Capitulo IV
Capitulo IV
Um mês depois, Gina tinha atendido o celular para ouvir a voz profunda e aveludada que fez seu coração disparar:
- Ter e Não Ter.
- Ernest Hemingway - murmurou ela automaticamente, reprimindo uma perigosa onda de esperança.
- Estou lisonjeado, mas na verdade é Harry Potter - disse ele com seu típico jeito zombador.
- Eu sei quem é - replicou Gina friamente, o coração ainda batendo descompassado.
Colocar um cartão pessoal no bolso do paletó dele quando partira do hotel tinha sido um jogo que achara que perdera. Mesmo que Harry não o tivesse encontrado antes de ir para a América, sabia onde ela trabalhava, assim como seu sobrenome.
Gina olhou ao redor do escritório quase vazio e desejou um pouco mais de privacidade. Seus colegas de trabalho haviam comentado o fato de ela ter saído da festa com Harry e chegado atrasada no dia seguinte. Felizmente, nenhum deles realmente acreditara que a melindrosa Ginevra Weasley seria capaz de se entregar sexualmente numa primeira noite a um homem, e haviam perdido o interesse rapidamente ao ouvir que Harry deixara o país.
- Pensei que você tivesse esquecido de mim. - Como poderia, pensou Gina, quando a área da recepção da Enright estava repleta de pôsteres do último lançamento dele? Todas as manhãs, quando chegava ao trabalho, era cumprimentada por aquele sorriso sexy e por aqueles olhos verdes.
- Tenho uma memória excelente para coisas triviais - murmurou ela.
Ele ignorou a ofensa.
- Então, você deve lembrar que, embora Hemingway e Faulkner estejam incluídos nos créditos para o filme, muitos dos diálogos em Ter ou Não Ter foram, na verdade, improvisados durante as filmagens.
- O que mostra que mesmo grandes autores nem sempre acertam - devolveu ela, sentindo-se viva novamente pela primeira vez em um mês, mas não querendo demonstrar. - Por que você ligou, Harry?
Houve uma breve pausa, durante a qual ela o visualizou sorrindo com irresistível arrogância.
- Esqueci como se assobia - murmurou ele. - Pensei que você pudesse trazer seus lábios para me lembrar.
A esperança brotou no coração de Gina, mesmo enquanto tentava ser cuidadosa. Harry nunca se encaixaria no modelo de um amante convencional.
- Para Nova York? - Apesar de fingir indiferença na frente dos colegas de trabalho, ela lera os relatórios de imprensa sobre a viagem de Harry. A última vez que ele fora visto tinha sido numa famosa boate de Nova York.
- Estou de volta em Auckland... na cobertura. -Gina fechou os olhos para reprimir as lembranças que as palavras invocavam.
- E, obviamente, sem nada para fazer - acrescentou ela, cautelosamente.
- Tenho muito que fazer. Apenas preferia fazer com você - disse ele em tom sedutor. - Fui convidado para uma festa esta noite e gostaria que você me acompanhasse.
"Sim!" Ele não a estava chamando somente para um rápido encontro.
- E depois, podemos voltar para cá... -Os mamilos de Gina ficaram rijos.
- Deixe-me adivinhar. Você tem o DVD do Ter ou Não Ter para assistirmos.
- Isso, também, é claro - respondeu ele, e então acrescentou: - Embora, tradicional como sou, eu ia sugerir Casablanca.
Provavelmente. Romântico, mas terminando com uma amarga separação, combinava mais com a natureza cínica de Harry do que um final otimista do herói e da heroína de Ter ou Não Ter.
- Contanto que você entenda que não posso passar a noite... Preciso começar a trabalhar cedo amanhã - ela avisou propositalmente. Não arriscaria experimentar a estranheza da manhã seguinte com Harry. -Afinal, não queremos transformar isso em algo que não é...
Houve um instante de silêncio.
