DOZE
Doze
Nunca vi Cho tão aparvalhada.
- Ele sabe todos os seus segredos? – Ela está me olhando como se eu tivesse acabado de informar, com orgulho, que vou sair com um assassino em série. – O que você quer dizer com isso?
- Eu me sentei perto dele num avião e contei tudo sobre mim.
Franzo a testa para o reflexo no espelho e arranco outro fio de sobrancelha. São sete horas, eu tomei um banho, sequei o cabelo e agora estou fazendo a maquiagem.
- E agora ele convidou Hermione para sair – comenta Ginny, abraçando os joelhos. – Não é romântico?
- Você está brincando, não está? – Cho está pasma. – Diga que isso é uma piada.
- Claro que não estou brincando! Qual é o problema?
- Você vai sair com um homem que sabe tudo sobre você.
- É.
- E está perguntando qual é o problema? – Sua voz cresce, incrédula. – Está maluca?
- Claro que não estou maluca!
- Eu sabia que você estava a fim dele – gaba-se Ginny, pela milionésima vez. – Eu sabia. Desde o momento em que você começou a falar dele. – Ela olha para o meu reflexo. – Eu deixaria essa sobrancelha em paz agora.
- Verdade? – Olho o meu rosto.
- Hermione, a gente não fala aos homens sobre a gente! A gente tem de guardar alguma coisa! Mamãe sempre me disse que um homem nunca deve ver o conteúdo da bolsa da mulher.
- Bem, é tarde demais – eu a desafio. – Ele já viu tudo.
- Então isso nunca vai dar certo. Ele nunca vai respeitar você.
- Vai sim.
- Hermione – insiste Cho, quase com pena. – Você não entende? Você já perdeu!
- Eu não perdi!
Algumas vezes acho que Cho não vê os homens como pessoas, mas como robôs alienígenas que devem ser dominados por qualquer meio possível.
- Você não está ajudando muito, Cho – intervém Ginny. – Qual é, você já teve um monte de encontros com empresários ricos. Você deve ter algum conselho bom!
- Certo. – Cho suspira e pousa sua bolsa. – É uma causa sem solução, mas vou fazer o melhor possível. – Ela começa a contar nos dedos. – A primeira coisa é estar impecável.
- Por que você acha que eu estou fazendo as sobrancelhas? – rebato, com uma careta.
- Ótimo. Certo, outra é mostrar interesse pelos passatempos dele. De que ele gosta?
- Não sei. Carros, eu acho. Parece que ele tem um monte de carros antigos no rancho.
- Muito bem! – Cho fica animada. – Isso é bom. Finja que você gosta de carros, sugira visitarem uma exposição de carros. Você poderia folhear uma revista de carros no caminho para lá.
- Não posso – respondo, tomando um gole relaxante, pré-encontro, de Harvey’s Bristol Cream. – Eu disse a ele no avião que odeio carros antigos.
- Você fez o quê? – Cho parece a ponto de me dar um soco. – Você contou ao homem com quem vai se encontrar que odeia o passatempo predileto dele?
- Eu não sabia que ia me encontrar com ele, sabia? – digo na defensiva, pegando minha base. – E, de qualquer modo, é verdade. Eu odeio carros antigos. As pessoas que andam neles sempre parecem metidas a bestas e satisfeitas consigo mesmas.
- O que é que a verdade tem a ver com as coisas? – A voz de Cho se ergue, agitada. – Hermione, sinto muito, não posso ajudar você. Isso é um desastre. Você está completamente vulnerável. É como ir para uma batalha de camisola.
- Cho, isso não é uma batalha – respondo revirando os olhos. – E não é um jogo de xadrez. É um jantar com um homem bom!
- Você é cínica demais, Cho – concorda Ginny. – Eu acho que é realmente romântico! Eles vão ter um encontro perfeito, porque não vai haver aquela sensação incômoda. Ele sabe do que Hermione gosta. Sabe no que ela é interessada. Os dois já são totalmente compatíveis.
- Bem, eu lavo minhas mãos – desiste Cho, ainda balançando a cabeça. – O que você vai usar? – Seus olhos se estreitam. – Onde está sua roupa?
- Meu vestido preto – respondo inocentemente. – E a sandália de tiras. – Aponto para trás da porta, onde o vestido preto está pendurado.
Os olhos de Cho se estreitam ainda mais, até parecerem somente dois risquinhos. Sempre acho que ela seria uma boa oficial da SS.
- Você não vai pegar nada meu emprestado.
