O dia seguinte




Quando eu acordei comecei a sentir uma terrível dor de cabeça. Esse é um dos motivos de eu detestar beber, por mais que seja somente um pouco, no dia seguinte, eu sempre acordava mal. Não suporto ressaca, mas agora, eu vou ter que agüentar.


Quando eu, finalmente, tomei coragem de abrir os olhos, percebi que não estava no meu quarto. Isso não é um bom sinal. E para piorar, descobri que estou sem roupa. O que será que aconteceu ontem à noite?


Foi nesse momento que alguém abriu a porta do quarto. Eu peguei o lençol branco na minha frente e me cobri até o pescoço. Harry entrou no local trazendo uma bandeja na mão.


- Bom dia dorminhoca! – sentou-se meu lado e deu um beijo na minha bochecha – Como você está se sentindo?


- Horrível! – suspirei pesadamente – Acho que vou passar o dia inteiro com ressaca.


- Eu tenho um remédio para dor de cabeça – avisou se levantando – Vou pegar.


Ele foi até o banheiro que ficava dentro do quarto. Voltou menos de um minuto depois com uma caixa na mão.


- Toma! – me disse entregando o objeto – Vai se sentir melhor.


- Obrigada! – tomei um comprimido junto com um gole de suco de laranja.


- Agora toma o seu café da manhã – deu um beijo no meu ombro, me fazendo ficar arrepiada – Fiz especialmente para você.


Sorri e mordi um pedaço da torrada. Depois eu a pousei no prato e fiquei encarando um ponto fixo na parede.


- Harry! – ele me olhou atentamente, eu suspirei – O que aconteceu ontem à noite?


- Acho que a gente se empolgou uma pouco com os beijos – riu divertido.


- Então é verdade? – engoli em seco – A gente realmente passou a noite junto?


- E qual é o problema disso Mione? – ele estava vendo isso como a coisa mais natural do mundo.


- Você ainda pergunta qual o problema – a toalha escorregou um pouco, eu a puxei, meu rosto estava extremamente vermelho – Nós somos amigos desde pequenos. Isso pode estragar a nossa amizade.


- Foi só uma noite Mione – explicou novamente – Isso não vai acontecer mais.


- Não foi dessa maneira que eu imaginei essa noite – eu não conseguia encará-lo – Queria que fosse especial.


- E foi especial! – segurou o meu rosto delicadamente – E, se você quiser, pode continuar sendo.


Ele me beijou novamente. No principio, eu me deixei levar. Mas quando ele começou a me deitar na cama, eu me afastei.


- Não podemos Harry! – eu estava ofegando – Essa noite foi um erro, estávamos bêbados. Não pode acontecer de novo.


- Eu sei! – brincou com o meu cabelo – E não se preocupe. Isso não vai estragar a nossa amizade.


- Sei que não! – concordei com a cabeça – Mas seria melhor que a gente não comentasse com ninguém o que aconteceu.


- Tudo bem! – deu de ombros.


- E também não vamos comentar nada sobre isso – pedi novamente – Esse assunto morre aqui.


- Fechado! – ele estendeu a mão e “fechamos o acordo”.


- Acho que vou tomar banho – avisei – Depois eu termino de tomar o café.


- Se você prefere assim! – ele deu de ombros – Tem uma toalha para você no banheiro. Eu coloquei lá assim que acordei.


- Certo! – balancei a cabeça afirmativamente – Agora vira para o outro lado para eu poder levantar.


- Mione! – ele cruzou os braços e fingiu-se de bravo – Não tem nada ai que eu já não tenha visto ontem à noite.


Peguei um travesseiro e comecei a bater na cabeça dele.


- Está bem! – levantou os braços em sinal de trégua – Eu me viro.


Sorri e me levantei. Corri até o banheiro e tranquei a porta antes que ele mudasse de idéia.


Terminei o banho e fui para a sala tomar café. Alguns minutos depois, Harry sentou-se ao meu lado.


- O que você vai fazer hoje? – perguntou de repente.


- A Lizzie queria que eu fosse fazer compras com ela – revirei os olhos – Mas eu acho que vou dizer para ela que quero ficar em casa.


