Um mais um
Continuando, lá estava eu, quieta e pensativa, fingindo prestar atenção à aula mais infantil que já presenciei na vida, quando o professor resolveu que deveríamos trabalhar em duplas. Ótimo. Esperei todos se organizarem, na esperança de que eu seria o número ímpar da sala. Mas não; eu era o par de uma sala que já era ímpar. Aquele rapaz se aproximou de mim, parecendo nada feliz em ter-me como parceira e deixando claro que ele era bom demais naquela matéria para ter que compartilhar seu conhecimento. Esnobe. Como uma garota respeitável, sorri para ele e indiquei a cadeira vaga ao meu lado, pegando o material necessário para preparar a poção que o professor pedira: a Felix Felicis. Senti-me orgulhosa: essa eu com certeza sabia preparar.
— Eu sei que deve ser complicado para você, então porque não me deixa cuidar da poção e você fica com o crédito? — ele perguntou, com seu ar de superioridade, parecendo muito convicto de que eu não seria capaz de compreender nem o que estava na lista de ingredientes. — Sou Tom, por sinal. — ele esticou sua mão anormalmente branca para mim. Forcei um sorriso e a apertei.
— Meu nome é Marisol. E eu acho que sou muito capaz de executar essa tarefa, mas obrigada pela preocupação. — não me atrevi a olhar para seu rosto, por isso continuei a analisar a lista de ingredientes e a separá-los e organizá-los em ordem de uso. Tinha achado estranho um sonserino deixar outra pessoa ficar com o crédito, mas então percebi que ele não precisava. Quero dizer, quando olhei em volta, todos os alunos pareciam certos de que eu não conseguiria nem reconhecer o nome da poção. O professor era o único que sabia que eu era muito boa em poções. Pelo visto, ele estava tendo dificuldades em preparar a minha passagem de volta para casa. Se não isso, ele deveria estar preocupado por não encontrar a tal flor em lugar algum. Ou seja, eu estava presa aqui.
Balancei a cabeça, afastando aquele pensamento, e comecei a trabalhar. Confesso que precisei da ajuda de Tom em alguns momentos, mas só porque seriam necessárias quatro mãos para cortar aquela coisa, e não duas. E isso com certeza fez muito bem ao ego daquele garoto, que parecia muito certo sobre sua competência. Ele se achava, se você entende o que quero dizer.
— Marisol, eu tenho uma pergunta para você... — ele falou, misterioso, enquanto esperávamos a poção borbulhar. Franzi o cenho, achando-o estranho. Que tipo de pessoa falava assim? — Ok. Eu acho que você está mentindo. Você já estudou em Hogwarts. — Não era bom. Não era bom. Enclinei a cabeça para o lado, meneando um sorriso, fingindo despreocupação.
— Isso não é uma pergunta. É uma afirmação.
— Então você não nega? — ele parecia exepcionalmente convencido.
— Sim, eu nego. Você nunca me viu antes, então como eu poderia estudar aqui? — eu estava começando a ficar preocupada. Como ele percebeu? E o que eu faria se ele descobrisse?
— Ora, você não se perdeu nenhuma vez em um castelo enorme que mais parece um labirinto. Você conhece muito bem os esconderijos daqui, e eu sei disso porque já a vi várias vezes desaparecer na Sala Precisa. Sei que nenhum pai ou mãe que se preze ensinaria sua filha a preparar a Felix Felicis, pois seria o mesmo que atirar no próprio pé. E tem mais, mas acho que já demonstrei meu ponto. — o garoto acertou em tudo. Tudo. Fiquei quieta, fingindo me deliciar com a inocência dele. Só que o Tom não era nada inocente. Eu nunca o havia notado, e ele já me vira há algum tempo. Notara que meu lugar preferido era a Sala Precisa. Notara que essa poção não era novidade para mim.
— Diga-me uma coisa: o que exatamente quer dizer atirar no próprio pé? — esperei desviar sua atenção com isso. E eu também não entendi o que aquilo queria dizer. Era uma expressão trouxa, e eu nunca tive contato com nenhum trouxa.
