Capitulo IV



CAPÍTULO IV


 


O luar lançava feixes prateados de luz sobre o estábulo, que se misturavam a sombras tão obscuras quanto os pensamentos de Harry.


Com os cavalos nas baias, preparados para dormir, e a mansão dos Weasley silenciosa e às escuras, a noite ganhava paz e serenidade, mesmo com o cricrilar dos grilos.


Que noite perfeita para se desfrutar da companhia de uma moça bonita, diria seu amigo de faculdade Daniel Mallory, enrugando a testa larga. Mas Daniel não se achava ali, nem a única mulher com quem Harry poderia imaginar-se passando as horas.


— Droga! — ele exclamou, chutando um monte de feno e assim liberando uma nuvem de poeira no recinto pouco iluminado.


Era uma cena mais condizente com seu estado de espírito. O velho professor de filosofia, na Universidade de Dublin, costumava dizer algo sobre um homem em sublime harmonia com seu ambiente. Harry não se recordava bem do conceito ou das palavras exatas do mestre. Levou a mão à nuca, que massageou, enquanto curvava a boca num sorriso complacente. O tema da harmonia fornecia ao professor material de sobra para infindáveis debates.


Naquele momento, Gina Weasley se confundia com a noite de Boston, passando o tempo com a amiga Hermione na paróquia. Embora ciente disso, ele estava roído de frustração, desproporcional à distância que o separava dela.


Agudo, tal sentimento conflitava com seus planos de colocar um oceano, e o resto da vida, entre os dois. Nem abonava seu futuro a possibilidade do iminente noivado de Gina com o homem escolhido pelos pais dela: Larry das mãos úmidas e das maneiras afetadas.


Draco Malfoy. Molly Weasley fazia questão de pronunciar o nome completo, em tom indulgente. Era um costume dos ricaços de Boston, com o intuito de destacar a linhagem da pessoa em qualquer oportunidade.


Linhagem à parte, Harry não gostava de Larry, que definia como uma pessoa fraca — "insípida" seria o termo adequado —, cheia de mesuras e hipocrisia. A imagem de Gina debatendo-se na tentativa de escapar dos braços dele ainda o assombrava. Mal se contivera para não puxar Larry e dar um bom soco no rosto flácido, embora jovem. Apenas a urgência de resgatá-la e evitar um escândalo rumoroso haviam refreado esse impulso.


A visão daquele homem saboreando os lábios macios ou desfrutando o corpo tentador, que ele já tinha segurado contra o seu, produziu um amargor em sua boca, como conhaque puro. Na condição de marido, Drcao teria pleno direito de reivindicar para si os encantos de Gina.


Harry balançou a cabeça, perturbado com o rumo de seus pensamentos. A garganta lhe parecia fechada em nós aperrados. No fim da história, ele poderia dar em Larry um merecido soco, por seu comportamento lamentável.


Os Weasley tinham ficado furiosos ao serem chamados pelo mordomo e proibiram Gina de partir em visita à avó, que se encontrava realmente enferma. Ela discutira com os pais pelo resto da noite e todo o dia seguinte, sem efeito prático.


Mas recebera permissão para ver Hermione, passar a noite na casa paroquial e até viajar com a amiga e o reverendo para ver a quermesse anual em Providence, o que lhe serviria de consolo. Ao menos, ficaria livre de conselhos indesejados e recriminações. Saíra com um olhar bravio, determinada a não regressar tão cedo à Mansão Weasley. Ao conduzi-la à casa de Hermione, Harry respeitara o silêncio sepulcral que Gina tinha adotado.    


— Diabos! — ele praguejou, estudando as sombras que pareciam zombar de seu tormento e comprovar que era alvo de uma maldição.


Não tinha problemas em dormir no estábulo, longe da mulher que nunca possuíra. Gina havia deixado claro que, se dependesse dela, jamais se casaria com Draco Malfoy. Talvez nunca se casasse com ninguém, dada sua aversão a sentir-se presa.


— Pois bem, minha cara — ele murmurou. — Gostaria muito de provar que está equivocada. Comigo, não haveria submissão. Mas tenho outros problemas de que devo tratar com prioridade.


A única esperança de Harry mostrar-se útil à família consistia em ganhar uma fortuna nas minas de ouro da Califórnia e capitalizar o estaleiro na Irlanda. Era nisso que ele devia concentrar seus pensamentos e esforços.


Remus Lupin vinha se recuperando bem. Já caminhava pelo corredor, e no dia seguinte tentaria subir e descer as escadas. Harry podia dar por concluída sua missão naquela casa. Contava com uma semana até o navio atracado em Boston seguir viagem. Se conseguisse uma passagem, deixaria a cidade e seus problemas para trás. Depois, com um pouco de sorte, buscaria sucesso em resgatar da falência o estaleiro da família.


Precisava ter êxito.


Dos recantos sombrios do estábulo, estranhos barulhos o incomodavam. Um gato perseguindo um rato? Não, algo mais consistente, embora menos ruidoso do que o relinchar de cavalos. Pés calçados com botas.                                 


