Festa



Já estava de noite e eu estava naquele dilema de roupas. Com qual delas ir? Eu nunca tive muita cabeça para escolher roupa. Procurei pelo número freneticamente em minha agenda celular.


Ela atendeu.


- Fala guria!


Pus meu celular na viva-voz e o coloquei em cima da cama.


- Eu to precisando da sua mega ajuda – disse em frente ao espelho, eu tentando combinar vários tipos de roupa, mas nenhuma ficava do jeito que eu queria.


***


Desta vez não tinha nada para atrapalhar minha festa. Nenhum concurso de trigonometria. Eu desci as escadas correndo, assim que pus a mão na maçaneta para abrir a porta vi que estava trancada.


- Aonde a mocinha pensa que vai? – indagou-me Viviane. Ela chacoalhou a chave para mim, a chave da porta que estava em suas mãos. Urgh!


- Eu não te devo satisfação – disse largando da maçaneta, cruzei os braços e a encarei.


- Ah, claro – disse ela com uma risadinha irônica – Mas você não vai a lugar nenhum.


- Quem você pensa que é pra dizer aonde eu devo ir ou não?! – sobressaltei.


- Você pode ser autônoma com o seu pai, queridinha, mas comigo você não é.


Eu bufei. E fui para a porta dos fundos. Estava trancada também.


- Seu pai resolveu trabalhar até tarde hoje e me deixou tomando conta de você – gritou ela lá da sala enquanto eu tentava abri a porta; tentativas inúteis –, sendo assim, você não vai a lugar nenhum. Eu é que mando. E nem ousa a fugir, fofa.


- Argh! Que inferno! – gritei e subi para o meu quarto.


Eu comecei a andar de um lado para outro tentando pensar em qualquer coisa para sair dali.


Olhei pela janela e a luz do quarto do Dylan já estava apagada. Ele já deve ter ido.


- Que droga – gemi para as paredes.


Encolhi-me abraçando minhas pernas no canto do meu quarto perto da janela. Juro infernizar a sua vida a partir do momento que eu disser: Eu aceito. Pelo jeito ela já começou. Mas isso não vai ficar assim. Eu não vou deixar. Eu tenho que impedir de qualquer jeito que meu pai se case com essa megera. E ele vai ter que acreditar em mim de qualquer jeito.


Uma luz lampejou em meu rosto. Eu não pensei duas vezes antes de pegar o caderno.



Com a mão eu grudei o papel na janela dando batidas frenéticas que eu poderia ter quebrado o vidro. “Olhe pra mim”, eu gritava como se o Dylan pudesse me ouvir através do vidro grosso da minha janela.


Ele olhou para mim e riu. Por que ele riu? Qual a graça?


Ele apagou a luz e saiu do quarto sutilmente. Eu não acredito que ele fez isso comigo. Garoto idiota! Eu rasguei a folha da prova da minha tentativa fútil.


O que o Matt vai pensar de mim? Que eu sou mais uma dessas patricinhas metidas, que eu só convidei ele por pena, que eu to fazendo ele de idiota. Não! Mas não é nada disso.


Duas batidas na minha janela. Meus olhos cintilaram quando vi aquele rosto, meu menino macaco tava pendurado na árvore.


- Vim salvar minha donzela – disse ele assim que eu abri a janela com aquele sorriso de príncipe, inacreditável. Ele estendeu a mão para mim e eu a segurei – Confia em mim? – ele abraçava minha cintura enquanto eu tentava achar um galho para me apoiar com o pé direito.


- Sim – foi o que eu consegui dizer.


Seu rosto a milímetros do meu. Seu hálito de drops no meu rosto. Seus olhos profundamente azuis nos meus.


Eu comecei a ofegar.


- Eu desço primeiro – disse ele depois de um minuto de silêncio – Daí eu te pego lá em baixo.


Eu assenti.


Ele desceu da árvore com certa habilidade, como se praticasse aquilo todos os dias.


- Você faz sempre isso? - perguntei enquanto eu tentava descer a árvore, toda atrapalhada. Meu cabelo já era.


- Praticamente quase toda noite – respondeu ele. Num tom de tão simplesmente que eu me desequilibrei e caí, mas deu tempo de ele me segurar.


- Toda noite? – repeti arfando, parecia mesmo uma pergunta.


Ele deu um sorriso tímido enquanto tirava os galhos e as folhas do meu cabelo.


- Eu gosto de ver você dormir quando eu estou sem sono – ele dizia ainda sem olhar pra mim diretamente.


- Há quanto tempo você faz isso?


- Desde que eu aprendi a subir em árvores – ele deu uma risada arrastada.


- Doze anos – presumi. Foi quando ele teve a idéia louca de subir na árvore para pegar o Joaquim, que era o meu hamster e que ele descanse em paz... morreu faz dois anos.


Ele pegou minha mão e pelo escuro me conduziu até a moto dele que estava na beirada da calçada. Ele colocou aquele capacete horroroso em mim e depois nele – horrível, porém, antes segurança do que beleza. Eu me agarrei bem em sua cintura e nós fomos. Sabendo já que eu não voltaria de madrugada se não Viviane sentiria minha falta. Eu pouco me importava com isso. Ela não era nada minha ainda, nem era minha madrasta oficialmente, e eu não devia nada a ela. Então, sem peso na consciência.


Dava para ouvir a música a dois quarteirões de distancia.