— Ahn... é como... como se... estivesse colaborando para o próprio sofrimento... — felizmente, ele pareceu ficar envergonhado. Afinal, era difícil um sangue-ruim entrar para a Sonserina. Mas também não era novidade para mim que a personalidade dele era 100% sonserina. — Não fuja do assunto! Eu sei que você já conhece a escola!
Ainda bem que ele alterou a voz e o professor lhe chamou a atenção. Voltamos ao trabalho e, no fim, preparamos a poção com uma perfeição impossível para jovens de dezessete anos. Assim que fomos dispensados pelo professor (que jogou fora nossa poção, para que ninguém a usasse para infringir alguma regra) eu peguei minhas coisas e saí pela porta o mais rápido que pude, seguida por Tom e sua expressão assustadora. Sinceramente, aquele garoto precisava aprender a lidar com pessoas. Ele não parecia acostumado a ser ludibriado por alguém. Toda vez que eu olhava para trás, lá estava ele, sério, me seguindo. Apavorante.
Finalmente, quando cheguei a um lugar menos movimentado, comecei a correr. Não sei por que fiz isso; iria deixar claro que ele estava certo e que eu escondia alguma coisa. E ele queria muito descobrir a verdade. Meus pés me levaram para a Sala Precisa. Desejei encontrar um lugar para me esconder dele. A Sala se moldou a um lugar aconchegante e escuro. Perfeito.
Sentei-me em uma poltrona, arfando, preocupada e com medo. O professor Dumbledore foi bem claro quando disse que ninguém deveria descobrir. E eu simplesmente deixei que qualquer um percebesse a mentira. Depois de me acalmar, achei que já era hora de sair. Quero dizer, eu perdera uma aula me escondendo ali. Por precaução, pedi um olho mágico na porta.
Tom estava ali, parado, esperando. Ele não iria desistir nunca? Mas parecia um pouco impaciente e fechava os olhos, como que desejando alguma coisa, e abria uma porta que aparecia para ele. O que eu percebi? O garoto queria me encontrar. E ali dentro. Mas por que?
· · ·
As horas se arrastaram, o sol se punha, e ele ainda estava ali: desejando, tentando. Acho que foi há umas duas horas que percebi que eu estava ferrada. Ele iria descobrir como entrar e eu não teria como fugir. Mas também não me entregaria, por isso esperei. Foi quando ele pareceu ter a melhor idéia do dia. Seu rosto estava repleto de vitória. Desejou mais uma vez, admirou a porta e girou a maçaneta. A porta a qual eu estava encostada o dia inteiro forçou sua abertura. O filho da mãe descobriu o que eu pedira. Dei uns passos para trás, meus olhos arregalados, a respiração arfante. Era praticamente impossível descobrir o que outra pessoa pedira à sala e conseguir o exato mesmo lugar. Como ele fizera isso?
— Você poderia ter se esforçado um pouquinho mais... Talvez eu desistisse... — ele riu, deixando claro que desistir seria uma coisa que ele nunca faria. Eu engoli em seco. Precisava sair dali, mas Tom bloqueava a minha passagem e, no segundo em que percebeu que eu queria sair, fechou a porta e a trancou. — Eu quero saber por que você mente. Qual o motivo disso? O que aconteceu? Quem é você? — e então ele apontou sua varinha para mim. Sinceramente, era permitido um aluno ameaçar o outro? Com magia? Eu sei que seria mais rápida que ele, que poderia me defender. Afinal, sofri muito mais provações do que estes alunos inocentes da década de quarenta.
— Eu não vou dizer. E não adianta me ameaçar.
— Quem falou em ameaças? Eu quero respostas. — ele foi tão rápido que não pude nem pensar em fazer alguma coisa. No segundo seguinte, eu revia todos os acontecimentos recentes na minha vida: minha família, o trem de Hogwarts, a poção, Dumbledore. Ele estava lendo a minha mente, da mesma forma que o professor Dumbledore fizera há alguns dias. E não tinha nada que eu pudesse fazer contra isso. Eu não era boa em Oclumência. — M-mas...? — Tom balançava a cabeça, incrédulo, tentando entender o que acabara de ver. Parecia perturbado, confuso.
— Você não devia ter feito isso... Ah, o professor Dumbledore vai me matar! — enquanto ele parecia perdido em pensamentos, eu queria é dar um jeito de fugir, sumir do mapa, e nunca mais voltar. Eu não conseguiria encarar o homem que me acobertara e ajudara, pedindo em troca apenas segredo.