Ele se voltou na direção do som e estreitou os olhos, tentando distinguir alguma coisa no escuro. Eram, definitivamente, passadas humanas. Como bom irlandês, sabia que nada de bom poderia advir de passos na escuridão.


Projetou-se para a frente, alerta e grato à torrente de pensamentos que o havia impedido de adormecer. Jamais notaria qualquer movimento nas baias caso estivesse dormindo, fato com o qual o suposto ladrão teria contado, se soubesse que alguém ocupava o estábulo naquela noite. Uma fresta no portão comprovou a entrada de um intruso.


Andou silenciosamente até a última baia do corredor. A tranca da portinhola estava aberta, mas ele lembrava-se bem de tê-la visto fechada em sua última ronda antes de deitar-se. Naquele compartimento, ficava a égua preferida de Gina, diante da área em que era guardada a carruagem, entre montículos de feno.


A luz da lua penetrava pela abertura na entrada do galpão, permitindo que Harry vasculhasse os corredores formados em meio aos pequenos montes de alimento. De repente, ele se inclinou, à procura do invasor.


A égua que o ladrão procurava selar agitou a cabeça, fazendo a longa crina dançar no ar. Depois, moveu-se para a esquerda, apenas o suficiente para causar a queda da sela no chão, com um ruído seco. Uma praga foi sussurrada e chegou aos ouvidos dele.


Agora que havia decifrado o mistério, ele achava graça na incompetência e no amadorismo do assaltante. De qualquer modo, retesou os músculos, prevendo uma luta corporal.


O ladrão parecia ser uma pessoa jovem, certamente necessitada de abrigo e do dinheiro resultante da venda do cavalo. Agia de forma atrapalhada, em desespero de causa.


— Não irá longe! — Harry esbravejou na direção do vulto, satisfeito por senti-lo apavorado. — Ainda não sei se quer roubar a égua ou a sela. Venha até a luz e mostre-se para mim!


— Não! — Foi apenas um sussurro, antes de o ladrão passar correndo, rumo ao portão.


Rápido, Harry o segurou pela camisa. Sem equilíbrio, o invasor oscilou entre o monte de feno e o chão, e caiu sobre um facho de luz. Colocando-se sobre as pernas dele, Harry utilizou o próprio peso para imobilizá-lo. O rapaz se debateu.


— Sinto muito, mas não posso deixá-lo roubar debaixo de minha vista.


Harry virou o rapaz de bruços, a fim de revistá-lo e ver se não trazia nenhuma arma. Conseguiu prender-lhe os pulsos com uma das mãos e usou a outra para percorrer o corpo do invasor, dos ombros até os pés.


A primeira coisa que notou foi que ele tinha pernas bem torneadas demais para um homem. Além disso, as nádegas eram firmes, largas e arredondadas. Seu instinto confirmou o que a mente já começava a adivinhar: não se tratava de um rapaz.


Os dedos apalparam a virilha da pessoa deitada e traçaram uma linha íntima até o suave calor entre as coxas.


— É uma garota...


— Solte-me imediatamente! — ela ordenou.


— Gina? — Ele ergueu a cabeça, surpreso. Deveria ter percebido, antes de tocá-la, o perfume de gengibre e camomila que ela exalava.


— Claro — sussurrou, girando-a para que ficasse de costas e com o rosto delineado pela luz.


Apesar da maciez de sua pele, o olhar dela soltava faíscas.


— O que está fazendo aqui? Moças finas de Boston não vêm a um estábulo a esta hora da noite, disfarçadas de homem.


— Eu estava selando um cavalo quando você me interrompeu e me assustou. Por que não foi dormir?


Harry arqueou as sobrancelhas e ajeitou com os dedos alguns cachos de Gina, fora do lugar.


— Seu jeito de selar não é dos melhores. Por que simplesmente não me pediu que o fizesse?


Num gesto rebelde, ela levantou o queixo, mesmo deitada.


Não planejei encontrar-me com ninguém, sr. Potter.


— Verdade?


Ele meneou a cabeça devagar. Era ridículo ser tratado de senhor, quando Gina jazia debaixo dele, encantadora. O desejo de dar um beijo pleno e completo naquela boca tentadora o corroeu por dentro.


— O que planejava exatamente? — prosseguiu com o interrogatório.


— Nada do que está pensando — ela respondeu, enquanto o rubor lhe coloria as faces. — E não sou ladra. Portanto, pode sair de cima de mim, por favor?


— Selar um cavalo de madrugada, usando um disfarce, não pode ser tido como uma conduta adequada.


Contrariando o pedido, ele soltou ainda mais o corpo, ajoelhado sobre as pernas dela, mas lhe libertou os pulsos. Torturá-la já não parecia uma boa ideia, quando ela se acomodava à pressão e, talvez sem querer, acolhia a rigidez de sua virilha.


— Você não agia como profissional, mas como uma vilã sem caráter. — Ele fechou os olhos, a fim de superar a excitação.


Gina se mexeu de novo, produzindo uma sensação enlouquecedora e uma perigosa proximidade. Os lábios rosados e macios estavam a centímetros dos dele. Os olhos cor de mel mostravam mais apelo sensual do que medo.