- A Lizzie compra muita roupa – comentou rindo – Acho que ela vai sobreviver se deixar de ir uma semana ao Shopping.


- Eu sei disso! – concordei – Acho que nunca vi a Lizzie repetir uma roupa.


Continuamos conversando durante alguns minutos. Até que eu terminei a minha refeição.


- Eu já vou indo para casa antes que a Lizzie chame a polícia – avise enquanto pegava a minha bolsa – Obrigada pela sessão de cinema ontem. Acho que eu consegui esquecer um pouco essa história do Comárco.


- Quando eu precisar eu estou aqui – sorriu – Mas, como você pretende ir para casa.


- Vou arranjar um táxi aqui embaixo – expliquei – Não deve demorar muito.


- Você não precisa disso – parou na minha frente impedindo que eu andasse – Eu te levo em casa.


- Não quero te dar trabalho Harry – insisti.


- Não vai ser trabalho nenhum – respondeu – Eu tenho mesmo que passar no escritório para assinar uns papeis.


- Então está bem! – concordei por fim.


- Ótimo! – respondeu – Eu vou trocar de roupa e a gente sai.


O trajeto do apartamento dele até o meu não demorava muito, menos de cinco minutos. Fomos durante todo o caminho em silêncio dentro do carro.


- É isso! – ele disse, finalmente, quando estávamos parados em baixo do meu prédio.


- Tchau Harry! – tirei o cinto e abri a porta.


- Tchau Mione! – ele segurou o meu pulso e ficamos algum tempo nos encarando. Tinha certeza de que ele estava mirando diretamente para a minha boca. Foi se inclinando na minha direção, mas, no final, desviou o caminho e beijou a minha bochecha – A gente se vê!


Sorriu e fui caminhando até o prédio.


Peguei o elevador e apertei o botão que indicava o meu andar. Encostei-me na parede do fundo e fiquei pensando em tudo que aconteceu. Queria que as coisas voltassem ao normal, mas alguma coisa me dizia que não seria assim.


Quando entrei em casa, encontrei Lizzie andando de um lado para o outro da sala. Assim que ela me viu, saiu correndo na minha direção.


- Onde você estava Mione? – disse me abraçando com bastante força.


- Depois que você foi embora ontem! – comecei a explicar enquanto nos sentávamos no sofá – O Harry sugeriu que fossemos para casa dele assistir um filme.


- Entendo! – ela me olhava com um sorriso malicioso.


- Não é nada disso que você este pensando – senti meu rosto esquentando, deveria estar mais vermelho que um pimentão.


- É qual o filme dura tanto tempo assim – colocou um mão no queixo pensativa – Acho que eu nunca assisti.


- Depois do filme ficamos conversando – levantei e fiquei andando em círculos – E acabou ficando tarde para voltar, então eu dormi no apartamento do Harry.


Lizzie ficou me encarando por alguns minutos. Não tenho idéia se ela acreditou em alguma coisa que eu disse. Para o meu próprio bem, espero que sim.


- Então por que você não ligou? – perguntou finalmente – Para, pelo menos, avisar que você estava viva.


- Eu até pensei em fazer isso – é mentira, mas vai melhorar um pouco a minha situação – Mas eu não sabia se você já estava em casa.


- Tem razão! – concordou – Se arrume que nós vamos sair.


- Agora? – reclamei me jogando no sofá.


- É claro! – ficou puxando o meu braço para que eu levantasse – Quanto mais cedo à gente for, mas cedo voltamos.


- Mas eu estou cansada! – falei – Quero ficar em casa hoje.


- Pensei que você tivesse dormido – acho que falei o que não devia – Não tem motivo para estar tão cansada.


- Mas não é a mesma coisa! – tentei inventar a primeira desculpa que veio na minha cabeça – Eu quero a minha cama.


- Está bem! – suspirou pesadamente – Eu vou sozinha então.


