Capitulo V



CAPÍTULO V


 


— Para trás! — O alerta de Gina foi bem audível, apesar da distância entre ela e Harry.


Tinha soado sério, a ponto de Harry desmontar do cavalo e avançar com cautela até a clareira em que a havia deixado, com ordens estritas para que descansasse, comesse algo e não se aventurasse sozinha na floresta.


— Acredite, sei usar isto!


Em qual risco ela incorrera? Ele apertou o passo, inquieto. Felizmente, o orvalho matinal impedia que as folhas caídas estalassem, denunciando sua aproximação. Não devia tê-la deixado sozinha. Avançou pelo terreno úmido e, escondido atrás de um tronco, deparou com ela a empunhar firmemente uma pistola, apontada para um desconhecido, de barba. Por certo, um saqueador de estrada.


A égua Missy pateava nervosamente na pequena clareira. A cesta de alimentos tinha sido removida das costas do animal. Como o assaltante pudera pensar que não enfrentaria a reação armada de Gina? Ela teria sofrido algum ferimento durante o roubo? Não, graças a Deus, a roupa que ela usava não evidenciava nenhum tipo de luta corporal.


Temendo distraí-la, caso entrasse na clareira pelo ângulo errado, ele percorreu em círculo ao redor do descampado.


A intervalos, espiava ambos, certificando-se de que suas passadas não piorariam a situação.


— Só queria me divertir — disse o ladrão barbado. — Qualquer mulher de calça justa, como a senhorita, deve ser boa parceira.


— Não estou interessada em seu tipo de esporte — Gina falou, elevando a arma de fogo quando o homem deu um passo em sua direção. Passou a suar, embora o tempo não estivesse quente.


O ladrão estreitou os olhos e ensaiou aproximar-se mais.


— Impossível saber sem experimentar — disse, com um riso maldoso, julgando que ela não ousaria disparar a pistola contra uma pessoa.


— Quer experimentar minha pontaria? — A voz dela soou trêmula, pois parecia que não havia alternativa, senão apertar o gatilho. — Para trás, eu disse!


A calça de Gina, molhada nas barras, realmente realçava seu corpo bonito. Com a boca seca, Harry desviou a vista. Não era de admirar que o assaltante se interessasse mais por ela do que pelos produtos furtados. Havia soltado os cabelos e mostrava-se particularmente bonita à claridade da manhã. O traje de homem, na opinião de Harry, era mais um convite do que um disfarce. Ele precisava lembrar-se de pedir a ela que trocasse de roupa. Também precisava salvá-la do ladrão, para não acrescentar outro fracasso a seu rol.


O intruso quase babava diante da visão deslumbrante que tinha, certamente rara em sua vida. Permaneceu estudando a figura de Gina, enquanto Harry se colocava atrás dele, protegido por um arbusto, pronto para saltar sobre o inimigo, caso este insistisse em avançar. Rezou para que ela não o atingisse por engano com um tiro, na hora em que surgisse na clareira.


— Não pense que não vou disparar! — ela falou em tom alto, brandindo a pistola. — Já atirei com esta arma num homem de quem eu gostava. Imagine o que faria com alguém como você.                                         


A brisa levou a fragrância de Gina às narinas de Harry. Gengibre e camomila, combinados, aumentaram a disposição de agir. Quando o ladrão correu na direção dela, Harry saiu de trás do arbusto, imobilizou o homem pelo pescoço, e os dois foram ao chão enlameado. Ela gritou de novo. Segurando os braços do sujeito atrás das costas, Harry o dominou sem maior dificuldade, pois era magro e fraco.


          Nervosa, com as faces vermelhas, Gina baixou a pistola, mas não a guardou.


          — Estava pensando em disparar contra nós dois? — quis saber Harry.


          — Claro que não. Apenas fiquei assustada com sua aparição. Assustada, mas agradecida.


          A situação estava sob controle, porém a ansiedade tinha roubado parte da formosura de Gina. Ele não gostara de vê-la com medo, trémula. Pudera! Contrariamente ao acordo, ela havia desrespeitado suas instruções.


          — Por que não manteve a palavra e ficou onde a deixei? — ele perguntou, olhando para cima.


          — Desci até o riacho para me lavar — ela explicou, sem arrependimento.


           Ele a examinou de perto. A camisa voltara a abrir-se nos primeiros botões, exibindo o vão dos seios. A calça apertada nos quadris representava uma tentação até para um santo.


            Caso não mudasse de roupa, seria desaconselhável que o acompanhasse a qualquer taverna ou empório do caminho. Os alimentos e bebidas contidos no cesto não durariam mais que dois dias. Quanto antes vestisse uma saia rodada e uma blusa discreta, melhor.


            Harry continuava segurando o ladrão, jogado de bruços com o rosto na lama. Ele se debateu um pouco, por incapacidade de respirar. Harry aliviou a pressão, mas abordou Gina com um refrão já conhecido:


            — Se não obedecer minhas ordens, eu a levarei de volta a Brookline.


            — Menos implicância, Harry. Andei uns doze passos até o riacho, o que não infringe o nosso acordo. E fiquei atenta, como você mandou. — Nem tanto — ele falou, voltando a comprimir o corpo do ladrão.


