Desastres



Até parece que hoje seria um dia fácil. Bem que eu queria. Na correria na hora do intervalo de aulas, a meia-hora mais feliz pra muita gente. Menos para mim, pelo menos hoje não.


- Olhem! – disse Katie chamando a atenção dos outros que estavam em sua volta – A nova garçonete.


Todos riram.


- Ai garota, vai procurar outra coisa pra fazer em vez de infernizar minha vida!


Todos me ignoraram e continuaram rindo. Eu fiquei ali parada igual uma idiota encarando ela maleficamente. Ela olhou por sobre o meu ombro e sorriu. Depois voltou os olhos para mim e jogou o copo de refrigerante – que estava pela metade – em cima de mim. Pela metade, mas o suficiente para molhar minha blusa, meu cabelo... tinha até refrigerante no meu nariz!


- Ops – seus olhos eram inocentes e falsos – Desculpe – disse ela sinicamente – Você estava tapando minha visão.


Eu olhei por sobre meu ombro, era o babaca do Dylan.


- Você atrapalha – continuou Katie –, até para uma garota invisível não popular como você.


- Olha o meu dedo invisível para você – disse erguendo o meu punho pra ela.


Eu sai andando desaforada. O Dylan me pegou pelo braço e me arrastou para o lado contrário, era minha força contra a dele. Inútil! Ele me pôs frente a frente com a Katie de novo.


- Qual o seu problema com a Ann? – disse ele para a Katie. Sua voz era ríspida.


Ele atrás de mim, suas mãos pousadas em meu ombro, me segurando para que eu não saísse correndo, fugisse dali.


- Não precisa me defender – murmurei baixo.


Ele me ignorou. Ela abriu a boca pra falar, mas ele a interrompeu.


- Será que você só consegue se divertir humilhando os outros?


- Dy, pára com isso – sussurrei e ele me ignorou de novo.


- Dylan... Eu... – ela gaguejou.


- Assim não da mais Katie.


- Dylan, não fala isso – a voz dela estava ficando rouca.


Ele calou e assentiu franzindo os lábios, mas não parecia que ele tinha terminado.


- Briguinha de casal eu to fora! – murmurei tirando as mãos dele dos meus ombros.


Enquanto eu sai andando de fininho sua mão deslizou por meu braço até largar minha mão. Meu andar quase que abria crateras no chão de tanta raiva que eu tava. Mas isso não vai ficar assim, Katie que me aguarde! No caminho eu esbarrei em alguém, falei alguns palavrões em múrmuros até ser interrompida pelos seus olhos verdes.


- O que aconteceu? – perguntou Jerry, olhando para minha blusa branca que agora estava com uma mancha laranja enorme.


- Quem fez isso com você? – perguntou Ellen histericamente surgindo do nada.


- Quem vocês acham que é?


- Katie – disse os dois em coro.


Jeremy de um lado e Ellen do outro, ambos segurando meus braços como se eu estivesse alcoolizada. Os dois se comunicavam por olhares.


- Eu levo ela – disse Ellen depois do curto silêncio.


Jerry assentiu e largou meu braço.


Ellen me levou para o banheiro feminino.


- O que é que a gente faz? – gemi depois que olhei para enorme mancha laranja na minha blusa branca preferida. Parecia que a mancha estava se espalhando e crescendo, crescendo.


- Tem uniformes de enfermeira – disse ela um pouco pensativa – O que eu quero saber é o que você vai fazer com ela.


- Eu ainda não sei, mas vou acabar com ela da pior maneira possível – disse olhando sombriamente para Ellen.


Dei minha risada maléfica e Ellen arregalou os olhos, sua expressão era de um medo forjado. Dei inicio a minha risada maléfica de novo e ela em coro junto comigo.


Nós gargalhamos.


- É sério, eu to com medo de você – disse ela ainda com vestígios do riso esticados em seus lábios – Eu vou buscar o uniforme e já volto, ta?


Assenti ainda rindo um pouco.


Fiquei no banheiro com meu velho companheiro mp4. Eu não contei o tempo, mas depois de sete músicas Ellen voltou.


Eu fiz uma careta.


- É isso ou você fica com a blusa manchada – disse ela assim que notou minha careta.


- Tenho outra opção? – gemi.


- Não – disse com um sorriso irritante.


Eu bufei e peguei o uniforme. Entrei em uma das cabines do banheiro para me vestir.


- Como estou? – disse quando abri a porta.


Ellen riu.


- Qual é a graça?


- Você esta sensual – disse ela ironicamente e reprimindo o riso.


- Palhaça – disse fazendo uma careta e mostrando a língua.


Eu dei uma pirueta em frente ao grande espelho em cima da pia para me analisar ângulo por ângulo. Tive uma idéia.


- Tem tesoura? – perguntei a Ellen.


A palhacinha ainda estava rindo um pouco.


- Tenho – ela pigarreou para parar de rir –, pra quê? – disse ela enquanto pegava a tesoura em sua mochila e a entregava em minha mão.


- Vamos brincar de estilista! – disse sorrindo.


***


Tudo bem, já estava óbvio que eu dei uns picotes no uniforme de enfermeira. E primeiro, é claro, eu pedi a permissão delas e elas deixaram numa boa, porque também tinha uniformes de sobra, um só não faria falta.


- Eu estou muito exuberante? – perguntei a Ellen depois da longa aula biologia.


Eu estava hesitante e insegura. Todos os olhos focalizados em mim. Nos corredores cheios então... Nossa! Minha vontade era de enfiar a cara dentro da mochila.


- Com certeza não, e sim ao mesmo tempo – disse ela.


Eu olhei para ela meio confusa com aquela cara de “Ãhn”. O que ela quis dizer? Meio frio meio quente? Meu visual estava morno ou o quê?


