Meu primeiro job
Eu não queria mais depender do dinheiro do meu pai porque eu precocemente tenho o instinto de independência. Então era perfeito. Coloquei minha bicicleta no bicicletário, entrei e pus a placa em cima do balcão, com os dedos tamborilando sobre a mesma esperando ser atendida.
- Deseja alguma coisa senhorita? – perguntou-me um rapaz alto.
Tive que inclinar um pouco minha cabeça para trás pra poder olhar para ele. Ele sorria. Os olhos negros estreitos e penetrantes, os cabelos claros – quase loiro – arrepiados.
- Emprego – disse sutilmente.
- Com cheddar ou mussarela? – disse ele agora com a expressão séria de profissionalismo. Juro que quase acreditei.
Ele riu me fazendo rir também.
- Você tem alguma “habilidade”? – ele fez aspas no ar.
- Não... exatamente – disse hesitante; não precisara de “habilidades” para carregar bandejas.
- Sabe carregar bandejas?
- Sei – disse balançando a cabeça.
- Hmmm – murmurou ele pensativamente – Espere um pouco.
Ele saiu de minha vista e depois de uns dois minutos ele voltou com um avental nas mãos.
- Ta empregada – disse ele sorrindo e erguendo o avental para mim.
Eu pulei o balcão, parei ao lado dele e me senti um botãozinho.
- Qual o seu nome? – perguntou-me ele gentilmente.
- Angellyne – disse sorrindo enquanto colocava o avental – E o seu?
- Nicolas – ele sorriu e depois fez uma careta – Mas eu prefiro Nick.
Sorri assentindo.
- Angie.
Ele sorriu e me entregou um bloquinho de pedidos.
O movimento estava médio. Ual! Estou empregada e meu pai não sabe. E a melhor parte é os patins de quatro rodinhas! Consegui servir trinta e duas mesas em uma hora. E assim foi ao longo do meu dia. Hora ou outra o Nick fazia piadas, foi bem divertido o primeiro dia de trabalho no meu primeiro emprego. Também conheci a Cassie, o Juan, a Dona Manuela e Seu Bernard. Todos eram como uma família, mas acho que Dona Manuela e Seu Bernard eram donos – por serem os mais velhos.
Eles disseram que hoje iriam me liberar mais cedo. Porque eu contei sobre a história toda que meu pai não sabia e tal e também porque o movimento não estava muito grande, então eles não precisariam de minha ajuda. Mas o meu horário normal é de 14h00min até 20h00min. E ainda eram 18h00min.
Tudo corria muito bem até que a Katie passa pela porta – ela e suas seguidoras robóticas e mais alguns garotos. Péssima hora, todos estavam ocupados e eu era a única que tava fazendo nada limpando o balcão mais de uma hora. Tive que ir né.
- O que deseja? – perguntei sutilmente, sem olhar pra cara dela.
Ela soltou uma risada.
- Angellyne Woncler? – ela riu de novo. Ela e suas amiguinhas. Só os meninos permaneceram em silêncio.
Percebi que um dos garotos que estava com ela era o Dylan. Não acreditei. Pela sua expressão ele também parecia surpreso. Eu bufei e contei até cem, se não seria despedida no meu primeiro da de trabalho.
- O que deseja? – perguntei, agora fingindo ser educada.
Ela se recuperou do riso. Eu tentava o máximo não olhar para o Dylan.
- Você é uma piada – agora ela ria baixo – Obrigada por alegrar meu dia – disse ela fazendo beicinho agora – Bom – continuou ela pegando o cardápio –, tem alguma coisa sem caloria, sem carboidrato, sem açúcar e sem gordura?
Eu suspirei e respondi educadamente o mesmo que respondi para Viviane da última vez.
- Temos água – disse sorrindo pra irritá-la.
