Uma mente afetada

Uma mente afetada



Acordou com os pulsos amarrados nas costas com uma corda presa firmemente num cano de metal. Olhou para os lados, procurando uma maneira de se soltar, e teve uma horrível surpresa ao achar Giulia.

Ela estava pendurada pelos tornozelos a trinta metros de altura numa corda entre dois prédios. Suas mãos caíam amarradas embaixo da cabeça, e sua garganta estava coberta de sangue. Seus olhos tristes encontraram os de Lupin.

Depois de uma hora assim, ele sentiu novamente aquela sensação de que havia mais deles por perto, e viu dois vampiros aparecerem na esquina.

- Quem diria – sussurrou um deles – que esse lobisomem fosse tão fácil de se capturar. E a Sem-Coração também – lançou um olhar a Giulia. – Não se preocupe, lobo, vai ter bastante diversão com ela amanhã à noite.

- Só não garanto que sobrevivam – acrescentou o outro.

Eles desprenderam a corda do cano e um deles subiu no prédio com alguns saltos e cortou uma das pontas da corda onde Giulia estava presa. A vampira bateu de encontro à parede do outro prédio com um barulho de ossos se quebrando. Depois o vampiro cortou a outra ponta, ela caiu com um barulho de trituração.

- O chefe gostará – o vampiro que segurava Lupin murmurou –, sempre gosta.



As bullets rip the sky

Of ink with gold


(Como balas furam o céu

De tinta com ouro)




Foram arrastados para um prédio em um bairro próximo. Giulia mantinha toda a dignidade, a cabeça erguida.

- Sabe que sou muito forte para vocês – murmurou, em certo ponto do caminho.

- Veremos se é forte para o chefe. E trate de segurar a briga amanhã à noite.

Entraram numa casa senhorial, e foram levados à presença de um vampiro alto e magro, com olhos azuis e cabelo louro. Ele sorriu para a moça.

- Giulia, você se mete em problemas com a capacidade com que toma sangue. Não se preocupe, dessa vez só terá que passar pela arena. Pode terminar com isso rapidamente.

- Pensei que fosse ficar pendurada até amanhecer – respondeu, com a voz fria.

- Sabe que isso é para vampiros fracos, o que não é o seu caso. Afinal, alguém com frieza o suficiente para morder a própria sobrinha precisa receber um prêmio.

- Interessante a idéia que você faz de diversão, pessoas se atracando até a morte. Um pouco sórdido, Gregório.

Ele sorriu como quem diz que tudo é questão de gosto. Seus olhos brilharam na direção de Lupin.

- Levem os convidados para a sala de espera.



They twinkle as the

Boys play rock and roll


(Cintilam como os

Garotos tocam rock’n’roll)




Era uma sala com apenas uma porta e sem janelas, e eles esperaram amarrados em cantos opostos o dia todo. A lâmpada amarelada pendurada no teto balançava quando Giulia olhava fixamente para ela, provavelmente tentando não enlouquecer.

Lupin quase não falou, sentia que ela estava morrendo de sede, via em sua expressão. Entendera o que era a Arena, apenas um lugar onde ele ficaria com Giulia até um resolver matar o outro. Ela explicou aos sussurros que era mais utilizada para resolver questões entre os vampiros, uma espécie de desafio.

Quando a noite chegou, quatro vampiros os tiraram de lá e levaram para um picadeiro, um círculo cercado de grades numa sala redonda. À volta, alguns poucos integrantes do grupo de extermínio.

O chefe estava sentado no lugar mais próximo, com seus companheiros ao lado. Sorriu para Giulia e mandou desamarrá-los.

- Agora, escutem bem: aqui o sol não entra, então temos todo o tempo do mundo. Mas a lua cheia passa, e eu lhes aconselharia a fazer ainda hoje.

Perversos, porque sabem que são imunes a quase tudo.



They know they can’t dance

At least they know


(Eles sabem que não podem dançar

Pelo menos eles sabem…)




Lupin podia sentir que a lua estava prestes a aparecer, olhou nos olhos de Giulia. Sabia que, mais do que qualquer situação, com exceção apenas de uma, precisaria se controlar, já que não havia tomado sua poção.