- Você é ótima para cortar minhas frases no momento certo, não é? De acordo. - A voz dele se aprofundou, fazendo-a tremer: - Só terei de me certificar de que faremos tudo antes de a Cinderela partir.
E tudo fizeram. Durante dois anos o relacionamento fora ardente e apaixonante, mas sem que nenhum dos dois admitisse qualquer vulnerabilidade. Teriam ficado tão ocupados se protegendo que bloquearam qualquer chance de construir um envolvimento verdadeiro?
Gina meneou a cabeça enquanto olhava para a figura solitária no terraço. Aquela imobilidade era tão característica de Harry, a vigilância de um homem que constantemente se guardava do mundo. Ele nunca falava de sua infância, exceto em termos vagos, mas, certamente, havia algo no passado que o fizera perder a habilidade de confiar... particularmente nas mulheres.
Eles ficaram parados ali, se entreolhando, separados por mais do que o espaço físico... Harry ocupando em seu pedestal solitário, Gina com os pés firmes no mundo comum que ele deixara para trás.
Num impulso, ela ergueu uma das mãos e acenou. Por um momento, pensou ter visto uma das mãos dele se mover para acenar de volta, mas então Hermione saiu no terraço e tocou-o de leve no braço. Ele virou-se para aceitar a xícara que ela lhe oferecia, passou o outro braço ao redor do ombro da mulher e os dois entraram na casa.
Pelo menos, eles não estavam tomando café-da-manhã na cama, pensou Gina, baixando a mão para o abdome, num gesto protetor.
- Está tudo bem, meu amorzinho - sussurrou para o bebê no ventre. - Não vou deixar que essa bruxa má mantenha seu pai preso numa torre de marfim.
O chá de Gina tinha esfriado, e estava jogando-o na areia quando notou o que estava acontecendo com seu café-da-manhã abandonado.
- Ei!
Ela voltou para perto da casa e viu a tigela de iogurte com frutas bater na lateral do degrau e quebrar-se em uma pedra ao redor do jardim.
- Olhe o que você fez! - ralhou com o cachorro mais feio que já vira na vida. Parecia uma mistura de afgahn com um poodle gigante, com os pêlos eriçados, um corpo magro e longo, e um ridículo rabo que se curvava para as costas. Cheirava a algas e lã molhada. - Dê-me isso - disse, puxando a colher da boca do animal, e fazendo uma careta de nojo quando uma baba veio junto.
Podia jurar que o cão sorriu antes de começar a estraçalhar a porcelana chinesa, batendo a tigela contra a pedra.
- Não faça isso, você vai cortar a língua! - exclamou Gina, empurrando o cão cinza. O cachorro balançou para o lado, e ela ficou horrorizada ao ver que tinha somente três patas.
- Oh, pobrezinho - murmurou, pegando a tigela quebrada e tocando uma das orelhas do cachorro. Ele respondeu com um salto alegre, mostrando-lhe que estava adaptado à sua deficiência.
Gina perguntou-se se ele estaria perdido, então viu um colar preto em volta do pescoço, escondido sob o excesso de pêlos.
- Venha aqui e vamos ver quem você é - disse ela, mas quando tentou pegá-lo, o cachorro fugiu para um canto da casa, e Gina se lembrou dos ratos.
- Será que você está disponível para um trabalho de assassino? - perguntou, sabendo que seu coração terno não permitiria que nem mesmo um rato tivesse uma morte desumana.
Mas o visitante de três patas revelou desinteresse pelo trabalho quando, dando um latido agudo, partiu para investigar o barulho das gaivotas na praia.
Após recolher os cacos da porcelana chinesa em um jornal, e anotar o dano causado para o corretor de imóveis, Gina acabou de desempacotar sua bagagem, antes de decidir que o sol estava alto o bastante para que pudesse apreciá-lo.
Vestiu seu biquíni novo, reduzido em termos de tamanho, mas de um tom vibrante de roxo, que a vendedora lhe garantira que faria cabeças se virarem para olhá-la. Uma em particular, Gina esperava. Uma vez que havia uma leve brisa, colocou uma saída de praia transparente, que custara ainda mais caro que o exorbitante biquíni.
