Convite
Digamos que o professor de Educação Física seqüestrou os meninos do time Shark por causa do campeonato no final do ano. Isto é, o Dylan escapou do tédio da aula de matemática.
Eu sentava perto da janela. Dava para ver os garotos jogando. Eu passei a maior parte da aula olhando eles jogarem. Acho que gosto de futebol agora. O Dylan jogava super bem. Os dribles dele era um máximo.
Ele percebeu meus olhos intrusos os vendo jogar. Ele sorriu. E parece que foi só para se amostrar, ele deu tudo de si e fez um gol lindo – não sei muito de futebol, mas foi lindo. Ele olhou para mim e sorriu de novo, mais radiante, mais intenso, e jogou um beijinho. Acho que eu fiquei vermelha, senti meu rosto enrijecer. Eu sorri e me perdi nele. Mesmo longe seus olhos eram encantadores.
- Senhorita Woncler? – disse o professor com um tom de bronca na voz. Tô ferrada.
- Sim senhor.
- Pode nos dar o resultado dessa equação?
Eu olhei a equação enorme no quadro.
- Quatorze sobre PI – respondi hesitante, sem pensar.
Minhas pernas tremeram. O professor sorriu.
- Correto.
Eu suspirei. Ufa! Isso foi sorte. Muita sorte. A dona sorte resolveu passar por aqui e dar um oi pra mim, já que nunca nos apresentamos. Ou foi apenas coincidência.
A aula acabou. Nunca fiquei tão aliviada em poder ir para casa.
Como já estávamos em novembro, a escola já estava organizando o baile de verão, que seria realizado em dezembro, no finalzinho das aulas, comecinho das desejáveis férias.
- Angie, Angie! – gritava Isadora vinda em minha direção – Você não vai acreditar!
Ela estava agitada, seus olhos cintilando.
- O quê? Fala! – estimulei-a, ansiosa.
- O Kevin me convidou para o baile! – disse ela, sua voz agudando histerismos de alegria.
Eu não sabia que já estava começando a convidar.
- Jura?! Que bom! – disse abraçando-a.
- Ai, eu to tão agitada! – exclamou ela.
- Bem perceptível – brinquei.
Ela riu.
- Angellyne! – gritou Ellen. Eu a reconheci pela voz.
Eu olhei para trás e vi que realmente era ela.
- Você não vai acreditar!
- Ual! Eu sou uma pessoa tão seca assim? – fingi decepção na voz.
As duas riram.
- Não – disse Ellen – É que o Jeremy me convidou – sua voz era bem mais calma do que a da Isa. Deve ser porque já era uma coisa previsível. Agora, Isadora e Kevin... quem diria.
Eu sorri feliz pelas duas e elas me abraçaram.
Eu estava descendo as escadas tagarelando com Ellen e Isa quando aquelas mãos grossas e macias seguraram meu braço.
- Eu quero falar com você.
Isa e Ellen assentiram uma vez para mim e foram andando mais a frente. Eu descia as escadas mais lentamente. Ainda bem que ele tomou uma atitude.
- Fala – disse dando de ombros
Ele revirou os olhos.
- Por que você sempre faz isso? – disse ele num tom revoltado.
- O que eu fiz? – perguntei confusa.
- “Fala” – ele fez uma imitação horrorosa da minha voz.
Eu bufei. Minha voz não é tão horrorosa assim.
- Pode falar o que deseja, Dylan Elbster – disse num tom formal, talvez só para irritá-lo, mas ele ignorou minha ironia.
Ele suspirou e me levou para um canto.
- Queriraobailecomigo? – sussurrou ele num jato de palavras que eu não entendi nada.
- O que você falou garoto? – perguntei confusa.
Ele bufou.
- Quer ir ao baile comigo? – sussurrou ele estridentes.
Eu ergui uma sobrancelha.
- É sério que você esta me convidando para o baile?
- É, eu acho que sim.
Eu ri alto.
- Não! – disse ainda me recuperando do riso.
- Qual é Angie! Você sabe que a única garota que eu convidaria – disse ele fazendo carinha de piedade.
Eu sorri. Ai, que fofo.
- Então convide direito.
Sai dali antes que ele pudesse me dizer qualquer outra coisa.
Fala sério! Que cara de pau. Garoto idiota. Me chamar num canto isolado de todo mundo para me convidar para o baile. Isso é um absurdo!
Eu fui para casa mais uma vez estressada. Meu pai não estava em casa. Nenhum recado da Holly na secretária eletrônica do telefone. Eu subi correndo para o meu quarto e fiquei lá vendo televisão.
Eu comecei a ouvir estalinhos batendo da minha janela. Era o idiota do Dylan que estava tacando pedrinhas.
Ele deixou a primeira plaquinha cair para mostrar outra.
Abri a boca perplexa. “Amorzinho”? Há! Eu não acredito. Era só o que faltava. Que sínico!
Eu corri para o caderno debaixo de minha cama e escrevi:
Eu sorri sutil, e quase cruel.
Ele deixou a placa cair.