Então a dor velha conhecida se espalhou pela sua espinha. Sua consciência desvaneceu e tudo passou a ser um ruído distante. Sentiu seu corpo mudar, ser rasgado, Giulia sempre o olhando.

- Bravo! – disse Gregório, o chefe. – Dê-me um espetáculo, minha boneca sem coração.

Sua voz soou agressiva para Lupin, como uma pancada. Giulia olhou discretamente para todos os lados, procurando uma saída. Sua voz também soou forte, ritmada e violenta.

- Você não me conhece, Gregório. Definitivamente não sabe nada sobre mim. Talvez queira aprender.

Remo queria que ela parasse de falar. Alguma coisa nele rosnou para a vampira de voz de trovão, querendo ir embora, custasse o que custasse.



I can’t stand the beats

I’m asking for the cheque


(Não posso suportar as batidas

Estou pedindo o cheque)




Alguns vampiros sorriram, a briga estava começando, mas Giulia virou as costas para o lobisomem, segurando nas grades e encarando Gregório. Ele pareceu desconcertado.

Era uma conversa, um falando para o outro dentro de sua mente. Ele gargalhou e balançou a cabeça negativamente.

- Você pediu – disse ela, virando-se para Lupin. – Estamos no mesmo barco, só temos uma chance.

Ele ouviu a voz dela dentro de sua mente, e sentiu que talvez pudesse se controlar por um segundo. Sem que ordenasse, um rosnado saiu de sua boca. Giulia chegou perto com calma, pegou as roupas rasgadas no chão e colocou debaixo do braço.

- O que pretende? – perguntou Gregório.

- Vencer o inimigo – respondeu, suavemente. – Porque nada é o que parece, nem mesmo você.

Tirou a varinha do meio das roupas e, com um gesto repentino, explodiu a porta, tostando a cara de alguns vampiros. A maioria deles fugiu, mas não o chefe.



The girl with crimson nails

Has Jesus round her neck


(A garota com unhas carmim

tem Jesus em volta do pescoço)




Gregório se levantou repentinamente, frustrado. A varinha na mão de Giulia soltava uma fumaça azul e espessa. Ela saiu da arena, logo alguns vampiros tentaram impedi-la.

Tudo o que ela fez foi abrir espaço para o lobisomem saltar no peito de um deles, mostrando os dentes, ameaçador.

Lupin estava irritado e atacava quem chegasse perto, e Giulia manteve uma boa distância. Gregório a encarou com raiva.

- Por que isso? Como isso? Você nunca foi uma bruxa!

- Mas Remo é um – ela sorriu.

- Você precisaria de um contato físico intenso com ele para ser capaz de lançar esse mísero feiticinho! O que você fez?

- Provavelmente um beijo serve a esse, e estive em contato com ele por umas 24 horas. Mas deu trabalho, gastei muita força. Sabe como sou forte, não sabe?

Giulia ficou parada entre a confusão, o lobisomem não se deixava dominar, os vampiros já não sabiam o que fazer.

- Vou indo, Grego, e não machuque Remo, ou vai me pagar. Aliás, vai me pagar por ter mexido comigo – ela deu as costas a ele sorrindo por ouvir os berros.

Deixando-se levar por tudo, gargalhou.



Swinging to the music

Swinging to the music


(Balançando com a música

Balançando com a música)




Na manhã seguinte, Remo voltou a si naquela mesma sala circular, sem lembrar o que havia acontecido. Viu a porta da arena explodida e a sua varinha caída no chão com o interior queimado, ainda soltava uma fumaça malcheirosa.

Lembrava-se de antes da lua aparecer, então tudo ficava envolto numa cortina de sombras. Pegou seu suéter rasgado a um canto e teve de se contentar em aparatar em sua casa, embora estivesse extremamente fraco.

Essa, aliás, era uma das razões dele não ter feito isso para sair de Greenwich, a proximidade da lua cheia.

Chegou em casa e vomitou biles, porque não havia nada no estômago para se pôr para fora. Reparou que sua carteira havia sumido, não tinha mais documentos. Sobre a mesa, várias cartas e duas corujas esperando pacientemente.