— E-eu... Me desculpe, não achei que fosse algo assim! Não irei contar a ninguém, prometo! — acho que essas eram as desculpas dele. Pareciam sinceras.
— Tom, é claro que era alguma coisa importante! Por que você acha que eu ia sair correndo de você e me esconder aqui!?
— Não sei, poderia ser um motivo bobo...
— Bobo! Ah, por favor! Não conte a ninguém!
Honestamente, eu não sabia o que fazer. Não sabia se deveria ficar braba com ele, se deveria ficar aliviada por não ser mais questionada, se era uma coisa boa ele ter descoberto porque agora eu teria com quem conversar... Depois de uns minutos de silêncio, ele me surpreendeu:
— Marisol, deve ser difícil perder sua família daquele jeito... Sinto muito... — ele estava me confortando. Eu tive que voltar no tempo e conhecer alguém para que fosse confortada. Até hoje, ninguém tinha me dito que entendia o quã difícil era pra mim e que sentia pela minha perda. Nem minha melhor amiga. — Eu não sei exatamente como deve ser, mas... posso imaginar. Faria o mesmo na sua situação. — aquele garoto foi o único que me entendeu. Que sabia que a minha motivação era plausível. Tom ergueu os olhos para mim, deixando transparecer a pena que sentia de mim. Então, como se fosse o normal a se fazer, ele se aproximou e me abraçou. E eu não pude lutar contra isso. Logo as lágrimas tomaram conta dos meus olhos, do meu rosto e do suéter dele. Eu o abracei forte enquanto o desespero tomava conta de mim, chacoalhando todo o meu corpo, enquanto ele balbucilava coisas e tentava me acalmar. — Por que nós não voltamos para o dormitório...?
Confesso que não vi muito do caminho, apenas tentava secar as lágrimas que vertiam dos meus olhos como se fosse uma nascente. Teria de me lembrar de agradecê-lo amanhã, porque esta noite seria reservada apenas para o meu choro. Quer dizer, se chegássemos à Sala Comunal. Quando chegamos nas escadas para as masmorras, alguém pigarreou. Era o professor Dumbledore.
— Srta. Foster, vejo que já compartilhou nosso segredo. — nos viramos, assustados. Eu sabia que o professor não ia gostar. Mas ele sorria maliciosamente, como se soubesse que eu acabaria contando a alguém. Só que eu não contei... — Espero que o Sr. Riddle consiga guardar um segredo melhor que você.
— Não! Professor, a culpa é minha! Eu a persegui e a fiz contar! Por favor, puna somente a mim! — Tom tentava se justificar, sem muito sucesso. Não acho que o professor fosse fazer alguma coisa, mas...
Se o professor Dumbledore o chamara de Sr. Riddle, e seu nome era Tom... Isso significava que... Merlim! Eu estava abraçada a Tom Riddle! Tom Riddle, o Lord Voldemort! Você-Sabe-Quem! O assassino dos meus pais!
O medo tomou conta de mim. Tudo o que consegui fazer foi me desvencilhar dele e recuar. Os dois me olhavam assustados, esperando que eu explicasse por que fizera aquilo. Quer dizer que o único que me entendeu, que soube me confortar, que se importou de verdade com o que eu sentia, era o real responsável por tudo. Isso era terrível!
— Srta. Foster, algum problema? — perguntou Dumbledore, no mesmo instante em que sua voz sussurava na minha mente “Não fale nada sobre o futuro.”
— Ahn.. N-não, eu... Eu só... Preciso ir dormir. — desci as escadas o mais rápido que pude, entrando no dormitório e me jogando na cama. Algumas garotas se mexeram, acordando com o barulho. Não liguei e fiquei ali, pensando.
Prometera a mim mesma que o mataria caso o encontrasse. Mas, agora que ele provou ser a única pessoa que parecia se importar comigo, o que eu faria com Tom Riddle? Pior: se ele descobrisse que seria o bruxo mais terrível que o Reino Unido conheceu, tornar-se-ia pior do que quem eu já conhecia? O medo tomou conta dos meus sonhos naquela noite.
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