            Gina trocou a pistola de mão e calou-se por um minuto, a intenção de não estimular uma discussão em lugar e momento impróprios. O medo e a ansiedade haviam passado completamente, graças à presença de Harry. Por isso, não ousou desafiá-lo.


         — Bem, lembrando outro ponto do nosso acordo — ele continuou —, eu a coloquei sob minha proteção desde a saída do estábulo dos Weasley. Quero ver se aprendeu a lição. Procure meu cavalo, que está solto por aí, e troque de roupa.


         — O que vamos fazer com... — Ela apontou o assaltante rendido.


         — Uma coisa por vez. Dê-me a pistola e vá.


Havia sido penoso, para ambos, ouvir as pretensões do ladrão, disposto a abusar de Gina. Merecia ser espancado ou até morto a tiros, em legítima defesa. Mas, antes de qualquer decisão, Harry preferiu passar-lhe um sermão:


         — Essa mulher não é para o seu bico! É uma jovem dama de Boston, que viaja a cavalo sob minha proteção. Mexer com ela é o mesmo que mexer comigo!


         — Não parece uma dama — disse o homem com ousadia, cuspindo barro.


         — Eu deveria levá-lo até a primeira delegacia policial que encontrássemos — Harry falou, antes de soltar os pulsos do ladrão e usar as mãos para revistá-lo, em busca de alguma arma escondida.


         — Sozinha com um homem na estrada... O que pensam disso os pais dela?


         — Talvez fosse melhor abatê-lo com um tiro e acabar com sua empáfia! — Harry ameaçou, admitindo que o outro era mais inteligente do que fazia supor sua aparência.


          A última coisa que desejava era envolver-se com autoridades policiais, que crivariam Gina de perguntas e, provavelmente, a devolveriam aos pais em Boston. De qualquer modo, ele precisava resolver o que fazer com aquele assaltante debochado, pois ainda havia um longo percurso pela frente.


De súbito, o grito de Gina e o relinchar de um cavalo adiaram a decisão. O que estava acontecendo agora? Tão logo Harry ergueu-se e olhou na direção do som, o ladrão deu uma gargalhada e fugiu correndo para o interior da floresta. Casualmente, ele já cogitava de soltar o homem.


Apressou-se rumo ao lugar onde havia deixado o cavalo preto. Gina estava lá. De costas para ele, parecia ilesa. Correu para abraçá-la, enterrando o rosto dela em seu ombro enquanto lhe afagava os cabelos.


— Saltou do meio dos arbustos e os animais que pastavam se assustaram mais do que eu — ela informou, tentando iludi-lo quanto à sua coragem.


Ele espiou e identificou o problema.


— É apenas um coelho. Está tudo bem.


— Pensei que eu fosse forte, para poder ajudar minha avó doente. Mas gritei de pavor por causa de um simples coelho...


Harry sorriu, complacente, e entendeu que não era hora de criticá-la. Gina suspirou enquanto o tremor das pernas passava.


— É forte, sim, mas está cansada e sofreu um susto. — Ele recuou o bastante para colher o belo rosto entre as mãos. — Dois, aliás. Não admira que ficasse tremendo. Vamos apanhar os cavalos e nossos pertences. Depois que você trocar de roupa e se alimentar, retomaremos a viagem.


— E aquele homem horroroso?


— Fugiu. Na verdade, eu o deixei partir. Já não nos causará problemas, depois de saber com quem estava lidando.


Gina avaliou que Harry não se referia somente a si próprio, mas a ela também, reconhecendo seu destemor e rapidez de raciocínio. Não era mentira que ela sabia manejar uma pistola. Havia aprendido a atirar com os caçadores, amigos de seu pai, que às vezes a levavam em incursões na mata.


Ao deslizar as mãos pelo corpo de Gina, Harry voltou a pensar em escoltá-la até a casa dos pais, antes que algo realmente grave ocorresse. Sabia, no entanto, que não conseguiria fazê-lo. Não se insistisse em contemplar o rosto dela, em sentir-lhe a pele com a ponta dos dedos.


Por medida de precaução, desviou a vista para os dois cavalos, que pastavam lado a lado. Gina olhou para o mesmo ponto, depois recuou e deteve-se nas feições de Harry, próprias de um homem bonito e desejável.


— Tem razão — disse. — Vamos fazer o que propôs, mas acho desnecessário trocar de roupa. Vestirei meu casaco e, por cima, minha capa longa. Com isso, ninguém na estrada notará que sou mulher.


Harry ansiou por acariciar cada curva daquele corpo escultural: seios, cintura, quadris, coxas. Lembrava-se bem do que sentira quando a havia deixado excitada no estábulo, na noite anterior.


— Não convence muito como homem, srta. Weasley.


— Por que não?


Ele optou por não responder.


A sobriedade de Gina potencializava a vontade de Harry de possuí-la. O desejo o torturava. Deu continuidade a uma contemplação embevecida, até embaraçá-la com a verdade que seus olhos exprimiam. Ela ficou ruborizada.