- Quem você convidou? – perguntou-me Dylan enquanto eu descia da moto.


- Matthew – disse de cabeça baixa – E você? Quem te convidou?


Ele suspirou.


- Rachel.


Eu bufei e revirei os olhos. Já não bastava demais o que aquela garota fez? Será que ela não se toca!


- Eu também não to feliz em saber que você ta com o Matt.


- Pelo menos eu não tenho uma quedinha desesperada por ele – disse com sarcasmo.


Ele riu alto.


- Você acha mesmo que eu gosto da Ray? Ela é mais uma garota do colégio. Eu não sinto nada por ela...


Ele se interrompeu no meio da frase quando eu parei de andar. Meu corpo enrijeceu e minha mente rodou.


- Eu sou apenas mais uma garota, não é? – minhas palavras saíram atropeladas.


- Não, Angie – ele segurou meu rosto – Você não.


- Mas... você disse que não sentia nada por mim. Pensei que você me odiava...


- Shhh – ele me interrompeu afagando minha bochecha com a ponta dos dedos – Ódio pode ser uma forma diferente de amar – ele sorriu e seu sorriso iluminou meu rosto – Pelo menos eu sinto uma coisa por você, uma coisa que me faz pensar em você mesmo quando eu não quero.


Eu absorvi suas palavras e percebi que sentia o mesmo. Talvez ódio não fosse a palavra adequada. Talvez nós estivéssemos evitando nos gostar agora. Mas no fundo, no fundo, bem lá no fundo nós dois nos amávamos. Correção: Ele me ama. Ta, mas se nós sentimos a mesma coisa... Então eu também... Ah! Deixa pra lá.


Essa festa era bem diferente da outra. O tema da ultima festa foi formal, e essa era tema livre – vai do jeito que você quiser. O globo de vidro cintilando no teto, as cores das luzes oscilando em dégradé: de azul para roxo para rosa para lilás e de volta ao azul.


A festa estava uma maravilha. Matthew não teve pensamentos negativos contra mim, e ele nem reclamou sobre o meu atraso, afinal, meninas se atrasam – eu tirei proveito disso.


De vez enquanto o Dylan me lançava uns olhares metralhadores: quando o Matt deslizava a mão demais em minha cintura, ou falava menos de dez centímetros de mim, ou quando o Matt me abraçava demais, ou quando ele sussurrava um comentário com uma piada no ouvido e me fazia rir, até quando mesmo ele segurava minha mão. Eu acho que o Dylan só se controlou a fazer nada de errado por causa da Rachel que não desgrudava dele por nada também. Confesso que também tive aquela pontadinha de ciúmes.


No final da festa, quando já estava na sessão de músicas lentas, só havia casais na pista dançando agarradinhos. Eu estava sentada na bancada do bar brincando com o canudinho do copo de ponche, o copo ainda pela metade. Eu deixei o Matt ir para casa, eu disse a ele que iria mais tarde. Um garoto sentou ao meu lado e murmurou alguma coisa ao barman. Depois eu olhei para ele.


- Oi – disse ele com os lindos olhos azuis arregalados. Ele parecia um pouco tenso demais.


- Oi – murmurei.


- Ta curtindo festa?


Eu dei uma golada enquanto pensava no assunto, nós éramos muito variáveis no conceito de humor.


- Ta me perguntado sobre a festa? – ergui uma sobrancelha hesitante e sacudi a cabeça.


- Acho que sim – disse ele pausadamente.


Eu ri de nervoso – eu detesto quando isso acontece comigo, é quase incontrolável.


- Até que ta legal.


- É – ele concordou meio desanimado.


Eu sorri maleficamente.


- Se não fosse a Rachel, seria melhor – murmurei tomando uma golada de ponche.


Ele bufou.


- Se fosse você e eu, seria melhor.


Ele não precisava dar ênfase a “você e eu”. Mordi o lábio.


- Agora você esta dizendo que somos um casal perfeito? – eu bufei e ri.


Ele parou um pouco para refletir sobre isso.


- Fala sério! – exaltei.


- Eu num falei nada disso – disse ele na defensiva.


- Mas pensou – rebati acusando-o.


Ele bufou e é assim que nós sempre terminamos nossos assuntos em geral hoje em dia.


Eu não tinha percebido o quão rápido, mas quando olhei de volta ao grande salão vi que estava vazio – só com meia dúzia de casais ainda entorpecidos com a música lenta. Eu bocejei e me levantei meio cambaleante. Não fazia a mínima idéia de que horas eram. Só estava consciente que a festa terminaria à meia-noite – a diretora do colégio não nos deixaria até as cinco da manhã.


- Quer que eu te leve para casa? – disse ele enquanto envolvia um braço em minha cintura para me apoiar.


Eu já estava sem saco pra falar qualquer coisa, se eu abrisse a boca nós sairíamos em discussão, então eu apenas assenti.


Ele me deixou na porta de casa, ou sendo mais específica, no meu quarto – Viviane dormia no sofá da sala. Ele me carregava como se eu fosse uma bêbada – bêbada eu não estava, impossível, não bebi nada de álcool, mas lúcida eu também não estava.


Ele disse que não iria embora enquanto eu dormisse. Ai, que garoto chato! Eu tomei banho e realizei o desejo dele: fui dormir. Ele ainda ficou um bom tempo no meu quarto sentado na beirada da minha cama. Eu não sei quando ele foi embora, eu já estava imersa em meus sonhos.

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