SEIS
Seis
Pelo resto do dia há uma espécie de atmosfera festiva no trabalho. Mas eu só fico ali sentada, incapaz de acreditar no que aconteceu. E, enquanto vou para casa no fim da tarde, meu coração ainda está martelando por causa da improbabilidade daquilo tudo. E da injustiça daquilo tudo.
Ele era um estranho. Ele deveria ser um estranho. A única lógica dos estranhos é que eles desaparecem no éter, para nunca mais serem vistos. E não para aparecer no escritório. Não para perguntar quanto é oito vezes nove. Não para acabar sendo seu megapatrão.
Bem, só posso dizer que isso me ensinou. Meus pais sempre disseram para não conversar com estranhos, e estavam certos. Nunca mais vou contar nada a um estranho. Nunca.
Marquei de ir ao apartamento de Draco à noite, e quando chego sinto o corpo se expandir de alívio. Longe do escritório. Longe de toda a conversa interminável sobre Harry Potter. E Draco já está cozinhando. Puxa, não é perfeito? A cozinha está cheia de um perfume de alho e ervas, e há uma taça de vinho me esperando na mesa.
- Oi! – exclamo, e lhe dou um beijo.
- Oi, querida! – responde ele, olhando o fogão.
Merda. Esqueci totalmente de dizer querido. Certo, como é que vou lembrar?
Sei. Vou escrever na mão.
- Dá uma olhada nisso. Eu baixei da internet. – Draco sinaliza para uma pasta de papel na mesa, com um sorriso amplo. Eu abro e me pego olhando uma foto granulada, em preto-e-branco, de uma sala com um sofá e uma planta num vaso.
- Apartamentos! – exclamo, pasma. – Uau. Que rapidez! Eu ainda nem dei a notícia.
- Bem, a gente tem de começar a procurar. Olha, aquele ali tem varanda. E há um com uma lareira que funciona!
- Nossa!
Sento-me numa cadeira e olho a fotografia turva, tentando me imaginar morando com Draco ali. Sentada naquele sofá. Só nós dois, toda noite.
Imagino o que conversaremos.
Bem! Vamos conversar sobre... o que sempre conversamos.
Talvez a gente jogue Banco Imobiliário. Só se ficarmos chateados ou sei lá o quê.
Viro outra folha e sinto uma pontada de empolgação.
Esse apartamento tem piso de madeira e postigos nas janelas! Eu sempre quis piso de madeira e postigos. E olha aquela cozinha maneira, com tampos de bancadas de granito...
Ah, vai ser fantástico. Mal posso esperar!
Tomo um gole de vinho, feliz, e estou afundando confortavelmente na cadeira quando Draco puxa conversa:
- E aí? Não é um barato esse negócio do Harry Potter ter vindo?
Ah meu Deus. Por favor. Chega de falar na porcaria do Harry Potter.
- Você o conheceu? – pergunta Draco, vindo com uma tigela de amendoins. – Ouvi dizer que ele foi ao Marketing.
- Hmm, é, conheci.
- Ele foi na Pesquisa esta tarde, mas eu estava numa reunião. – Draco me olha, bestificado. – Então, como ele é?
- É... não sei. Cabelo preto... americano... E aí, como foi a reunião?
Draco ignora totalmente minha tentativa de mudar de assunto.
- Mas não é empolgante? – Seu rosto está luzindo. – Harry Potter!
- Acho que é. – Dou de ombros. – Mas olha...
- Hermione! Você não está empolgada? – Draco fica perplexo. – Nós estamos falando do fundador da empresa! Estamos falando do sujeito que criou o conceito da Panther Cola. Que pegou uma marca desconhecida, remodelou e vendeu ao mundo! Transformou uma empresa fracassada numa enorme corporação de sucesso. E agora nós vamos conhecê-lo. Você não acha isso emocionante?
- É – digo finalmente. – É... emocionante.
- Pode ser a oportunidade da vida para todos nós. Aprender com o próprio gênio! Sabe, ele nunca escreveu um livro, nunca compartilhou os pensamentos com ninguém além de Ronald Weasley...