Ele então aproveitou o vão que ela deixara entre os lábios para desfrutar, com investidas de língua, o gosto da sedução.


Na mente de Harry, surgiram imagens ardorosas nas quais deitava Gina nua sobre o feno e movia-se sobre ela, em crescentes e inesquecíveis ondas de prazer. Sopros de volúpia castigavam sua alma, roubando-lhe a capacidade de pensar racionalmente. Não desistiria daquela criatura que cheirava tão bem, que tinha um sabor tão marcante.


Gina gemeu durante a nova invasão da língua em sua boca, levando-o a considerar seriamente uma cena de amor apaixonado no chão do estábulo. Ela pareceu aprovar a ideia, pois o beijou com fervor, enquanto movia os quadris até o limite do espaço disponível, com uma mestria rara mesmo entre mulheres experientes.


Harry só pensava na gratificação física e afetiva contida naquele momento único, especial. Afundou o rosto no de Gina, intensificando o beijo, antegozando a sensação celestial de tê-la por inteiro. Por enquanto, os seios roçavam seu peito musculoso, deixando entrever o volume firme, a forma arredondada, a temperatura cálida. Isso potencializava seus sentidos com fantasias que ele temia não poder concretizar.


— Assim não... — ela sussurrou ao reaver os movimentos labiais.


Era uma espécie de súplica, que Harry estava compelido a desobedecer.


A conduta de Gina, colando a boca e a virilha nas dele e depois protestando contra as liberdades que ele tomava, era incompatível com a de uma jovem bem-nascida de Boston. No entanto, Ginevra Molly Weasley não se encaixava no perfil de uma moça da sociedade local, tanto que invadira o estábulo vestida como rapaz e, mais que das outras vezes, entregara-se a carícias desconcertantes.


Harry saiu de cima dela e deitou-se ao lado, no chão duro, amaciado somente por uma camada de feno. A respiração tornou-se ofegante com o desejo imperioso de abraçá-la e possuí-la, certo de que haveria paixão no ato de posse e entrega — uma paixão que nenhum dos dois se empenharia em esconder.


No entanto, o senso de prudência ameaçou pôr tudo a perder, quando a contemplou esparramada no chão, com o penteado desfeito e as pernas um pouco erguidas, sem falar do raio de luar que realçava as adoráveis feições.


O que a tinha forçado a preparar um cavalo enquanto todos dormiam? Harry queria saber, mesmo que fosse para, novamente, salvá-la de si mesma. Insistiria para que ela lhe contasse a verdade.


— Se veio aqui em busca de sexo, Gina Weasley, estou pronto a satisfazê-la. Mas seu pretendente ficará furioso ao descobrir que você não resguardou sua pureza. — De propósito, Harry ignorou as formalidades que não cuidou de amenizar o tom nem as palavras. Queria chocá-la, pôr um fim naquele relacionamento inviável e viajar em paz.


Os olhos enevoados de Ginevra revelaram raiva. Os lábios se estreitaram, e, em consequência, ela se distanciou da imagem de sereia que Harry havia formado. Melhor assim.


— Não me importo com o que Draco Malfoy pense de mim — ela confessou em tom irritado.


— Então, podemos fazer amor, sem nos preocuparmos com a chegada de alguém ao estábulo. — Ele levou a mão à fivela do cinto, simulando abri-la e descer a calça.


Novamente, palavras e gestos crus, destinados a induzi-la a partir dali a não atormentá-lo mais. Valia qualquer coisa para Harry livrar-se da tentação de despir Gina e adorar cada centímetro de seu corpo voluptuoso, com o qual tanto sonhava.


Ela se levantou do chão e os cabelos lhe caíram sobre os ombros, numa massa de cachos rebeldes. Ajeitou-os com impaciência e fixou o olhar no homem à sua frente.


— Não vim aqui para ser acariciada ou seduzida — disse, representando o estilo de ser que era mais próprio da mãe e da irmã.


Mas a camisa masculina que ela usava, parcialmente aberta no peito, mostrava os contornos fascinantes do vão dos seios.


— Não? Então, é melhor esclarecer tudo, antes que eu tome sua presença como um convite. — Harry também se ergueu e levou os dedos ao rosto muito sério de Gina, afagando-lhe a pele.


Ela suspirou ao primeiro toque. Uma onda de calor perpassou-a, enquanto o focalizava com evidente vulnerabilidade, associada a uma tensão sensual que o fez estremecer. Harry duvidou de que a parceira tivesse noção do que podia causar com um simples olhar.


Após limpar a calça masculina que usava com as mãos, Gina fechou os botões da camisa, com certa dificuldade em virtude dos dedos trêmulos.


— Vamos começar por reduzir as tentações... — ela afirmou, com um toque de humor que o surpreendeu, mas também o tranquilizou.


— Boa ideia. — Harry apoiou a iniciativa, cruzando os braços e recostando-se à porta de uma baia.