Desta vez os meninos riram e a Katie me fuzilou com os olhos. Infelizmente eu tive que reprimir o riso, ela cutucou o Dylan com o cotovelo, ele fez um biquinho reprimindo o riso e os outros fizeram o mesmo. Eles pareciam cachorrinhos obedecendo a sua dona, só faltava latir e balançar o rabinho. Jamais esperaria isso do Dylan, pensei que ele já tivesse passado dessa fase.
- Eu vou querer um hambúrguer – por fim disse a Katie – Sem carne, sem queijo e sem pão.
- Eu acho que você quer uma salada – disse irônica.
E mais uma vez os garotos reprimiram o riso. Katie fungou pelo nariz, já cheia de ódio de mim.
- Uma salada – murmurou ela. Suas amigas robóticas assentiram – Três saladas.
Ela deslizou o cardápio para os meninos que estavam com ela.
- Isso é comida? – disse o garoto de camisa vermelha.
Eles soltaram uma breve risada.
- Um x-tudo. – disse Dylan de cabeça baixa, obviamente, também evitando olhar para mim.
- Um completão – disse o garoto de camisa vermelha.
- Um x-picanha – disse o garoto de camisa verde.
Eu anotava tudo no bloquinho.
- Mais alguma coisa?
- Três cocas – disse o mesmo de camisa verde apontando pros demais de camisa vermelha e o Dylan.
- Coca light – corrigiu Katie.
- Ok – disse sorrindo e sai.
Até que eu me sair super bem, pensei que minha cabeça iria explodir. A Katie aqui foi um dos meus maiores desafios. E eu nunca imaginei ver o Dylan com ela de novo, pensei que ele tivesse mudado, mas eu estava enganada. Destaquei uma folhinha do bloco onde teria anotado tudo, toquei o sininho do balão e o entreguei ao Nick. Depois eu fui atender as demais mesas. Até que o pedido da mesa 21 – a mesa da Katie – saiu.
Eu fui servi-los naturalmente séria.
- Não sei por que eu ainda tento te humilhar – disse Katie – Você faz isso tão bem sozinha.
Ela, a Lindsay e a Sabrina riram.
- Para com isso Katie! – interferiu Dylan, sua expressão era séria.
Eu ignorei todos eles e sai dali. Fui servir as outras mesas. Não sei por que o Dylan veio atrás de mim.
- Angie – murmurou ele.
- Eu não preciso de sua pena – disse sem olhar para ele.
Eu estava morrendo de raiva dele. Minha vontade era de dá um murro na parede. Ou melhor, na cara daquela psyco-patty imbecil.
- Angie, me desculpe.
- Desculpas? – olhei para ele incrédula – Ridículo.
Eu o ignorei de novo.
- O que deseja? – disse sorrindo para a senhora que estava sentada a mesa.
- Eu desejo você – sussurrou ele em meu ouvido.
Eu o ignorei de novo, apenas prestava atenção ao que a senhora pedia e anotava tudo. Destaquei a folhinha e pus no balcão. Ele pegou em minha cintura e continuou me seguindo aonde quer que eu fosse.
- Por que você não me esquece, hein? – murmurei já irritada.
- Porque eu não cometo o impossível – disse ele perto do meu ouvido.
Eu respirei fundo. Assim que terminei de servir todas as mesas ele me virou para ele facilmente por causa dos patins que deslizara no chão. Segurou o meu rosto obrigando-me a encontrar os olhos dele.
- Por que você ta com... aquela garota? – disse antes que ele falasse qualquer coisa.
Ele deslizou as mãos do meu rosto para o meu ombro sem dizer nada.
- Você voltou com ela, né? – disse agora com angústia na voz.
Ele franziu os lábios e assentiu.