— Não vejo motivo para que seja rude comigo — Gina se queixou, ao caminhar na direção dos cavalos. — Eu conseguia cuidar bem de mim, antes de você aparecer em minha vida.


O fato era que, de costas, ela o presenteava com uma magnífica visão. Embora aliviado pelo ressurgimento da vivacidade de Gina, ele não poderia deixar o desafio sem resposta.


— Você nunca apertou o gatilho de uma arma. Se eu não tivesse ido à clareira, cairia nas mãos sujas daquele nosso amigo.


Gina voltou a cabeça para Harry, chocada com seu tom alto. Ele se recordou do grito que ouvira no momento crítico. Ela o havia chamado em seu socorro, e Harry estava lá exatamente para isso. Não havia do que reclamar.


Era forçoso admitir, porém, que elevar a voz para Gina reproduzia o comportamento habitual de seu pai e de Neville. Por meio de um profundo suspiro, Harry tentou juntar os pedaços do próprio bom senso.


— E, se aceitou a proposta de me escoltar — ela reagiu com firmeza —, não é para ficar me passando sermões, como meu pai ou minha mãe. Do contrário, posso continuar a viagem sozinha.


— Não tive a intenção de ralhar com você. — Deus sabia que as intervenções de Harry não deviam ser confundidas com rusgas em família.


Ele correu os dedos pelos cabelos, almejando sinceramente trazer um pouco de ordem para o caos que Gina gerava dentro dele, com tanta facilidade e frequência. Vê-la em perigo, minutos antes, havia revirado seu coração do avesso. Determinou-se a não criar mais problemas na travessia, no entanto...


— Eu... — frisou o pronome apontando um dedo para si mesmo — ...levo minhas responsabilidades e compromissos mais a sério do que você. De modo algum, deixarei que uma mulher atravesse uma floresta sozinha.


— Sou muito mais capaz do que imagina — ela falou de pronto, avançando um passo.


— Continua querendo me iludir. Pois terá de provar suas habilidades, srta. Weasley. — Havia sarcasmo no tom dele.


As bochechas de Gina se tingiram ainda mais de vermelho.


— Incrível! Como ousa falar comigo dessa maneira?


— Ouso, sim. — Ele deu um passo à frente e reduziu a distância entre ambos. — Pediu minha ajuda para chegar até aqui, mas o socorro que lhe prestei nas docas atrasou meus planos e deu origem a todo este drama.


— Ora jamais pretendi impedi-lo de viajar à Califórnia. Aconteceu de você estar perto da carruagem no momento do incidente no cais do porto.


— Assim como nunca pretendi ficar em Boston — ele replicou, dividido entre a tristeza por não poder cooperar com sua família e a alegria de encontrar uma mulher linda, sensual e deliciosamente impulsiva.


Representaria ela a bênção que honrava os Potter, ou Harry alimentava expectativas demais? Gina fez menção de responder, entretanto ele pousou o dedo indicador nos lábios dela, impondo silêncio.


A suave textura daquela pele o fustigava, restaurando o desejo. Ele teve de assimilar a súbita excitação, mas encontrou uma maneira de apresentá-la a Gina.


— Colocou-se sob os meus cuidados. Se vamos seguir viajando juntos, precisa trocar de roupa e assumir seu gênero.


— É mais fácil cavalgar sem uma saia longa, que tende a me tirar a atenção da estrada. — Pela primeira vez, ela incorporou um traço de dúvida à negativa.


— Não, senhorita. — Achou indispensável impor sua autoridade. — Seguramente, vai prestar a mesma atenção que teve até agora.


Ele segurou o queixo delicado, espalmou a mão no rosto dela e cobriu-lhe os lábios quentes com os seus. Uma árvore atrás dos dois serviu de apoio para que ele pressionasse o corpo de Gina contra o seu, sentindo um intenso calor correr nas veias. Foi como se ventos tempestuosos movessem sua alma e atassem os laços ainda soltos em seu coração.


A bênção.


Por mais que ele tentasse duvidar, Gina lhe pertencia. Tal pensamento atravessou-lhe o cérebro como um relâmpago. Saborear com a língua as doces profundezas daquela boca serviu apenas para intensificar e refinar seu anseio por ela.


Loucura. Completa loucura.


Não era hora nem lugar para aquela conexão física e espiritual, rescendendo do volúpia. Quando seria? A ansiedade pulsou em diferentes direções no íntimo de Harry. Teria de acontecer um dia. Mas também poderia nunca ocorrer.


Afastando-se, observou-a, calado, testemunhando a rápida abertura das pálpebras de Gina, cerradas durante o beijo. Os olhos cor de mel refletiam os desejos que também o consumiam. Ela teria noção de quanto se revelava e do quanto essa revelação o torturava?


— Isso prova que seu disfarce não lhe traz benefício algum — ele argumentou. — Somente expõe o que você procura esconder.


Palavras sensatas, arruinadas pela paixão que as ditava. Harry conteve um suspiro, ciente de que minaria sua já frágil resistência. Gina reagiu com indignação:


— Foi por isso que... — Ela não terminou a frase. O rubor nas faces se acentuou.