Draco enfia a mão na geladeira, pega uma lata de Panther Cola e abre. Draco deve ser o empregado mais fiel do mundo. Uma vez eu comprei uma Pepsi quando a gente fez um piquenique, e ele quase teve uma hérnia.
- Sabe o que eu adoraria acima de tudo? – continua ele, tomando um gole. – Um papo pessoal com ele. – Draco se vira para mim, com os olhos brilhando. – Um papo pessoal com Harry Potter! Não seria o impulso de carreira mais fantástico?
Um papo pessoal com Harry Potter.
É, foi um tremendo impulso para a minha carreira.
- Acho que sim – respondo, relutante.
- Claro que seria! Só ter a chance de ouvi-lo. Ouvir o que ele tem a dizer! Puxa, o cara ficou escondido durante três anos. Que idéias ele esteve gerando todo esse tempo? Ele deve ter um monte de pensamentos e teorias, não somente sobre marketing, mas sobre negócios... sobre o modo como as pessoas trabalham... sobre a vida.
A voz entusiasmada de Draco é como sal esfregando na minha pele machucada. Então, vejamos de que modo espetacular eu cometi esse erro, certo? Estou sentada num avião ao lado do grande Harry Potter, gênio criativo e fonte de toda a sabedoria nos negócios e no marketing, para não mencionar os grandes mistérios da vida em si.
E o que eu faço? Alguma pergunta perspicaz? Tenho uma conversa inteligente com ele? Aprendo alguma coisa com ele?
Não. Falo sobre o tipo de calcinha que eu prefiro.
Grande passo na carreira, Hermione. Um dos melhores.
No dia seguinte Draco vai logo cedo para uma reunião, mas antes de sair ele pega um velho artigo de revista sobre Harry Potter.
- Leia isso – propõe ele, a boca cheia de torrada. – É uma boa informação básica.
“Eu não quero nenhuma informação básica!”, sinto vontade de responder, mas Draco já saiu pela porta.
Estou tentada a deixar isso para trás e nem me incomodar em ler, mas a viagem da casa de Draco até o trabalho é bem longa, e eu não tenho nenhuma revista. Então levo a matéria comigo e começo a ler de má vontade no metrô e acho que é uma história bem interessante. Como Potter e Ronald Weasley eram amigos e decidiram entrar no mundo dos negócios, e Harry era o criativo e Ronald o playboy extrovertido, e os dois se tornaram multimilionários juntos, e eram tão íntimos que eram praticamente irmãos. E então Ronald morreu num acidente de automóvel. E Harry ficou tão arrasado que se trancou longe do mundo e disse que estava desistindo de tudo.
E, claro, agora que eu leio tudo isso, estou começando a me sentir meio estúpida. Eu deveria ter reconhecido Harry Potter. Puxa, eu certamente reconheço Ronald Weasley. Por um lado, ele parece – parecia – um Jude Law ruivo. E por outro lado, ele saiu em todos os jornais quando morreu. Agora lembro nitidamente, mesmo que na época eu não tivesse nada a ver com a Corporação Panther. Ele bateu com o Mercedes, e todo mundo disse que foi igualzinho à princesa Diana.
Estou tão ocupada lendo que quase passo da estação e tenho de dar uma daquelas corridas estúpidas até a porta, daquelas em que todo mundo olha para você tipo: sua imbecil, não sabia que sua parada estava chegando? E então, quando as portas se fecham, percebo que deixei a revista para trás, no vagão.
Ah, bem. Eu captei o sentido geral.
É uma manhã ensolarada, e eu vou até o bar de sucos onde em geral dou uma paradinha antes do trabalho. Adquiri o hábito de tomar um suco de manga todas as manhãs, porque é saudável.
E também porque há um neozelandês bem bonito que trabalha atrás do balcão, chamado Oliver. (De fato, eu tive uma minipaixonite por ele, antes de começar o namoro com Draco.) Quando ele não está trabalhando no bar, faz um curso de ciências dos esportes e sempre fica me contando coisas sobre sais minerais e qual deve ser a nossa taxa de carboidratos.
- Oi – diz ele quando eu entro. – Como vai o kickboxing?