Pegando uma cadeira dobrável de praia, Gina foi para o gramado dos fundos e posicionou-a de frente para os raios de sol, enquanto se certificava que estava bem visível para as janelas vizinhas. Tinha, em princípio pensado em ir para a praia, mas decidiu que ficaria mais à vista naquela parte da casa.
Equipada com uma garrafa d'água, protetor solar, um livro e alguns biscoitos, estendeu a toalha de praia sobre o colchão de plástico da cadeira, colocou os óculos escuros e um chapéu de palha e sentou-se, recostando-se preguiçosamente. Então, pegou o livro do chão e abriu-o sobre os quadris.
Gostaria de ler um dos livros sobre gravidez que escondera no fundo da mala, mas isso a denunciaria, mesmo para um homem insensível que provavelmente, naquele momento, estava muito ocupado conquistando uma morena.
Gina abriu o livro.
Tinha lido o primeiro romance de Harry Potter mais de uma vez, mas então o lera por prazer... e orgulho. Agora, o leria para pesquisa. Todos os autores colocavam algo de si mesmos nos livros. Em algum lugar naquelas páginas, havia traços do homem que estava tentando entender. Talvez a pesquisadora em seu interior pudesse absorver alguns aspectos da personalidade dele.
Caso contrário, bem... sabia que seria uma ótima leitura, na qual Mac era um bom homem, que destruía um negócio sujo de diamantes, enquanto perdia sua namorada rebelde para a traição e tortura.
Subtexto psicológico: não era seguro confiar nas mulheres.
No começo, Gina sentiu-se desconfortavelmente ciente de sua exposição naquele lugar, mas aos poucos ficou tão envolvida pelo romance, já tão familiar, que se esqueceu de seus motivos para ficar ao sol naquele lugar.
No momento em que suas pernas começaram a formigar, levantou-se e reclinou a cadeira completamente, de modo que pudesse se deitar de bruços, posicionando o livro na grama, e apoiando o queixo nas mãos. Lendo naquela posição confortável, relaxou tanto que acabou adormecendo.
Foi despertada por uma sombra na parte superior de seu corpo, e ergueu a cabeça para sorrir para seu visitante.
O sorriso desapareceu quando viu a figura raiva de aproximadamente 30 anos parada ali.
- Olá - murmurou Gina, ajeitando os óculos escuros no nariz e sentando-se. -Nós não fomos apresentadas, certo? Sou Ginevra Weasley.
Ela estendeu a mão educadamente.
- Hermione Granger - veio a resposta seca, e Gina sentiu-se aliviada. Pelo menos, não era Hermione Potter.
Os olhos verdes da mulher brilharam quando ela rudemente ignorou a mão estendida.
- Não sei o que você pensa que está fazendo aqui, mas por que não vai embora e o deixa em paz?
- Perdão? - disse Gina atônita.
- Ele não quer que você o siga. Veio para Oyster Beach para fugir de pessoas como você, que não podem entender as necessidades de Harry. Por que não lhe dá algum espaço?
- Deixe-me adivinhar. Você e Harry são graduados na mesma escola de etiquetas? - devolveu Gina secamente.
Hermione usava uma blusa de seda curta, marcando os seios volumosos, e uma calça branca baixa na cintura, que mostrava o umbigo, onde brilhava um pequeno piercing de diamante.
A idéia de umbigo a fez pensar em seu bebê, e cruzou os braços sobre o estômago. Pelos seus cálculos, não estava nem com dois meses de gravidez, e os livros diziam que demoraria mais dois até que pudesse ser percebida, mas mesmo agora queria proteger seu filho, ou filha, de experiências negativas dentro do útero.
- Harry e eu nos conhecemos desde antes de você estar por perto - disse-lhe a outra mulher com um sorriso falso. - Ele me contou sobre você, mas aposto que não tem idéia do que Harry e eu somos um para o outro.