Ela procurou seu boné, que havia caído sobre o feno: uma prova de que o disfarce de homem não resistiria à luz do dia.


— Quanto à sua visita ao estábulo nesses trajes — ele contrapôs, indicando com a mão o corpo tão feminino de Gina —, não creio que sua mãe aprovaria.


— Claro que não. — Ela firmou os ombros e assumiu uma expressão que denotava luta interior e, depois, uma decisão importante. — Não vim aqui pensando em agradar meus pais.


— Mesmo?


Ela reprovou o sarcasmo no tom de Harry. Enfrentou-o com uma declaração surpreendente:


— Mesmo. Meu objetivo é deixar Boston ainda esta noite.


— Aonde pretende ir? — ele indagou, embora já conhecesse a resposta.


— Ao Maine, preciso ver minha avó. — Ela ergueu a mão a fim de impedir a aproximação de Harry, entretanto ele nada tentou. — Meus pais me proibiram de visitá-la, apesar do pedido de socorro que a pobrezinha enviou.


— Pedido de socorro? — Ele suspeitava de algo errado com a sra. Worth, mas desconhecia o conteúdo exato da mensagem que ela mandara à família Weasley.


Esfregando as mãos, Gina deu alguns passos nervosos à frente das baias. Para Harry, foi uma forma de tortura, porque as curvas daquele corpo e o balanço dos quadris ressaltavam da roupa masculina, capazes de enfeitiçar o mais frio dos homens. Logo estacou e exibiu o olhar firme.


— Não posso permitir que as ambições de meus pais perturbem minha vida — disse sem hesitar. — Minha avó precisa de mim. Nunca mandaria um recado, dizendo que está doente, se não necessitasse muito de minha companhia.


O tom de pesar no final da frase comoveu Harry. Algo se retorceu em seu íntimo. Além da simpatia que já sentia por Gina, ele faria o mesmo pela própria avó. Suas lembranças dela não eram nítidas, mas também não vacilaria em contrariar meio mundo a fim de ajudar quem lhe contara a história da bênção dos Potter, aparentemente concretizada na figura da mulher à sua frente.


— Minha avó é forte — ela prosseguiu, impaciente. — Para reconhecer que precisa de ajuda, sobretudo perante meus pais, só pode estar enfrentando uma séria enfermidade. Jamais admitiu nenhuma fraqueza até agora.


Avançando, ela tocou o braço de Harry, alheia ao arrepio que produziu.


— Vovó Worth conta comigo. No momento, meu lugar é lá, no Maine.


Harry admirou a profunda generosidade de Gina, sinal de um espírito elevado.


— Mas não pode ir sozinha. Como irá atravessar regiões desertas a cavalo ou de carruagem? Sua avó vai piorar se souber que você sofreu algum... acidente.


— Preciso ir. Remus ainda não se recuperou o suficiente para me levar. Mesmo que pudesse viajar, seria injusto pedir a ele que abandonasse a casa, perdendo o emprego.


O conflito se entranhou em Harry. Queria ajudá-la, inclusive por gostar dela e sonhar com uma total cumplicidade. Mas também sonhava com o ouro da Califórnia e o reconhecimento dos irmãos pela eventual salvação dos negócios da família.


Tornava-se perigoso, porém, aderir aos planos de Gina. Ele não tinha segurança no posto que ocupava junto aos Weasley e precisaria de referências para obter um novo emprego e juntar o dinheiro necessário para a jornada em busca do ouro.


— Seus pais certamente não irão ignorar sua avó — disse devagar, embora sem muita convicção.


— Na verdade, eles querem que eu espere pelo pedido formal de casamento por parte de Draco. Eu teria de me casar às pressas e permitir que ele cuidasse dos problemas de vovó Worth.


Casar às pressas. A imagem das mãos suadas de Larry, tocando o corpo de Gina, deixando nela uma trilha de asco, adquiriu proporções imensas diante do relacionamento cada vez mais próximo com a herdeira dos Weasley.


— E quando se daria esse casamento? — ele perguntou com a voz embargada.


— Dentro de duas semanas, mas apenas se eu estiver em Boston. Pretendo partir esta noite.


— Impossível — murmurou Harry, observando as novas manobras dela para selar um cavalo, agora bem-sucedidas.


— Já estou indo.


— Gina! — Com passos rápidos, Harry acercou-se e impediu que ela apertasse as correias. Trouxe-a até seus braços, recebendo em troca uma expressão hostil. — Seja sensata. Não pode fazer isso sozinha. É perigoso.


O convidativo aroma que vinha do corpo delicado constituía um apelo no sentido de agarrá-la e possuí-la sem mais delongas. Novamente, ele teve de conter seus instintos, ante a visível fixação de Gina em outro objetivo.


— Talvez seja melhor você esperar... e casar-se. — Ele engoliu em seco.


— Não tenho vontade de me casar.


Tristeza e mágoa pontuaram a afirmação. Ela fixou a vista em Harry. A dúvida turvava seus olhos. Em vez de afastar-se dele, ela desabou nos braços fortes que a aguardavam.