- Ah! – respondo, ruborizando ligeiramente. – Ótimo, obrigada.
- Você tentou aquela manobra nova que eu falei?
- Tentei! Ajudou bastante!
- Eu achei que ajudaria – responde ele, satisfeito, e vai fazer meu suco de manga.
Certo. Então a verdade é que eu realmente não faço kickboxing. Tentei uma vez, no centro de lazer do bairro e, para ser honesta, fiquei chocada! Não tinha idéia de que seria tão violento. Mas Oliver ficou tão entusiasmado e dizendo que isso transformaria a minha vida, que eu não pude me obrigar a admitir que tinha desistido depois de apenas uma aula. Parecia fraqueza. Por isso eu meio que... menti. E, puxa, não é que isso seja importante. Ele nunca vai saber. Eu nunca o vejo fora do bar de sucos.
- Um suco de manga – sugere Oliver.
- E um brownie de chocolate – completo. – Para... minha colega. – Oliver pega o brownie e coloca num saco de papel.
- Sabe, essa sua colega precisa pensar no nível de açúcar refinado que ela consome – objeta ele com a testa franzida de preocupação. – Devem ter sido... quatro brownies esta semana?
- Eu sei – respondo, séria. – Vou dizer a ela. Obrigada, Oliver.
- Sem problema. E lembre-se: um, dois, giro!
- Um, dois, giro – repito animada. – Vou lembrar!
Quando chego ao escritório, Paul sai de sua sala, estala os dedos para mim e diz:
- Avaliação.
Meu estômago dá um salto mortal portentoso, e eu quase engasgo no último pedaço de brownie de chocolate. Ah meu Deus. É isso. Não estou pronta.
Estou sim. Qual é? Esbanje confiança. Eu sou uma mulher a caminho de algum lugar.
De repente me lembro de Lilá e de sua caminhada tipo “sou uma mulher de sucesso”. Sei que Lilá é uma vaca metida a besta, mas ela tem sua própria agência de viagens e ganha zilhões de libras por ano. Ela deve estar fazendo alguma coisa certa. Talvez eu devesse tentar. Cautelosamente empino os peitos, levanto a cabeça e começo a andar pelo escritório com uma expressão fixa, alerta.
- Você está menstruada ou alguma coisa? – pergunta Paul grosseiramente quando chego à sua sala.
- Não! – exclamo, chocada.
- Bem, você está muito estranha. Agora sente-se. – Ele fecha a porta, senta-se à sua mesa e abre um formulário intitulado Revisão de Avaliação dos Funcionários. – Desculpe eu não poder recebê-la ontem. Mas, com a chegada de Harry Potter, ficou tudo atolado.
- Tudo bem.
Tento sorrir, mas meu sorriso está subitamente seco. Não posso acreditar em como me sinto nervosa. Isso é pior do que uma prova de escola.
- Certo. Então... Hermione Granger. – Ele olha o formulário e começa a marcar nos quadradinhos. – Em termos gerais, você está se saindo bem. Em geral não se atrasa... entende as tarefas que recebe... é bastante eficiente... trabalha bem com os colegas... blá blá blá... Algum problema? – indaga ele, levantando a cabeça.
- Hmm... não.
- Você sente algum tipo de preconceito racial?
- Hmm... não.
- Bom. – Ele marca outro quadrado. – Bem, acho que é isso. Muito bem. Pode mandar o Zach falar comigo?
O quê? Ele esqueceu?
- Hmm, e a minha promoção? – murmuro, tentando não parecer ansiosa demais.
- Promoção? – ele me encara. – Que promoção?
- Para executiva de marketing.
- Que porra você está falando?
- Dizia... Dizia no anúncio para o emprego... – Tiro o anúncio amarrotado do bolso do jeans, onde ele está desde ontem. – Possível promoção depois de um ano, diz aí. – Empurro-o por cima da mesa, e ele olha o papel com a testa franzida.
- Hermione, isso é só para candidatos excepcionais. Você não está pronta para ser promovida. Primeiro tem de provar que merece.
- Mas eu estou fazendo tudo do melhor modo possível! Se você ao menos me desse uma chance...