Gina sentiu a ira dominá-la. Por outro lado, talvez fosse bom usar um pouco do espírito de luta de sua mãe.
- O que você é: a amante ou a musa de Harry? -perguntou. - Porque sei que não pode ser as duas coisas. Harry não confia o bastante nas mulheres para permitir que qualquer uma delas domine mais de um departamento de sua vida.
- Você não o conhece tão bem quanto pensa - veio a resposta desdenhosa. - Pode achar que é especial, mas não é realmente diferente de qualquer uma das fãs dele. Você gosta de aparecer com um escritor famoso e ajudá-lo a gastar dinheiro, mas não tem idéia do que é necessário para que ele crie os livros. Por que não pára de distraí-lo e o deixa escrever em paz?
- Enquanto você lhe serve xícaras de café e limpa o suor das sobrancelhas dele? - provocou Gina, observando os olhos verdes brilharem de raiva. -Eu o estou distraindo? - acrescentou inocentemente. - Só estou aqui há um dia. Se sou uma distração, por que você não é?
Hermione olhou para as próprias unhas pintadas de vermelho.
- Vamos apenas dizer que Harry tem uma necessidade particular que só eu posso satisfazer. E nos mantemos extremamente satisfeitos entre os lençóis...
Gina cerrou os punhos sobre o colo.
- Vamos tentar ser discretas e respeitar os sentimentos de cada uma, não criando uma cena em público. - Sua voz calma soou um pouco mais alta. Estava acostumada a ser mediadora em discussões, não a instigar. Confronto não era seu estilo, mas tinha testemunhado desde criança como isso funcionava. - Caso contrário, posso ficar tentada a dizer que você é uma prostituta sofisticada que pensa que tem o direito de destratar as pessoas para conseguir o que deseja. Suas táticas vergonhosas não vão me fazer fugir humilhada. Pergunto-me se Harry sabe que você veio aqui tentar me expulsar da vida dele.
A morena ficou visivelmente tensa e começou a se virar, falando por sobre o ombro:
- Suponho que você vai correndo contar para ele!
- Harry sabe? - insistiu Gina. Hermione se virou de novo.
- Ele foi vítima de uma "caçadora de fortunas" antes, você sabe. Ela lhe escreveu centenas de cartas... Uma mulher patética que achou que cinco minutos de conversa e o autógrafo de Harry Potter num panfleto significava que eram almas gêmeas.
Gina não sabia disso.
- Que trágico! Nunca enviei nem mesmo um cartão-postal a Harry, mas se eu tiver uma vontade irresistível de comprar selos em grande quantidade, me certificarei de fazer o mesmo. Agora, se não se importa de se retirar, estou tentando me bronzear.
- Você...
- Hermione?
A mulher mais velha se virou e viu Harry rodeando a cerca viva. Ela imediatamente começou a andar em direção à casa em que estava hospedada, passando por ele, enquanto os dois trocavam um breve olhar.
Gina bebeu um gole d'água e levantou-se enquanto Harry se aproximava e parava perto da espreguiçadeira. Usava calça jeans desbotada, botas e uma camisa com as mangas enroladas, e estava lindo como sempre.
Ela tirou os óculos para encará-lo.
- Da próxima vez, faça seu próprio trabalho sujo.
- Perdão?
- Ou você a enviou aqui ou mandou-a ficar longe de mim - acusou Gina.
A expressão de Harry era mal-humorada quando perguntou:
- O que ela lhe disse? -Gina sorriu.
- Que você é fantástico na cama, mas, uma vez que eu já sabia disso, a conversa não foi muito longe.
Um traço de desconforto brilhou nos olhos verdes.
- Gina...
Ela não queria a pena ou o remorso dele.