Então beijou-a outra vez, sentindo-se entre o céu e o inferno. Mas o abandono de Ginevra era tal que ele aprofundou o beijo, excitando-a com toques de língua nos cantos da boca. Ela suspirou e gemeu de prazer.


Harry deu um passo para trás, a fim de não perder a maravilha daquele abraço. Apoiou as costas contra uma portinhola enquanto ela se derretia saboreando o beijo. A paixão cobrou seu preço em forma de atitude. Ele decidiu naquele momento que Gina não se casaria com Draco Malfoy. Nunca.                                                         


As mãos dela exploraram o corpo másculo, lançando espirais de calor dentro de Harry. No encontro dos lábios, existia a certeza de tudo o que aquela mulher significava para ele. Um afago nas costas, um toque nos quadris, uma leve mordida nos mamilos, sobre a roupa... Ele lutava para eliminar o último vestígio de bom senso que mantinha. Quando se apartaram, ambos estavam sem fôlego.


— Não poderia me levar, Harry? — ela perguntou, em tom de súplica, e o desejo animal que o possuía encontrou um ponto de retorno.


— Levá-la? Ao Maine?


Pelo timbre de voz, ela quase se arrependeu de ter feito a proposta.


— Por favor... — ela acabou insistindo, com as bochechas ardendo.


Harry percorreu com os dedos as linhas do rosto de Gina e utilizou o polegar para acariciá-la nos lábios, ansioso por um completo domínio da razão sobre os instintos.


— Preciso de você. — Com essas palavras, ela aumentou a turbulência que se apoderava do coração de Harry.


Nem metade de quanto preciso de você, ele pensou em dizer, despedaçando seu orgulho, os planos, a própria imagem como homem. Adoraria viajar com Gina, satisfazer todas as necessidades dela sem questionar os motivos.


— Tenho condições de... pagá-lo.


Pagar? Chocado com a proposta, Harry avaliou que o tão recente fogo se convertia em barragem de gelo. À decepção, seguiu-se a raiva.


— Como assim? Pagar-me? Já recebo salário como cocheiro. — Ele a soltou de repente, desequilibrando-a.


— O que há de tão terrível nisso? — Ela enrugou a testa, surpresa.


Harry a fitou, indignado.


— Tem pouco respeito por mim, moça.


— Ao contrário, você mesmo falou dos perigos de eu viajar sozinha. Estou apenas pedindo que me acompanhe até o Maine. Irá me escoltar e me proteger até que eu encontre minha avó.


— Escoltá-la... — Ele recuperou algum brio ao imaginar-se com Gina numa pousada, fazendo amor livremente.


— Sim. — Ela mostrou confusão ao arquear as sobrancelhas. — O que pensou que eu estivesse propondo?


Ele começou a rir, balançando o corpo inteiro, após perceber a ironia contida em suas secretas intenções. O som preencheu o estábulo, ecoando nas vigas de madeira.


A sensação de alívio foi balsâmica e veio junto com uma ponta de pesar. Gina não estava se oferecendo indecentemente para sessões de sexo pelo caminho. Colocava suas necessidades e as da avó acima da luxúria que predominava na mente de Harry. Não entregaria sua virtude a um irlandês desgarrado da família.


Com a masculinidade assim comprometida, ele entendeu que o poder da bênção dos Potter não chegava a tanto. Gina queria somente um acompanhante, um protetor, que mereceria pagamento por esse trabalho. Enfim, propusera um negócio. Por isso ele ria.


— O que eu falei de tão engraçado? — ela quis saber. — Ao contrário de Remus, você não tem laços que o prendam a Boston ou à minha casa. Quero lhe pagar o suficiente para que possa ir à Califórnia.


— Parece a solução perfeita. — Ele sorriu com ironia, magoado porque Gina o descartava como amante. Solução perfeita, desde que ambos soubessem lidar com a situação.


Harry sentira a presença da bênção dos Potter quando a tomara nos braços, em seu primeiro dia na cidade, disposto a salvar a jovem que corria o risco de machucar-se. Agora, a mesma mulher lhe oferecia meios de continuar sua busca, de alcançar a fonte da riqueza de sua família e, então, retornar triunfante à sua ilha na Irlanda. Em sã consciência, não podia recusar uma nova ajuda a Gina, aflita por ver a avó enferma.


—Você aceita? — Os olhos dela brilhavam de expectativa.


— Farei o que sugere.


—Ah, obrigada! — Ela passou os braços em torno da cintura de Harry e pressionou o corpo másculo mais uma vez.


Era possível imaginar o sorriso de satisfação que a avó de Potter daria. Com um pouco de remorso, ele permitiu que Ginevra o enlaçasse, agora pelo pescoço, oferecendo os lábios sedutores.


— Com uma condição — ele falou, tentando encará-la com a mesma condescendência que o irmão Neville usaria ao fechar um negócio.


Nunca me sujeitaria a um marido dominador. As palavras de Gina voltaram à sua mente. De fato, talvez ela jamais se casasse, por temor à submissão, mas isso não excluía a existência de um amante ocasional: ele próprio.