- Você teve a chance com a Glen Oil. – Paul levanta as sobrancelhas e eu sinto uma pontada de humilhação. – Hermione, o fato é que você não está preparada para um cargo melhor. Dentro de um ano veremos.
Um ano?
- Certo? Agora pode ir.
Minha mente está em redemoinho. Tenho de aceitar isso de um modo calmo e digno. Tenho de dizer alguma coisa tipo “respeito sua decisão, Paul”, apertar a mão dele e sair da sala. É o que tenho de fazer.
O único problema é que não consigo me levantar da cadeira.
Depois de alguns instantes Paul me olha perplexo.
- É só isso, Hermione.
Não consigo me mexer. Assim que eu sair desta sala, acabou.
- Hermione?
- Por favor, me promova – peço, desesperada. – Por favor. Eu preciso de uma promoção para impressionar minha família. É a única coisa que eu quero em todo o mundo, e vou trabalhar duro, prometo, vou vir nos fins de semana, e vou... vou usar tailleurs chiques...
- O quê? – Paul está me olhando como se eu tivesse me transformado num peixinho dourado.
- Você não precisa me pagar um salário maior! Eu faço os mesmos serviços de antes. Até pago para imprimir o cartão de visitas novo! Puxa, não vai fazer diferença para você. Você nem vai saber que eu fui promovida!
Paro, ofegando.
- Acho que você vai descobrir que promoção não é isso, Hermione – comenta Paul, sarcástico. – Acho que a resposta é não. Agora, menos ainda.
- Mas...
- Hermione, um conselho. Se você quiser progredir, tem de criar suas próprias chances. Tem de cavar suas oportunidades. Agora, sério. Poderia por favor se mandar da porra da minha sala e chamar o Zach?
Quando saio, vejo-o levantando os olhos para o céu e rabiscando outra coisa no meu formulário.
Ótimo. Provavelmente está escrito: “Lunática perturbada, precisa de cuidados médicos.”
Enquanto volto arrasada à minha mesa, Pansy levanta os olhos com uma expressão maldosa.
- Ah, Hermione – começa ela. – Sua prima Lilá acabou de ligar procurando você.
- Verdade? – digo surpresa. Lilá nunca telefona para o meu trabalho. Na verdade ela nunca me telefona. – Ela deixou recado?
- Deixou. Queria saber se você já teve notícias de sua promoção.
Certo. Isso agora é oficial. Odeio Lilá.
- Ah, certo – digo, tentando parecer que essa é uma pergunta chata, cotidiana. – Obrigada.
- Você vai ser promovida, Hermione? Eu não sabia! – Sua voz está aguda e penetrante, e eu vejo algumas pessoas levantando a cabeça, interessadas. – Então, você vai ser executiva de marketing?
- Não – murmuro, como rosto quente de humilhação. – Não vou.
- Ah! – Pansy faz uma cara de quem finge confusão. – Então por que ela...
- Cala a boca, Pansy – manda Padma. Eu lhe dirijo um olhar agradecido e me afundo na cadeira.
Mais um ano. Um ano inteiro sendo a merda da assistente de marketing, e todo mundo me achando inútil. Outro ano devendo a papai, e Lilá e Simas rindo de mim, e eu me sentindo um fracasso total. Ligo o computador e digito umas duas palavras, desanimada. Mas de repente toda a minha energia sumiu.
- Acho que vou pegar um café – anuncio. – Alguém quer?
- Não pode pegar café – objeta Pansy, dando-me um olhar estranho. – Você não viu?
- O quê?
- Eles levaram a máquina de café embora – conta Zach. – Enquanto você estava com o Paul.
- Levaram embora? – Olho-o perplexa. – Mas por quê?
- Não sei – diz ele indo para a sala de Paul. – Só vieram e levaram.
- Nós vamos ganhar uma máquina nova! – exclama Padma, passando com um maço de provas. – Era o que estavam dizendo lá embaixo. Uma máquina boa, com café de verdade. Parece que foi pedida por Harry Potter.
Ela se afasta, e eu fico olhando.