O pessoal da Ordem estava preocupado com seu sumiço, e a primeira providência que tomou foi escrever um bilhete dizendo que estava bem, sem maiores detalhes.

Comeu alguma coisa, sentindo-se melhor, depois caiu na cama e dormiu até meia hora antes do anoitecer, quando acordou com Giulia em pé ao lado da janela, os braços cruzados e um sorriso nos lábios vermelhos.



Hello hello

(Olá olá)



Ele levantou assustado, estava seminu, com as calças rasgadas e sem camisa.

- Calma aí – Giulia sussurrou. – Não vim te comer com os olhos, não se preocupe, vim devolver isso, e foi aí que achei seu endereço.

Ela mexeu no bolso da calça e estendeu uma carteira gasta.

- Então foi você quem pegou. Por quê?

- Porque não ia deixar isso lá para eles. E desculpe pela varinha, eu compro outra. Era o único jeito de fugir, e quase me fez desmaiar, já que estava fraca.

Lupin sentiu o mesmo arrepio bom de antes.

- Acho que você me salvou de novo – disse, levantando-se e indo para o armário.

- Que nada, nunca suportei os Grupos de Extermínio, dar-me-ia uma péssima reputação se me juntasse a eles. Alguém com o meu poder não pode desperdiçá-lo.

Ele abriu o armário e colocou uma camiseta qualquer, que estava velha e gasta. Virou-se e encarou aqueles olhos.

- O que está fazendo aí parada?

- Comendo você com os olhos. Posso continuar?

Lupin sorriu, foi até ela e a beijou.



I’m at a place called Vertigo

It’s everything I wish I didn’t know

But you give me something I can feel, feel


(Estou num lugar chamado Vertigem

É tudo que eu desejava não saber

Mas você me dá algo que posso sentir)




O beijo foi longo e bom. Quando Lupin se afastou, Giulia continuou respirando pesadamente.

- O que foi?

- Sabe – assumiu uma expressão descontraída –, não é minha culpa sentir sede, acontece com todos nós quando beijamos.

Lupin piscou.

- E daí o que fazem?

- Geralmente? Bebemos. Mas, se não é possível, agüentamos ao máximo, e então dizemos “Chega!”.

- Quanto tempo você agüenta até isso?

- Depende, às vezes dois beijos. O que realmente uma pena quando tem alguém como você por perto – deu de ombros, não havia nada que pudesse fazer a esse respeito. – Já vou indo.

- Até logo – ele sorriu.

Ela pulou pela janela e se perdeu pelo pôr-do-sol, na certa matando alguém: era sua idéia de folia. Em outra ocasião, explicou que podia suportar a luz quarenta e cinco minutos antes do anoitecer e meia hora depois do amanhecer, coisa de vampiro realmente poderoso.



Check mated

Hours of fun…


(Xeque-mate

Horas de diversão…)




Voltou algumas noites depois com dinheiro para Lupin comprar uma nova varinha e sua camiseta (lavada e dobrada). Ficaram conversando sobre várias coisas, o que levou a trabalho e, conseqüentemente, dinheiro.

- Você parece ter bastante dinheiro, Giulia. Como isso é possível, se você nem ao menos trabalha?

- Eu também não gasto, tudo o que entra, fica.

Lupin olhou em seus olhos incrivelmente, desumanamente, extraordinariamente violetas.

- Não sente falta da vida humana?

- Sinto falta apenas de algumas coisas… comer, beber vinho, tudo relacionado a isso, ficar bêbada de vez em quando seria muito interessante, sabe. Mas há outras vantagens nessa minha condição. Vantagens, aliás, que não se restringem a nós, e sim ao nosso círculo.

Ela o estava tentando para algo que não era nada bom, ele percebeu imediatamente.



All of this, all of this can be yours

All of this, all of this can be yours


(Tudo isso, tudo isso pode ser seu

Tudo isso, tudo isso pode ser seu)




- O que quer dizer? – perguntou, desconfiado.

- Você mesmo disse, eu tenho dinheiro. E também uma bela casa, posso comprar tudo o que há de mais moderno e continuar com bastante grana. Não é só disso que estou falando, você sabe.

Seus olhos passeavam pela casa pobre, a estante com livros e uma poltrona puída, com um ar etéreo, como se estivesse vendo além, possibilidades em cada objeto.