— Qual condição? — ela indagou, desconfiada.


— Que você, Ginevra Weasley, não contrarie minhas instruções, concorde em não fugir de mim a qualquer momento e controle seus caprichos.


— Mais de uma, sr. Potter. — Ela não se deteve diante da mão erguida do cocheiro. — Mas aceito.


— É importante também que não discuta comigo a respeito dessas condições.


Ela fechou a boca de imediato, porém exibiu no rosto sua conhecida expressão de rebeldia. Suspirou, um tanto contrariada, mas a aprovação dela era tudo o que ele desejava. Harry insistiu num aperto de mãos para selar o pacto.


— Você barganha demais, sabia? — ela questionou com o queixo erguido altivamente. — Espero que valha a pena.


— Também espero. — Ele não se incomodou em disfarçar a graça que achava nas atitudes de Gina.


Foi conferir duas ou três baias, para escolher o cavalo que montaria na viagem ao Maine. De uma certa distância, voltou-se para ela.


— Acredita que conseguirá cavalgar por horas e horas?


— Sim. — Ela mexeu nos cabelos. — Acho que sei montar bem.


— Bom, somos dois. Então, a primeira instrução é: prepare uma cesta com alimentos, além de alforjes com água para que possamos partir antes que alguém da casa acorde e nos veja.


— Sim — repetiu Gina, colocando as mãos na cintura. — Mais alguma coisa, senhor?


— Certamente. — Ele meneou a cabeça, refletindo como sua amada era mordaz. — Esteja pronta quando eu voltar aqui. Não me demorarei ao apanhar meus poucos pertences. E você tome cuidado na cozinha. Prefiro não escutar os gritos de seus pais, a não ser dentro de uma distância segura.


Harry saiu do estábulo, rumo a seu quarto, rezando para que os dois chegassem logo à propriedade da sra. Worth. Até lá, sabia ter de enfrentar o sofrimento causado pela tentação que respondia pelo nome de Gina Weasley.


Sele dois cavalos, srta. Weasley. Gina reagiu com irritação à última ordem de Harry antes de deixar o estábulo. Ela a cumpriria, a fim de demonstrar que não era inepta, mas a arrogância dele calou fundo em seu coração.


Teve vontade de gritar enquanto cerrava os punhos. Mas, seria um grave deslize acordar os pais e outros ocupantes da casa. Não se justificava o grito de raiva, diante da insignificância do gesto de machismo de Harry.


Acalorada pelas lembranças do contato físico entre os dois, ela realizou a tarefa sem exibir frustração, permitindo-se apenas um resmungo em voz baixa.


Graças ao empenho da avó, ela havia aprendido a lidar com tudo em que tivesse interesse. Desde muito jovem, ganhara experiência em selar cavalos. Naquele momento, a tarefa se revestia de um significado especial: iria fugir de Boston na companhia de Harry, para prestar assistência à avó doente.


No entanto, a necessidade de manter silêncio deixou-a atrapalhada na hora de ajustar as correias na égua Missy. Primeiro, ela havia aproximado o lampião do corpo do animal, que se agitou um pouco ante a novidade, sem falar que tinha sido acordado e forçado a levantar-se. O melhor de tudo, pensou, seria mostrar a Harry que possuía habilidades maiores do que a média das pedantes moças da sociedade, assim como suportaria os percalços da viagem com o vigor e a coragem de um homem.


— Não me desafie, Missy — falou à égua, cujos movimentos nervosos não impediram que Gina completasse a missão. — Por sua culpa, fiquei parecendo uma idiota agora há pouco, ao tentar selar você no escuro. A quem está querendo impressionar?


O animal apenas ergueu as orelhas em resposta.


— Preciso de toda a sua força e inteligência na estrada — ela acrescentou, batendo no pescoço da égua, que então sacudiu o rabo. — Claro que será bem recompensada com muito feno, alfafa e cana.


Amarrou as rédeas na porta do estábulo e voltou para dentro, a fim de preparar o cavalo negro que Harry apreciava. Sentiu-se bem ao providenciar uma montaria que ele cavalgaria com gosto. Em seguida, a frustração voltou.


— Harry Potter deveria ir andando atrás de mim na estrada — disse a si mesma. — Acusar-me de atrasá-lo e de não saber selar um cavalo é uma atitude insuportável.


Na verdade, Gina dava vez e voz à insatisfação que a castigava, desde que ele a havia tocado na virilha, sugado seus lábios, mordiscado os mamilos sobre a camisa. Ela entendia perfeitamente que a excitação que sentira significava estar viva. E pronta para amar e ser amada.


Sentir o peso dele em cima de seu corpo havia desencadeado uma intimidade perigosa, uma indomável ânsia de prazer físico, algo que Gina nunca havia sentido por homem nenhum. A situação parecera absurda, insana, com ela erguendo os quadris de modo a experimentar-lhe a virilidade. Instintivamente, enroscara as pernas em torno da cintura de Harry, prendendo-o contra si. Atordoada, tinha descoberto que aquela posição facilitava o contato.