Harry Potter pediu uma máquina de café nova?
- Hermione! – começa Pansy, impaciente. – Você ouviu? Quero que você encontre o panfleto que fizemos para a promoção da Tesco, há dois anos. Desculpe, mamãe – murmura ela ao telefone. – Estou dando ordens à minha assistente.
Assistente dela. Meu Deus, eu fico puta da vida quando ela diz isso.
Mas, para ser honesta, digo firmemente a mim mesma enquanto remexo no fundo do arquivo, é ridículo achar que eu tive alguma coisa a ver com isso. Ele provavelmente estava planejando pedir uma nova máquina de café, de qualquer jeito. Provavelmente...
Levanto-me com uma pilha de pastas de papel nos braços e quase deixo todas caírem no chão.
Ali está ele.
Parado bem na minha frente.
- Olá, de novo. – Os olhos dele brilham num sorriso. – Como vai?
- É... bem, obrigada. – Engulo em seco. – Eu soube da máquina de café. Hmm... obrigada.
- Tudo bem.
- Agora, todo mundo! – Paul vem andando atrás dele. – O Sr. Potter vai ficar no departamento esta manhã.
- Por favor – sorri Harry Potter. – Me chame de Harry.
- Certo. Harry vai ficar aqui esta manhã. Vai observar o que vocês fazem, descobrir como é nosso trabalho de equipe. Só se comportem normalmente, não façam nada de especial. – Os olhos de Paul se grudam em mim e ele dá um sorriso agradável. – Oi, Hermione! Como vai? Tudo bem?
- É... sim, obrigada, Paul – murmuro. – Está tudo ótimo.
- Muito bem! Uma equipe feliz, é isso que nós queremos. E, já que tenho a atenção de vocês – ele tosse meio sem graça -, deixe-me lembrar que o Dia da Família na Empresa está chegando, no sábado da semana que vem. É uma chance para todos nós relaxarmos, conhecermos a família dos outros e nos divertirmos um pouco!
Todos o encaramos com o rosto vazio. Até este momento Paul sempre se referiu a isso como o Dia da Babaquice na Empresa, e dizia que preferia ter os bagos arrancados do que trazer alguém da família dele.
- Bom, de volta ao trabalho, todo mundo! Harry, deixe-me pegar uma cadeira para você.
- Finjam que eu não estou aqui – pede Harry Potter em tom agradável, enquanto se senta num canto. – Comportem-se normalmente.
Comportem-se normalmente. Certo. Claro.
Então normalmente eu me sentaria, tiraria os sapatos, verificaria os e-mails, passaria um pouco de creme, comeria alguns Smarties, leria meu horóscopo no iVillage, o horóscopo de Draco, escreveria no meu caderno “Hermione Granger, Diretora Administrativa” várias vezes em letras rebuscadas, com uma moldura de flores, mandaria um e-mail para Draco, esperaria alguns minutos para ver se ele respondia, tomaria um gole de água mineral e finalmente iria procurar o panfleto da Tesco para Pansy.
Acho que não.
Quando me sento de volta, minha mente está trabalhando depressa. Crie suas próprias chances. Cave suas oportunidades. Foi o que Paul disse.
E o que é isso, senão uma oportunidade aqui, me olhando trabalhar. O grande Harry Potter. Chefe de toda a corporação. Certamente eu posso impressioná-lo de algum modo, não é?
Certo, talvez eu não tenha tido o início mais brilhante com ele. Mas talvez esta seja a chance de me redimir! Se de algum modo eu puder mostrar que sou mesmo inteligente e motivada...
Quando me sento, folheando a pasta de literatura promocional, percebo que estou com a cabeça ligeiramente mais alta do que o comum, como se estivesse numa aula de postura. Quando olho em volta, todo mundo também parece estar numa aula de postura. Antes da chegada de Harry Potter, Pansy estava ao telefone com a mãe, mas agora colocou os óculos de aro de chifre e digita com rapidez, parando ocasionalmente para sorrir do que escreveu, num estilo “que gênio eu sou”. Zach estava lendo o caderno de esportes do Telegraph, mas agora posso vê-lo estudando alguns documentos cheios de gráficos, com a testa franzida.
