Você me faz te amar



Hoje eu saí de casa mais cedo do que costumava. Eu ainda não queria olhar nos olhos do Dylan, por raiva, ou, talvez, por medo de escorregar no abismo de novo.


Cheguei na escola tão cedo que parecia um deserto lá. Poucas pessoas vagavam pra lá e pra cá. Liguei o meu mp4 no ultimo volume. O som estridente que saia dos mini-fones era ensurdecedor. Talvez eu estivesse a fim de estourar meus tímpanos para não ter que ouvir as bajulações do Dylan quando ele chegasse. Inclinei minha cabeça para trás no banco e fechei os olhos. Tentei viajar pra lugar nenhum, qualquer vazio de minha mente. Até que dois pares delicados de mãos cobriram meus olhos fechados.


- Ellen? – tentei adivinhar, mesmo que isso já estivesse evidente pra mim.


Ela riu, deslizou as mãos dos meus olhos e sentou-se ao meu lado.


Normal. Tagarelamos coisas de meninas: a “evolução das unhas” dela, Gustav Shäfer, roupas, Gustav Shäfer, escola, Gustav Shäfer, meninos e... bom, acho que você já sabe.


Bateu o sinal e nós fomos para nossas salas. O Dylan ainda não havia chegado. Foi só falar nele que ele apareceu do nada, ofegante, os seus olhos dispararam para mim. Ele sentou-se atrás de mim ainda em silêncio.


Foi assim em todas as aulas, a gente não se cruzou no intervalo, nem nada. Na hora da saída quando eu já estava de volta ao banco do pátio tagarelando com Ellen ele finalmente tomou coragem e veio falar comigo.


- Er... Angie – ele hesitou um pouco, vi suas mãos tremerem dentro dos bolsos do casaco – Oi Ellen – ele sorriu pra ela simpaticamente e ela retribuiu, ele voltou os olhos para mim – Eu quero fala com você, Angie.


- Fala – disse friamente dando de ombros.


- A sós, por favor.


Eu franzi os lábios.


- Até mais – murmurou Ellen sorrindo para mim e se retirando antes que eu pudesse dizer qualquer coisa.


Eu respirei fundo.


Ele continuou de pé hesitante.


- Fala – repeti.


- Desculpa? – ele fez carinha de anjo.


Eu bufei e cruzei os braços.


- Eu sou um burro – murmurou ele.


- E? – estimulei-o a continuar.


- Eu cometi um erro em ter voltado para ela.


- E?


- Cometi um erro maior ainda por ter magoado você.


- Hmmm – eu ainda aparentava insatisfeita, queria me aprovar de seu lamento – E?


- E eu quero que você me desculpe, nem que pra isso você tenha que me sacrificar.


Eu ri sem humor.


- É sério, Angie.


Eu reprimi o riso.


Ele se ajoelhou na minha frente e segurou minhas mãos.


- Angellyne Marie Woncler... – ele sorriu.


Eu simplesmente detestava quando falavam meu nome completo, mas eu não conseguia me estressar com ele naquela hora. E ele não precisava dessa perfeição toda.


- Estou aqui – continuou ele – ajoelhado a seus pés lhe pedindo perdão. – ele beijou minha mão direita – Eu estou disposto a encarar qualquer coisa por seu perdão, Angie, até a cadeira elétrica – ele riu baixo –, a guilhotina...


- Você morreria.


- É né – ele assentiu –, mas pior ainda é morrer de culpa, porque a minha amada não que me perdoar pelo erro estúpido que cometi. Então?


Eu revirei os olhos.


- Ah, se isso te faz feliz... – sussurrei de má vontade.


- Ta bom, não precisa ser agora. Eu estou disposto conquistar seu perdão – ele deu um sorriso de confiança.


Meus lábios automaticamente se esticaram em um sorriso. Ele beijou minha mão esquerda e eu o puxei para um abraço. Esse sim era o maior defeito do Dylan, a coisa que eu mais odiava nele, ele fazia com que eu o amasse.


Nós fomos juntos para casa, como sempre. Já estávamos praticamente na porta de casa.


