Lá vamos nós, de novo...
Já era de se prever que meu pai acharia estranho eu chegar em casa com aquela roupa.
Meu pai não havia ido trabalhar de novo – fez o trabalho em casa mesmo –, e pelo jeito já havia terminado. Ele estava sentado no sofá com sua postura formal, conversando com Holly e mostrando uns papéis a ela – mais trabalho. Ambos abriram um sorriso assim que me viram. Eu sorri. Eles dois combinavam tanto! Agora eu estou escolhendo namorada para o meu pai. Em que mundo nós estamos?
Cara, a ausência da Viviane realmente estava me preocupando. Será que ela quebrou as pernas, foi atropelada por um trem, ela foi carbonizada, ou o quê?
- Oi Angellyne, querida! – disse a voz azeda que vinha da cozinha.
É só pensar na besta que a peste aparece!
- Oi fofa! – disse abraçando-a com tanta força que poderia ter quebrado suas costelas, e como eu queria conseguir ter feito isso. – Que saudade!
Ela também me abraçou com tanta força que parecia ter o mesmo objetivo que eu.
- Elas parecem mesmo que se dão bem – ouvi Holly murmurar para o meu pai.
- É só fachada – sussurrou ele.
Eu me soltei da Viviane e fui voando para perto do meu pai. Dei um beijo na testa dele e cumprimentei a Holly.
- Onde você arranjou essa roupa Ann?
Eu olhei para o meu uniforme de enfermeira que mais parecia uma roupa de grife – nem pra tanto. Ta, eu exagerei. Mas nem de lupa veriam que aquilo era um uniforme de enfermeira.
- É uma longa história – disse já subindo as escadas para o meu quarto.
Parecia perigoso deixar meu pai lá embaixo com duas mulheres. A Holly não aparentava perigo nenhum, mas o veneno da Viviane... Cruzes!
Três batidas seguidas na porta do meu quarto.
- Pode entrar – gritei.
Ele abriu porta. O suficiente pro seus olhos me encontrarem sentada no chão perto da cama com a cabeça tombada na parede.
- Eu vou jogar golfe – informou ele.
Há quanto tempo que eu não jogava golfe com meu pai? Parece uma coisa meio chata, mas pelo menos ele transformava isso em uma coisa divertida.
- Você quer ir, filha?
Levantei num pulo.
- Claro, claro – disse sorrindo.
Seria muito melhor se fosse um programa apenas pai e filha, e não pai, filha e madrasta.
- A Holly vai com a gente? – perguntei.
- Er... – ela hesitou nas palavras e olhou para o meu pai insegura – Eu não gosto muito de jogar golfe – suas palavras não eram nada convincentes.
Deixei essa passar.
Meu pai estava ajeitando aquela boina cinza de golfe na minha cabeça. Eu não combinava com aquilo. Não sei por que ele insistia. Tudo bem, também deixei essa passar. Peguei o meu cabelo e o coloquei na abertura de traz do boné formando um rabo-de-cavalo.
Eu adoro aqueles uniformes femininos de golfe, um vestido justo na cintura e rodadinho da cintura para baixo, o tênis esportivo, o boné que eu não gostava tanto assim...
***
O jogo já começara. Estávamos no campo coberto de verde enorme que parecia ser infinito. Dava para ver o horizonte. Depois das seis da tarde daria para ver o pôr-do-sol.
Meu pai e um amigo advogado dele, Danilo Manson, estavam jogando enquanto eu resolvi dar uma volta em um dos carrinhos de golfe, que era uma maravilha por que não tinha faixa idade para dirigi-lo. Era uma coisa pratica entre freios e aceleradores, nada daquela coisa complicada de marcha. Eu fiquei rondando todo campo, observava para aonde a bolinha iria, às vezes ela ia longe demais, então era um serviço para eu ir buscá-la.
Meu celular vibrou no bolsinho lateral do vestidinho.
Dylan.
Eu não vou atender, não to nem um pouco afim.
Ele parou de vibrar. Ufa! Depois de alguns segundos ele vibrou de novo. Ignorei. Ele vibrou mais uma vez. Ignorei. Isso aconteceu umas cinco vezes e eu percebi que ele não desistiria enquanto eu não atendesse. E também por que era uma coisa nada agradável um celular vibrando na lateral de sua coxa. Perdi a paciência e atendi.
- O que você quer? – disse rispidamente.
Segurava o celular com a mão esquerda, enquanto com a outra mão manobrava com o volante do carrinho de golfe.
- Falar com você, dãã! – disse ele ironicamente.
Eu bufei.
- Ah, Angie, para com isso – seu tom de voz agora era súplica.
- Eu não fiz nada, foi sua namoradinha.
- Não é disso que eu estou falando. Sabe que eu te amo.
Eu ri sarcástica.
- Suas mudanças de humor me apavoram, sabia?
- É você que começa – acusou-me ele.
Respirei fundo.
- Mas você não precisava falar comigo daquele jeito – murmurei.
- Eu te defendi na escola.
Eu sabia que ele iria tirar proveito disso.
- Eu não te pedi nada. Isso não conta.
- Eu terminei com a Katie.
- Isso não conta – repeti, tentei deixar minha voz com o mesmo tom, mas ela falhou, não pude deixar de ser atingida pelo choque que suas palavras impuseram a mim.
- Ann? – disse ele depois de uma pausa, sua voz tinha assumido um tom preocupado.