- Oh, não faça drama. Sinta-se grato por saber que não sou neurótica, ou não teria deixado sua namorada tagarela se aproximar de mim. Meu pai está vadiando no Pacífico porque não suportava a responsabilidade de um relacionamento comigo. Não se preocupe, pois não sou do tipo que corta os pulsos porque um homem que respeito é egoísta e covarde...
Harry empalideceu, os olhos furiosos.
- Nunca mais diga isso! - Ele agarrou-lhe os braços e sacudiu-a para silenciá-la. - Ouça, se Hermione foi longe demais, sinto muito. Ela... achou que estava ajudando.
- Ajudando-a a se aproximar de você - provocou Gina, desvencilhando o braço de suas mãos.
Harry pareceu preocupado quando a observou massagear o braço que ele apertara. O que tornava seu comportamento tão contraditório? Por um momento, vira uma forte emoção nos olhos de Harry, e pela primeira vez pensou que talvez aquelas férias seriam mais dolorosas para ele do que para si própria.
Em meio ao seu próprio conflito, Gina sentiu uma vontade quase irresistível de fazê-lo sorrir, de apagar o sofrimento que via naqueles olhos verdes.
- E pensar que vim para Oyster Beach para descansar - murmurou ela. - Quem diria que esta praia se tornaria um lugar de paixão e intrigas? Inspiração deve segui-lo a cada passo. Ainda bem que está com suas melhores botas de trabalho.
Harry olhou para os pés, o que, infelizmente, o fez ver o livro que Gina estava lendo. Um dos sete livros que Harry Potter escrevera nos últimos seis anos.
Ele sorriu, então inclinou-se para pegar o volume, e franziu o cenho quando o virou para ver o código de classificação na contracapa.
- Você pegou isso em uma biblioteca!
- Não fale isso como se fosse um palavrão. Bibliotecas são maravilhosas. São uma das fundações da civilização...
- Pensei que você tivesse dito que tinha todos os meus livros - ele a interrompeu, olhando para sua própria imagem na capa. - Você trabalha para o editor, pelo amor de Deus. E poderia ter me pedido se quisesse um exemplar! O que aconteceu com o seu volume?
Harry parecia tão irritado que ela não ia lhe contar que os livros que tinha de Harry Potter eram preciosos demais para que arriscasse levá-los à praia. Era melhor perder ou danificar um volume da biblioteca do que suas primeiras edições, todas com a assinatura dele na primeira página, graças ao hábito de Marcus de pedir que os autores autografassem uma dúzia de cópias para serem distribuídas no escritório.
- Não vale a pena guardar os primeiros romances. São muito decepcionantes quando comparados ao último do autor, com técnicas de trabalho mais refinadas - murmurou ela.
Por um momento, pensou que ele acreditaria naquilo. Pelo menos, a cor voltara ao rosto de Harry.
- Gina, você nunca reclamou de minha falta de refinamento - disse ele, devolvendo-lhe o livro. - Jamais comentou que achava minhas habilidades técnicas decepcionantes.
- Sei como os artistas são sensíveis às críticas -murmurou ela, fazendo-o rir dessa vez.
Ambos sabiam que o ego profissional de Harry era imperturbável. Ele não fazia segredo do fato de que começara a trabalhar aos 18 anos com o propósito de economizar dinheiro para viajar. Fizera diversas viagens de navio, parando de porto em porto para arranjar empregos pouco recomendados, vivendo e trabalhando em ambientes perigosos porque eles sempre pagavam melhor. Curioso e observador, tinha escrito diários durante suas viagens, usando-os como base para seu primeiro romance. Depois da publicação, continuara escrevendo, porque descobrira o significado de sua vida. Possuía um talento natural para tocar a imaginação popular de milhões de pessoas de todas as culturas, um dom instintivo para as palavras que podia fazer homens adultos chorarem e mulheres gritarem.
- Se este é um livro de biblioteca, você deve voltar para Auckland em breve. - Ele a olhou de cima a baixo, mas para tristeza de Gina não pareceu notar o bonito biquíni.