- Sua namorada não sente ciúmes? – perguntei com a maldita ponta da curiosidade.


- Namorada? – disse ele confuso.


- A Katie...


- Ah – exclamou ele ao se lembrar. Ele esqueceu a própria namorada – É, ela sente. Normal – ele deu de ombros –, mas em relação a você... chega a ser doentio – ele estremeceu.


- Ela pensa que nós dois temos alguma coisa? – sobressaltei.


- E não temos? – ele ergueu uma sobrancelha.


- Er... Sei lá... Não! – eu sacudi a cabeça, a frase saiu toda pelo avesso. Mas tecnicamente nós não tínhamos nada, certo? Ou eu que sou a réu agora?


- Não? – ele cruzou os braços e ficou estatelado olhando para mim.


- Eu não sei! – bati o pé no chão como uma criança malcriada.


- Você não gosta de mim? – suas sobrancelhas se uniram.


Minha mente estava totalmente embaralhada.


- É... – foi tudo o que eu disse.


Ele riu.


- Qual é a graça? – agora sim eu me estressei.


- Você bate o pé e diz que não, mas você me ama – disse ele se gabando.


Eu dei um tapa no braço dele e ele se encolheu um pouco.


- Deixa de ser ridículo, Dy!


- Confessa Ann – insistiu ele.


- E se eu disser que não? – desafiei-o e dei outro tapa em seu braço.


- Você estaria mentindo – rebateu ele – E isso é muito feio.


- Não! Pois eu não sinto nada além de amizade... Talvez nem mais amizade, talvez eu não sinta nada por você! – dei mais um tapa no braço dele.


Ele riu sarcasticamente.


- Eu também nunca senti nada por você, não sei por que eu me ajoelhei aos seus pés – ele bufou – Quer saber, foi tudo encenação – ele deu de ombros –, eu nunca senti nada por você mesmo. E pára de me bater – ele ergueu os braços se rendendo assim que eu ergui minha mão novamente pra batê-lo.


Não resisti e mesmo assim dei mais um tapa.


- É o último – murmurei na defensiva – E quer saber...


Eu o beijei. Apertando os olhos e reprimindo todos os meus sentimentos.


- Ta vendo! Foi como beijar um peixe morto! – eu disse palavras cuspidas.


- Não! Com certeza uma ostra beija melhor do que você – rebateu ele.


Ele segurou minha nuca entrelaçando seus dedos em meus cabelos num gesto repentino e me beijou. Percebi que cada movimento era planejado e desejado. O beijo demorara mais do que eu esperava, eu não negava a nada e muito menos ele. É como se por alguns minutos nós saíssemos de órbita. Ele parou me olhando nos olhos. Eu ofeguei.


- Tem razão, Dy – disse ainda com a voz fraca e ofegante –, um peixe beija muito melhor do que você.


Ele sorriu debochadamente e entrou em sua casa, mas eu bati a porta primeiro que ele, o que significa que eu venci! Eu to sendo tão infantil. Subi as escadas correndo pro meu quarto, joguei minha mochila em canto e me joguei na cama. Eu ainda ofegava. Mordi o meu lábio e ainda havia o gosto do beijo dele. Uaaal!


Vi o Dylan entrar em seu quarto batendo a porta. Ele tirou a camisa. Respirei fundo. Sentei na beirada da minha cama, ele me encarava através do vidro ainda com aquele sorrisinho torto e debochado. Eu fiz uma careta e o encarei diretamente, na verdade eu o metralhava com os olhos. Ele não parava e o ar já estava fugindo de mim de novo. Eu fechei a cortina da janela, atordoada.


- Argh! Que garoto ridículo! – falei – E ele ainda se acha melhor! – dei uma breve risada frenética – Cara, eu to falando sozinha – refleti comigo mesma. Eu estava parada no meio do meu quarto falando sozinha.


Entrei correndo pro banheiro pra tomar banho antes que uma das quatro paredes me respondesse. Ele fazia com que eu o amasse. Ai, que ódio!


