O vestido perfeito



O baile era à fantasia, mas nada daquelas coisas bizarras, para ser mais especificadamente era de máscaras, mas chamavam de à fantasia... vai saber!


Eu não tinha o vestido certo. Mas, como sempre, a dona sorte não estava no meu lado desta vez.


- Parece que os vestidos mais bonitos saíram correndo das lojas! – resmunguei impaciente depois de percorrer quatorze lojas e não achar nenhum vestido descente.


Ellen no meu lado já com a energia esgotada, não agüentava mais andar de bicicleta. Coitada. Desde que ela voltara a andar de bicicleta eu nunca a explorei tanto. Eu disse que se ela quisesse poderia ficar em casa, mas ela cismou que queria vir comigo, que estava doida pra sair, que não tinha nada pra fazer dentro de casa e blábláblá.


Não foi culpa minha.


E além do mais, ela é a minha consultora de moda preferida, eu não poderia largá-la em casa. Eu estaria perdida!


- Olha isso – disse deslumbrada ao ver o vestido na vitrine da loja de roupas “In Manner”.


Ellen riu.


- Você esta brincando – afirmou ela, e soltou mais uma risada – Eu adoro o seu senso de humor.


- Não. Eu não estou brincando – disse sem desviar os olhos do vestido – Dá uma olhada – apontei para o vestido.


Ellen o olhou por um tempo e suspirou.


- É simples demais – disse ela por fim – Dá uma olhada você. Ele é azul caribenho... ta, eu gosto da cor, mas ele é todo retinho, não tem silhueta, o comprimento passa do joelho e dá uma olhada nessas alcinhas.  É horrível.


Eu bufei. Ellen via apenas o vestido simples da vitrine, eu não, eu via coisas mais além, eu via o vestido perfeito bem na minha frente.


- É esse mesmo que eu quero – falei, larguei a bicicleta na calçada e entrei na loja.


- Como sua consultora de moda eu proíbo que você compre esse vestido! – gritou Ellen do lado de fora da loja, toda atrapalhada tentando segurar as duas bicicletas.


Eu sorri e joguei um beijinho debochado pra ela. Não o suficiente pra ela me detestar, mas ela ficaria irritada.


Eu procurei entre os cabides até achar o azul que eu queria. Tinha rosa, branco, azul escuro, roxo, verde, preto, prata, amarelo, vermelho...


- Posso ajudar? – perguntou a moça da loja.


- Ah, sim. Eu queria aquele azul caribenho da vitrine – disse apontando para o vestido.


Ela olhou para o vestido com desprezo.


- Claro. Tudo pra tirara isso da vitrine – disse ela rispidamente.


Ela pegou o manequim pra tirar o vestido.


- Angellyne – disse a voz de me dar arrepios. Arrepios de nojo.


Eu me virei para trás.


- Katie – disse o seu nome suavemente com uma gota de veneno – O que você está fazendo aqui?


- O que você esta fazendo aqui? A loja é da minha mãe.


Como eu poderia esquecer. A mãe dela, Celine Luccioli, é uma das modelos fotográficas mais famosas de París. Então ela resolveu investir em uma loja de roupas, os modelos foram inspirados nas roupas que ela usava nas sessões. E esta filial está no nome da Katie. É claro que ela não é a gerente, mas vai ser assim que completar vinte anos. Ninguém é louco de entregar uma loja nas mãos de uma adolescente psyco-patty de apenas dezesseis anos.


A moça da loja me entregou o vestido.


Katie riu.


- Só podia ser a ridícula da Angie comprando o vestido ridículo – disse ela ironicamente – Combina com você. É bom saber que eu não terei de me preocupar com a concorrência, porque eu sou a melhor. E obrigada por facilitar as coisas, querida.


Eu a ignorei, seria perda de tempo discutir com ela. E que lance é esse de concorrência? Quem era a concorrência? Eu? Soava até como uma piada.


Eu paguei o vestido e saí da loja, praticamente saí correndo.


- Se eu estivesse lá eu juro que...


- Você não faria nada – disse interrompendo Ellen e seus planos maléficos para acabar com a Katie.