Eu afastei as mãos dele de mim e continuei o trabalho. Finalmente ele parou de me seguir e ficou ali parado. Depois eu acho que ele voltou para mesa, não sei, fiz questão de não saber. Pedi para Cassie trocar de lugar comigo para que eu não fosse submetida a passar por ele a toda hora. Eu disse para ela que eu simplesmente estava cansada de ficar patinando pra lá e pra cá. Então eu fui para a cozinha lavar os pratos e ela foi servir no meu lugar. A água que jorrava da pia só estimulava mais ainda o meu choro. O choro que eu engoli dezenas de vezes. Eu não vou chorar por ele, disse a mim mesma, nunca mais.
O meu expediente acabou. Eu tirei o avental e os patins.
- Tchau Nick! – disse acenando para em geral – Tchau Dona Manuela, Cassie, Seu Bernard, Juan...
- Tchau Angie – disse todos em coro.
Quando sai minha bicicleta era a única que havia no bicicletário. Surpreendi-me ao vê-lo ali sentado na calçada. Esperando por mim? Seria perda de tempo. Enquanto pegava a minha bicicleta ele se aproximou mais de mim.
- Angie – ele murmurou o meu nome com aflição.
- O que você ta fazendo aqui, hein? Por que não foi embora junto com sua namoradinha? – disse furiosa – Ta perdendo o seu tempo.
- Não, Angie. Pára com isso – disse ele com a voz rouca segurando minhas mãos no guidão da bicicleta. Tava meio escuro, só com a luz fraca alaranjada dos postes, não conseguia ver seu rosto nitidamente. Pela sua voz dava para distinguir que ele estava chorando. Pouco me importei.
- Deixa eu ir embora pra casa – disse friamente.
- Deixa eu te levar para casa.
- Me esquece Dylan!
- Deixa eu te levar para casa – insistiu ele.
- Tudo bem, mas eu não vou dirigir a palavra a você – disse sem olhar para ele.
- Sua presença pra mim já basta – disse ele entre um sorriso.
Eu franzi os lábios e o fuzilei com os olhos.
Mais uma vez suas mãos voltaram para as minhas, ele pegou minha bicicleta. Seria assim até em casa, nós dois caminhando em silêncio, um do lado do outro em uma distancia restrita.
- Olha a lua – disse ele por fim.
Eu não respondi nada.
- Pena que ela se escondeu atrás das nuvens.
Eu permaneci calada.
- Ela deve ter sentindo vergonha depois que viu o brilho dos seus olhos – senti seus olhos lampejarem para mim.
Eu não pude reprimir o sorriso, então abaixei a cabeça deixando meus cabelos deslizarem sobre meu rosto e esconder meu sorriso. Não queria me render a ele, então não me renderia.
- Sabe – ele começou a falar de novo –, acho que eu sempre fui um cara estúpido demais – disse ele rindo de si mesmo. – Olha, eu gosto da Katie, mas quando ela está entre as amigas ela é totalmente diferente. Eu refleti sobre isso hoje...
- Tarde demais – disse em fim, interrompendo-o.
Ele bufou.
- Como eu disse...
- Idiota – murmurei.
- Você não sabe o quanto – disse ele concordando.
- Isso não muda nada.
Parecia que a gente não ia chegar em casa nunca. Já estávamos na esquina, mas quanto mais eu andava mais a rua se alongava, mais demorava. Então aprecei mais o passo. E ele me seguindo. Finalmente eu consegui chegar perto de casa. Peguei minha bicicleta que estava com ele, enquanto desenrolava seus dedos do guidão ele me deu um beijo no rosto. Foi um ato tão imediato que eu arrepiei.
- Boa noite – sussurrei e praticamente corri pra casa.
Mesmo à luz fraca dos postes pude ver seu sorriso flamejante. Pus minha bicicleta no canto de sempre. Entrei em casa.
- Demorou, hein – bronqueou meu pai.
Ele estava no sofá da sala, sentado, meio inclinado, assistindo a TV. Eu sentei ao dele animada ao dar a notícia.
- Arrumei um emprego – disse sorrindo.
Ele desviou os olhos da TV para olha para mim, seus olhos arregalados e perplexos.
- Por quê? – disse ele incrédulo.