- Sabendo o quanto você se parece com sua mãe quando se trata de regras, não a imagino correndo o risco de pagar uma multa por devolver o livro com atraso, então, talvez não planeje ficar um mês aqui, afinal - disse ele com a lógica de uma mente criativa. - Talvez espere conseguir realizar rapidamente o que veio fazer e voltar para a cidade a tempo de devolver o livro.
Gina poderia ter-lhe dito que tinha preocupações muito mais sérias do que entregar um livro com atraso na biblioteca.
- Isso é um pouco de exagero, mesmo para você, não acha? O empréstimo é por três semanas, e você pode renová-lo duas vezes por telefone ou por e-mail.
- Você não tem uma linha telefônica na casa, e muito menos Internet, e o sinal do celular é difícil por aqui. Você não é do tipo que corre riscos. Não, deve haver algum motivo...
- Pelo amor de Deus, Harry, não estamos no meio do deserto - Gina o interrompeu, exasperada, sem saber se ele falava sério ou tentava distraí-la. Com o senso de humor irônico de Harry, às vezes era difícil perceber sua intenção. - Eu poderia ir até a porta ao lado e pedir para usar o seu computador. E não me diga que não tem um, porque manda seus manuscritos e revisões por e-mail.
Ele cruzou os braços sobre o peito, parecendo pensar na sugestão.
- Sim, você poderia. Talvez essa seja a idéia: acesso ao meu computador. Eu disse a Draco que havia uma boa razão pelo atraso dos primeiros capítulos. Ele sabe que entregarei as provas. Já está entrando em pânico porque eu não respondo aos e-mails dele. Pediu a você que lhe fizesse um favor pessoal? - Harry suspirou. - Ameaçou seu emprego se você não descobrisse o que está acontecendo com a nova sinopse e porque ainda não enviei nenhum material? Porque, se Draco fez isso, telefone-lhe e diga-lhe que ele violou o nosso acordo de confiabilidade e que pode se despedir de meus livros para sempre.
- Que vergonha! E vocês dois têm sido amigos tão leais durante todos esses anos, e fizeram tanto sucesso juntos. Você está preso à Enright Mídia, mesmo que tenha sido cortejado por todos os grandes editores - disse Gina, fingindo compaixão na voz. - Parece que não pode confiar em ninguém ultimamente, Harry - acrescentou de modo significativo. - Oh, eu me esqueci... você nunca confia em ninguém, de qualquer forma. Deve achar que é bom ter uma prova que sua falta de fé em seus amigos foi justificada.
- Eu não provei nada - replicou ele na defensiva. Gina sorriu.
- Só por curiosidade, por que você não mandou nenhum material para Marcus ainda?
Harry retesou-se por um momento, então encolheu os ombros, passando as mãos pelos cabelos.
- Que coisa, Ginevra, por que não insiste mais nisso?
- Obrigada, eu insistirei. - Ela percebeu a chance de se vingar. - Se realmente acredita que Draco me apresentou para você naquela festa dois anos atrás como parte de um futuro plano de traição, posso ser uma espiã.
- Não acho que espiãs tomem sol enquanto trabalham, e, certamente, não em biquínis roxos - murmurou ele, mostrando que não estava tão distraído quanto ela pensava. - Espiões são criaturas muito solitárias, com fortes apetites...
- Isso me soa familiar. Talvez você seja o espião - sugeriu Gina.
- Com a missão de trair a mim mesmo? - Ele deu um sorriso irônico. - Se você não é espiã, diminuímos sua lista de possíveis motivos para estar aqui. O processo de eliminação acabará nos levando à verdade.
- Você não pode lidar com a verdade! -A conotação zangada de Alguns Homens Bons saiu da boca de Gina antes que pudesse detê-la.
- Este filme não está em cartaz tempo bastante para ser considerado um clássico, Gina, mas Jack Nicholson fez o papel do coronel Jessep. E ele estava errado, não estava? Porque as pessoas estão constantemente tendo de ajustar suas novas verdades reveladas... Isso chama-se viver.