- É que você está discretamente bonita – ela parou pensativa por um momento.


Eu sorri.


- Obrigada – disse ainda sorrindo – Mas você também não fica pra trás – disse elogiando-a também. Ellen era toda fashion, sabe. O cabelo curto espetadinho para trás que emoldurava seu rosto pequeno e arredondado, o tom de seu cabelo castanho-avermelhado sobreposto em sua pele marrom suave, as roupas com glitter... O fantástico armário da Ellen. Eu ri.


- Buuu! – exclamou a voz perto do meu ouvido, entre mim e Ellen.


- Oi Jerry – disse sorrindo para ele.


- Oi – disse Ellen ofegando. É sério mesmo que ela tinha se assustado?


- Oi meninas – disse ele passando seus braços por nossos ombros e encaixando-se entre nós duas.


Percebi seus olhos percorrerem por mim, de cima a baixo, sem perder um detalhe. Com certeza era o meu look novo.


- Sem comentários – disse antes que ele pudesse dizer qual quer coisa.


Ele assentiu.


- Bom menino – disse sorrindo.


Ele sorriu de volta para mim e depois girou sua cabeça para o lado de Ellen. Ele murmurou algumas coisas com ela e ela respondeu, eu não consegui entender nada do que eles falavam. Depois eles começaram a rir.


- O que é? – perguntei sobressaltada tirando os braços dele de mim. Eles deviam estar falando do meu “vestido”.


- Nada não – disse Jeremy reprimindo o riso.


- É... Coisa de nós dois – completou Ellen.


- C-Co... – gaguejei sem motivo algum, simplesmente fiquei perplexa. Eles continuaram andando e eu fiquei paralisada no meio do pátio.


Como assim “coisa de nós dois”? Qual é? Perdi meus dois melhores amigos para eles mesmos? Eu perdi meu amigo para minha amiga e minha amiga para meu amigo? Fiquei confusa agora. Mas se eles num estivessem namorando eles num contariam para mim? Ou não? Talvez fosse só uma ficada, nada demais. Respirei fundo. Quando eles tiverem namorando eles vão me contar. Por que eu estou tão neurótica com esse assunto? Respirei fundo mais uma vez para conter minhas células nervosas.


- Angie! – grito ele, já perto de mim.


Estremeci um pouco como grito inesperado.


- Rupert – disse suspirando. Olhei para o outro lado, e mais um susto – Yuri.


Eles riam.


- Ele te assustou, foi? – falou Yuri.


- Não – menti – Imagina – bufei.


Rupert soltou mais uma risada.


- E então? Empolgada? – disse Yuri.


- Com o quê?


Eles arregalaram os olhos para mim, como se eu estivesse cometido um crime mais super, hiper, mega horroroso do mundo.


- A festa é hoje à noite – disse Rupert por fim.


É mesmo cara, a festa! Tinha me esquecido completamente.


- Ah! Claro – eu sorri – Eu estou super empolgada – eu comecei a ri de nervosismo – Eu não tinha esquecido, é claro que eu não ia esquecer – menti.


Caramba. Com que roupa eu iria, como ficaria meu cabelo. Fala sério! Eu sou fácil de lidar com isso, afinal, quem consegue fazer uma conta enorme de trigonometria em quinze minutos?


Eles sorriram e se entreolharam. Parecia estar tramando alguma coisa pra cima mim.


- Você ta gatona, hein – Yuri comentou.


- Muita coisa – disse Rupert.


- Parem – disse timidamente.


Eles me abraçaram com um braço. Um de cada lado.


Devagarzinho, sem que eu percebesse, eles me levavam de volta à mesa redonda naquela roda de meninos – Kevin e Matthew. E a Isa também foi junto conosco, ela apareceu lá do nada, de repente.


Os assuntos sempre variados. Primeiro estávamos falando de biologia até que chegarmos ao assunto sobre Michael Jackson. Estávamos falando de golfinhos, como chegamos a Michael Jackson? Era estranho o jeito que eles interpolavam um assunto no outro.


Desviei-me um pouco do que eles falavam e olhei para o Matthew que estava no meu lado, ele estava meio amuado, apenas concordava e ria um pouco.


- Matt, você ta quieto... – comentei.


Ele deu um meio sorriso.


- Eu sou quieto.


- O que aconteceu?


- Eu to sem assunto – murmurou ele.


- O que aconteceu? – insisti.


- É que ninguém me convidou. – disse ele fazendo uma careta de chateação.


- Para...? – eu franzi o cenho, sem entender nada o que ele estava falando.


- A festa de hoje à noite.


Tudo só pra me complicar mais ainda.


- Essa é a festa em que as meninas convidam os meninos? – perguntei incrédula.


- É – disse ele com aquela mesma cara que o Rup e o Yuri fizeram para mim anteriormente quando eu havia me esquecido da festa.


- Ah – arfei – Claro – eu devia ter lido o folheto todo.


Houve silêncio entre nós dois, os outros falavam e riam sem parar.


- Quer ir comigo? – convidei-o.


Ninguém tinha convidado ele, os outros garotos deveriam estar em falta, principalmente o Dylan – o garoto mais lindo e desejado da escola. Aff!


Ele sorriu.


- Você vai querer ir com um cumprido chato feito eu?


- Ah, você não é chato... – falei.


Ele riu.


- Mas sou girafa.


- Uma girafa bonitinha – sorri.


Ele bufou.


- Vai comigo ou não? – disse cortando o assunto sobre girafas.


- Claro – disse ele com um sorriso largo e iluminado que cintilavam em contraste na sua pele negro-dourada, os olhos claros cinza esverdeados estreitos.


Eu sorri de volta.


O Matt até que é bonitinho.

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