Fiquei feliz por ela ter me entendido. Não demorou muito para Lizzie sair de casa e eu fui para o meu quarto. Passei quase o dia todo deitada pensando, achei que terminar com Comárco fosse a pior coisa que pudesse me acontecer nessa semana, mas eu estava enganada.


Era aproximadamente seis da tarde quando Lizzie chegou em casa. Eu estava assistindo televisão na sala.


- Oi Mione! – ela colocou as várias sacolas no chão e mexendo e uma delas – Comprei para você – me mostrou uma blusa cor de rosa com o desenho de sapatilha de balé – Não é linda?


- Muito! – sorri.


- Quanta animação! – observou me encarando – Vou deixar em cima da sua cama.


- Está bem! – concordei, quando olhei para o lado, ela não estava mais nada.


Não demorou muito para estar novamente na sala, agora de mãos vazias. Às vezes eu acho que a minha amiga tem algum super-poder.


- O que é isso? – ela pegou o chocolate que estava na minha mão.


- Não parece obvio? - disse sarcástica – Um tablete de chocolate.


- Você não pode comer isso? – ela ia começar com aquele sermão de novo – Sabe quantas calorias tem isso?


- Eu fiquei com vontade de comer chocolate! – retirei da mão dela e dei uma mordida no chocolate – Uma vez só não faz mal.


- Já entendi! – começou a rir – Está de TPM?


- Não! – dei de ombros – Eu estou deprimida mesmo.


- Ainda aquela história do Comárco? – suspirou pesadamente sentando ao meu lado – Você tem que superar isso.


- Eu ainda preciso de um tempo para me acostuma! – fiz cara de brava – Respeita a minha dor.


- Eu já sei o que vai te alegrar! – praticamente pulou, ficando de pé – Vou fazer um desfile com todas as minhas roupas novas.


- Isso não é para me alegrar – revirei os olhos – Você sempre faz isso quando volta do Shopping.


- Tem razão! – pegou as sacolas do chão – Isso é tão divertido.


Eu acordei bem cedo no dia seguinte e decidi caminhar para desocupar a minha cabeça de todos os problemas que aconteceram comigo. Aproveitei que Lizzie ainda estava dormindo e não me encheria de perguntas para poder me arrumar. Fui até a cozinha e tomei um suco de laranja antes de sair de casa.


Londres é muito calma de manhã e eu podia ouvir os meus pensamentos enquanto andava pelas ruas. Isso estava ajudando muito.


Não muito longe de casa encontrei uma pequena confeitaria. Resolvi entrar, pois estava morrendo de fome, acabo de me lembrar que não tomei café da manhã. Sentei um banco em frente à bancada esperando até que alguém me atendesse.


- Bom dia! – a garçonete se aproximou – O que a senhorita deseja.


- Eu quero um café e um queijo-quente – respondi enquanto olhava a tabela de preços.


- Eu já volto – avisou depois que anotou tudo em um bloco.


Fiquei mexendo em um porta-guardanapo na minha frente. Ouvi um barulho da porta abrindo e alguém se sentou ao meu lado.


- Mione? – reconheceria aquela voz em qualquer lugar do mundo – O que você está fazendo aqui?


- Oi Harry! – sorri me virando para ele – Eu resolvi dar uma volta e resolvi entrar aqui.


- A comida daqui é mesmo muito boa! – concordou – Às vezes eu venho aqui.


- Mas por que você resolveu tomar café aqui hoje? – perguntei por fim – Poderia ter ido lá em casa.


- Você e Lizzie sempre reclamam quando eu apareço – cruzou os braços se fingindo de ofendido – Então eu resolvi não incomodar mais.


- Sabe que a gente só fala isso para tentar te irritar – ri divertida – Mas nós duas adoramos a sua companhia.


- De qualquer maneira, eu achei que seria melhor não aparecer lá por enquanto – disse por fim – Poderia ficar um clima estranho entre nós dois.


- É claro que isso nunca vai acontecer – coloquei a minha mão sobre o ombro dele – Eu já disse que nossa amizade não vai ficar abalada pelo que aconteceu ontem. Pode aparecer lá a hora que quiser.