- “Eu estou disposto conquistar seu perdão” – fiz uma voz azucrinante, repeti o que ele disse no pátio da escola – Urgh! Idiota! Eu sou uma idiota por acreditar nele. Não! Ele me supera na idiotice. Droga! Eu to falando sozinha de novo!


Isso realmente era paranóico. Respirei fundo e tentei recuperar meus pontos. Respirei fundo de novo e tentei organizar minha mente. Respirei fundo mais uma vez... Dylan não, Dylan não.


- Por que até pra não pensar nele eu preciso pensar nele para negar o meu pensamento de não pensar nele? – até eu fiquei tonta com o que falei.


Fechei o registro do chuveiro, me enrolei na toalha e entrei no meu quarto antes qualquer objeto inanimado me respondesse. Isso era gravemente paranóico. Eu to falando com as paredes! Qual é!


Vesti-me com uma roupa básica e fui trabalhar. Pelo menos uma coisa para me distrair. Peguei meu fiel skate e fui.


Cheguei lá e o movimento estava médio. Um movimento normal para o horário de almoço. Peguei meu avental atrás da bancada.


- Boa tarde, Angie – disse o Nick passando por mim com uma bandeja em cada mão.


- Boa tarde, Nick – disse sorrindo – Oi Cassie! – gritei para ela que estava na cozinha.


- Oi Angie! – disse ela acenando – Vem cá me dá uma mãozinha.


Eu fui atender ao pedido da Cassie.


- Dona Manu, Seu Bernard – disse sorrindo enquanto passava por eles.


Lá estava a Cassie lutando com a chapa de hambúrguer.


- São oito pedidos – disse ela me entregando a espátula.


Eu virava os hambúrgueres enquanto ela arrumava os pães com todos aquelas coisas magníficas que deixa o glorioso hambúrguer uma delícia. O Juan veio e me tirou do meu posto.


- A Cassie tem que para de ser exploradora – disse ele rindo.


Ela ficou de boquiaberta incrédula.


- Eu? Eu só pedi uma ajudazinha a ela – disse ela inocentemente.


Eu ri.


- Gente! Parem. – disse apartando a discussãozinha dos dois.


Eu peguei os hambúrgueres que já estavam fritos e os arrumei no pão. Que bonitinho! A alface verde e onduladinha fazendo a moldura arredondada.


- Para de enfeitar o pobre do hambúrguer – disse o Nick dando um beliscãozinho na minha cintura.


Senti cócegas.


- Eu só estou admirando – disse enquanto arrumava-os na bandeja.


- É... O cheddar, o presunto e o bacon colocados em uma seqüência perfeita. A alface, os picles e a delicada fatia de tomate – ele suspirou.


- To mudando o conceito sobre eu ser paranóica – murmurei.


Peguei os números das mesas que era pra servir. Hoje foi tudo tão monótono... Aff, esse seria o meu sonho, se hoje fosse chato e não estressante. O Dylan não saia da minha cabeça, e o beijo dele... Ai, que droga!


- O que aconteceu, Angie? – perguntou Cassie.


Cassie era muito legal, mas o problema era que ela era observadora demais – igual à dona Ellen.


- Nada não, acho que hoje eu não acordei de bom humor – disse com a voz monótona.


- Com essa carinha... – disse ela me fitando – Parece que brigou com o namorado.


Eu soltei uma breve risada.


Era realmente algo parecido com isso. A diferença era que ele não era meu namorado.


Até que com as piadinhas do Nick e do Juan eu consegui desviar um pouco minha mente dele. Eu estava me proibindo de pensar naquele nome de qual quer forma.


Já passava das 19h00min, a noite estava fria. Dona Manu me liberou. Eu tentei voltar para casa de skate, mas o vento batia bruscamente em minha pele como uma tempestade de areia. Eu esbarrei em alguém.


- Des... – me interrompi no meio da palavra depois que vi quem era, seria inútil, eu suspirei – O que você ta fazendo aqui?


- Desculpa – disse ele debochadamente – A rua é pública.


Eu bufei e cruzei os braços.


