Depois o silêncio



Depois o silêncio

- Por que você não vem pra Páscoa?
- Como você soube?
- Ouvi mamãe dizer... ela disse pr’aquele homem que tudo bem se você não quisesse vir.
- Que homem?
- O homem da sua escola, acho que era um professor. Ele esteve aqui com aquele outro... O que vem toda vez que... eu faço alguma coisa.
- O auror esteve aí de novo?
- Ele é amigo de mamãe, né? Acho que vem sempre por isso.
- Pode ser... mas o que um professor... Qual era o nome dele?
- Dumb...
- Dumbledore! O Diretor esteve aí?
- Ei, não grite! Minha cabeça dói!
- Desculpe... Mas me conte tudo.
- Está bem. Foi assim:

“Eu tinha visto uns garotos pulando o muro lá atrás e indo mexer nos canteiros da mamãe, aí fui lá correndo para espantá-los, tem ervas perigosas lá, você sabe, e... bom, eu os fiz voar de volta pelo muro... Foi uma gritaria danada, acho que tiveram que fazer os meninos esquecerem de tudo, por isso o auror veio com os outros...
Mamãe ficou apavorada, pensando que iam me prender, ou a ela por não ter cuidado direito de mim. Então, o Professor chegou, dizendo que queria falar sobre você. Ela ficou preocupada e eu também, quando vi. Pensamos que por minha causa você ia ter que sair da escola...
Ele tranqüilizou mamãe, não se tratava disso. Eu tentei vê-lo... mas algo estranho aconteceu. Uma luz forte me impediu e, de repente, ele estava me vendo também, me perguntando coisas. Então, mandou que eu descesse. De alguma maneira, a porta do quarto abriu, então, eu obedeci.
Quando cheguei à sala, ele me olhou por cima daqueles óculos engraçados, os olhos dele pareciam ir lá no fundo... tive medo e tentei não deixá-lo me ver. Acho que ele achou isso engraçado, porque sorriu e me ofereceu um doce. O outro só ficava em silêncio, me observando. Às vezes resmungava alguma coisa, mas nem tentei olhar pra ele.
Mas o Professor dizia à mamãe que ficasse tranqüila. Você está indo bem na escola, é muito inteligente e sabe mais do que a maioria sabe no primeiro ano. Isso deve ser bom, né?
Então, ele disse que nos visitará mais vezes, pra me ver. Que já houve um caso semelhante e que... ele vai me acompanhar de perto. Pareceu tão triste ao dizer isso e eu fiquei com pena dele. Então, pensei ter visto uma menina, mas a luz forte me impediu de novo. Ele sorriu pra mim, disse pra me cuidar, e foi embora.”

- Você disse que tentou vê-lo e não conseguiu. Isso confirma o que eu imaginava...
- O que?
- Dumbledore é um “Oclumente”. E eu preciso aprender a ser um também.
- O que é isso?
- Um oclumente impede as outras pessoas de verem sua mente, suas lembranças ou pensamentos. Algumas pessoas conseguem fazer isso. Eu tive essa impressão quando ele veio falar comigo, outro dia. Parecia que ele sabia o que eu estava pensando, mas eu não tinha sentido nada... Eu sempre sinto você, então, não tinha prestado atenção a nada diferente.
- Ele é como nós?
- Sim. Só que a maioria precisa treinar muito e até usar um feitiço pra fazer como você faz.
- Você não consegue? Ver todo mundo?
- Como você? Não. Só um pouco. Estou treinando isso também.
- Dá pra ser as duas coisas?
- Claro! Olha só o Dumbledore. Ele também “viu” você, não foi? E não deixou que você o visse. Eu preciso aprender rápido a fazer isso, e você também. É mais seguro pra você.
- Tem alguma cosia sobre isso nos livros aqui em casa?
- Você ainda está com alguns em seu quarto?
- Sim.
- Então procure sobre “Oclumência e Legilimência”. Deve estar nos livros de Feitiços de Defesa.
- Essas palavras são difíceis...
- Você não vai esquecer, vai?
- Não, não vou. Oclu...mência, Leg... legilimência. Pronto.
- Ótimo. Preciso ir, hora da aula de Transfiguração.
- Posso “ir” com você?
- Humm...não sei. Acho melhor não.
- Mas eu estou com tanta saudade! E você não vem no feriado!
- Está bem. Mas não me distraia perguntando ou dizendo nada.
- Combinado.
- Então, vamos. Droga, outra aula com os grifinórios...
- Posso dizer só uma coisinha?
- O que é?
- Eu amo você.


***

O auror pegou um pequeno punhado de pó de flu e jogou na lareira.
- Albus Dumbledore! – exclamou.
Logo, a cabeça do diretor de Hogwarts flutuava nas chamas verdes.
- Moody, velho amigo. Algum problema? Estou numa reunião com Minerva e...
- A nossa menina, Albus. Desta vez, é impossível encobri-la. Aconteceu uma tragédia.
O outro perdeu instantaneamente a aparência despreocupada.
- Ela está...
- Em estado de choque. Não consegue acreditar que a filha fez o que fez.
- Moody, seja mais claro. O que aconteceu?
- Ela... a menina... matou o próprio pai.
- Merlin! – o professor ficou pensativo alguns segundos. – Chego aí em alguns minutos – e voltando-se para alguém ao seu lado – Minerva, acho que seria oportuno você me acompanhar...