As setinhas apontavam para ele.
Que garoto ridículo!
- Argh! – exclamei fechando a cortina da janela.
Eu não ia aturar isso por muito tempo, então resolvi voltar ao meu refúgio: a lanchonete dos Jenk’s.
- Angellyne! – exclamou Dona Manuela quando eu abri a porta – Como você está querida?
- Bem...
Foi tudo o que disse, mas ela nem deixou eu terminar.
- Hoje você vai fazer hambúrgueres – anunciou ela.
- Como todos semp...
- Não!
Eu travei minha boca em uma linha reta e desisti de falar.
- Vem aqui querida – disse ela me puxando pela mão.
Na cozinha havia uma mesa cumprida com dois ingredientes: carne moída e creme de cebola.
- Fazer hambúrgueres – repetiu ela – A Cassie vai te ajudar.
Neste exato momento a Cassie entrava na cozinha com os olhos castanhos escuros arregalados e com as mãos atadas.
- O que eu fiz?
Eu ri pela cara que ela fez. O sininho da porta tocou e Dona Manuela foi lá atender.
- Vem cá, você vai me explicar como faz isso – disse apontando para os ingredientes.
- É sério que você nunca fez um hambúrguer?
- É – eu dei de ombros –, eles sempre vêm embaladinhos.
- Aqui não...
Cassie me deu todas as instruções. Era só misturar o creme de cebola com a carne, misturar tudo com as mãos. Ah, e é claro que minhas mãos estavam limpas, Cassie me fez esfregá-las até que minha pele rompesse. Depois era só colocar a carne misturada em um tipo de mini compressor que as deixava redondinhas.
Então eu finalmente aprendi a fazer hambúrgueres.
É claro que não era tão simples como desembalá-los, jogá-los na frigideira e esperar que eles fritassem.
***
Mais um dia na escola. Tomei até chá de camomila porque eu sabia teria que aturar o Dylan.
Bom, como previsto, na hora da entrada ele me pediu de novo. Dentro de sala de aula... minha mesa estava cheia de bilhetinhos amassados, tinha alguns até com coraçõezinhos. Depois do vigésimo terceiro eu não respondi mais.
No intervalo. Eu desabafei com Ellen tudo o que aconteceu. Toda a idiotice que o Dylan fez. Parecia que ele estava me escondendo, com medo dos amigos playboyzinhos dele descobrirem que ele está convidando a garota nada-popular da escola.
- Que imbecil! – exclamou Ellen depois de tudo o que eu disse.
Depois chegou Isadora com o pacote de trakinas. Sentou-se a mesa do pátio onde nós estávamos e o trakinas não ficou só pra ela.
- Angie – sussurrou a voz trás de mim –, eu quero falar com você.
Eu o ignorei completamente e continuei tagarelando com as meninas sobre coisas fúteis que não tinham nada a ver com nada.
Depois de alguns minutos quando eu achei que ele desistiria...
- SIÊNCIO! – gritou ele. Não acredito!
Todos do pátio se calaram, eu continuei parada, perplexa, sem a mínima ação. Todos de olhos arregalados fitando o menino em cima da mesa. Ele conseguiu calar mil trezentos e noventa e sete bocas.
- Angellyne! – ele berrou o meu nome. Eu continuei estática sem acreditar no que ele estava fazendo – Angellyne Marie Woncler – ele gritou meu nome, mais uma vez, pausadamente.
Eu tive que olhar. Não suportaria se ele gritasse o meu nome mais uma vez. De uma hora para outra todos já me conheciam. Todos os olhos se voltaram para mim, me condenando.
- Quer ir ao baile comigo? – disse Dylan, em um tom alto o suficiente para que todos ouvissem com clareza.
Sem tirar os olhos dele eu voltei a cochichar com as meninas na mesa. Ou melhor, discutir.
- Aceita, Angie, Aceita! – estimulou Isa.
Os ombros dele arriaram e ele começou a ofegar.
- Ann, que tipo de garoto sobe em cima de uma mesa, cala mais de mil bocas só para te convidar para um baile? – falou Ellen.
Eu não respondi a nada, levantei silenciosamente. Fiz carinha de decepção para todos que me olhavam e quando meus olhos voltaram para o Dylan eu dei o mesmo sorriso maléfico nas vezes em que lhe disse não.
Mordi o lábio.
O Dylan começou a ficar tenso. Ele ofegava. Se eu ficasse calada por mais alguns segundos eu acho que ele cairia morto no chão.
Eu suspirei.
- Seria uma honra – disse por fim.
Todos gritaram como se fosse uma vitória do jogo da final do campeonato.
Imagino que a Katie não ficou nada feliz com isso.
Dylan voltou a respirar de alivio e abriu um sorriso radiante que iluminou seu rosto. Seus olhos assumiram um brilho intenso. Ele desceu da mesa e me abraçou forte.
Eu me emocionei, é sério. Ele me convidou de todas as maneiras que uma menina poderia ser convidada. Mas desta vez ele superou, de tal forma que eu não queria me desgrudar dele.
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