- Você não esta sentindo frio? – seu tom de voz era de preocupação.


- Não – menti.


Ele afagou meu braço.


- Você ta toda arrepiada!


Como sempre, minha pele me entregando, ela não precisava ser sensível ao tempo. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa ele já estava tirando o casaco. Ele estendeu o casaco aberto para mim, eu descruzei e enfiei os braços nas mangas do casaco. O casaco ficou enorme em mim. Sentia-me um saco de batata.


- Obrigada – murmurei baixinho.


- Oi? – percebi um pouco de ironia.


- Obrigada pelo casaco – disse entre os dentes.


Ele riu.


- Qual é a graça, Dy?


- Nada – ele reprimiu o riso.


Eu bufei e atravessei a rua. Ele continuou do outro lado. Enfiei minhas mãos que já estavam geladas nos bolsos do casaco. Assim nós seguimos nosso caminho até em casa, ele de um lado e eu de outro, como duas pessoas estranhas.


- Você não vai falar comigo, né? – gritou ele do outro lado da rua.


- Não – gritei.


Ainda bem que a rua estava deserta e não teria nenhuma testemunha para pensar o quanto isso era estranho.


- Eu não faço questão mesmo – ele deu de ombros.


- Ótimo!


Fiquei aliviada quando já estava perto de casa. Entrei em casa sem me despedir dele. Meu pai estava com aquela mulher de novo, a Holly, eu passei e falei com eles, eles estavam cozinhando e o cheiro estava uma delícia. O que será que aconteceu com a Viviane, hein? Ah, quer saber, tanto faz! Eu subi pro meu quarto pra tomar banho e tirar aquele cheiro de hambúrguer, só ai que eu percebi, eu ainda estava com o casaco de moletom preto do Dylan e além do mais ainda tinha seu cheiro nele, cheirinho bom. Tirei o casaco e coloquei em cima da minha cama e fui tomar banho. Sai do banho e me vesti. Dei uma breve olhada pela minha janela. E lá estava ele! Ele colou o papel na janela e ficou me encarando.



Eu respondi desaforada:



Ele suspirou.



Eu ri. Será que ele estava falando sério? Ta, agora eu me abalei. Ah, tanto faz! Quando virei às costas para ir para porta escutei alguma coisa batendo na minha janela, pensei que fosse a árvore, então ignorei. Assim que fechei a porta o barulho ficou mais intenso, abri a porta pra ver o que, minha expressão era incrédula. Fala sério!


Abri a janela.


- O que você esta fazendo aqui? – disse sussurrando.


- Vim buscar meu casaco – disse ele também sussurrando e entrando no meu quarto –, se não se importa.


- Ta, pega seu casaco e vaza daqui – disse a ele, indicando a janela.


- Calma menina – disse ele erguendo os braços se rendendo – Eu não vou te seqüestrar – disse com um sorriso malicioso nos lábios –, pelo menos não ainda.


- Ridículo! – eu dei um tapa no braço dele – Sai daqui!


- Pára!


Ele segurou minhas mãos no alto encostando-me na parede. O olhar dele era bem penetrante em mim, mas eu não me renderia, não de novo. Eu me abaixei um pouco deslizando minhas mãos da dele e saindo da cerca que seu corpo fazia em volta de mim.


- Tchau – disse secamente.


Ele sorriu e pulou minha janela descendo pela árvore.


- De novo não! – disse sacudindo a cabeça, falei com as paredes de novo – Argh! – me estressei e bati a porta do quarto.


Ai cara, eu to odiando isso tudo, esses joguinhos dele, ele se acha! Idiota! Como é possível ele primeiro dizer que me ama e depois dizer que nunca sentiu nada por mim – tudo bem, eu comecei primeiro, mas isso não conta, foi o que ele disse! O que eu mais odeio acima de tudo é a porcaria das borboletas que sempre voltam quando eu o vejo. Não, não é possível, deve ser enjôo. Borboletas não! 


E eu não sei por que não consigo tirar meus olhos de você...


Sua voz ecoava na minha cabeça. Era inevitável.

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