— Não. Eu a beijei porque tive vontade, uma vontade profunda, vinda de meu íntimo. Você já devia saber disso.


Tal resposta não amenizou a agitação feminina. Ela se afastou, ajeitando os cabelos num gesto coquete. Harry reprimiu a urgência de trazê-la de volta a seus braços, até que assimilasse seus motivos.


— Pode me garantir que respeitará minhas ordens, em função do objetivo desta viagem? — questionou em tom suave.


— Sim.


Finalmente, ela concordava com o arranjo, o que não significava que estaria disponível como mulher, por mais que desejasse, secretamente, entregar-se às carícias de Harry. Ela resgatou a trouxa de roupas que deixara cair no chão da clareira, ao assustar-se com o coelho, e apanhou a saia e a blusa de montaria.


Dava para imaginar como a saia ampla facilitaria a incursão dos dedos dele até seus pontos mais sensíveis. Mesmo estremecida, iria trocar-se atrás de um arbusto, conforme ele pedira, mas notou que faltava algo no bolso da calça.


— Minha carteira com dinheiro! Acho que aquele facínora a roubou.


— Ele já deve estar longe. Daremos um jeito. — Harry mostrou um otimismo incompatível com a realidade. — Com cuidado, a cesta de alimentos vai durar dois dias, e tenho algumas moedas. Não vejo maior problema.


Enquanto ela se trocava, ele avaliou a situação. A despeito de ostentar coragem e portar uma arma, ela jamais conseguiria atravessar ilesa a floresta, caso viajasse sozinha. Segurou os cavalos pelas rédeas, à espera de Gina.


— Depressa. Temos pouco tempo — alertou-a, antes de poder admirar a intensa feminilidade ao vê-la com os novos trajes.


— Por que acha que não temos tempo? — ela indagou, acercando-se da égua Missy.


— Porque seus pais já devem ter deduzido para onde você fugiu. Aconteceu comigo, quando tentei escapar de casa.


— Quero que me conte essa história. — Ela terminou de abotoar a blusa.


— Sim, no caminho.


— Harry...


— O quê?


— Sinto muito sobre o incidente nas docas. Forcei-o a ajudar Remus, além de mim. — Gina arrepiou-se ao toque de consolo em seu rosto cálido. Entendeu que se achava cada vez mais sensível à atração sensual que ele lhe despertava.


— Não se preocupe. Foi uma opção consciente de minha parte.


As bocas estavam tão próximas que nada pôde evitar um novo e vibrante contato. Uma crescente lascívia invadiu o corpo curvilíneo, tornando-o pesado, ansioso pelo alívio dos sentidos em brasa.


De repente, Harry a soltou. Esperou que ela recuperasse o fôlego e disse, com incoerente frieza, que deviam retornar logo à estrada. A pronta concordância de Gina o surpreendeu. Ela era um mistério.


Se havia rompido com a família e adquirido o direito de dar à sua vida o rumo que quisesse, se tinha descoberto a luxúria em seus beijos e toques, o que a impedia de aceitá-lo como amante? Ele não a compreendia, mas, por outro lado, sabia que o destino dos dois estaria unido por apenas mais alguns dias. Então, ficaria livre para perseguir seu próprio sonho.


Gina segurou a barra da saia quando recebeu ajuda para subir ao lombo de Missy. Os dedos fortes queimaram contra sua pele, mas ela havia decidido resistir às sensações e aos sentimentos que ele lhe despertava, até conhecer melhor a história pessoal de Harry.


— Conte-me o episódio da fuga — pediu, trotando na direção da estrada.


— Eu era bem mais novo do que você — ele começou, em cima do cavalo negro em movimento. — Meus irmãos e eu brincávamos de guerra. Cansei-me de ser um modesto pastor de ovelhas, enquanto eles encarnavam os valorosos combatentes que defendiam uma fortaleza dos invasores vikings. Neville e Carlos então discutiram qual dos dois iria salvar meu rebanho, e resolvi mostrar que possuía coragem para cuidar sozinho de mim mesmo.


Interrompeu o relato para retirar da cesta um filão de pão caseiro. Partiu-o ao meio e ofereceu metade a Gina. O alimento, de excelente sabor, os satisfez por pouco tempo, mas não poderiam comer mais do aquele pedaço, pois a comida estava racionada. Tudo bem, desde que se distraíssem com a sequência do relato.


— Acabei por me distanciar de casa e cheguei a uma parte da ilha que não conhecia. Pude ouvir meus irmãos chamando por mim, mas eu estava cercado por árvores e colinas.


Perdido e sozinho, o menino devia ter sentido muito medo, pensou Gina. Contudo, o homem de agora não expressava nenhum temor de cruzar a mata fechada, apenas rasgada pela trilha de terra. Talvez isso explicasse a preocupação de Harry quanto a ela não viajar sem um acompanhante.


— Como encontrou o caminho de volta?


— Fiquei cansado de andar e dormi ao pé de uma árvore. — Os olhos dele contemplaram o horizonte, como se retornasse ao passado. — Neville me achou, mas se negou a falar comigo, até para me repreender. Jogou-me no quarto, de castigo. Carlos fez um sermão que valeu pelos meus dois irmãos juntos. Haviam se assustado muito ao perderem minha pista, quando anoiteceu.