Alastor Moody afastou-se da lareira e voltou-se para a mulher sentada à mesa, completamente apática. O corpo de seu marido estava a um canto, sua filha não estava à vista. A garota refugiara-se no quarto, e o auror nem sabia se ela percebera a extensão dos acontecimentos. Talvez nem tivesse percebido que o pai estava morto e a mãe em choque.
O auror já vira de tudo, mas uma tragédia familiar como aquela... Como contariam ao garoto que estava em Hogwarts? Bem, isso era preocupação para Dumbledore, não ele, mas, seguramente Azkaban não poderia ser o destino de uma menininha de oito anos. Era duro demais. Cruel demais. Por outro lado, entregá-la ao St Mungus ou aos Inomináveis também seria crueldade... Ou não?
Seus pensamentos foram interrompidos pelo estalar duplo. Albus Dumbledore e Minerva McGonagall acabavam de chegar.

***

- Ela não é minha filha! Não depois disso!
- Por favor, se acalme. Vai ficar tudo bem?
- Tudo bem? Meu marido está morto! Morto! E foi ela. Ela é um monstro!
- É só uma criança que não sabe controlar os poderes ainda. Ela vai aprender. E precisa de você pra ajudá-la a se recuperar disso tudo.
- Não. Ela não precisa de mim. Eu não preciso de uma filha como ela. E o meu menino? Como vamos dizer isso a ele?
Minerva balançou a cabeça, desalentada. A mulher estava apavorada e nada mudava seu sentimento de rejeição pela própria filha. E a professora de transfiguração temia que nunca mudasse. Teriam que tomar alguma atitude mais drástica. O que mais a preocupava era a pobre menina. O que fariam com ela?
Era justamente isso que Moody e Dumbledore discutiam. Pareciam já ter chegado num acordo.
O infeliz acidente ocorrera porque a filha pensara que a mãe estava em perigo, numa discussão violenta com o marido. Querendo proteger a mãe, a menina se interpusera entre os dois, pensando apenas que empurrava o pai para longe. Entretanto, não fora a força física limitada de uma menina de oito anos que ela usou pra isso, mas uma magia elementar, que o jogou contra a parede violentamente. Uma fratura no crânio, e o homem estava morto.
Não fora sua intenção machucar o pai, mas a mãe estava transtornada demais para ver isso. E Moody não conseguiria desviar a atenção do Departamento de Controle de Acidentes Mágicos por mais tempo.
Então, só havia uma solução: porque Dumbledore temesse por uma tragédia ainda maior, a menina teria que ser levada. Mas... para onde? Quem poderia ter a missão de controlar sua magia? Ainda era muito pequena para ir a Hogwarts, onde poderia ficar sob sua vigilância pessoal. Sem contar que ele ainda tinha outros problemas, como um pequeno lobisomem pra manter em segurança e uma certa onda crescendo entre os sangues-puros, principalmente na Sonserina.
Foi então que Minerva pareceu ter uma idéia:
- Meu irmão. Ele e a esposa podem cuidar dela. Minha cunhada tem poderes que podem ajudá-la.
- Você consegue falar com eles rapidamente?
- Se eu der sorte de estarem onde tenha uma lareira...
- Então tente.
- E a mãe e o irmão?
- Alteraremos suas memórias. A menina nunca terá existido pra eles. O pai e marido terá simplesmente caído da escada e batido com a cabeça. Os resíduos mágicos já se dissiparam, e ele é um trouxa, além de claramente estar alcoolizado... Os trâmites legais ocorrerão normalmente.
- E ela? A menina?
- Também teremos que alterar sua memória. Para que ela não os procure depois. Não será seguro.
- Vamos lá?
- Esperemos por Minerva. Será melhor em três, principalmente porque a menina tentará impedir. Se não funcionar inteiramente, será preciso um feitiço de segredo ou até um voto perpétuo, e ela ainda não tem varinha, precisará de uma “madrinha” para isso.
- Bem pensado.
- Minerva?
A professora voltava da lareira.
- Tudo certo, Albus. Eles concordaram. Estarão aqui em minutos.
- Então, vamos.
Ele sacou sua varinha, no que foi imitado pelos outros dois, e subiu em direção ao quarto da menina.
Havia um trabalho importante e delicado a ser feito.

***

- Por favor, não esteja treinando Oclumência logo agora, eu preciso de você!

Silêncio.

- Eu ouvi o que eles querem fazer! Não vou deixar! Como faço? Me ajude!

Silêncio.

- O que eu posso fazer... Já sei. Oclumência. Esconder meus pensamentos e sentimentos. Preciso tentar com força, ele é muito poderoso... Mas vou conseguir, vou conseguir...

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