- Está tentando me comprar? – disse, cuidadosamente.

Ela olhou para ele, um pouco surpresa.

- Não! Remo, sério que passei essa impressão? Eu te adoro, você deve saber! Eu só tentaria te comprar se você pudesse ser comprado – levantou o olhar lentamente, com um sorriso quase sexual. – Você é um homem que pode ser comprado?

- Está realmente tentando me comprar.

Giulia sorriu suavemente, ele sabia o que passava pela mente da vampira, era o que ele mesmo pensava, mas com um certo horror:

All of this, all of this can be yours

Just give what I want and no-one gets hurt…


(Tudo isso, tudo isso pode ser seu

Apenas me dê o que eu quero e ninguém se machuca…)




- Estou tentando arranjar alguém para fazer um serviço meio sujo para mim, mas eu realmente já deveria saber que você é honesto demais para se envolver com uma coisa assim.

- Sinceramente não sei o que pensa que sou.

- Remo! Eu te adoro, você sabe! Não poderia deixar de adorar depois do que passamos juntos na mão daqueles trastes! Sua companhia é valiosa para mim, extremamente valiosa. Já me arrisquei demais a perdê-la, sei que sou inconseqüente – encarou-o com olhos sérios que pareciam nunca ter sido humanos.

Ele abaixou a cabeça, só para depois levantá-la com um orgulho enorme de sua honestidade, além de dignidade.

- É uma sensação terna que me faz bem – emendou Giulia –, não quero perdê-la como perdi outras coisas importantes para mim. Sei sinceramente que não devia fazer essa proposta a você, todavia tinha que fazê-la! Ah, vejo que vou ter que pensar em outra pessoa para fazer meu trabalho sujo!



Hello hello

We’re at a place called Vertigo


(Olá olá

Nós estamos num lugar chamado Vertigem)




- Faça você mesma.

- Eu? Não, é melhor que não esteja envolvida de forma alguma!

Ele riu.

- Você é cheia de esqueletos no armário.

- É, tenho alguns, mas ninguém tão importante. Nenhuma rainha ou rei. Hum, sangue azul.

Ele olhou para ela como que através de uma vidraça. Giulia não era somente o belo corpo, era também o demônio dentro. Sentiu um arrepio tomar conta de sua espinha, tinha uma péssima experiência com demônios encarnados.

- Acho que minha presença não é muito confortável para você, talvez eu deva ir.

- Oh, não, não é isso! São apenas lembranças de uma noite anos atrás. Não é nada com você.

Conversaram por mais algum tempo, mas ele sabia que ela tinha que ir embora logo.

- Tenho coisas a fazer – disse. – Sabe como é, meu trabalho sujo. Porém saiba que, para qualquer emergência que precisar, você tem uma amiga no submundo de Londres – lá fora estava escuro, tanto quando uma noite anos atrás.



Lights go down and all I know

Is that you give me something


(Luzes se apagam e tudo que sei

É que você me dá algo)




- Por Merlim! – gritou Olho-Tonto Moody. – Não dá nem para andar sozinho na rua sem cruzar com esses…!

- Ainda bem que se salvou – respondeu o senhor Weasley, sério.

- É, nem imagina como foi – disse Lupin. – Mas o importante é que estou bem, longe daquele lugar.

- Malditos vampiros – resmungou Sirius.

Estavam sentados na cozinha da sede do Ordem da Fênix. Problemas à parte, Moody e o senhor Weasley subiram para o andar de cima.

- Certo, quem te ajudou a escapar? – sussurrou Sirius, quando ficaram sozinhos.

- Como?

- Você não contou tudo. Disse só que o haviam atacado, mas sei que alguém te ajudou. Achou sinceramente que poderia esconder isso de mim?

Remo sorriu conformado.

- Você não presta. Se quer saber mesmo, foi uma vampira.

- Está sempre se metendo com demônios outra vez...

- Ela é minha amiga. - Sorriu, nunca esperara chamar uma vampira de amiga.



I can feel your love teaching me how

Your love is teaching me how, how to kneel


(Posso sentir seu amor me ensinando

Seu amor está me ensinando como, como se ajoelhar)

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