Um sorriso iluminou o rosto de Harry.


— Mas Carlos também me deu uma lição: se me perdesse de novo, deveria subir ao ponto mais alto das colinas e esperar ali.


Sem dúvida, na época, os pais de Harry tinham coberto de carinho o menino fujão. Os de Gina, porém, se fosse o caso, a puniriam com um isolamento de semanas, a pão e água.


— Meus irmãos assumiram a culpa — acrescentou ele. — Sempre foram superprotetores.


Aquele era um dado importante sobre a personalidade de Harry, levando Gina a entender por que ele buscava uma fortuna em ouro, a fim de colaborar nos negócios da família. Ambos lutavam por aceitação, por independência.


— Quer ser bem-sucedido aqui porque não tem sua família por perto, é isso?


— Sim — ele respondeu, fitando-a com um olhar de tirar o fôlego. — Acredito que agora seja a sua vez, srta.Weasley.


— Minha vez?


— Disse que tempos atrás atirou num homem. Eu gostaria de saber se ele permaneceu de pé ou se exalou o último suspiro.


Gina riu. Era bom, era libertário recordar-se do susto do um amigo da família ao ver a fumaça saindo do cano da pistola, enquanto ele lhe ensinava a municiar a arma.


— O pobre Jake Moore ficou deitado por vários dias, em estado de choque, sem poder se sentar direito.


Harry a envolveu com um olhar intrigado.


— Quer dizer que...


— Sim, eu o atingi no traseiro. — Ela sorriu maliciosamente, enquanto a gargalhada de Harry se sobrepunha ao ruído da chuva.


Gina mordiscou o lábio inferior, decidida a ocultar seu desconforto. Não tinha como expressar uma queixa, depois que a pausa do dia anterior a colocara a par do estado de coisas.


A chuva fria havia se tornado companheira constante dos dois viajantes. Além do silêncio de Harry, a preocupação com a saúde da avó, Worth, e os espasmos do estômago vazio lhe provocaram uma forte dor de cabeça. Ansiava por um banho quente, uma cama macia, uma refeição de verdade. Mas precisava suportar as consequências de sua resolução de viajar até o Maine.


Como estavam nas proximidades de Portsmouth, restava-lhes esporear os cavalos para que chegassem logo. Assim que os pais de Gina soubessem que ela não viajara a Providence na companhia de Hermione, teriam imediata certeza de seu destino. Caso alcançasse Somerset e o sítio da avó antes deles, haveria uma chance de ficar por lá. Afinal, era maior de idade, e a avó precisava de cuidados.


Ambiciosos e arrogantes como eram, os pais de Gina talvez apreciassem o fato de ela se afastar do círculo social de Boston, ao qual claramente não pertencia. Arthur Weasley poderia até pensar na vantagem de ver a sra. Worth, mãe de sua mulher Molly, viva e saudável para dar continuidade aos negócios, que incluíam um rendoso moinho de trigo. Quanto mais polpuda fosse a futura herança da esposa, melhor.


Ao cair da noite, Harry desmontou o cavalo negro e prontificou-se a cortar lenha para um fazendeiro das vizinhanças, em troca da permissão para dormirem, Gina e ele, no estábulo da propriedade. Instalaram-se separadamente em leitos improvisados com feno, mas o frio da madrugada uniu os corpos cansados num abraço providencial.


Harry acordou várias vezes, agitado, porém Gina dormiu, aquecida pela solidez do ombro rijo, sonhando com as amistosas profundezas das florestas do Máine. O leve sopro da respiração masculina em sua têmpora e os lábios pressionados contra seus cabelos aumentaram o calor que a envolvia.


Para Harry, era difícil conciliar o sono naquela situação de intimidade. Normalmente, não praguejaria contra a sorte. Mas tinha certeza de que o pai de Gina já estaria a caminho de Somerset, e a presença de um irlandês ao lado da filha seria não só descartada como hostilizada.


Desde criança, Gina havia testemunhado as injustiças que Arthur Weasley cometia contra a esposa, em cujos ombros recaía uma excessiva carga de trabalho doméstico. Na verdade, todos os homens casados que conhecia tratavam as mulheres com superioridade e pouca consideração, sem excluir o reverendo Granger. A avó tinha consolado Gina quando esta questionara a aceitação, pela mãe, desse tratamento injusto. Justiça, ela havia explicado, nada tinha a ver com a maneira como um homem percebia a vida. Aos olhos masculinos, quanto mais perto de uma mulher, mais ele se tornava seu censor e algoz.


O êxito obtido pela avó em sua decisão de viver sozinha, após a morte prematura do marido, inspirava Gina a lutar pelo mesmo ideal. Nunca se sujeitaria ao arbítrio de um marido. Mesmo contando com ajudantes de confiança, era a avó quem comandava o moinho, o sítio e as finanças.


Mais tarde, Harry estudou com o olhar um descampado a curta distância da estrada. Apurou os ouvidos e disse:


— Há um rio à nossa frente.—A notícia chegou a Gina entre lufadas de vento e pingos de chuva.