- Hermione? – pede Pansy numa voz falsamente doce. – Você achou aquele panfleto que eu pedi? Não que haja nenhuma pressa...
- Sim, achei! – exclamo. Em seguida empurro a cadeira para trás, levanto-me e vou até a mesa dela. Estou tentando parecer o mais natural possível. Mas, meu Deus, é como estar na televisão ou alguma coisa assim. Minhas pernas não funcionam direito e meu sorriso está grudado no rosto, e eu tenho uma convicção horrível de que de repente posso gritar “calcinha!” ou algo do tipo.
- Aí está, Pansy – coloco cuidadosamente o panfleto em sua mesa.
- Muito obrigada! – exclama Pansy. Seus olhos encontram os meus, cheios de brilho, e eu percebo que ela também está representando. Ela coloca a mão na minha e dá um sorriso brilhante. – Não sei o que faríamos sem você, Hermione!
- Está tudo bem! – devolvo, num tom igual ao dela. – Às ordens!
Merda, penso enquanto volto à minha mesa. Eu deveria ter dito alguma coisa mais inteligente. Deveria ter dito: “O trabalho de equipe é o que mantém isso aqui funcionando.”
Certo, não faz mal. Ainda posso impressioná-lo.
Tentando agir do modo mais normal possível, abro um documento e começo a digitar com o máximo de rapidez e eficiência possível, com as costas totalmente eretas. Nunca vi o escritório tão silencioso. Todo mundo está digitando, ninguém bate papo. É como uma prova. Meu pé está com comichão, mas não ouso coçar.
Como é que as pessoas conseguem fazer aqueles documentários de surpresa? Estou completamente exausta, e só se passaram uns cinco minutos.
- Isso aqui está muito quieto – observa Harry Potter, parecendo perplexo. – Normalmente é tão silencioso assim?
- É... – Todos olhamos em volta, uns para os outros, inseguros.
- Por favor, não se preocupem comigo. Falem como fariam normalmente. Vocês devem ter discussões de escritório. – Ele dá um sorriso amigável. – Quando eu trabalhava num escritório, nós falávamos sobre praticamente tudo. Política, livros... Por exemplo, o que vocês andaram lendo ultimamente?
- Na verdade eu andei lendo a nova biografia de Mao Tsé-tung – responde Pansy imediatamente. – Fascinante.
- Eu estou no meio de uma história da Europa no século XIX – acrescenta Zach.
- Eu só estou relendo Proust – informa Padma, dando de ombros de um jeito modesto. – No original em francês.
- Ah – assente Harry Potter, com o rosto ilegível. – É Hermione, não é? O que você está lendo?
- Hmm, na verdade... – engulo em seco, tentando ganhar tempo.
Não posso dizer Garatujas das celebridades – O que significam? Mesmo que na verdade seja muito bom. Rápido. Pense num livro sério.
- Você estava lendo Grandes Esperanças, não é, Hermione? – tenta ajudar Pansy. – Para o clube de leitura.
E então paro abruptamente quando encontro o olhar de Harry Potter.
Porra.
Dentro da cabeça, minha voz no avião está arengando inocentemente.
- ...só dei uma folheada no final e fingi que tinha lido...
- Grandes Esperanças – repete Harry Potter, pensativo. – O que achou do livro, Hermione?
Não acredito que ele está perguntando isso.
Por alguns instantes não consigo falar.
- Bem! – pigarreio enfim. – Eu achei... realmente... extremamente...
- É um livro maravilhoso – comenta Pansy, séria. – Quando a gente consegue entender por completo o simbolismo.
Cala a boca, sua metida estúpida. Ah meu Deus. O que vou dizer?
- Eu achei que ele realmente... ressoou – exclamo finalmente.
- O quê ressoou? – pergunta Zach.
- As... hm... - pigarreio. – As ressonâncias.
Há um silêncio perplexo.
- As ressonâncias... ressoaram? – ecoa Pansy.
- Sim – confirmo, em tom desafiador. – Ressoaram. Bom, eu tenho de continuar com meu trabalho. – giro revirando os olhos e começo a digitar febrilmente.