- Não! – nego, indignada. – Francamente Cho, eu tenho minhas roupas, né?
- Ótimo. Bem. Divirta-se.
Ginny e eu esperamos seus passos se afastarem até o fim do corredor e a porta da frente bater com força.
- Pronto! – exclamo empolgada, mas Ginny levanta a mão.
- Espera.
As duas ficamos sentadas imóveis por uns dois minutos. Depois ouvimos o som da porta da frente sendo aberta muito discretamente.
- Ela quer pegar a gente – sussurra Ginny. – Ei! – chama ela, levantando a voz. – Tem alguém aí?
- Ah, oi. – responde Cho, aparecendo na porta do quarto. – Esqueci o brilho labial. – Seus olhos fazem uma rápida varredura no quarto.
- Acho que não está aqui. – diz Ginny, inocente.
- Não. Bem. – Seus olhos viajam de novo cheios de suspeita pelo quarto. – Certo. Tenham uma boa noite.
De novo seus passos ecoam pelo corredor, e de novo a porta da frente bate com força.
- Pronto! – exclama Ginny. – Vamos.
Tiramos a fita adesiva da porta de Cho e Ginny faz uma pequena marca onde ela estava.
- Espera! – adverte ela, quando estou para empurrar a porta. – Há outra embaixo.
- Você deveria ser espiã – observo, olhando-a tirar a fita com cuidado.
- Bom. – A testa de Ginny está franzida de concentração. – Tem de haver mais alguma armadilha.
- Tem fita adesiva no armário também – constato. – E... ah meu Deus! – aponto. Há um copo d’água equilibrado em cima do armário, pronto para nos encharcar se abrirmos a porta.
- Aquela vaca! – indigna-se Ginny quando vou pegá-lo. – Sabe, eu tive de passar a noite inteira atendendo ao telefone para ela um dia desses, e ela nem agradeceu.
Ela espera até eu ter posto o copo d’água num lugar seguro, depois estende a mão para a porta.
- Pronta?
- Pronta.
Ginny respira fundo, depois abre a porta do armário. Imediatamente uma sirene alta, penetrante, começa a uivar. “Uiii-uu uiii-uu uiii-uu...”
- Merda! – grita ela, batendo a porta. – Merda! Como ela fez isso?
- Continua tocando! – digo agitada. – Como é que pára?
- Não sei! Acho que precisa de um código especial!
Estamos as duas batendo freneticamente no armário, tateando, procurando um interruptor.
O som se interrompe abruptamente e nós nos encaramos, um pouco ofegantes.
- Na verdade – Ginny se manifesta depois de uma longa pausa. – Na verdade, eu acho que deve ter sido um alarme de carro lá fora.
- Ah. Certo. É, talvez tenha sido.
Meio sem graça, Ginny estende a mão de novo para a porta, que desta vez se mantém em silêncio.
- Pronto. Aqui vai.
- Uau. – Respiramos ao mesmo tempo enquanto ela abre a porta.
O armário de Cho é como um baú de tesouro. Como uma árvore de Natal. São roupas novas, brilhantes, lindas, uma depois da outra, todas muito bem dobradas e penduradas em cabides perfumados, como numa loja. Todos os sapatos ficam em caixas com fotos Polaroid na frente. Todos os cintos muito bem pendurados em ganchos. Todas as bolsas estão muito bem enfileiradas numa prateleira. Já faz um tempo desde que eu peguei alguma coisa emprestada com Cho, e cada item parece ter mudado desde então.
- Ela deve gastar uma hora por dia mantendo isso arrumado – comento com um suspiro, pensando na bagunça do meu armário.
- E passa mesmo. Eu já vi.
Veja bem, o armário da Ginny é ainda pior. Consiste numa cadeira em seu quarto, sobre a qual tudo é jogado numa pilha enorme. Ela diz que guardar coisas faz seu cérebro doer, e que, desde que esteja limpo, o que importa?
- Então! – Ginny ri, e estende a mão para um vestido branco e brilhante. – Que look madame vai querer esta noite?
Não uso o vestido branco brilhante. Mas experimento. De fato, nós duas experimentamos um bocado de coisas, e depois temos de colocar de volta, muito cuidadosamente. De vez em quando um alarme de carro é acionado lá fora, e nós duas pulamos aterrorizadas, para logo em seguida fingir que não estamos nem aí.
No fim, eu escolho uma incrível blusa vermelha, nova, com ombros cortados, com minhas calças de chiffon preto da DNKY (25 libras num bazar em Notting Hill) e a sandália Prada de salto alto, prateada, de Cho. E depois, mesmo que eu não estivesse pretendendo, no último minuto pego também uma bolsinha Gucci.