- Esqueceu? – ergui uma sobrancelha – Eu sou autônoma – lembrei a ele, e eu ainda sorria.
Ele me pegou por um braço e me abraçou. Senti minhas bochechas molhares ao encostar-se ao rosto de meu pai.
- Pai, não seja sentimental demais – murmurei.
Ele segurou meu rosto entre suas mãos.
- Minha borboletinha já está criando asas – disse ele com os olhos maravilhados.
- Mas, pai, é só um emprego normal de uma adolescente normal.
- Sobre o adolescente normal eu não garanto muito – ele soltou uma risada – Mas falta pouco, quando eu perceber você já é uma mulher.
Eu sorri.
- Eu sempre serei sua garotinha.
Ele deu um beijo na minha testa e me abraçou de novo. Ficamos abraçados por um bom tempo. Até que – finalmente – ele me soltou com um suspiro.
Eu subi pro meu quarto e tomei um banho para dormir, eu tava morrendo de cansaço. Vesti minha calça moletom rosa favorita e uma blusa de cetim azul. A janela do meu quarto estava aberta, eu apaguei a luz e pude ver que alguma coisa ainda iluminara o meu quarto. A lua que lampejava no céu abarrotado de estrelas, as nuvens pesadas não estavam mais ali.
A música era envolvente, era conhecida e tocada apenas no violão. O violão que eu nunca vi o Dylan usar, agora ele estava sentado na beira de sua cama, com o violão no colo. Eu demorei até entender até descobri que era a música.
What day is it and in what month. This clock never seemed so alive.
A música era linda. Sua voz era perfeita, grave e suave. Só me toquei quando ele chegou ao refrão.
Cause it's you and me...
A música era do Lifehouse, “You&me”. Eu suspirei e sentei na minha cama, abracei minhas pernas e fiquei ali encolhida.
And I don't know why I can't keep my eyes off of you.
Quando ele cantarolou esse trecho ele olhou para mim e sorriu. Tive uma sensação estranha e momentânea que me fez sentir um calafrio de cima a baixo na espinha.
All of the things that I want to say just aren't coming out right, I'm tripping in words, you got my head spinning, I don't know where to go from here. Cause it's you and me and all of the people with nothing to do, nothing to prove.
Ele ainda olhava para mim, e o calafrio era constante.
There's something about you now, I can't quite figure out. Everything she does is beautiful, everything she does is right.
Ele terminou de tocar, suspirou fundo e olhou para mim. Eu assoalhei seus olhos que estavam inundados de culpa. Ele pegou o caderno e escreveu.
Eu respirei fundo e respondi.
Ele sorriu.
Eu ergui uma sobrancelha e fiz suspense ao responder.
Ele bufou e franziu os lábios.
Eu sorri e me deitei na cama, não queria fechar a janela. Queria passar a noite toda olhando para aquele rosto perfeito que assombrava meus sonhos. O rosto que me deixava à beira de um precipício cheio de espinhos e pedras, porém, me proporcionava uma vista linda. O precipício tentador da paixão, onde por inúmeras vezes eu escorreguei, mas consegui voltar à superfície a tempo.
E eu não sei por que não consigo tirar meus olhos de você...
A música ficou ecoando na minha cabeça por um bom tempo. Mesmo depois que cai no sono a música me perseguia. Era apenas o som da sua voz, não havia imagens em meu sonho, era o mesmo que escutar uma música de olhos fechados, prestar atenção em cada timbre, em cada sentido da palavra, em cada suspiro. Deixar a música girar a sua cabeça e te levar para outro mundo...
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N/A: para quem não conhece a música aqui vai a letra e tradução {http://letras.terra.com.br/lifehouse/95988/traducao.html}, ela é uma das trilhas sonoras de Smallville e na minha opinião ela é muito fofa e descreve bastante o que o Dylan realmente sente pela Angie *-*
Obrigada por acompanhar,
xoxo
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