- Algumas pessoas estão muito ocupadas desconfiando dos amigos ou procurando morenas debaixo da cama para viverem em plenitude - disse ela, de repente se sentindo à beira das lágrimas. Não iria lhe contar sobre o bebê num acesso de raiva fruto da falta de compreensão de Harry. - Ou, no seu caso, talvez eu deva dizer morenas na cama!
Gina virou-se a fim de voltar para casa, mas ele segurou-lhe o braço.
- Hermione é uma editora free-lance.
Gina parou ao ouvir aquela revelação, mas não se virou. Após um momento, ele falou de novo, o tom de voz relutante:
- Ela trabalhou em quase todos os meus livros. Pago para ela ler os manuscritos e rever a gramática antes de enviá-los. Por que você acha que meus manuscritos estão tão corretos quando chegam à Enright?
Gina se virou devagar. Ouvira dizer que ele raramente requeria revisão gramatical.
- Mas o departamento editorial geralmente não faz todas essas coisas?
Ele balançou os ombros.
-Não conheço os empregados de Draco. Não gosto que pessoas estranhas assumam essa tarefa e façam mudanças. Mas tive de mudar esse conceito depois do pesadelo que vivi durante a edição de meu primeiro livro. Tenho uma leve dislexia e nunca prestei muita atenção ao inglês formal na escola, portanto, são dois pontos contra mim. Pontos que não interessam aos outros.
Um pensamento passou pela cabeça de Gina. É claro. Aquele era um Harry Potter que ela conhecia muito bem. Faria tudo que pudesse para minimizar a exposição de suas fraquezas. Tudo se tratava de controle.
- Mas você deixa Hermione conhecer seus pontos fracos - ela comentou, corroída por um ciúme que era mais do que físico.
- Nós fazemos a revisão do livro juntos. Ela corrige a gramática e dá palpites no texto, mas deixa a interpretação final para mim.
- Draco sabe disso?
- Ele não precisa saber. - Harry deu de ombros. - Draco não se importa com o processo, desde que eu lhe entregue um livro vendável no final.
Gina o olhou. Não devia estar tão surpresa. Afinal, ele conduzia sua vida inteira naquelas bases.
Ele apertou mais o braço dela, mal interpretando seu olhar fixo.
- Suponho que agora você está se perguntando se ela é mais uma escritora fantasma do que uma editora.
Isso nunca lhe ocorrera, pensou Gina. Conhecendo Harry, apostava que Hermione tinha uma grande batalha nas mãos com cada vírgula que alterava.
- Na verdade, eu estava me perguntando há quanto tempo vocês estão juntos.
- Nós não estamos juntos - negou ele imediatamente. - Envio-lhe capítulos do livro para ler e ela vem aqui para trabalhar comigo na edição, o que nunca leva mais do que alguns dias.
- Ela o chama de "querido".
- Ela chama todo mundo de "querido". - Harry cerrou os dentes. - Hermione e eu nunca dormimos juntos.
- Mas ela, obviamente, gostaria - murmurou Gina. -Muitas mulheres querem dormir comigo. Isso não significa que acontece.
- Por que não? O que o impede?
- Pelo amor de Deus, Gina. Não estou interessado, e Hermione sabe disso. Aquilo foi tudo representação! Ela tem um contrato comigo e não quis arriscá-lo. Além disso, Hermione é casada.
- Isso não é barreira hoje em dia. Ele a olhou seriamente.
- Para mim, é.
Gina tinha de concordar. Muita complicação para Harry Potter.
- E se ela pedisse o divórcio?
-Não estou dormindo com Hermione, Gina, nem mesmo para justificar seu ciúme. - Ele era tão presunçoso!
- Não estou com ciúme. - Gina desvencilhou-se, virou-se e andou rapidamente para a casa, onde trancou a porta, demonstrando que não queria ser seguida.
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