- Você está incrível! – exclama Ginny quando faço uma pirueta. – Ma-ra-vi-lho-sa!
- Não estou chique demais?
- Claro que não! Qual é, você vai jantar com um multimilionário!
- Não diga isso! – exclamo sentindo os nervos apertarem o estômago. Olho o relógio. São quase oito horas.
Ah meu Deus. Agora estou começando realmente a ficar nervosa. Na diversão de me arrumar, quase tinha esquecido para que era.
“Fique calma”, digo a mim mesma. É só um jantar. Só isso. Nada especial. Nada fora do...
- Porra! – Ginny está olhando pela janela da sala de estar. – Porra! Tem um carro grande lá fora!
- O quê? Onde? – Corro para perto dela, com o coração galopando. Quando acompanho seu olhar, estou quase sem fôlego.
Um carro enorme e chique está esperando do lado de fora da nossa casa. Quero dizer, enorme. É prateado e brilhante, e chama uma atenção incrível na nossa ruazinha. Na verdade estou vendo algumas pessoas olhando curiosas da casa do outro lado.
E de repente estou mesmo cheia de pavor. O que estou fazendo? Este é um mundo do qual eu não sei nada. Quando estávamos naquelas poltronas do avião, Harry e eu só éramos duas pessoas no mesmo nível. Mas olha agora. Olha o mundo em que ele vive – e olha o mundo em que eu vivo.
- Ginny – murmuro numa voz minúscula. – Não quero ir.
- Quer sim! – reage Ginny, mas dá para ver que ela está pirada como eu.
A campainha toca, e nós duas pulamos.
Acho que vou vomitar.
Certo. Certo. Lá vou eu.
- Oi – digo ao interfone. – Eu... já estou descendo.
Ponho o fone no gancho e olho para Ginny.
- Bem – sussurro com a voz trêmula. – É isso aí!
- Hermione. – Ginny agarra minhas mãos. – Antes de ir: Não ligue para o que a Cho falou. Só se divirta. – Ela me abraça com força. – Ligue se puder.
- Eu ligo.
Dou uma última olhada no espelho, depois abro a porta e desço a escada.
Abro a porta de baixo e Harry está ali parado, usando paletó e gravata. Ele sorri para mim, e todos os meus medos voam para longe como borboletas. Cho está errada. Não sou eu contra ele. Sou eu com ele.
- Oi – Harry ostenta um sorriso caloroso. – Você está muito bonita.
- Obrigada.
Estendo a mão para a maçaneta, mas um homem de quepe se adianta para abrir a porta do carro para mim.
- Sou uma idiota! – digo nervosa.
Não acredito que estou entrando nesse carro. Eu. Hermione Granger. Estou me sentindo uma princesa. Uma estrela de cinema.
Sento-me no banco fofo, tentando não pensar em como esse carro é diferente de todos em que já entrei, em toda a vida.
- Você está bem? – pergunta Harry.
- Sim! Estou ótima! – Minha voz é um guincho nervoso.
- Hermione. A gente vai se divertir. Eu prometo. Você tomou o xerez pré-encontro?
Como é que ele sabia...
Ah, sim. Eu contei no avião.
- Sim, tomei – admito.
- Quer mais um pouco? – Ele abre o bar e eu vejo uma garrafa de Harvey’s Bristol Cream numa bandeja de prata.
- Você comprou isso especialmente para mim? – exclamo, incrédula.
- Não, é minha bebida predileta. – Sua cara-de-pau é tão tremenda que não consigo evitar o riso. – Eu acompanho você – propõe ele, enquanto me entrega um copo. – Nunca provei isso antes. – Ele se serve de uma dose grande, toma um gole e quase cospe. – Está falando sério?
- É gostoso! Tem gosto de Natal!
- Tem gosto de... – Ele balança a cabeça. – Nem quero dizer que gosto tem. Vou ficar no uísque, se você não se incomodar.
- Certo – concordo, dando de ombros. – Mas você está perdendo. – Tomo outro gole e dou um riso feliz. Já estou totalmente relaxada.
Vai ser um encontro perfeito.
N/A: Sim, eu sei. O capítulo 12 é muuuuito pequeno. Por isso, serei bacana e pensarei também no tempão que vocês ficaram sem capítulo nenhum. Então, na sequência, capítulo 13!
Será que esse encontro será perfeito???
DIVIRTAM-SE!!!
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