Seguramente, Draco Malfoy não despertaria nem um leve arremedo das sensações que Harry havia provocado nela. Principalmente, levando-se em conta a deprimente cena na noite do baile; os frios olhos azuis de Draco e as mãos sempre suadas a deixavam insensível, inerte. Bem diferente do irlandês de olhos verdes, que lhe acendia todo o calor possível de ser encontrado no desejo e na volúpia.


— Se meu pai soubesse disso... — Ela pensou em voz alta, sem interromper o trabalho com o cavalo negro.


— Soubesse do quê? — A voz de Harry soou atrás de Gina, assustando-a.


A surpresa causou um movimento brusco do animal. Ele avançou e empunhou as rédeas, de modo a acalmá-lo. Também empregou algumas palavras em gaélico, o idioma tradicional da Irlanda, que Gina eximiu-se de compreender. Estava entretida com o calor que lhe aquecia as entranhas, à espera de que ele repetisse as carícias de pouco antes.


— Você tem problemas com cavalos — disse Harry acidamente.


— Não — ela murmurou, ofendida. — Nenhum problema. Selei os dois, como você pediu.


Ele verificou as selas, as correias, as rédeas, sem encontrar erros ou folgas. Ela acompanhou, com excitação, os movimentos das mãos masculinas sobre o couro, tocando, puxando, testando.


Suspirou antes de desviar a vista. Não era bom olhar para aqueles dedos, que ora a excitavam, ora a aborreciam. Cruzou os braços até que ele terminasse a inspeção.


— Satisfeito? — desafiou-o quase sem querer.


O olhar de Harry pousou sobre seu rosto com uma rapidez que lhe tirou o fôlego. Nos olhos verdes do irlandês, reinava uma série de emoções. Satisfação não era uma delas.


— Trabalhou bem, moça. — Ele agora a examinava de cima a baixo. — Pensa em trocar de roupa para viajar?


— Não. — Altiva, aguardou-o dizer que não estava adequadamente vestida.


Cansara-se de ser elegante e correta. O traje masculino, além de confortável, poderia provar-se útil durante as peripécias previstas para a viagem. Mas havia outro motivo:


— Minha amiga Hermione tomou o trem da tarde a fim de visitar uma pessoa, e não tenho onde conseguir um vestido. Como não vamos viajar de trem nem de carruagem, é fundamental pensar na comodidade.


À luz do lampião, os olhos de Harry lhe pareceram pesados como couro molhado, mais duros do que a viagem em si. O coração de Gina sopesou a realidade de uma difícil jornada na companhia daquele homem tão instável.


— Já considerou o risco de dividirmos o mesmo quarto, nas estalagens e pousadas do caminho? — ele prosseguiu. — Além disso, encontraremos lugares precários para pernoitar, pois não vamos cavalgar pela rota normal, onde seu pai poderia nos localizar.


Duas novidades. Harry teria segundas intenções ao escoltá-la até o Maine? Procurava assustá-la com as dificuldades do caminho?


— Estou preparada para tudo — respondeu, convicta. — Você mesmo disse que, quanto maior o objetivo, menores as chances, mas é válido o risco de algum desconforto pessoal.


— E depois? Daqui a um mês ou um ano? Está pronta para o desconforto da censura que receberá de seus pais, familiares e amigos? Para lidar com o escândalo de uma fuga de casa na companhia de um homem que mal conhece?


— Não estou fugindo. Apenas lutando por minha independência, pela vida que escolhi. Além do mais, minha avó significa muito para mim.


— Pode enganar os outros, Ginevra Weasley, mas nunca a si mesma. — Ele sustentou o olhar, tentando medir a honestidade com que ela se expressava.


Verdade seja dita, Gina sentiu-se gratificada com a oportunidade de frustrar as expectativas dos outros, de sair de um lugar em busca do tipo de vida que escolhera. Quanto à honestidade, era um alívio saber que jamais se tornaria a esposa de Draco Malfoy depois daquela escapulida.


Nada disso, no fundo, era da conta de Harry Potter. Cabia-lhe somente deixá-la sã e salva na propriedade da avó, em Somerset, no Estado do Maine, onde daria curso livre a suas metas existenciais. Esse pensamento, porém, teve como consequência torná-la extremamente fria e vazia.


— Estou preocupada com vovó. Ela sofreu semanas a fio antes de escrever à família, e o médico confirma que não se recupera bem.


— É melhor partirmos, então.


Gina concordou, mas pediu que ele a esperasse um pouco, até que apanhasse água e mantimentos na cozinha da casa. A tarefa não demorou mais que quinze minutos. Ao retornar ao estábulo, deparou com Harry já montado. Prendeu a pequena carga nas costas dos dois animais e saltou com agilidade ao lombo da égua Missy. Em seguida, os dois saíram pelo portão que Harry já havia aberto.


Ia começar uma experiência e tanto!


Com batidas carinhosas no pescoço das montarias, Harry e Gina contiveram o relincho dos animais, uma reação normal sempre que saíam do estábulo. Ninguém deveria ouvi-los. O coração de Gina acelerou-se logo nos primeiros metros. A enormidade de seu plano aparecia agora em dimensões reais.