- Sim? – foi o máximo em que me limitei a falar, com a voz meio rouca, chocada e perplexa, ainda falhando, minha voz me entregaria. Eu não vou me render, que droga!
- Eu terminei com Katie pra ficar com você, Angie – ele disse lentamente entre um suspiro – Eu passei a enxergar que tudo o que eu queria esteve sempre ao meu lado – sibilou ele, parecia estar sorrindo – E que eu sempre fui um estúpido – ele riu baixo.
Meus pés afundaram nos freios automaticamente. Eu não ia conseguir dirigir daquele jeito, poderia bater em uma árvore ou atropelar algum esquilo que atravessasse o campo. Minhas pernas tremiam, pouco, mas tremiam. Eu ri de nervoso. Meu sonho agora era um fato sendo ignorado por mim.
- Qual a graça? – disse ele depois de mais uma longa pausa.
Eu fiz não com a cabeça como se ele pudesse ver.
- Não faz isso comigo... – minha voz tava tão ruim que ela saiu entre num sussurro – Não brinca com meus sentimentos.
- Não! Eu não vou fazer isso – ele protestou – Angie, me desculpe pelo o que eu te fiz. Você entenderia se... – ele se interrompeu e suspirou – Me dê essa última chance de mudar por você. Eu lhe imploro. A última.
Até sua voz de pidão era irresistível. Ainda bem que eu não estava olhando para aqueles olhos azuis suplicantes que me renderiam facilmente.
- Vou pensar no seu caso.
- Pensa com carinho – disse ele com a voz melosa. Isso me derretia por dentro, que nem manteiga.
Eu soltei uma risadinha, mas logo tratei de reprimi-la.
- Ta bom. Tchau – disse imediatamente.
- Beijo, eu te amo.
Ah, pára, por que ele fazia isso?
Eu gemi e desliguei o telefone antes que ele falasse qualquer outra coisa que fizesse meu coração palpitar. Agora eu estava me restringindo a se apaixonar por ele. Aquele abismo idiota! Na verdade, me recusava era me afogar naquele oceano de novo.
Novamente, pisei de leve no acelerador e voltei para onde meu pai estava. Tentei voltar. Eu me perdi num campo de golfe. Num campo enormemente amplo.
Vi a bolinha quicar, vi de onde ela vinha e segui sua direção contrária, pelo menos tinha algum ser humano lá jogando. A não ser que um esquilo tivesse confundido a bolinha de golfe com uma noz. Daí quando ele chegou em casa feliz com a coisa redonda e branca, percebeu que não era uma noz e a tacou para fora de sua casinha que era dentro do tronco de uma árvore.
Eu vou parar com isso. Acho que tenho a imaginação fértil demais.
Então, como eu havia dito, tinha um ser humano jogando golfe de onde vira a bolinha. E por sorte esse ser humano era o senhor Robert Woncler que pareceu não perceber minha ausência. Que pai desnaturado.
Ele estava concentrado em sua tacada, e o Sr Manson reparava cada movimento que meu pai fazia. Viviane sentada em uma cadeira de camping de baixo de um guarda-sol tomando alguma coisa amarela.
- Mais gelo! – ouvi ela gritar com o garçom.
Ele assentiu e pegou o copo dela de volta.
Será que ela faria o mesmo comigo quando se casasse com meu pai? É claro que a madame das unhas perfeitas não lavaria louça, ou fizesse qualquer outro trabalho doméstico. Mas eu também não seria sua enteada-criada.
Meu pai acenou para mim de longe.
Fui desacelerando o carrinho aos poucos enquanto chegava mais perto deles e o estacionei. Fui até o quiosque e pedi um refrigerante.
- Onde a Angelzinha estava? – perguntou-me Viviane com sua voz ríspida e acre.
Eu estava em pé ao seu lado, debaixo do guarda-sol. Eu respirei fundo e mantive o meu tom educado.
- Qualquer lugar é melhor do que estar perto de você, queridinha.
Assim que ela ia abrir a boca para me respondeu meu pai a interferiu.
- Quer tentar, Angie? – disse ele gesticulando para o taco de golfe em suas mãos.
- Claro – respondi animada. Coloquei a lata em cima da mesinha que havia do lado da cadeira de camping, fiz a questão proposital de bater a lata na mesinha só para espirrar na Vivi.
Espirrou alguns pingos nela, ela se exaltou resmungando algumas coisas pelas minhas costas, mas eu a ignorei.
Eu peguei o taco das mãos do meu pai. Ele já havia reposicionado a bolinha. Eu ajeitei a postura inclinando o meu corpo um pouco para frente, ajeitei meus ombros, separei minha pernas e taquei. Acho que fui com muita força, o sol ofusca um pouco a minha vista, pus uma mão em concha acima de meus olhos para poder ver melhor.
- Viu Sr Manson? – comentou meu pai – Angellyne tem um ótimo potencial. Não só para o golfe, é claro, mas para muitas coisas...
Ele começou a tagarelar sobre mim. Eu tentei prestar atenção. Aliás, a conversa era sobre mim, mas eles murmuravam, eu não queria bancar a intrometida e me aproximar mais deles.
Já era estranho o fato de meu pai estar jogando golfe com seu advogado. Geralmente eles fazem isso para falar sobre negócios, e que negócios estaria incluídos o meu nome? Advogado. Por que meu pai comentara sobre mim? O que eu tinha a ver com isso?
De novo o surto de paranóia.
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