— O quê?


— Um rio que precisaremos cruzar. Mas parece que, no meio da mata, todos os cursos d'água são rasos.


— Tudo bem. — Ficaria ainda mais ensopada.


Se a visão da avó sobre a natureza masculina fosse verdadeira, por que Harry não a castigava pelas dificuldades que lhe trouxera? Talvez, baseada na experiência própria, a idosa fosse tao preconceituosa contra os homens quanto Arthur Weasley contra os irlandeses.               


Viajar a cavalo com um deles, dia e noite juntos, representava uma heresia.


Quando se aproximaram da margem do rio, a corrente de água era mais larga e forte do que Harry havia imaginado. A travessia seria perigosa, e Gina deu graças por contar com o companheiro de viagem para auxiliá-la. Contudo, o rio parecia bifurcar-se e tomar mais de uma direção. — E agora? Para que lado vamos? — ela inquiriu. Exacerbado, Harry engoliu em seco. Não tinha certeza do que fazer, apenas ansiava por uma xícara de chá de gengibre que a avó costumava preparar. Diante das águas turbulentas, ele decidiu que, fosse qual fosse a direção tomada, teriam de atravessar o rio de uma só vez, num galope firme.


A fim de acalmar-se, ele invocou a lembrança de acordar com Gina nos braços, suave e quente, os cabelos provocando uma leve coceira em seu nariz e o cheiro de gengibre e camomila compondo uma inocente sedução. Naquele momento, havia se sentido tentado a beijá-la e depois a possuí-la. Como, porém, trair a confiança que ela depositara nele? Retomar a estrada principal por um atalho levaria horas. Harry examinou o comportamento das águas enquanto os cavalos saciavam a sede. A questão era: cruzar o rio ou perder mais um dia inteiro em terra firme.


Saber reconhecer o instante mágico é a nossa tarefa, o resto virá naturalmente.


Com a carta de incentivo da mãe ardendo no bolso, ele sentiu culpa pelo momentâneo fracasso da missão. Prometera trazer riquezas da Califórnia, aliviar os problemas financeiros da família. Dinheiro podia não ser tudo na vida, porém ajudaria a vislumbrar um futuro melhor para todos os Potter.


Quanto antes entregasse Gina Weasley à avó, tanto mais cedo ele retomaria seu rumo. Nem mesmo a atração que sentia por ela o prenderia àquelas terras.


— Por aqui, atrás de mim — ele a encorajou enquanto afagava o pescoço do cavalo.


O melhor ponto para a travessia do rio era o trecho mais estreito entre as duas margens. Harry o localizara, embora o risco de uma queda na água fosse real. O fantasma de um desastre o assolava desde a terrível tarde em que tinha surgido um ladrão em seu caminho.


Gina meneou a cabeça afirmativamente ante a decisão de Harry. Não havia mais o que fazer, exceto suportar a chuva e o frio por mais tempo do que merecia uma destemida jovem da sociedade de Boston. Se conseguissem cruzar o rio incólumes, prometeu a si mesmo conseguir, do outro lado, uma cama quente e um bom jantar para ambos.


Ele estimulou o cavalo negro a enfrentar o caudal de água gelada. Manteve o olhar no rio, que parecia protestar contra a invasão de seu curso. Chegou a tremer, lembrando como detestava o mar, onde havia bracejado algumas vezes, quando criança, somente o necessário para não afundar.


Droga! Certificando-se de que Gina o seguia, em cima da égua Missy, Harry afastou da mente a desesperança e apressou o cavalo até o ponto aparentemente mais raso do rio. As patas dos animais produziam um som característico de encontro à água e às pedras do fundo do leito.


Parou o cavalo negro e bateu-lhe no pescoço, satisfeito, ao atingirem a margem oposta. Gina fez o mesmo. Afortunadamente, tinham alcançado seu objetivo imediato.


— Não foi tão mau — disse ela, com o chapéu encobrindo metade do rosto. Existia uma mescla de medo e confiança em seu tom de voz, que calou fundo em Harry.


Certa vez, Carlos havia confiado nele para subir sozinho uma encosta cheia de rochas, confiado no irmão menor que suplicara por uma demonstração de coragem e destreza. Não havia se arrependido.


— Tem razão.


Um relâmpago espocou no céu, indicando que a chuva não iria diminuir tão cedo.


— Precisamos nos apressar. Fique atrás de mim, mas perto, e não desça do lombo de Missy por nada — ele instruiu.


Gina prontificou-se a seguir as ordens dele.


Vou prestar atenção, Carlos. Com doze anos, Harry quisera passar por uma prova e enfrentara águas e pedras, porém sem êxito. Lembrava-se bem do dia em que Carlos, menos experiente do que Neville no leme de uma embarcação, precisara levar um iate ao porto de Limerick. Por insistência do pai, e a contragosto, o irmão havia aceitado ele a bordo.


— Não deve navegar sozinho, filho. O barco pode afundar, sem um vigia capaz de ajudá-lo.


Depois de implorar para ir junto com Carlos e prometer ficar atento, Harry assumira a responsabilidade de observar a correnteza do rio, inclinado na proa do iate, a fim de detectar rochas parcialmente submersas.