Certo. Então a discussão sobre livros não correu tão bem assim. Mas isso foi somente azar. Pense positivo. Ainda consigo. Ainda posso impressioná-lo...
- Não sei o que há de errado com ela! – está dizendo Pansy numa voz de menininha. – Eu molho todo dia.
Ela cutuca sua planta murcha e olha de modo cativante para Harry Potter.
- Você sabe alguma coisa sobre plantas, Harry?
- Sinto muito, não – responde Harry, e me olha com a maior cara-de-pau. – O que você acha que pode estar errado com ela, Hermione?
- ...algumas vezes, quando eu estou puta da vida com Pansy...
- Eu... não faço idéia – comento finalmente e continuo digitando, com o rosto em chamas.
Certo. Não faz mal. Não importa. Então eu molhei uma plantinha com suco de laranja. E daí?
- Alguém viu minha caneca da Copa do Mundo? – reclama Paul, entrando no escritório com a testa franzida. – Não estou achando em lugar nenhum.
- ...quebrei a caneca do meu chefe na semana passada e escondi os pedaços na minha bolsa...
Merda.
Certo. Não faz mal. Então eu quebrei uma canequinha também. Não importa. Continue digitando.
- Ei, Harry – chama Zach, numa voz tipo “e aí, meu chapa?” – Só para o caso de você achar que a gente não se diverte, olha ali! – Ele balança a cabeça na direção da fotocópia de um traseiro com fio dental, que está no quadro de avisos desde o Natal. – Nós ainda não sabemos quem é...
- ...no Natal passado eu bebi um pouquinho demais na festa...
Certo, agora quero morrer. Alguém, por favor, me mate.
- Oi, Hermione! – É a voz de Luna, e eu levanto os olhos e vejo-a entrando correndo no escritório, com o rosto rosado de empolgação. Quando vê Harry Potter, ela se imobiliza. – Ah!
- Tudo bem. Eu não passo de uma mosca na parede. – Ele acena amigável para ela. – Vá em frente. Diga o que ia dizer.
- Oi, Luna – consigo falar. – O que é?
Assim que digo o nome dela, Harry Potter ergue a cabeça de novo, com uma expressão interessada.
O que eu disse a ele sobre Luna? O quê? Minha mente rebobina em fúria. O que eu disse? O que eu...
Sinto uma reviravolta interna. Ah meu Deus.
- ...nós temos um código secreto, ela vem e diz: “Posso analisar uns números com você, Hermione?” E na verdade significa: “Vamos dar um pulinho no Starbucks?”
Eu contei a ele sobre nosso código de vôo.
Olho desesperada o rosto ansioso de Luna, tentando de algum modo passar a mensagem.
Não diga. Não diga que tem alguns números para analisar comigo.
Mas ela não percebe.
- Eu só... é... – Ela pigarreia de modo profissional e olha sem graça para Harry Potter. – Será que eu poderia analisar uns números com você, Hermione?
Porra.
Meu rosto se inunda de cor. Todo o meu corpo está pinicando.
- Sabe – digo numa voz animada e artificial. – Não sei se vai ser possível hoje.
Luna me olha, surpresa.
- Mas eu preciso... eu realmente preciso que você analise uns números comigo. – Ela assente empolgada.
- Eu estou meio atolada de trabalho aqui, Luna! – Forço um sorriso, tentando simultaneamente telegrafar: “Cala a boca!”
- Não vai demorar! É rapidinho!
- Realmente acho que não vai dar.
Luna está praticamente pulando de um pé para o outro.
- Mas Hermione, são números muito... importantes. Eu realmente preciso... falar sobre eles.
- Hermione. – Ao ouvir a voz de Harry Potter eu pulo como se tivesse sido picada. Ele se inclina confiante na minha direção. – Talvez você devesse examinar esses números.
Encaro-o por alguns instantes, incapaz de falar, com o sangue martelando nos ouvidos.
- Certo – consigo dizer depois de uma longa pausa. – Certo. Vou fazer isso.
N/A: Ontem não postei, então trago 6 e 7 hoje!
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