Três
Três
O clima era agradável, quase aconchegante; um pássaro negro estava acolhido num carvalho estrategicamente colocado na frente de um boteco de aspecto acabado e com o letreiro falhando, contudo ainda podia-se ler naquelas letras gastas o nome em albanês, que traduzido seria algo como Gárgula de Pedra.
Os olhos do pássaro acompanhavam todos os detalhes, todos os movimentos. A ave era lustrosa e estava cuidadosamente escondida por entre folhas escuras, suas asas, rente ao corpo, como se preparasse para atacar uma presa indefesa, as sombras tremulas pareciam curvar-se sobre ela, talvez reverenciando-a, talvez tentando tocá-la.
A lua despontava no horizonte, ainda era cedo, o poente era de uma beleza exótica e afrodisíaca, tons de sangue, púrpura, lilás e laranja pintavam o céu de outono com misturas e padrões extraordinários.
Apesar da bela paisagem tudo estava deserto, até parecia que o lugar era inabitado e não era visitado há anos, aos poucos, pessoas apareciam e contemplavam o espetáculo apresentado pela natureza. Talvez um bom observador percebesse a ave, e que ela tremia, provavelmente por estar na mesma posição há algum tempo e ter um olhar faminto.
Uma rajada fria e cortante de vento atravessou a rua, trazendo a tona a imagem de uma mulher bem vestida em um vestido vermelho de saia esvoaçante e a parte de cima colada ao corpo esbelto e bem feito da mulher.
Andava com graça e habilidade sendo similar a uma gata em seus passos ritmados e sutis em direção ao Gárgula de Pedra. Devia ter algo entre 25 e 27 anos, era de uma beleza estonteante, retendo olhares indiscretos por onde quer que passe.
Ela era loira e seu cabelo descia em cascatas claras pelos ombros, seus olhos eram de um azul tão frio quanto sua expressão e vasculhavam a área com um interesse inexplicável, a pele branca como porcelana reluzia e contrastava com seu vestido vermelho; Ainda do lado de fora retirou um cigarro e o ascendeu sem o menor toque, seu corpo delgado e seus movimentos já não lembravam um inocente gato, mas um tigre que está apto a caça.
A moça entrou no boteco abrindo a porta com um ruído ensurdecido de sinos de metal, por um instante todos os olhares se desviaram para ela parecendo pedaços de metal próximos a um ímã poderoso; mas, gradativamente, todos voltaram as suas atividades anteriores.
Desfilando por entre as mesas em gestos lentos e milimetricamente calculados a garota retirou o casaco e se sentou em uma mesa afastada da porta, observou todos os rostos que a acompanharam com os olhos e crispou os lábios de forma delicada.
Uma senhora se aproximou, deveria ter algo em torno dos 35 anos, vestia-se de maneira vulgar, com uma saia curta demais para ser apropriada, uma blusa colada que tentava esconder os primeiros indícios de uma gravidez, seu olhos eram fundos e seu cabelo estava meio preso, meio solto; a maquiagem, borrada, tinha um ar de feita as pressas, mas de toda forma ela mantinha um sorriso simpático no rosto sem esforço.
-O que vais pedir? – perguntou a senhora com a voz gasta.
A garota de vermelho pareceu se iluminar durante um instante e com um meio sorriso enigmático e belo respondeu:
-Dois uísques de fogo e... – parou durante alguns segundos reconsiderando o pedido e completou – Não... só isso mesmo, merci.
E esperou...
À medida que a noite adentrava o Gárgula de Pedra se tornava mais escuro as pessoas mudavam e o bar se tornava mais cheio, com tipos cada vez mais estranhos. A bela moça esperava pacientemente e passou a encarar os copos olhando cada gotícula de uísque nele contido.
A porta do bar abriu-se mais uma vez, e pela segunda vez todos os olhares se voltaram para a porta, mas não pelo beleza da pessoa que ali estava, apesar dele ser muito belo, e sim pela sensação de perigo que emanava de sua imagem.
O homem era moreno, com um corpo forte, ainda que não tivesse muito porte físico, seu cabelo era meticulosamente bagunçado, liso e curto, seus olhos escuros eram observadores e tinha um quê de superioridade, suas roupas negras lembravam estranhamente as plumas de um corvo.
O rapaz andou com passos firmes até a moça que ainda com o olhar no copo sentiu, mesmo que por meio segundo, seu coração falhar; fazia alguns anos desde a ultima vez que eles haviam se visto; com cuidado, ela levantou o olhar e pôs o pé na cadeira vazia a sua frente, deu um meio sorriso parecendo charmosa, linda e fatal; empurrou a cadeira na direção dele, fazendo-a deslizar sem ruídos pela madeira do chão parando devido ao fato de que o rapaz segurou a cadeira com apenas uma das mãos.
-Sente-se Tom. – falou a garota assim que o viu com uma mão na cadeira, com uma suavidade e segurança impressionante, soando poderosa e destemida. Sim, ela era fatal.
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