Ele arfava, de tão nervoso, e mesmo assim as ondas fortes o enganaram. Rochas surgiram de repente, bem no rumo da embarcação, e seus gritos tardios não evitaram uma colisão. Sem vítimas, felizmente. No entanto, o casco do iate ficara danificado. O barco tivera de ser rebocado de volta ao estaleiro, e ele se cansara de ouvir os xingamentos de Carlos.


Mais um motivo, agora que era adulto, para redimir-se perante os irmãos e o pai. Desejava demonstrar alguma capacidade, excluídos o mar e os navios, e dotar a família de capital financeiro para salvar os negócios. Só assim, pensava, teria um lugar respeitável na história dos Potter. O pai e os irmãos sentiriam orgulho dele.


O cavalo agitou-se debaixo de Harry, resgatando-o de suas recordações. Estavam em terra, na margem oposta do rio, prontos para procurar, junto com Gina e a égua Missy, abrigo numa fazenda próxima ou, na pior das hipóteses, numa estalagem à beira da distante estrada principal. Por um momento, ele se envaideceu com seus feitos até aquele instante e baniu da memória o medo do fracasso. O que havia acontecido no passado serviria para guiá-lo no perigoso presente. Ele, Gina e os animais estavam a salvo! De repente, um horrível estampido soou no ar, tão alto que rivalizava com o som do casco do iate batendo contra as pedras. O rosto de Gina, iluminado pelo relâmpago, desfigurado pelo trovão que se seguiu, buscou segurança nos olhos de Harry.


— Não! — Ele esticou as rédeas de sua montaria. Um temporal desceu sobre eles como um manto de chumbo, produzindo ruídos assustadores.


A égua recuou, temendo continuar pelo solo alagado, onde uma correnteza se formara. Gina gritou com Missy e só obteve dela um relincho de protesto. Harry olhou para trás e viu a companheira de viagem escorregar da sela e cair na enxurrada barrenta, que corria no sentido do rio recém-atravessado. — Gina! Não!


Apavorado, desceu do cavalo e enfrentou a tormenta. Vento, terra e água chocavam-se contra seus olhos, orelhas e nariz. Teve de apertar os lábios para não engolir o líquido sujo que espirrava. Quase sem enxergar, abriu caminho até a margem do rio. Se Gina fosse arrastada até o leito caudaloso, mesmo que soubesse nadar, sua vida estaria por um triz.


Felizmente, não era uma jovem tola, medrosa ou sem iniciativa. No mínimo, possuía um apurado instinto de sobrevivência. Em meio à descida pelo barranco, ela conseguiu segurar-se no tronco de uma árvore pequena, mas forte o bastante para resistir ao temporal.


O perigo real e imediato tinha levado Harry ao pânico. Já pensava que não havia esperança nem possibilidade de resgate, quando a viu agarrada ao tronco, varrida pela enxurrada cada vez mais volumosa.


— Gina! — gritou, sentindo uma punhalada de terror no coração.


Porém, ela estava ilesa. Ele se lançou para a frente, com a certeza de salvá-la mais uma vez, ainda que isso significasse trocar de lugar com ela e entregar-se a um destino cruel.


— Gina! — chamou de novo, ao alcançá-la e enlaçá-la com um só braço, pois o outro, por segurança, tinha de ficar em volta do tronco.


A ironia da situação repousava no fato de que a travessia do rio havia sido tranquila, e, no solo, o casal enfrentava risco de morte. Cuspindo a água que tinha entrado em sua boca, Harry acalmou-se. Gina estava bem, embora um pouco machucada, e ele não lutava contra um oceano encapelado, apenas contra um temporal.


— Gina... — O terceiro chamado revelou ternura.


Água escorria dos cabelos e roupas encharcados. Ele novamente jurou a si mesmo que cuidaria dela. Não lhe faltaria. Se não gozava da confiança da própria família, jamais aceitaria o eventual desprezo da mulher com a qual seu corpo — talvez a alma também — entendia-se tão poderosamente.


Recusando-se a conceder ao medo qualquer espaço em sua mente, focalizou Gina, e um instinto inato de proteção aos mais frágeis tomou-lhe os desígnios. Esfregou as mãos nas costas ensopadas da parceira, após sustentá-la contra si. O abraço foi sincero, recompensador. Ela sorveu o ar, tossiu e agarrou-se à solidez salvadora daquele homem.


— Harry? Obrigada.


— De nada, querida. — Ele teria de reencontrar os cavalos, embora a imensidão da água às margens do rio tivesse apagado os vestígios da trilha. — Segure-se em mim.


Não deu certo, pois Gina mal podia andar. Seguindo as instruções de Harry, ela subiu atrás dele, que a prendeu pelas coxas e foi como que cavalgado pela companheira de viagem. Assim, ambos a salvo, venceram as poças d'água e outros obstáculos do caminho. Para ele, ter superado seus velhos medos o deixou feliz, sem falar na deliciosa pressão de Gina contra seu corpo.


O mundo de Harry parecia ter mudado para sempre nos últimos minutos.


