?

Mas Jane olhou-a calmamente e inquiriu:

- Disse alguma mentira?

Foi Lupin quem respondeu, aparentemente calmo, chamando todo o seu auto-controle para neutralizar a aflição que estava sentindo naquele momento:

- Não, Srª Hallow. Não é mentira. Sou um lobisomem, sim.

Richard engoliu em seco, pronto a intervir

- Me diga uma coisa, Sr Lupin, o senhor gosta mesmo da minha filha?

Mary trocou um olhar aflito com o pai, que lhe fez sinal para que ficasse calma.

Remo olhou Jane nos olhos antes de replicar com toda a seriedade:

- Mais do que qualquer outra coisa no mundo.

A Srª Hallow não desviou o olhar dos dele. Pelo contrário. Continuou a encará-lo fixamente, como se quisesse entrar em seus pensamentos e descobrir se era verdade mesmo o que ele acabara de dizer. Decidida, falou:

- Então, se o senhor o ama, certamente que quer o melhor para ela.

- Certamente. – Anuiu Lupin, com um tom de voz mais rouco ainda do que o seu tom natural. Não estava gostando nem um pouco do rumo daquela conversa. Tinha certeza de que sabia no que ela ia dar.

Mary sentiu o mesmo e trocou um olhar assustado com ele, mas Jane fingiu não notar e perguntou, no mesmo tom calmo:

- Sr Lupin, o senhor tem ideia do que será a vida de um lobisomem com uma vampira?

- Difícil, não nego. – Concordou Remo, para maior aflição de Mary. Ele estava angustiado, mas não podia demonstrar. – Mas nada que a gente não consiga ultrapassar. Além disso, eu tenho uma poção que me ajuda a serenar. Graças a essa poção, eu me torno inofensivo nas noites de lua cheia…

- A poção Mata-cão, eu sei! – cortou Jane, começando a perder o tom de voz sereno. – Mas sei também que basta o senhor esquecer de tomá-la uma vez que seja durante a semana que antecede a lua cheia para que essa poção perca todo o efeito, estou errada?

- Não. – Lupin baixou a voz, se sentindo como nos tempos de escola, em que levava bronca de Dumbledore quando não impedia os amigos de azarar os colegas. – Não está, não.

Os olhos de Jane brilhavam agora, de forma ligeiramente triunfante e ela jogou a cartada final, em tom ansioso:

- Então, Sr Lupin, se o senhor ama mesmo a minha filha, deixe-a em paz. É a maior prova de amor que o senhor pode lhe dar. Se afastar para não machucá-la.

Remo não respondeu. No fundo, concordava com Jane. Ele era perigoso, sim, e a última coisa que queria era ferir a sua Mary. A Srª Hallow estava certa. Aquele amor era impossível. Baixou a cabeça, rendido, sem conseguir pronunciar uma única palavra.

- Já chega! – Exclamou Mary, desesperada, enquanto Richard a segurava por um braço. – Mãe, o que você está fazendo não é justo!

Jane olhou para ela com um olhar carinhoso, mas simultaneamente duro.

- Querida, eu só quero o seu bem… - começou.

- Belo jeito de mostrar! – Interrompeu a filha, com os olhos marejados de lágrimas de mágoa. – Tentando me afastar do homem que eu amo…

- Filha… - disse Jane, contristada. Os seus olhos mostravam agora uma tristeza bem diferente do tom frio com que falara com Lupin. – Esse homem é perigoso para você. Foi isso que eu acabei de mostrar para ele e ele concordou, não concordou, Sr Lupin?

Remo não olhou para Mary. Não se atrevia a erguer os olhos cheios de lágrimas teimosas que lutava para reter. Murmurou as palavras mais difíceis que já dissera em toda a sua vida:

- A sua mãe está certa, Mary. Eu sou um perigo para você.

Mary não podia acreditar. Até Remo! Até ele! Não saberia descrever todas as sensações que a percorreram naquele momento. Estava à beira de um colapso nervoso. Em último recurso, segurou com força os colarinhos de Richard, soluçando:

- Pai, por favor, me ajuda!

Mas Richard a afastou, olhando-a nos olhos com ar triste e replicando:

- É para seu bem, Mary. Por melhor pessoa que esse homem possa ser, ele é perigoso, sim, e você sabe disso.

- Eu também sou perigosa!!! – Gritou Mary, desesperada, com as lágrimas escorrendo violentamente pelo seu rosto. – E a mim não tem poção que ajude! Nem tem fase da lua que me deixe em paz!

- Não é a mesma coisa, filha! – exclamou Jane, quase chorando, também. – Você sabe que não é a mesma coisa. Você não tem que se transformar. Basta não pegar raios de luar. É tão fácil…

Mary olhou para Lupin, que apenas a fitou com uma imensa tristeza estampada no rosto… e foi o que bastou para ela se descontrolar de vez. Fora de si, berrou, entre lágrimas violentas:

- Ah, é? Vocês pensam que é fácil ter que me esconder da noite? Pensam que é fácil não poder ver as estrelas? Pensam que é fácil passar um mês inteiro esperando a lua nova, para depois ela ir embora de vez e me deixar de novo, escrava da noite e da minha maldição? Depois que eu conheci o Remo, parei de me preocupar com isso, fiquei até mais cuidadosa em relação aos raios de luar… Mas agora o que eu mais quero é sair daqui, mesmo com a lua lá fora me assombrando, só para não ter que olhar para vocês! E é isso mesmo que eu vou fazer! Estou me lixando para o vampirismo. Que se dane! Se é uma criatura das trevas que eu sou, tenho mais é que assumir isso!

Totalmente descontrolada, Mary correu para a porta, sem escutar Lupin, que gritava:

- Mary! Não! – Ele correu para impedi-la de abrir a porta, mas era tarde demais. Ela fora mais rápida. Pela porta escancarada entravam vários raios prateados do luar brilhante de uma lua crescente… e Mary… a sua doce Mary… estava agora tão diferente: os seus olhos castanhos estavam agora vermelhos e os lábios, também de um vermelho-sangue, deixavam ver dois caninos pontiagudos saindo da sua boca...

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