Como podia se sentir tão estranha ao lado do homem que a exasperava com suas carícias? Como chegara a admitir que levá-lo com o intuito de protegê-la seria uma boa ideia? Atravessar florestas, passar as noites com a pessoa que a fazia arder de desejo não era ainda mais perigoso?


A noite enluarada espalhava estrelas pelo firmamento e uma brisa agradável pelo ar. Assim que o cavalo negro e a égua alazã passaram do trote ao galope, a tensão de Giina se reduziu, apenas um pouco. Ela saíra de casa sem permissão e a questão da lealdade aos pais a afligia. Havia tomado uma decisão sem volta.


Tremia ante a certeza de que sua aventura com o cocheiro irlandês que trouxera para casa, poucos dias antes, jamais seria compreendida ou perdoada pelos pais. No entanto, recusava-se a entrar em desespero. Tinha bons motivos para fazer o que fizera. E se os pais se decepcionassem a ponto de renegá-la como filha, sempre lhes restaria a fútil e submissa Luna, que adoraria reinar soberana no lar paterno.


Suspirando, Gina mudou o rumo de seus pensamentos ao observar Harry cavalgando. Não poderia deixar de sentir-se grata a ele, por ajudá-la a se afastar das preocupações domésticas e assim poder assistir melhor a avó quando chegasse ao sítio.


Aparentemente, ele encontrava uma razoável dose de satisfação no triste malogro de seus projetos. Sem hesitar, ela relembrou alguns fatos da vida de Harry, desde o instante em que o vira no porto de Boston. Então, tendo em mente os acontecimentos da última hora, ela recordou como ele conseguira passar de cocheiro a guardião em tão reduzido intervalo.


A despeito de fazer pouco tempo que estava nos Estados Unidos, Harry conhecia a geografia do país o suficiente para saber que tomava a direção oposta a seu destino original: a Califórnia. Cada quilómetro percorrido o levava para mais longe dos objetivos que havia estabelecido. Metas que precisava alcançar o quanto antes, pelo bem da família Potter.


Julgava-se um traste por ter se rendido aos caprichos de Gina. Contudo, quando a tomava nos braços, náufrago da tempestade desencadeada pela antiga bênção, refém do intenso desejo carnal que a herdeira dos Weasley lhe despertava, sentia-se incapaz de negar qualquer vontade dela. Parecia que seu destino havia se atado ao de Gina. Ou tentava enganar-se permitindo que a luxúria o envolvesse, acima da crença na bênção dos Potter.


Os cascos dos cavalos estalavam com suavidade na trilha de terra que levava à estrada principal. A lua começava a apagar-se, dando lugar ao alvorecer, quando chegaram a um entroncamento. Harry teve de aceitar os fatos: seria impossível, naquele instante, dar meia-volta e deixar Gina em segurança na varanda da mansão dos pais.


Bênção ou maldição? Quem poderia desfazer o dilema ou assegurar que ele se achava no rumo certo?


Todos os Potter precisam tomar cuidado e ficar em alerta até que recebam um grande dom: uma prova de estima, uma promessa, uma imensa gratidão. As palavras do irmão Neville, relembradas, impactaram Harry como parte de uma tradição imemorial. Mas agora existia um oceano inteiro separando-o do lar. Você terá de fazer uma escolha: desfrutar a bênção ou sofrer a maldição.


Seu destino era ele mesmo quem traçaria, como os guerreiros da velha Irlanda, celebrados por grandes feitos em batalhas sangrentas. Adorava ouvir, contadas pela avó, essas histórias de coragem e ousadia. Naquele momento, estava a serviço de uma mulher caprichosa. Mas talvez ela fosse um meio para que ele alcançasse suas metas, o destino que escolhera para si. Conduzia Gina ao Maine supondo que tomava um atalho para a Califórnia. Talvez tudo estivesse escrito.


A escolha não poderá ser desfeita. O alerta de Carlos provocou nele um suspiro desencantado, que beirou o resmungo. Harry notou a respiração intensa de seu cavalo negro. Com uma sensação de choque, calculou que faltava muito para o fim da viagem, mesmo já tendo deixado os limites da cidade. Olhou para trás e admirou a vista de Boston ao longe.


— É um cenário adorável — sussurrou Gina ao percebê-lo perdido em pensamentos.


As luzes da vizinha Charlestown piscavam, configurando uma paisagem decepcionante em seu sono. A lua enfatizou as peculiaridades do rosto de Gina, a delicada linha do queixo. Em silêncio, ele vibrou com as imagens que criava em sua mente. Nenhuma mulher, por mais encantadora que fosse, tivera o poder de desviá-lo das próprias metas e aspirações. Ele então repetiu para si mesmo que tinha vindo à América pelo ouro, nada mais, nada menos.


Os olhos de Gina, ao contemplá-lo, tinham o brilho refletido pela lua pálida. Um conhecido calor o invadiu. Era melhor conversar pouco com ela, a fim de não perder a concentração nos próprios planos. O que havia feito?


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