- Mas será que a Lizzie não vai desconfiar de qualquer comportamento nosso? – comentou – Sabe como a minha irmã é observadora quando quer.


- Tenho certeza de que ela não vai desconfiar de nada – garanti, embora não tivesse muita certeza disso, só queria que as coisas entre nós voltassem ao normal o mais rápido possível – Para você ver o quanto eu estou certa, vamos até lá agora.


- Espera eu terminar o café primeiro – pediu – Eu estou mesmo com fome.


Assim que a mulher trouxe a minha comida, ele pediu a mesma coisa que eu. Terminamos a refeição tranqüilamente. Logo depois, fomos andando até o meu apartamento.


Quando abrimos a porta. Lizzie já estava acordada tomando café na mesa da sala.


- Você agora vai sumir todo dia de manhã? – perguntou sem me olhar. Virei para Harry e ele estava sorrindo – E culpa é, de novo, do meu querido irmãozinho.


- Dessa vez a culpa não foi minha – se defendeu levantando os braços – Eu só a encontrei a na rua, por acaso.


- É verdade! – completei- Eu resolvi fazer uma caminhada quando acordei.


- Acho que vocês dois estão me escondendo alguma coisa – nos observou seriamente – Mas ainda não sei o que é!


- Deixa de bobagem Lizzie – ri nervosamente – É claro que não estamos escondendo nada.


- Você nunca mentiu bem Hermione! – detesto quando ela falava assim, parece que me conhece melhor do que eu mesma – Mas eu vou descobrir o que é.


- Boa sorte com isso irmãzinha! – Harry comentou – Quero ver como você vai descobrir algo que não aconteceu.


- Eu sei que aconteceu! – estava com bastante certeza.


Lizzie se levantou e foi para o seu quarto. Eu suspirei e me larguei no sofá, Harry se sentou ao meu lado e passou o braço por cima do meu ombro.


- Desculpa Harry! – disse alguns segundos depois – Eu realmente achei que não estaria na cara assim, mas, às vezes, parece que a Lizzie lê a minha mente.


- Esse é um poder que eu gostaria de ter – riu me fazendo rir também – Mas não se preocupe, a minha irmã consegue ser muito teimosa quando quer.


- Eu sei disso – suspirei – Convivo com ele há bastante tempo.


Deitei a minha cabeça no ombro dele e fechei os meus olhos.


- Não se preocupe com isso – mexeu levemente no meu cabelo – Daqui a pouco ela vai esquecer de tudo.


Foi dessa maneira que Lizzie nos encontrou quando voltou para a sala. Ela ficou nos olhando com um sorriso malicioso.


- Eu não digo mais nada! – deu de ombros indo pegar um copo d’água.


- Será que eu posso almoçar aqui? – ele perguntou em seguida, ignorando o comentário da irmã.


- É claro! – respondi em seguida – Vou fazer a comida. O que você quer?


Ele colocou a mão em cima do queixo pensativo.


- O que acha de uma lasanha? – disse me seguida – Vai te dar muito trabalho.


- É claro que não vai dar trabalho! – garanti – Vou fazer especialmente para você.


- Certo! – sorriu – Vou ficar aqui vendo televisão.


Não demorou muito para aprontar toda a lasanha. Ela já estava no forno quando Lizzie entrou saltitando na cozinha.


- Acho que você e o Harry estão namorando escondidos e não estão querendo me contar – ela foi direto ao assunto.


- O que faz você dizer isso? – cruzei os braços e fiquei encarando ela.


- Vocês chegaram juntos aqui e estão agindo estranhos – respondeu – E estão muito grudados.


- Sempre fomos assim – conclui – Somos amigos de infância, caso você não se lembre.


- E essa história de fazer prato especial para ele – apontou para o forno – Isso você nunca fez.


- Não é tarde para começar – deu de ombros.


- Você ainda não me convenceu – concluiu me olhando.


Não demorou muito para estarmos na mesa almoçando. Lizzie não parava de olhar de Harry para mim. Eu passei a maior parte do tempo com o rosto totalmente vermelho, acho que não vai demorar muito para ela descobrir o que está acontecendo de verdade.


 

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