Mais adiante, ao encontrar um trecho elevado da trilha, protegido da lama pelas árvores, ele a depositou no chão e beijou-a com fervor. Um rastilho selvagem de poder e desejo conturbou seu íntimo, transcendendo tudo o que sofrera antes e demandando tudo o que Gina tinha para lhe dar.


Haverá um som prolongado, que ninguém mais poderá ouvir, uma visão impossível de se esquecer, um sentimento que será para sempre lembrado. Você saberá quando acontecer. As vozes combinadas da avó e do irmão Neville soaram com sua memória, não mais como uma promessa, mas como uma certeza.


Aos poucos o céu ficou mais claro e a chuva amainou, mas os pingos gelados ainda castigavam seu rosto e o de Gina. Lúcido como nunca, ele precisava achar um lugar quente e seco.


— Venha, Gina.


Agora de pé sobre o solo encharcado, ela o seguiu com precário equilíbrio. Harry julgou loucura a pretensão de encontrar um abrigo em meio à mata. Avistou os cavalos refugiados debaixo dos amplos galhos de um carvalho. Sentiu fome e sede, mas as provisões, nos cestos presos às costas dos animais, deviam estar molhadas, apesar dos panos e toalhas que as envolviam. Pior, a noite se aproximava. Era indispensável e urgente localizar um porto-seguro.


Ele seguiu caminhando. Logo depois do local onde estavam os animais, havia outros carvalhos formando, com seus galhos entrelaçados, uma espécie de gruta seca. Algo ainda melhor o surpreendeu: uma cabana de caçador, dotada de sólidas paredes de madeira e teto resistente.


Com alguns golpes de ombro, ele arrombou a porta. Deixou Gina entrar primeiro. Ela se apoiou num móvel da pequena sala, esgotada. A roupa que vestia apresentava rasgos e manchas de barro. Os cabelos estavam emaranha-dos, numa massa irreconhecível. Longe da imagem que os pais haviam desejado, parecia mais uma gata quase afogada. Bonita mesmo assim.


— Fique aqui e descanse — recomendou. — Vou pegar as cestas e os alforjes com água, e veremos se podem ser aproveitados.


Ao sair da cabana, enquanto Gina procurava uma toalha e verificava se havia muntimentos na cozinha e lenha seca no fogão, ele teve uma ideia melhor: trazer os cavalos até ali, deixando-os de prontidão para a retomada da viagem.


Além disso, poderiam pastar à vontade no terreno já um pouco mais seco.


Apesar de exausta, ela continuou a explorar o ambiente. Deparou com um braseiro que servia como lareira rústica e uma cama aparentemente macia. Sobre esta, havia duas toalhas grossas. Ao lado, uma tina com água para banho que poderia ser aquecida.


Gina louvou a sorte. Como Harry demorava, despiu por completo as roupas molhadas e enrolou-se na toalha maior. Assim que ele entrou, trazendo a bagagem que estava nos cavalos, ela disse apenas:


— Agora só precisamos de fogo.


— Bom trabalho — elogiou-a, com os olhos pregados na figura provocante à sua frente.


A surpresa só não foi tão aguda quanto a tensão sexual que se apoderou dele.


Harry tinha imaginado que Gina voltaria a vestir a calça e a camisa masculinas dobradas dentro de um dos cestos. Porém, ela fora ousada, além de confiante, e ele se obrigou a pensar em onde e como encontraria um acendedor a óleo para reavivar as brasas e utilizar o fogão.


Era uma decisão muito difícil, pois a imagem de Ginevra Weasley, coberta somente por uma toalha debaixo dos cabelos dourados, escurecidos pela umidade, secava-lhe a boca e toldava-lhe os pensamentos com nuvens de luxúria.


Ela o surpreendeu ainda mais ao atirar-lhe uma toalha.


— Tire a roupa e trate de secar-se — falou, dirigindo-se ao canto do fogão. — Prometo não olhar.


— Só olhar não me preocupa — ele disse, entre excitado e divertido.


— Tem certeza? — Ela franziu a testa. O queixo tremia por causa do frio.


— Sim.


— E o que lhe causaria preocupação nesta cabana que tivemos a sorte de encontrar?


Receio ter perdido mais do que meus pertences naquele dia no cais do porto, ele pensou, muito sério. Como uma mulher molhada, com manchas de esfolamento na pele, podia mostrar-se tão bonita e, ao mesmo tempo, tão sedutora? Qual homem resistiria ao olhar voluptuoso que lhe oferecia paixão e encapsulava a bênção?


Com um sensível desconforto na virilha, Harry acercou-se de Gina e tocou no rosto gelado. Claro, como cavalheiro, ele teria de dar um jeito, qualquer jeito, de aquecê-la.


— Nenhuma preocupação com que eu não saiba lidar. — Ele forçou as palavras boca afora ao notar que ela ainda aguardava resposta. — Mas você tem razão, srta. Weasley. Vou tentar acender o fogo antes que seu estado piore.


-----------------------------------------------


 

Compartilhe!

anúncio

Comentários (0)

Não há comentários. Seja o primeiro!
Você precisa estar logado para comentar. Faça Login.