Agora tudo o que eu queria era ir embora pra casa, mas antes eu queria passar em uma loja de utensílios de costura.


No caminho, eu e Ellen falamos sobre a evolução do Batman. Eram assuntos estranhos, eu confesso, mas ela era o tipo de menina que odiava silêncio. Se duvidar, ela até fala dormindo.


- Tchau, Angie – disse Ellen seguindo a rua reta em vez de virar na minha.


- O quê? – disse freando a bicicleta bruscamente – Pra onde você vai?


Ellen freou a bicicleta dela calmamente, confusa, sem entender o meu mini escândalo.


- Pra minha casa – respondeu ela.


- Ah, não! – protestei – Eu disse aos seus pais que te seqüestraria e que a devolução do dito-cujo, que é você, seria no final da tarde, senão eles teriam de me pagar vinte mil pelo resgate – eu peguei o celular no bolso da minha calça – E olha só! Ainda são três da tarde. A gente tem o dia todo pela frente!


Ela continuou estática olhando para mim, os olhos arregalados e a boca meio aberta.


- O que foi? – perguntei, franzindo o cenho.


- Eu valho só vinte e mil? – falou ela, chocada.


- Antes do final da tarde – corrigi.


Ela riu, persuadida.


Eu bufei.


- Vai ficar? – insisti.


- Só porque eu quero ver como você vai ficar com aquele vestido – disse ela ironicamente.


- Eu vou fazer uma reforma total nele – falei já subindo na bicicleta de novo e continuando o meu caminho para casa.


Largamos as bicicletas na garagem do carro do meu pai. Eu destranquei a porta. Era sábado, pensei que meu pai não estaria em casa, já que ele passa a maior parte do seu tempo com a megera da Viviane.


Ele estava descendo as escadas com um terno preto, todo formal, ajeitando a gravata de cetim.


- Uaal! – exclamei fingindo estar deslumbrada.


Ele deu um tapinha bem leve na minha cabeça, mas o suficiente para levantar uma mecha do meu cabelo que voltou para o seu devido lugar como uma puma.


- Aonde o senhor Robert pretende ir? – indaguei.


Ele sorriu.


- Vou jantar com os Donson.


Eu ergui uma sobrancelha sem entender nada.


- Pais de Viviane Donson – explicou ele.


- Uuuuh – fiz o som fúnebre – Cuidado. Eles podem servir olho de cobra em vez de caviar. Ou eles podem te servir um charuto.


- E o que tem demais em um charuto?


- Não sei, ainda não tive a oportunidade de fumar um. – Dei de ombros.


Ele riu.


- Você é um doce – disse ele dando um beijo na minha testa – Tchau, abelhinha.


- Até mais.


E ele sumiu porta a fora.


- Acho que faz o mesmo sentindo se eu deixasse o meu pai partir para a terceira guerra mundial – comentei.


Ellen riu.


- Se ela fosse tão má assim, acho que seu pai não estaria com ela – falou Ellen.


- É isso que acaba comigo – gemi – Ela sabe encenar muito bem, ela é uma falsa! Eu estou cercada de gente falsa! – disse me atirado no sofá.


Ellen continuou parada, ainda perto da porta, de boca aberta com a mão no peito. Uma expressão de ofendida.


- Eu não to falando de você dita-cuja – disse rindo e tacando uma almofada nela.


Quando a almofada passou por seu rosto, era como se a mascara de menina ofendida tivesse caído e seu rosto voltou ao normal. Sorridente e infantil. Ela jogou a almofada de volta para mim e sentou-se no sofá.


Ficamos em silêncio, olhando para televisão, pensando no que assistir. Eu brincava com uma mecha do meu cabelo e ela brincava com as unhas.


- Mãos à obra! – disse dando um pulo do sofá.


- Para? – indagou ela.


- O meu vestido, fofa. Ou você acha mesmo que eu vou com ele daquele jeito? – disse parecendo ser uma coisa absurda, e era uma coisa absurda.


Eu peguei meu vestido e os utensílios de costura e subi para o meu quarto.


E agora? Por onde começar? Eu olhei para Ellen, um olhar de súplica. Aliás, ela entendia mais de moda do que eu.

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